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Capitulo | A PRODUCAO DO ESPACO COMO ESTRATEGIA DO CAPITAL ‘Ao longo da histéria do modo de produgao capitalista, espaco passou a fazer parte dos circuitos de valorizagao do capital, seja pela simples mercantilizacdo da terra, seja pelo seu parcelamento (pelo loteamento uw pela verticalizagio), ou, como tem ocorrido mais recentemente, pela sua “rescente incluso nos circuitos de circulagéo do capital financeiro, tomando- se cada ver. mais capital ficticio. O presente capitulo tem por objetivo discutir algumas relagdes entre a producio do espaco, particularmente do espaco tubano, com 0 modo de producao capitalista, Trata-se do marco teérico do abalho, ou seja, dos pressupostos teéricos para o desenvolvimento da "pesquisa. Segundo Henri Lefebvre (1999: 142), escrevendo em 1970, ocorre uma sescente dependéncia por parte do capitalismo da produgao e consumo do ‘spaco nas tiltimas décadas, pois: (.) o capitalismo parece esgotar-se. Ele encontrou um novo alento na Conquista do espace, em termos triviais na especulacdo imobilidria, nas frandes obras (Gentto fora das cidades), na compra e venda do espago | Esso a escala mundial, (u.) A esteatégia vai mais longe que a simples | Venda, pedaco por pedago, do espago. Ela nfo s6 faz 0 espaco entrar na frodugeo da maisvalia; ela visa a ama reorgenizacao completa da Frodugdo subordinada aos centros de informagio e decisto. (Lefebvre, 1999: 142) A relagao entre o espaco (sua produgao, vivéncia, percepsao, concepcao ‘onceituagdo) e 0 modo capitalista de producdo deve ser vista, porém, como via de mao dupla, como fazendo parte de uma relacio dialética e complexa tre 0 capitalismo e o espaco. Depois, hé ainda um outro aspecto do Adriano Botelho capitalismo fundamental para a sua anélise, especialmente com relacdo ao espaco. Esse aspecto é a “hegemonia” de uma classe. Pergunta Lefebvre: “t concebivel que o exercicio da hegemonia possa deixar o espago intocado?” (Lefebvre, 1991: 10). Para esse autor, 0 espaco nao seria o Iécus passivo das relag6es sociais. Ble possuiria um papel ativo, como saber € como agao, utilizado ‘operacional ¢ instrumentalmente pela classe hegeménica. Porém, ele nos adverte que 0 espaco capitalista nao estaria purgado de suas contradicées, apesar da hegemonia de uma classe. Segundo ele (Lefebvre, 1976: 42), a burguesia, ‘enquanto classe dominante, dispée de um duplo poder sobre o espago: através da propriedade privada do solo, que se estende totalidade do espaco (excecao feita aos direitos das coletividades e do Estado) e através da globalidade, a saber, 0 conhecimento, a estratégia, a agio do Estado propriamente dito. Existiriam conflitos inevitaveis entre esses dois uspectos (burguesta € Estado), ¢, no plano institucional, essas contradigdes se fariam patentes entre os planos gerais de ordenagio espacial levados a cabo pelo Estado € 0s projetos parciais dos negociantes “de espaco”. Para o entendimento da producio do espaco, sobretudo do espaco urbano, deve-se levar em consideracao, entéo, 0 monopélio de uma classe sobre o espaco ~ a alta burguesia, no caso do capitalismo -, 0 que exclui principalmente os pobres da propriedade fundidria (Harvey, 1980: 146). Isso porque a classe que detém a maior parte dos recursos pode, através do dinheiro, ocupat, modelar e fragmentar 0 espaco da forma que melhor Ihe convém. A maximizacéo dos valores de troca produz beneficios desproporcionais para alguns grupos e diminui as oportunidades para outros (idem: 150). Faz-se necessdrio, portanto, uma compreensaio de como o capital crescentemente domina o espaco para que temas como a estruturacio do espaco urbano, a segregacio socioespacial e a fragmentacao desse espaco, entre outros, possam ser devidamente tratados. © consumo e a produg3o do espaso sob o capitalismo © espaco é uma condicio geral de existéncia e reprodugéo da sociedad. No médo de prodiicio capitalista,-ele-€ Utilizado como meio de producdo para a geracao de mais-valia (além de propiciar a obtengao de uma renda por parte dos proprietdrios fundidrios), sendo, nesse sentido, consumido produtivamente. O consumo produtivo sempre faz, desaparecer uma realidade material ou natural - uma energia, uma forga de trabalho, um instrumento, por exemplo, para transformar-se em valor adicionado & mercadoria. O_ 222° © URBANO EM FRAGMENTOS ‘consumo produtivo usa: é um uso ¢ um valor de uso. Ele também produz Gefebvre, oT éeterminagao geral do capitalismo, isso implica em uma crescente privatizacao do espago ra ao capital como meio de producéo. A dimensdo utilitéria do espaco, que o torna um valor de uso para a sociedade, se sobrepdem determinagGes histéricas da producao e da reproducao social, as quais, sob a vigéncia das relagées capitalistas de producdo, sintetizam ovalor de troca e 0 valor de uso. O valor de troca se sobrepée historicamente a0 valor de uso, o que significa que, para se usufruir determinados atributos do lugar é preciso que se realize, antes de tudo, seu valor de troca. Assim, os processos de valorizacaio do espaco passam, necessariamente, pela nercantilizagdo do préprio espaco, concretamente pela mercantilizagio dos lugares (Seabra, 1988: 101) De forma mais abrangente, a produgio € 0 consumo do espago, assim como a urbanizacdo, estéo-inseridos no amplo proceso. de reproduca” das relagbes de producéo capitalistas, na medida em que so guiados pelos ditames _ ‘apropriedade privada, e sao regulados pelas necessidades do capital de gerar ‘alor excedente. Segundo Tefebvre;— SET (.) no € somente a sociedade inteira quem se torna o lugar da reprodugao (das relacdes de produgio e nao somente dos meios de produc&o), mas & o espaco intelro. Ocupado pelo neocapitalismo, setorializado, reduzido a um meio homogéneo, e, portanto, fragmentado, esmigalhado (somente migalhas do espaco sao vendidas A “clientela”), © espaco se torna a sede do poder (1973: 116). 0 espago - e em particular o espago urbano — passa, entio, a ter cada vez maior import4ncia para o capital, ao mesmo tempo em que ¢ “influenciado” ela dindmica do modo de producdo capitalista. A predomindncia do financeiro tas estratégias de acumuulagéo capitalistas tem a produgdo do espaco como uma das condigdes de sua reatizagao (Carlos, 2004: 52). S40 exemplos desse spaco"produzido, em consondncia com 6 capital financeiro, a construgao de shopping centers, empreendimentos de turismo e lazer, centros empresariais, grandes condominios verticais e horizontals, hotéis e flats. Por outro lado, 1. Para a compreensti da “reproducSo das relagies de producao", além da obra citada de Lefebwre (1973: 70), também foi consuitado 0 chamado capitulo VI, inédito, d'O capital de Karl Marx: "Resultados do processo de producéo imediata’ +236

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