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Harmonia das Confissdes Reformadas Joel R. Beeke (Doutor pelo Westminster Theological Seminary, Filadélfia) é pastor da Heritage Netherlands Reformed Congregation, em Grand Rapids, Michigan, professor de teologia si tematica e homilética no Reformed Theological Seminary, editor da Banner of Sovereign Grace Truth, e presidente da Reformation Heritage Books and Inheritance Publishers. E autor de inimeros li- vros, dentre eles The Quest for Full Assurance: The Legacy of Calvin and His Successors. Sinclair B. Ferguson (Doutor pela University of Aberdeen) € pastor da St. George’s Tron Parish Church, em Glasgow, Escécia, e editor-assistente da Banner of Truth. Foi professor de teologia sis- temética no Westminster Theological Seminary (Filadélfia) durante muitos anos. E autor de imi- meros livros, dentre eles Owen on the Cristian Life. Harmonia de Confsies Reformadas © 2006, Ealtora Cultura Cristi. Copyright © 1999 by Joel R. Beeke. Originalmente publicado em inglés com o titulo Reformed Confessions Harmonie’ pela Baker Books, uma divitio da Baker Book House Company, Grand Rapids, Michigan, 49516, USA. Todos 05 diteios slo reservados. 1 edigio - 2006 3.000 exemplares Tradusao Litcia Ker Joia Revisdo Ailton de Assis Dutea Claudere Agua de Melo Biter Ailton de Assis Dutra Capa Magno Paganell Conse Biter Cliudio Marta (Pridnt), Ageu Cislo de Magalhies Je, Alex Barbosa Viera, André Liz Ramos, Femando Hamilton Costa, Francseo Solano Portela Neto, Mauro Fernando Meise, ‘Valdei daSilva Santos e Franciseo Baptista de Mello. Beoke, Jool A. 1952 - BAtdh Harmonia des consis do F6 Reformadas./ Joo! R.Booko o Sinclair [BFerguson ~ co-utor ~ S80 Pauo: Cultura Gist, 2008. 256. ;20,7127,4 “Titulo orginal: Roformod Confessions harmonized (SBN €5-7622-195-7 1. lea Relormada ~ Crodos e Confisées LBeske, J.P, IFerquson, 8.8 ILTHulo, (000 2ted ~ 238.42 EDITORA CULTURA CRISTA ‘un Miga "Tes Jr, 394 - CED 01540040 - Sho Pala SP ‘Caies Por 15.135» CED 01599.970 - Sto Paulo SP one: (11) 3207-7099 - Fae (11) 3209-1255, Ligue gis 0800-0141963 - wocepongbr - epeeporg be Siperintendente: Vaveraldo Ferreira Vargas Halvor Clio Antbnio Batiste Marra Sumario Prefici Introdugio hist6rica as confissdes de f€ reformadas Introduga Teologia: A doutrina de Deus O ser e os atributos de Deus A tevelacio ‘As Sagradas Escrituras .. Os apécrifos A santa trindade . A divindade do Filh ‘A divindade do Espirito Santo. Os decretos de Deus e a predestinagio .. A ctiagio A providénci Antropologia: A doutrina do homem ‘A queda do homem, o pecado original ea punigio A alianga de Deus com 0 homem O livre-arbitrio e a incapacidade total Cristologia: A doutrina de Cristo Cristo como mediador Os nomes de Cristo... As naturezas de Jesus Cristo Os ofcios de Cristo Os estados de Cristo A justa misericérdia de Deus em Cristo. ‘As promessas do evangelho Soteriologia: A doutrina da salvagao A graga comum e a vocacdo externa . A vocagio eficaz e a regeneracao A fé salvadora .. A justificagao . A santificagio. A adocio 102 O arrependimento e a converstio 104 As boas obras .. A perseveranga A certeza da salvagdo A lei de Deus O primeiro mandamento O segundo mandamento O terceiro mandamento quarto mandamento quinto mandamento O sexto mandamento. O sétimo mandamento O oitavo mandamento O nono mandamento . O décimo mandamento ¢ suas aplicagées A liberdade crist A oragio € 0 jejum. A oragdio dominical Eclesiologia: A doutrina da igreja A doutrina da igreja ... . ‘A unio com Cristo e a comunhao dos santos O governo e os oficiais da igreja Os meios de graga: A Palavra e 0 sacramento 204 O santo batismo ... A santa Ceia do Senho As autoridades civis O celibato, 0 casamento, © div6rcio e a vida familiar .. Escatologia: A doutrina das ultimas coisas A ressurreigdio dos mortos .... 236 julgamento final e a eternidade Prefacio As igrejas reformadas dos séculos 16 e 17 pro- duziram varias colegdes de confissdes reformadas ortodoxas que diferenciavam a fé reformada tan- to do Catolicismo Romano como de outros gru- pos de igrejas protestantes. Dentre esses grupos de confissdes mais conhecidos encontra-se a fa- milia sufga, representada pela Primeira e pela Se- gunda Confissiio Helvética (1536; 1566) ¢ pela Férmula de Consenso Helvética (1675); a familia anglo-escocesa est4 representada pela Confissio da Escécia (1560), pelos Trinta e Nove Artigos (1563), pela Confissdo de Fé de Westminster (1646-1647) e pelos Catecismos Maior e Breve (1647) da Assembléia de Westminster; e a familia germénico-holandesa est representada pelas Trés Formas de Unidade: a Confissao de Fé Belga (1561), 0 Catecismo de Heidelberg (1563) e os CAnones de Dort (1618-1619). Dentre essas confissdes reformadas, as sete mais adotadas pelas varias denominagées refor- madas atualmente sfo as Trés Formas de Unida- de, a Segunda Confissdo Helvética e a Confissio e os Catecismos de Westminster. Preparei esta harmonia dessas sete confissdes a pedido de um grupo de editores de periédicos reformados. A harmonia est4 dividida por assunto e utiliza as tra- duges para o inglés ou as verses padréio das con- fiss6es. Para manter uma uniformidade, foram fei- tas poucas atualizagées de ortografia e pontuagdo. Os organizadores acreditam que esta harmonia per- mitird facil acesso ao contetido das grandes con- fissdes reformadas e também ajudaré os cristaos holandeses reformados, os htingaros reformados, os ingleses presbiterianos e outros cristéos reforma- dos a apreciar mais profundamente as confissdes desses diversos grupos. Agradeco ao meu grande amigo, Sinclair B. Ferguson, por ter me ajudado na redagdo da intro- dugio hist6rica as sete confissdes reformadas con- tidas nesta harmonia. Também agradeco a Gary e Linda den Hollander, que prepararam e revisaram meticulosamente 0 documento. Que Deus possa usar graciosamente esta obra para despertar uma apreciagdo mais profunda pelas nossas confiss6es teformadas e estimular uma comunhdo maior en- tre os crentes reformados por todo o mundo, inde- pendentemente de qual seja a familia reformada a ‘que pertengam. A beleza deste livro é que ele ressal- ta a harmonia entre as confissGes reformadas, a despeito da diversidade de suas intimeras tradi- Ges histéricas. Joel R. Beeke Introdugao historica as confiss6es de fé reformadas Confissao de Fé Belga (1561) A mais antiga das sete confissdes nesta har- monia é a Confissdo de Fé Belga, retirada da designagio em latim da confissio do século 17 Confessio Belgica. Ela é chamada de Belga por- que se refere a todos os Pafses Baixos, tanto do norte quanto do sul, atualmente divididos em Holanda e Bélgica. A Confissio Belga também é chamada de Confissaio de Walloon e Confissao da Holanda. O principal autor da Confissio Belga foi Guido de Brés (1522-1567), um pastor itinerante refor- mado. Durante 0 século 16, as igrejas reformadas na Holanda softeram forte perseguigao sob 0 co- mando de Filipe II da Espanha, partidério da Igre- ja Catélica Romana. Em 1561, de Brés preparou esta confissdo em francés como uma defesa para os crentes reformados perseguidos nos Pafses Bai- X08 que formaram as assim chamadas “igrejas sob acruz”, De Bres foi ajudado principalmente pelos seus companheiros pastores que queriam provar a seus perseguidores que os adeptos da fé refor- mada nao eram rebeldes, mas cidadaos obedien- tes a lei que professavam doutrinas biblicas. A con- fissfio foi moldada a partir da Confissio Gaulesa, uma confissao reformada francesa de 1559 que, por sua vez, se baseava no modelo de Calvino. Basicamente, a Confissdo Belga segue 0 que se tornou a ordem doutrinéria tradicional da teolo- gia sistemética reformada: as doutrinas a respeito de Deus (teologia, artigos 1-11), do homem (an- tropologia, artigos 12-15), de Cristo (cristologia, artigos 16-21), da salvagao (soteriologia, artigos 22-26), da igreja (eclesiologia, artigos 27-35) e dos. {iltimos acontecimentos (escatologia, artigo 37). O artigo 36 se refere & natureza teocratica do go- verno civil. Embora siga uma ordem doutrinaria objetiva, a confisso tem um caloroso tom de experiéncia pessoal, o que é reforgado pelo uso repetido do pronome nés. Um ano depois de ser escrita, uma c6pia da con- fissfio foi enviada ao rei Filipe TI, junto com uma declaragio de que os requerentes estavam dispos- tos a obedecer ao governo em todas as suas leis, mas “ofereceriam as costas ao agoite, a lingua a faca, a boca 4 mordaga e 0 corpo ao fogo, sabendo bem que aqueles que seguem a Cristo devem carre- gar a sua cruz e negar-se a si mesmos”, em vez de negar a verdade expressa na confissdo. Contudo, nem a confisséio nem a petigao persuadiram as autoridades da Espanha a serem mais tolerantes com os protestantes. Em 1567, de Brés tornou- se um mértir entre os milhares que selaram a sua £6 com sangue. No entanto, a sua obra perdurou como uma declaragao convincente da doutrina reformada. A Confissio Belga foi prontamente recebida pelas igrejas reformadas na Holanda depois de sua tradugdio para o holandés em 1562. Em 1566, ela foi revisada pelo Sinodo da Antuérpia. Em segui- da, foi regularmente adotada pelos sinodos nacio- nais holandeses realizados durante as tiltimas trés décadas do século 16. Depois de mais uma revi- silo, 0 Sinodo de Dort (1618-1619) adotou a con- fisso como um padrio doutrinério ao qual todas as igrejas reformadas teriam que subscrever. Catecismo de Heidelberg (1563) Catecismo de Heidelberg foi escrito em Hei- delberg, Alemanha, a pedido de Frederico III (1516-1576), principe do Palatinado, uma influen- te provincia alema. O piedoso principe designou Zacarias Ursino (1534-1583), um professor de teo- logia de 28 anos, da Universidade de Heidelberg, x e Gaspar Oleviano (1536-1587), pregador da cor- te de Frederico, de 26 anos, para que preparassem um catecismo reformado com o objetivo de ins- truir os jovens e orientar pastores e professores. Ursino foi o principal responsével pelo contetido do catecismo, enquanto Oleviano provavelmente esteve mais envolvido com a composigao e revi- sao final. A erudicao de Ursino e a elogiiéncia de Oleviano so evidentes no produto final, que foi chamado “um catecismo de beleza e impacto incomuns, uma reconhecida obra-prima”. Frederico sugeriu que muitos outros, inclusive os membros da faculdade de teologia e os respons4- veis pela igreja do Palatinado, haviam contribuf- do para a finalizagéo do documento. Depois que o catecismo foi aprovado pelo Sinodo de Heidelberg, em janeiro de 1563, mais trés edig6es alemas, cada uma delas com peque- nos acréscimos, assim como uma tradugdo para 0 Jatim, foram publicadas no mesmo ano em Heidelberg. A quarta edigdo foi considerada como 0 texto oficial do catecismo durante muito tempo. A tradugdo holandesa sancionada pelo Sinodo de Dort, com base na qual 0 texto em inglés foi ela- borado, foi produzida a partir dessa edigdo. Quando a primeira edigdo do Catecismo de Heidelberg apareceu, a Biblia alema ainda nao ti- nha sido dividida em versiculos. Conseqiientemen- te, as passagens das Escrituras inclufam apenas 0 livro e o capitulo. Além disso, as perguntas do ca- tecismo nfo eram numeradas. Uma tradugdo para © latim logo retificou essas questdes, incluindo os versiculos de referéncia e numerando as pergun- tas, O catecismo também foi dividido em 52 se- g6es, de modo que cada segao — designada como 0 “Dia do Senhor” — pudesse ser pregada a cada domingo do ano. O catecismo contém mais textos biblicos que exemplificam as questdes apresentadas do que a maioria dos catecismos porque os seus autores que- riam que ele fosse “um eco da Biblia”. Os textos deveriam ser considerados como uma parte im- portante do catecismo, conforme Frederico men- ciona no preficio original: “Os textos, por meio dos quais a 6 das criangas é confirmada, foram Haronia pas ConrissOes DE Ft REFORMADAS: escolhidos, mediante muito esforgo, das Escritu- ras divinamente inspiradas”. As 129 perguntas e respostas do Catecismo de Heidelberg esto divididas em trés partes, padro- nizadas de acordo com a Epistola aos Romanos. Depois de uma tocante introdugdo sobre a fonte de conforto do verdadeiro crente, as perguntas 3-11 se referem a experiéncia do pecado e & miséria (Rm 1-3.20); as perguntas 12-85 se referem & re- dengdo em Cristo e a £6 (Rm 3.21-11.36), junta- mente com uma longa exposigaio do Credo dos Apostolos e dos sacramentos; as perguntas 86— 129 abordam a verdadeira gratidao pelo livramento dado por Deus (Rm 12-16), basicamente por meio de um estudo dos Dez Mandamentos e da Oraciio Dominical. O catecismo apresenta as doutrinas com clareza e ardor. Seu contetido é mais subjeti- Vo que objetivo, mais espiritual que dogmatico. Nao é de surpreender que este catecismo pessoal e devocional, conforme exemplificado pelo uso de pronomes no singular, tenha sido chamado “o li- vyro de conforto” para os cristios. J4 em 1563, 0 catecismo foi traduzido para o holandés por Petrus Dathenus e publicado no seu Saltério ritmico em 1566. Seu contetido pratico e de experiéncia pessoal ganhou a afeicio do povo de Deus na Holanda. Alguns meses depois que 0 catecismo foi publicado em holandés, Peter Gabriel abriu um precedente para os ministros holandeses ao pregar todos os domingos a noite com base no catecismo. O catecismo foi aprovado pelos sinodos de Wesel (1568), de Emden (1571), de Dort (1578), de Haia (1586) e de Dort (1618-1619), que oficialmente o adotaram como a segunda das Trés Formas de Unidade, O Sinodo de Dort tam- bém determinou que pregagées semanais a partir do catecismo fossem obrigatérias. O Catecismo de Heidelberg, desde entao, tem sido traduzido para toda a Europa e para dezenas de Iinguas da Asia e da Africa. Ele circula mais amplamente do que qualquer outro livro, exceto a Biblia, The Imitation of Christ de Tomas & Kempis e Pilgrim's Progress de John Bunyan. Profundamente calvinista, no entanto moderado quanto ao tom e pacffico quanto ao espirito, este INTRODUGAO HISTORICA AS CONFISSOES DE FEE REFORMADAS “ivro do conforto” permanece o mais amplamen- te usado e elogiado catecismo da Reforma. Segunda Confissao Helvética (1566) A Primeira Confissio Helvética teve origem em 1536 devido a uma preocupacdo em harmonizar e consolidar 0 ensinamento da Reforma, fornecen- do uma confissao suiga comum (Helvetii é 0 ter- mo latino para 0 povo do Leste da Gélia, atual Suiga). Embora apreciada pelo proprio Lutero, foi rejeitada devido a uma discordancia a respeito da “presenga real” de Cristo na tiltima ceia, uma ques- to resolvida mais tarde - pelo menos para os calvinistas e zuinglianos — no Acordo de Zurique (Consensus Tigurinus) de 1549. ‘A Segunda Confissao Helvética é de impor- tancia muito maior, mas teve origens muito mais pessoais. Ela comecou a existir na forma de uma confisséo pessoal e um testemunho escrito por Heinrich Bullinger em 1562. Em 1564, Bullinger, acometido da peste que assolava Zurique, revisou o seu trabalho inicial, prevendo a sua morte. Em- ‘bora sua esposa e trés filhas tivessem morrido, Bullinger sobreviveu. Frederico II, Eleitor do Palatinado, pediu a Bullinger que elaborasse uma declaragaio da fé reformada, e ele lhe forneceu uma cépia do seu trabalho, Com a confissio traduzida para o alemio, Frederico apareceu para se defender das criticas de Lutero na Dieta Impe- rial de 1566. Depois de algumas revisées numa conferéncia em Zurique no mesmo ano, a confissio foi aceita por Berna, Biel, Genebra, os Grisons, Mihlhausen, Schaffhausen e St. Gall. Depois, foi amplamente aprovada na Escécia, na Hungria, na Polénia e em varios outros lugares. A Segunda Confissio Helvética é de fato um manual compacto da teologia reformada, que con- tém trinta capitulos e quase vinte mil palavras. Escrita tendo como cenério a edi¢ao definitiva das Institutas de Calvino (1559) e a Contra-Reforma, reunida em Trento (1545-1563), ela formula a teo- logia reformada num resumo abrangente. Tendo como ponto de partida as Escrituras, ela avanca pelas idéias da teologia sistematica, abordando xi questes caracteristicas da Reforma e de Calvino: a pregagiio de que a Palavra de Deus é a Palavra de Deus (cap. 1); Cristo € 0 espelho no qual deve- mos contemplar a nossa eleigdo (cap. 10); a provi- déncia e a predestinagao recebem tratamentos se- parados; 0 corpo e 0 sangue de Cristo nao sao re- cebidos carnalmente, mas espiritualmente, ou seja, por intermédio do Espfrito Santo. Porém, quest6es religiosas de ordem pratica também stio motivos de grande preocupagiio: a orago e os cfinticos, a questo dos dias santos, a catequese, a visitagio aos doentes e 0 enterro dos mortos sao discutidas (caps. 23-26), assim como questdes ligadas ao ca- samento e ao celibato e o papel do magistrado (caps. 29-30). A Segunda Confissao Helvética foi, portanto, uma declaragdo madura da teologia reformada para a segunda metade do século 16. Bem recebida in- ternacionalmente, foi traduzida para o holandés, 0 inglés, 0 polonés, o italiano, o magiar, o turco e 0 4rabe. Ela figura como um valioso testemunho das obras e da fé de Heinrich Bullinger. CAnones de Dort (1618-1619) O Julgamento do Sinodo de Dort sobre os Cin- co Artigos Principais da Doutrina em Discussdo na Holanda € conhecido popularmente como os Canones de Dort, ou os Cinco Artigos Contra os Ar- minianos. Trata-se de declaragdes doutrindrias adotadas pelo Sinodo de Dort, que se reuniu na cidade de Dordrecht em 1618-1619. Embora este fosse um sinodo nacional de igrejas reformadas da Holanda, teve um cariter internacional, com 27 delegados estrangeiros representando 8 paises, além dos 62 delegados holandeses. O Sinodo de Dort foi realizado para resolver uma séria controvérsia nas igrejas holandesas, ini- ciada pelo surgimento do Arminianismo. Jacob Arm{nio (1560-1609), professor de teologia na Universidade de Leiden, divergia da fé reformada em varios pontos. Depois da morte de Arminio, 43 dos seus seguidores apresentaram os seus pon- tos de vista hereges na assembléia da Holanda. Nesse documento, chamado 0 Protesto de 1610, xii mais explicitamente em escritos posteriores, os arminianos ensinavam (1) a eleigdo baseada na fé pressuposta, prevista, (2) a universalidade da re- dengio de Cristo, (3) 0 livre-arbftrio e a deprava- do parcial do homem, (4) a resistibilidade da graca e (5) a possibilidade de cair da graca. Eles solici- taram a revisio dos padrées doutrinérios das igre- jas reformadas e a protegdo do governo aos pon- tos de vista arminianos. O conflito arminiano- calvinista tornou-se tao sério que levou a Holanda & beira da guerra civil. Finalmente, em 1617, a assembléia votou por 4 a 3 a favor de um sinodo nacional para tratar do problema do Arminianismo. O sinodo realizou 154 sessdes formais durante um periodo de sete meses (novembro de 1618 a maio de 1619). Liderados por Simao Episcopo, 13 tedlogos arminianos tentaram atrasar o traba- Iho do sinodo e dividir os delegados. Seus esfor- cos foram imiteis. Sob a lideranca de Johannes Bogerman, os arminianos nao foram aceitos. O s{nodo, entio, desenvolveu os c&nones, que rejei- taram totalmente 0 Protesto de 1610 ¢ estabelece- ram a doutrina reformada dos pontos debatidos com base nas Escrituras. Esses pontos, conheci- dos como os Cinco Pontos do Calvinismo sao: elei- G0 incondicional, redengdo limitada, depravacio total, graca irresistivel e a perseveranca dos santos. Embora esses pontos nao representem inteiramente Calvinismo e¢ talvez seja melhor considerd-los como As Cinco Respostas do Calvinismo aos Cin- co Erros do Arminianismo, eles certamente per- manecem no amago da fé reformada, particular- mente da soteriologia reformada, pois fluem do princfpio da soberania divina absoluta para salva- io dos pecadores. Eles podem ser resumidos do seguinte modo: (1) A eleigao incondicional ¢ a fé salvadora sio dons soberanos de Deus. (2) Con- quanto a morte de Cristo seja suficiente para ex- piar os pecados de todo o mundo, sua eficdcia salvadora é restrita aos eleitos. (3,4) Todas as pessoas sdio to completamente pervertidas e cor- rompidas pelo pecado que n&o podem exercer 0 livre-arbitrio em favor de sua salvagao, nem efe- tuar nenhuma parte da salvagdo. Em soberana gra- ¢a, Deus nos chama irresistivelmente e regenera 0 Harmonia pas ConrissOks Dk Fé REFORMADAS eleito para uma vida nova. (5) Deus graciosamente preserva o redimido para que ele persevere até 0 fim, muito embora eles possam ser atribulados por muitas fraquezas & medida que buscam afirmar 0 seu chamado e a sua eleigdo. Exposto com simpli- cidade, o assunto principal dos canones é a graca soberana concebida, a graga soberana merecida, a graga soberana necessitada e aplicada e a graca so- berana preservada. Embora os cAnones tenham apenas quatro se- g6es, falamos de cinco pontos de doutrina porque os cAnones foram estruturados para corresponder aos cinco artigos do Protesto de 1610. As segdes 3 e 4 foram combinadas e transformadas em uma porque os tedlogos de Dort as consideraram insepardveis, e portanto designadas como “Tépi- co de Doutrina IV/IV”. Os cAnones siio tinicos por causa do papel de- sempenhado como uma decisdio judicial na con- trovérsia armininana. O prefécio original chamou os cénones de um “julgamento, no qual tanto o ponto de vista verdadeiro, que concorda com a Palavra de Deus no que diz respeito aos Cinco Pontos de doutrina, é explicado, quanto © ponto de vista falso, que discorda da Palavra de Deus, é rejeitado”. Contudo, os cdnones sao limitados. Eles focalizam apenas os cinco pontos de discussio da doutrina. Cada segao do documento inclui uma parte positiva e uma negativa; a primeira, uma exposi- Gao da doutrina reformada sobre o assunto; a se- gunda, uma rejeigao dos erros arminianos corres- pondentes, Ao todo, os cdinones contém 59 artigos de exposigao, e 34 rejeigdes de erros. Os cfnones formam um documento equilibrado sobre doutrinas especificas baseado nas Escrituras. Eles so a tinica Forma de Unidade que foi escrita por uma assembléia eclesidstica e que representa- va o ponto de vista de todas as igrejas reformadas daqueles dias. Todos os delegados holandeses e estrangeiros, quer de persuasdo supralapsariana ou infralapsariana, sem excego, apuseram suas assi- naturas aos cAnones. Depois, eles se uniram num culto de agdo de gracas para louvar a Deus pela preservagiio da doutrina da graga soberana entre as igrejas reformadas. INTRODUCAO HISTORICA AS CONFISSOES DE Ff! REFORMADAS Confissao de Fé de Westminster (1647) A confissdio de fé produzida pelos tedlogos de Westminster foi, sem davida alguma, um dos do- cumentos mais influentes do perfodo pés-Refor- ma da Igreja Crista. E uma exposigao cuidadosa- mente formulada da teologia reformada do século 17, e a serenidade das suas frases esconde a tempestuosidade do cenérrio politico contra o qual ela foi escrita. A Assembléia de Westminster se reuniu em 1643, depois de anos de tensdo entre Carlos Ie 0 Parlamento predominantemente puritano, Sob a presidéncia do Dr. William Twisse, em oposiga0.a0s desejos expressos do rei, o objetivo inicial dessa reunidio era promover uma maior uniformidade de f€ e pritica em todo o reino. A tarefa inicial dos, delegados era revisar os 39 artigos da Igreja da Inglaterra, mas depois da assinatura da Solene Liga e Alianga essa tarefa se estendeu para algo mais especifico e preciso, como elaborar formulas teo- l6gicas e eclesidsticas que levassem a Igreja da Inglaterra a se enquadrar dentro da doutrina e pré- tica da Igreja Presbiteriana da Escécia. Os delegados ministeriais da Igreja Nacional da Escécia (que recusaram se tornar membros da Assembléia) eram 0 lider eclesidstico Alexander Henderson, o grande tedlogo calvinista e repre- sentante da fé reformada Samuel Rutherford, 0 ex- traordindrio jovem talentoso George Gillespie eo fascinante Robert Baillie (em cujo Letters and Journals encontramos instantaneos das atividades € personalidades da Assembléia). Os escoceses também insistiam em enviar presbfteros regentes como representantes, ilustrando assim 0 compro- misso do governo da igreja de ter presbiteros re- gentes e docentes. Para todos os objetivos priticos, esses delega- dos escoceses constitufram o grupo mais forte den- tre aqueles que se reuniram na Capela de Henrique Vile posteriormente na Camara de Jerusalém, na Abadia de Westminster, em Londres, durante os anos de discussio e debate. Enquanto a maioria dos delegados parecia pertencer aos variados graus do pensamento presbiteriano, ali também estavam xiii representados os episcopais e independentes, sen- do que este tiltimo grupo (do qual faziam parte Thomas Goodwin e Jeremiah Burroughs) muitas vezes irritava os escoceses. Os diversos documentos elaborados pela Assem- bléia resultaram do processo de trabalho de uma comissio que se reunia a tarde, seguida de discussio em plenério com a assembléia pela manha, com momentos de culto e dias de jejum. Apesar das divergéncias, os tedlogos verdadeiramente elabo- raram um dos maiores documentos da histéria da igreja, que tem instrufdo, direcionado e influen- ciado profundamente as igrejas presbiterianas em todo o mundo desde entio. A Confissio de Fé e 0 Breve Catecismo influenciaram o presbiterianis- mo mais profundamente do que as préprias Institutas de Calvino. A Contfissio de Fé de Westminster representa 0 ponto alto no desenvolvimento da teologia, e sua dindmica espiritual est fortemente ligada ao pacto da Alianga. Dividida em 33 capftulos, abrange todo © conjunto da doutrina crista, comegando com as Escrituras como a fonte de conhecimento das coi- sas divinas (de acordo com a Primeira e a Segun- da Confissdo Helvética, a Formula de Concérdia € os Artigos Irlandeses). Prossegue com uma ex- posig&io sobre Deus e seus decretos, a criagio, a providéncia e a queda (II-VI) antes de passar a ex- plicar o pacto da graga, a obra de Cristo e final- mente a aplicagdio da redengdo (X-XVIID). Embo- ra tenha havido criticas de que a confissio seja um documento profundamente escolastico (por exemplo, nao possui um capitulo separado a re: peito do Espfrito Santo), é cada vez mais conhe da como a primeira confissao na hist6ria do Cris- tianismo que tem um capitulo especialmente de- dicado A adogdo (XID) — que talvez seja a doutrina menos escolistica de todas. Em inémeros capftu- los, 6 dada atengdo especial a lei e a liberdade, assim como & doutrina da igreja, dos sacramentos (XXV-XXIX) e das tiltimas coisas (XXXII- XXXIID. Embora a confissdo tenha sido elaborada por mentes teol6gicas disciplinadas, ela também revela a influéncia de homens com profunda experiéncia

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