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TEXTO 5

No fecho nada. Tereza, escuta. Uma vez, eu vi um filme italiano. Era uma histria de bandido.
Histria feroz, sem nenhuma vergonha do dramalho. E l havia o velrio genial, o velrio que
cada um deseja para si. O bandido estava na mesa do necrotrio, e cravejado de balas. E de
repente chega a me do defunto. Minha mulher, est ouvindo? Qualquer grande dor tem
gritos que ningum ouviu, jamais. Mas nenhuma me, em nenhum idioma, berra, uiva, como a
me daquele morto. Era a mais siciliana das sicilianas. Ao ver o cadver, esganiou todos os
gritos do seu espanto. Ah, Tereza, Tereza. Na minha poltrona, eu tive uma sensao de
deslumbramento. E aquela me devoradora comeou beijando o dedo grande do p. No
beijou apenas. o que seria pouco para sua fome. Ela sorvia os dedos um por um, como
aspargos. Ah, meu Deus, aquela boca continuou beijando a sola do p, o calcanhar, as
canelas. Nada restou que no fosse beijado. E eu sei que tambm vou morrer, no varado de
balas. Deus quer que eu tenha enfarte, que a morte da moda. Essa dor manhosa no brao
esquerdo no me engana. Eu sei que minha morte que est doendo mansamente. Eu penso
no bandido. Mas sei que no vou ser chorado assim, beijado assim, amado assim. Se no
ouvisse a minha morte, ouve meu sonho. Um sonho de uma semelhana espantosa com a
realidade. Sonhei que meu filho vinha me dizer: Sou eu que escrevo as cartas annimas,
eu! E comeou a chorar como um menino. Depois, caiu aos meus ps e beijou os meus
sapatos. Tereza, se meu filho fizesse isso, eu estaria salvo, no morreria mais. E se morresse,
seria beijado como o maravilhoso defunto siciliano.

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