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Universidade do Porto Faculdade de Psicologia e Ciéncias da Educagao Desenvolvimento levantado do chlo... com os és assentes na terra Desenvolvimento local - Investigacio Participativa Animacao Comunitéria DissertaciJo de Doutoramento em Ciéncias da Educagao ee Rosa de Jesus de Sousa Lima Porto, 2003 eee 8. INVESTIGACAO PARTICIPATIVA “Os métodos de pesquisa relectem pressupostos acerca do individuo, a sociedade 0 mundo.” William A. Firestone (-) interrogagéo fundamental uma vez que incide sobre a propria postura epistémica € sobre os pressupostes inscritos no facto de alguém se achar em condigdes de se retirar do mundo para o pensar.” Pierre Bourdieu Neste capitulo tentaremos esclarecer esta forma pouco convencional de olhar a 191 cigncia e a acgo social, encarando-a como uma forma de investigago-acgo A investigagéo participativa corresponde a um modo de procurar entender 0 undo para nele melhor se viver, para que possa constituir moradia confortavel de fudo quanto nele existe, Esta necessariamente muito afistado do espitito e dos Procedimentos tradicionais de conhecer racionalmente o fiuncionamento das Sociedades, para melhor as dominar, controlar e explorar tecnologicamente, Nao se Chegou a ele enquanto questio cientifica ou epistemolégica; a sua emergéncia deveu-se, antes de mais, ao desejo de uma forma de viver, de uma posigao ideolégica e de uma visio das relagies sociais e das relagdes dos seres humanos com @ chamada natureza; ume visio que pds em relevo © problema da divisio técnica e social do trabalho (nomeadamente no trabalho cientfico) e dos tipos de Felacionamento entre os diferentes elementos constitutivos desse mundo que Paregam mais adequados a sua melhor conservagao e florescimento. E uma Posigéo que nfo procura apenas conkecer 0 mundo, mas também transformer alguma coisa do tanto que ofende o sentido de justiga e de harmonia dos cquilibrios em permanente (re)construgdo. Numa visio genérica nfo demasiado Optimista, trata-se de reconhecer e reforcer o que se tem produzido no sentido de um mundo equilibrado € tenter que recursos e instrumentos susceptiveis de aplicacao varia possam ter um uso consenténeo com as finalidades ja expressas, rE POF esta alo que, ao longo deste capitulo, flareinos também de invesigagdo-eedo ¢ (ontaremos responder a criticas que sto feitas a esse modo de pesquisar 306 Ao referir-se ao progresso na modemidade, especialmente 20 inquestiondvel Progresso cientifico © tecnolégico, Wallerstein atirma que “nunca discutimos Serlamente quanto conhecimento perdemos no sweep mundial da ideologia do universalismo. E se o fazemos, categorizamos esse conhecimento perdido como mera (?) sabedoria. Contudo, ( ) temos vindo ultimamente a descobrir que métodes de aceao humana descartados hi um ou dois séculos (processo imposto és ‘massas retrégradas por elites iluminadas) precisam muitas vezes de ser Fessuscitados porque acabam por se mostrar mais, no menos, eficazes” (Wallerstein, 1987-99) E com um questionamento semelhante que se sente a necessidade de uma “abordagem viével para enfrentar alguns dos problemas ainda experienciados em ‘muiltas partes do mundo onde foram tentadas politcas de “desenvolvimento” que Mo Uveram 0 Exito necessério” (Borde e Rehman, 1991: vi). Sendo a investigago Partiipativa uma possivel resposta a essa necessidade, isso nBo significa, contudo, que a sua utilidade se confina a contextos pobres, dado que o desenvolvimento envolve muito mais do que a produgo de riqueza material Decorrente do que jé ficou dito, © nosso posicionamento ideotégico, flosético ¢ Politico, tende a favorecer, em primeiro lugar, uma certa distancia critica ‘lativamente aos modos de produgdo de conhecimento supostamente objectivos ¢ neutrais, a que geralmente preside uma perspectiva de utilizagdo que se concretiza Bum movimento de cima para baixo, que tende a manter ¢ reforgar 0 status quo, as hierarquias estabelecidas ¢ os “monopélios de conhecimento", geralmente em beneficio dos que mais poder detém; seja nas academies, nas instituigoes, nas ionamento, em relago erpresas, em qualquer interac social, Este outro posi #0 qual esperamos manter também a vigilincia critica necesséria, aproximou-nos de uma forma de pesquisa e acco que se insere nur paradigma altemativo, que Precise de prestar atensio a uma produgdo de conhecimento que contemple integradamente as suas diversas formas; interessa-se em especial por tipos de Conhecimento provenientes da tradicao hermenéutica, interpretativa, e procura, por tim lado, articular as questdes € reflexto filosdficas ¢ cientificas com o que Scontece concretamente na realidade e com as condigSes, passadas © presentes, em ‘ue tal acontece, ¢, por outro, aproximar os detentores dos saberes especializados € acco, na ligagio que esta faz da epistemologia com a politica: ela tenta conciliar uma epistemologia de «esquerda» com uma politica correspondente!™> Havie assim necessidade de novos posicionamentos teéricos que articulassem “a epistemologia, a teoria e a praxis, colocando-se assim as origens ¢ utilizag#o do conhecimento num plano central”; de novos métodos que dessem corpo a uma ética de solidariedade social, num modo de encarar a realidade, objecto de estudo- accdo com vista 4 sua transformagio. Budd Hall, uma das figuras centrais no processo de consolidagéo da IP, diz mesmo que ela foi “em grande parte teorizada e disseminada a partir de uma base de movimentos socials ou da sociedade civil” (2001:176), Um paradigma diferente do predominante poder ter uma perspectiva tedrica descentralizada (heterotépica), um Angulo de visio cujo vértice se localiza nos interesses das periferias, e produzir com os actores locais 0 conhecimento necessirio para colaborarem na mudanga das proprias vidas em clima de solidariedade social. Um outro paradigma, um outro angulo de viséo, 0 estabelecimento de diferentes relagdes tedricas, diferentes entendimentos dos fendmenos e situacdes; outros protagonistas da produgéo de conhecimento, em principio e de um certo ponto de vista, melhor habilitados, porque racional afectivamente implicados, para a acgo transformadora, Os resultados da pesquisa cientifica institucional, geralmente realizada a partir das necessidades dos poderes instituidos pode aqui ser complementada/confrontada com os resultados de pesquisas que partem de uma outra configuragio dos problemas, 0 que faz todo 0 sentido, tanto do ponto de vista cientifico, como do politico. Tipo de pesquisa baseada em valores €, por essa via, assumidamente politica, ressaltamos pelo menos trés orientagdes: a primeira é exactamente a do compromisso moral e politico com a democracia participativa; daqui decorre & segunda orientagiio, a necessidade de empowerment, de desenvolvimento de todos 0s cidadaos, o que aponta para a terceira, 0 enfraquecimento da separagao entre @ concepgao e a execucio, que “é psicolégica, social e economicamente ineficiente” 19> © estruturo-funcionalismo, ea sua ciéncia positiva, watava geralmente dos problemas a partir da ntos dos sistemas € manter a ordem pecspectiva do establishment para eliminar os disfuncionamen estratificads, preocupagdes goralmente canotadas com a «direita politica». A designacio iGdes BK ‘epistemologia de esquerda” é do socidtoga peniano Anibal Quijaao, 310 possibilidades de compreensio ¢ de acgdo. Do ponto de vista tebrico, a westigagdo-acedo participativa tem as suas origens na filosofia pragmatica’™* e na psicologia social; na fenomenologia € etnometodologia; no construcionismo € na desconstrugao; na teoria critica € na teoria da complexidade; assenta também no pensamento sobre a democracia ¢ a libertagdo; no espirito do Renascimento ¢ no pés-moderno (Bradbury ¢ Reason, 2001: 3), no seu esforgo de articular e entrosar fios diferentes mas com possibilidades cooperativas. Do ponto de vista politico, pode pensar-se, entre outros, em Mam com a sua preocupagdo de mudar o mundo, ‘em Gramsci ¢ os seus intelectuais orgénicos, em Dewey ¢ as suas preocupagdes com praticas democraticas ¢ colaboratives, ¢ obviamente em Paulo Freire ¢ a sua pedagogia de auto libertago dos oprimidos (ibidem; Pasmore, 2001, 38)). Esta vatiedade de referéncias, de contributos parciais, que s6 com muito cuidado podem ser articulados, para serem legitimos, pede uma cuidadosa construgdo € desenvolvimento de cada projesto. Kurt Lewin € um nome muitas vezes citado como o pai conceptual da investigagdo-acgdo € o que deu uma forma consolidada a esta forma de pesquisa- acgo, no Ambito das suas experiéncias nos anos 40, especialmente de intervengao psico-social na din&mica de grupos (Cortesio, 1998: 78)'% com continuago no trabalho do Instituto Tavistock, em Londres, onde tivera inicio (Reason e Bradbury, 2001:2). las de Dewey, como a da democratizagio da educagéo Antes, algumas (Pasmore, 2001: 38) ¢ a de aprender fazendo, constituiram fontes congruentes com as preocupagies que se iam consolidando e organizando numa construgdo teérica, iam contribuinde experiéneias altemativas de movimentos da para a qu: sociedade civil na india, na Colémbia, na Tanzania, no Brasil, as duas Gltimas sob a influéncia de Julius Nyerere Paulo Freire, respectivamente (Borda, 2001 ' Filosofia pragméticu , comada aqui no sentido de articular 0 valor dos conceltos ¢ das teoras com os efeitos da sua utilizaglo, tanto no campo tebrico come no pratico "5 Embora as prieiras proocupagdes de Lewin estivessem localizadas em campos afastados do da animagio comunitria tal como a concebemos, a linha geral de pesquisa © acco express num seu texto sobre investigagio-2cqi0, configurando uma espiral (1. Silva, 1996:24-5), mantémse itl ‘Afastamo-n0s, condo, das sus preocupagées Funcionslistas com o consenso indusido do exterior. uma “versio fraca" de investigardo-accio (Esteves, 1986), 28: Hall, 2001: 172)" Na sequéncia da agitagdo dos finais dos anos 60, ia surgindo o apoio tedrico a experiéncias que se vinham realizando desde o inicio da década, experiéncias de libertacio, de subversio, de mudanga paradigmatica, no sentido de uma cigncia com compromisso social, A convergéncia destas Preocupagdes e da recuperacdo do pensamento de Rousseau, dos utdpicos socialistas e de movimentos sécio-politicos do século XIX, ¢ ainda da educagao popular e da educagdo de adultos resultou, em meados dos anos 70, na iniciativa do Conselho Internacional para a Educagio de Adultos, sediado no Canada e com Budd Hall sua frente, de publicar uma revista, Convergence, em resposta & saida do seu nimero especial de 1975, ¢ a realizagéo da Primeira Assemblela Mundial do Conselho Internacional para a Educagao de Adultos, em 1976 em Dar es Salaam, surgiu 0 impulso para a organizagdo de uma rede de niicleos de investigago participativa dos cinco continentes, Rede Internacional de Investigagdo Participativa (Fals-Borda, 2001: 29-30 e Hall, 2001: 173). Um pouco mais tarde, em 1982, o X Congreso Mundial de Sociologia aceita a investigagao- acgio participativa como uma forma de pesquisa (Lima, 1995) No tipo de concretizagao que defendemos, as bases mais fortes so, por um lado, ica e as orientagdes pedagdgicas de Paulo Freire nas suas ligagbes com a teoria ct @ pedagogia radical, a problematizagdo das situagbes € 0 diflogo que busca 0 fundo das coisas; e, por outro, 0 trabalho de Fals-Borda, com a “insergao” comprometida dos cientistas nos contextos € nos processos em estudo, a acgio como fonte de conhecimento, a centralidade dos grupos de actores sociais participantes, a flexibilidade estratégica que permite a adequaco ao contexto, com as suas necessidades, aspiragdes e recursos, a sua “metodologia do conflito”, da “contradic¢&o” (I. Silva, 1996: 39-40), Em Portugal, a introdugao do conceito ea primeira experiéncia nesta linka foram protagonizadas por Licinio Lima, em trabatho conjunto com Thord Erasmie, da Universidade de, Linkoping, Suécia. De 1983 a 1988, desenvolvem o “Projec' © Os contribuios directamente conceptuais bem como os que advém de experiéacias no terreno silo varindos, ¢ os diferentes autores referem aqueles que mais respeitam as dimensées a que se dedicain. ou aqueles a que estiverna ligados. (Hamilton, 1998: 126), “A investigagao aplicada, a investigagfo-acgio, a pesquisa qualitativa, a pesquisa humanista e as que se Ihes associam tornam-se a busca de formas democraticas de comunicagdo que, por sua vez, prefiguram mudanga social planeada” (ibidem; 127). 8.2 ORIGENS, ABORDAGENS E CAMPOS DE ACCAO. Fals-Borda, por ventura a figura central da desenvolvimento da investigeso participativa, da conta do percurso realizado. A insatisfacdo crescente de alguns académicos relativamente as condigdes de vida de muitas comunidades ¢, perante @ interpretagio que faziam do facto, aos efeitos da ciéncia normal levou alguns deles a quebrar “as grilhetas”, abandonar as academias e comecar “a formalizar instituig5es ¢ procedimentos altemativos de pesquisa e acgdo enfocados em problemas locais ¢ regionais, envolvendo processos educacionais emancipatérios, culturais e politicos” (Borda, 2001: 27). Diferentes autores retragam diferentes caminhos da investigagdo-acgao para Ihe encontrar as origens, Seremos breves no apontar de um desses caminhos, um que parece interessante para a investigagao-acgao participativa Quanto as suas origens empiricas, elas remontam a construgdo das culturas humanas nas suas tentativas de resolver os problemas praticos do viver “agricultores, mies, trabalhadores, os pobres, os «expulsos» sempre lutaram, individual ow colectivamente, para compreender os seus contextos, aprender coisas acerca do seu mundo e sir para sobreviver ou para, de vex em quando, conseguir alguns ganhos'dos mais poderosos nos nossos mundos.” (Hall, 2001: 174); sempre existiram formas participativas de pesquisa para solucionar problemas priticos (Reason and Bradbury, 2001; 3), processos sociais em que os agentes se iam constituindo como sujeitos sabedores, co-autores do mundo, Relativamente as suas preocupagdes epistemolégicas, podemos situi-las préximo das de Aristételes com a praxis (acgio © experigncia) ¢ a phronesis (sabedoria pritica, prudéncia € capacidade de decisio ¢ de escolha dos meios para alcangar objectivos ética ¢ politicamente correctos) (Eikeland, 2001: 147-8), associagao que aponta para uma ¢ ¢ estudo do campo de acco, dos seus recursos ¢ do horizonte de cuidadosa andi 08 leigos em empreendimentos conjuntos, com miltiplos e multidireccionais movimentos de aprendizagem. “Os métodos de pesquisa reflectem pressupostos acerca do individuo, a sociedade @ 0 ‘mundo, Assim, as téenicas estatisticas convencionais baseiam-se na geometia euclidiang Soin 8s Sua conceprbeslinares de tempo e espago. Forgam-nos a um modo de andlise que Separa as unidades em partes descomtinuas, identificiveis. Os métodos qualitaivos Trinavelecem a ideia de comunidade, (..) e de uma ordem social negociags” (Firestone, 1990: 121) Este posicionamento retira & ciéncia tradicional o lugar de referéncia Spistemoldgica tinica, cria condig6es de questionamento critico do tradicional ¢ das novas propostas, que necessitam, elas também, de fundamentos crediveis Gisner, 1990; 89), 8.1 UMA NoVA FORMA Dr LNVESTICAR Emerge em contexto de alguma desilusio relativamente a ciéncia tradicional Reflecte uma preocupagio com a justiga social ¢ com o desenvolvimento!™, em Primeiro lugar dos desapossados da Terra, perante a auséncia de correspondéncia Entre o desenvolvimento ciemtifico ¢ a persisténcia de problemas sociais tho sérios Como a pobreza ¢ suas condigdes de vida, ailiteracia, a delinquéncia, a degradagio ambiental, os conflitos © as guerras, entre outros. A possibilidade de mudanga € Wists @ partir da reflexdo sobre 0 curso presente das situagSes probleméticas, nos locals onde se manifestam, devidamente enquadradas historicamente; do seu estudo, por referéncia & acco possivel, e da inerente aprendizagem, evitendo os bloquelos da acco e mantendo um movimento que no deixe as coisas 20 acaso. S¢ assim na vida, o que @ onera com fortes exigéncias de permanente Integr 'incia, com frequentes momentos especificos de andlise, que se procura que Esteanhamente, durante 0s anes 90, 0 Banco Mundial, uma das entidades responsveis pelo desenvolvimento dos povos, com uma actuago positivista-capiatista, comeyou a usar métedon de Pesquisa participativa na preparagifo do seu Relatério de 2000-2001 sobre a pobreza, ¢ juntomente Com 0 FMI, comesa a introduzir uma nova condicionalidade para alguns apoios financeiros planos anssonais de combate & pobreza numa abordagem participativa, De resto jd na primeira metade dos ‘anos 70, grandes empresas, na Noruega e Suécia introduzicamn a investigacio-aogio na organizagio so aballto, na base do diglogo demnocritico (Gustavsen, 2001: 17), Factor como tale crag ¢ hnecessidade de mais aprofundada refleio sobre 0s contextos e condigses de utilizagdo deste metodologia de investigagio, dos seus efeitos do perigo de mera co-optagio (Gaventa, 2001: 79) » . ’ , > > > » » ' ’ , ’ > » » » ’ » ’ seja algo distanciada, que permitam ao investigador colectivo ndo perder de vista 0 «pequeno» articulado com 0 «maior, 0 imediato projectado no mais longinquo, Ao deslocar-se do centro (as instituigdes consagrades) para as margens (as comunidades, as mulheres, as populacées geralmente arredadas dessa actividade) (Hall, 2001: 176), procura especialmente © saber «praticon, itil ¢ utilizavel pelos actores sociais num quotidiano o mais perspectivado possivel, em relagdo directa com os saberes de que os participantes so ja portadores em cada momento. Esse saber «praticévely pode, por um lado, reconfigurar 0 contexto local em novas Tepresentagdes e novas articulagdes com o contexto mais vasto, e, por outro lado, geralmente com algum desfasamento temporal, pode alterar as praticas, e as suas Tegras, e os relacionamentos, ¢ portanto alterar estruturas. . A mudanga no significa, pois, uma simples alteragZo, a introdugio do diferente ou do inovador, com vista a objectivos especificamente pré-definidos. Ela tem de tomar em considerago, de forma critica, a histéria da comunidade, suas tradigdes, soffimentos e realizagbes, identificar as linhas de forga das culturas em presenga Criar condigées de visibilidade de tudo isto sera um contributo para que a consciéncia de comunidade (re)acorde, se faga mais viva, para que aumente a aut estima ou se crie alento para o necessirio esforgo de construgao da histéria. E é preciso especialmente nio esquecer que a mudanga que se pretende € a da melhoria da qualidade de vide, que passa pelo ter, pelo ser, pelo fiuir, pelo fazer Nenhum destes vale por si em absolute, mas sé em articulago com os outros resulta em viver melhor. A visdo de que as situagdes de dominagéio-subordinaco, as desigualdades ¢ injustigas sociais radicam nas desigualdades de propriedade material junta-se, em igual lugar de destaque (ainda que parcialmente consequéncia daquelas), “o controlo dos meios de produgdo de conhecimento, valido e valioso. incluindo o controlo do poder de definir o conheciment Nasceu com preocupagées socials e politicas, ao ponto de a construgo do objecto de pesquisa nao partir em primeiro lugar de preocupagdes de caracter cientifico. Encontramos preocupagdes afins em Morrow € Torres (1997:226-7), quando referem Moser a articulagio que faz da sociologia critica com a investigagao- Viana”, segundo a metodologia da investigacao participativa, e escrevem artigos e comunicagdes: “Adult Education and Community Development: experiences from programs in Northem Portugal” para a Convergence, (Erasmie, Lima, Pereira, 1984, 4), “Projectos de Investigagéo e Desenvolvimento Sociocultural” (Lima,1985) e “Investigagio Participativa e Desenvolvimento Comunitério” (Lima, 199) ‘Um olhar sobre alguma literatura relativa as cigncias sociais revela a variedade de caminhos propria dum tempo de insatisfagdo com a tradig&o, e a procura quase pessoal de vies satisfatorias para dar respostas mais adequadas a: situagSes coneretas inquictantes Daqui resulta uma enorme variedade de propostas relativas 2 abordagens te6ricas, aos problemas considerados importantes, a procedimentos de pesquisa, etc. (Bernstein, 1976 in Lincoln, 1990: 68). Borda (2001: 28-30) e Hall (2001: 171-173) dao-nos elementos para a compreensio da génese e das preocupagdes na base do nosso tipo de investigagao. As ideias e praticas da investigagao participativa tiveram concretizagées a partir de meados da década de 60, na Tanzania, em programas governamentais de educago, num pais recentemente liberto da colonizagao, também na América Latina (Paulo Freire, a Teologia da Libertaao) e na Asia; uma grande parte desta investigagio teve lugar fora dos limites das universidades.’ As respectivas linhas teéricas organizaram-se na Rede Intemacional de Investigagao Participativa, alimentado pelas linhas teéricas de Freire ¢ de Stenhouse relativamente ao ensino e 4 pesquisa (Borda, 2001; 30). Os trabalhos académicos pioneiros sto de Marja-Liisa Swantz (Universidade de Dar es Salaam)e de Fals-Borda, 0 primeiro a usar 2 expressio investigagao-accio participativa (Hall, 2001: 172), sendo de salientar o trabalho de Budd Hall e a colaboragio de Tandon Rajesh, Hoje em dia, a investigagao participativa tem incorporado 0s contributos do feminismo, do anti-racismo ¢ de todos 0s outros movimentos contra a discriminagao preconceituosa ¢ prepotente. Encontramos experiéncias de projectos de investigagao-accao @ de investigagao participativa numa grande variedade de campos e com grande variedade de propdsitos, que vaio das mudangas sociais em sentido mais forte © mais lato, incluindo uma abordagem de ajuda técnica, a intimidade da mudanga dos a Dam. LR RRA RAR RRR RAN RADERORAOMAAADADAUAMOMAODMMADOADONAATARD | protagonistas, na base da aceitagdo do pluralismo de causas e efeitos ¢ de uma epistemologia holistica ou alargada (Fals-Borda, 2001 32). Podem receber nomes especificos para chamar a atengio para uma determinada dimensio ou caracteristica, como cigncia-acgao (Friedman, 2001:159-170), pesquisa apreciativa (Ludema, Cooperrider ¢ Barrett, 2001: 189-199),voltada para a mudanga, sem partir de deficiéncias ou problemas, investigagdo-acgio com grandes grupos (Martin, 2001: 200-208), uso da fala (conversagio) nas empresas (Palshaugen, 2001:209-218), acgio participativa por meio do etnodrama (Mienczakowski e Morgan, 2001: 219-227), pesquisa clinica (Schein, 2001:228-237), i acco de comunidades (Senge ¢ Scharmer, 2001: 238-249), pesquisa transpessoal Westigagao- cooperativa”’, tém-se desenvolvido no campo da satide, da educacio, do desenvolvimento sustentivel rural, das empresas € outras organizagGes, isoladamente ou em rede; tem envolvido os respectivos profissionais, médicos, enfermeiras ¢ parteiras, professores ¢ estudantes, trabalhado com povos indigenas € outras populagées nas suas comunidades, etc.; nos Estados Unidos (MIT, Montes Apelaches, sul rural, por exemplo), no México, na Guatemala, no Brasil, na Noruega, na Tanzania, india, um pouco por todo o mundo; tem também sido usada como metodologia de avaliagao de programas (Deshler, 1995), Esta variedade é um dos sinais daquilo que alguns autores chamam, como critica, “as ambiguidades” (Silva, 1996: 25) que desde o inicio marcaram a investigagdo- acgdo. Se essa ambiguidade representasse indecisio, oscilagio sem critérios entre diferentes ¢ irreconcilidveis posicionamentos, seria mau. Se representa, contudo, 0 salto para um paradigma diferente, a auséncia de um modelo rigido de instrumentos preferenciais ¢ formas de os utilizar, entio temos 2 vantagem da flexibilidade e da procura de adequagdo das estratégias, instrumentos modos ao contexto (com os seus recursos @ dindmicas) ¢ aos objectivos. "°° 1, Sitva (1996:19-20) fa uma recotia de expressées com algo de comum entee si ¢ organiza-as segundo eritérios ou das préprias palaveas que compoein as expresses ou dos seus sentidos aparentes, Apenas acrescentartios alguns exemplos concrctos 8.3 0 Concerto Partindo essencialmente do trabalho de Goyette ¢ Lessard-Herbert, Cortesio chama a atengio para a variedade de “linguagens” epistemologicas metodolégicas que se encontram na literatura dedicada a investigagdo-acgao, tanto de cardcter tedrico como de descrigae de projectos au actividades (Cortesao, 1998, 85-90). Nao se entraré nessa questo, ja bem tratada; tratar-se-& aqui de continuar a esclarecer 0 que € para nds a investigesao participativa ou investigagdo-acgto participativa, reconhecendo-se embora que ela é ainda, neste momento, um movimento em expansio que vai sendo enriquecido com a necessaria cuidadosa reflexdo sobre a variedade das praticas. As graméticas so necessariamente posteriores a uma certa estabilizago dos fenémenos em que procuram reconhecer as dimensdes ¢ estrutura, pelo que o que se disser agora é duplamente provisorio. & claro que este “escindalo epistemolégico util", “hibrido de um projecto cientifico ¢ de um projecto social”, nas palavras de Ardoino, citado por Cortesio (1998: 87), contraria 0 conceito de ciéncia “desinteressada”, em principio indiferente as aplicagdes técnicas dos seus produtos. O hifen na expressao investigag&io-accao | “‘simboliza_interacgdo, interdependéncia, fertilizago ¢ questionamento mituos” (Cortesio, 1998: 147), ou seja, as duas vertentes nfo tm protagonistas nem tempos diferentes. A investigagdo-acgdo participativa é algo que, pela sua natureza radicalmente impura, porque baseada num “didlogo de paradigmas”!”* (Guba, 1990), combina elementos de variada proveniéncia, tem umomemtosy que a primeira vista parecem contradizer-se, ¢, porque & produgio cientifica ¢ acgGo social que implica mudanga, exige um cuidado € rigor extremos para que, no equilibrio doseado dos seus componentes, numa permanente reconstrugao da area de integragao, se cumpra relativamente aquilo de que se reclama Os editores de Handbook of Action Research ~ Participative Inquiry and Practice Peter Reason © Hilary Bradbury (2000: 1) fazem uma introdugio a que expressivamente chamam “Pesquisa € Participagio em Busca dum Mundo Digno das Aspirag6es Humanas”, e apresentam uma definigao expressiva desta forma de °% Festa variedade de contributos teéricos e pritices € vista por uns como, forgu dn investigaclO~ ‘ego € por outros come a sua feaqueza (I, Silva, 1996: 35) 36 pesquisa: “um proceso democratico, participative. que diz respeito a0 0s, fundamentado desenvolvimento do saber pratico para propésitos humanos di numa visio do mundo participativa que cremos esta a emergir neste momento op ; c E acrescentam imediatamente que “ procura juntar a acco e a histérico, reflexdo, 2 teoria e a pritica, de forma participada, na procura de solugSes para questdes importantes para as pessoas, ¢, mais geralmente, para que as pessoas individuais e as suas comunidades possam florescer”(2000:1). Representa uma consciéncia, que crescentemente se vai difundindo em campos em que se tomam decisdes, de que, a partir da “primordial doacdo do cosmos”, hi uma construgéo co-autorizada do social por meio do estabelecimento participativo de relagdes entre tudo quanto existe (jbidem,: 6-7), seres bumanos, condigdes, recursos primevos e artefactos culturais, 0 que naturalmente nos responsabiliza a todos. No entanto, as relagdes de dominago-subordinacao que tém predominado no planeta tém colocado os actores sociais diferenciadamente em posigio de reais decisores, uns, €, 08 outros, de pseudo-decisores, ou, na melhor das hipéteses, decisores constrangidos em variados graus, Aquelas mesmas relagées instituiram uma ética de responsabilidade que permite que no sejam responsabilizados os mais importantes decisores, e que os que menos decidem se sintam duplamente desresponsabilizados: porque nao decidiram e porque sofrem as consequéncias das decisdes alheias, tanto, ¢ até geralmente mais do que os outros. A investigagao comtnd Beno participativa reconhece que todos somos autores deste mundo, mas tentaydiminuir iidades de decisio de uns e de outros para que a a distancia entre as possibi responsabilidade seja assumida por todos, embora caracterizada e «medida» mais de acordo com os diferentes poderes de cada um do que geralmente acontece, Esta viséo participativa do mundo ¢ da interligagdo de tudo com tudo nao renega qualquer forma de pesquisa e de conhecimento, antes necesita de, partilhadamente, langar mio ¢ articular, com preocupagdes de congruéncia, as formas que os contextos a esclarecer ¢ @ melhorar aconselhem como adequados °° Bsta visdo do mando participativa vai ganhando forma nos féruns sociais que se tem vindo a realizar em Borto Alegre, Brasil, © cm Florena, tilia, bem como nas manifestagées de gente de todo o mundo de critica a0 que consideram injusto e antidetnocrdtico nas reuniGes da : Mundial do Comércio ¢ do chamado G7. Wtesmo no seio destes. comtegam a «aparecer» sinais dagquela conseisacia 8.4 A INVESTIGAGAO PARTICIPATIVA: METODOLOGIA Da ANMACAO COMUNITARIA A animagio/educagio comunitiria, 4 foi_-mencionado, _concretiza-se metodologicamente numa forma de investigacio participativa ou investigacdo- aepd0 participative, em que um colectivo, num processo de auto-desenvolvimento, Procura conhecer-se e conhecer 0 que Ihe é exterior para agir adequadamente no sentido da methoria da qualidade de vida, e age prudentemente para melhor conhecer € novamente melhor agir: é seu propésito “libertar 0 corpo, mente e espirito humanos em busca de um mundo melhor ¢ mais livre” (Reason e Bradbury, 2001: 2), criar condigdes para que uma comunidade realize as aprendizagens necessirias para poder exercer maior e mais adequado controlo sobre 0 curso das coisas que afectam as suas vidas, ¢ desenvolvam “a capacidade de continuar a aprender.” Aprender com os outros e aprender a aprender é um Objectivo explicito deste tipo de pesquisa. (Martin, 2001: 201). investigagao participativa relaciona-se assim positivamente com a dimensio enddgena do desenvolvimento que faz nascer os processos no local ¢ utilize os recursos locais com 0 propésito de os tomar mais poderosos na decistio ¢ na aco, assim como 0 de gerar noves recursos. Diga-se desde jé que, nao sendo o avanco da ciéncia 0 seu interesse primeiro, no sentido de ser o que a determina antes de tudo, a produgo de conhecimento ¢ uma sua dimensio crucial, dado que ela ¢ uma das bases do bom éxito dos seus empreendimentos 8.5 PRESSUPOSTOS METODOLOGICOS Comega-se por uma premissa de ordem geral em que as outras se inserem — a dimensio mais importante do processo de construgio dos cidadaos, 0 eixo que faz de cada um um protagonista central, exige, para uma grande parte da ugdo Populagéo portuguesa, a criagdio de condigdes que tornem essa coi ado na conviegao de que possivel, O esforco para tal encontra-se justi 318 ~— todos os seres humanos possuem e podem produzir conhecimentos uteis Para a condugdo/reorganizacdo da sua vida e da vida das suas comunidades: — a8 realidades que nos tocam séo um bom ponto de partida para a ¢ obviamente pertinente, tril e aprendizagem, e a reflexio critica sobre elas tom: emancipatéria, especialmente se realizada na dialéctica articulada do subjectivo- Objectivo ¢ do sujeito-sujeito: — © nosso conhecimento © a maneita como nos ¢ permitido aprender (valores metodolégicos) determinam em parte as maneiras como tomamos decisoes ¢ @ sua orientagao, e, consequentemente, a maneira corto vivernos e convivemas; — @ participagio na andlise ¢ na tomada de decisées favorece a responsabilizagao ¢ o empenhamento na sua concretizagio. Estes pressupostos podem resumir-se em dois: um, racionalista, de que a aprendizagem ¢ 0 conhecimento favorecem a mudanga, e um, de caracter afectivo, mobilizadoras da de que as relagdes pessoais que valorizam todas as partes vontade ¢ da razfo. De acordo com as palavras de Kemmis e Taggart (2000), a investigagdo-acgo participativa tem a vantagem de ser “uma forma de resisténcia as praticas de pesquisa convencional, percepcionadas por alguns tipos de participantes especificos como actos de colonizagio — isto é como meios de normalizar ow domesticar as pessoas relativamente a agendas investigativas e politicas impostas © grupo ou comunidade local a partir de agéncias centrais frequentemente muito afastadas das preocupagdes ou interesses locais” (in Lincoln, 2001: 125), 8.6 PRINCIPIOS ORIENTADORES Sendo esta forma de pesquisa participada, é um seu principio organizacional que n&o hd especialistas do saber agindo sobre os leigos ignorantes, mas que todos os implicados vao cooperativamente construindo © conhecimento pertinente € Recessario, para que cada situagio, objecto de inquirigfo, vista na sua insergao num contexto alargado, seja o mais possivel deslindada € significada. Assim se 319 possibilitara a acqdo examinada, a pravis conscientizadora™”, situagdo privilegiada para a abertura da mente, de todo 0 corpo, a possibilidade de outros olhares outras compreensdes mais proximas do chifo em que firmamos os pés. Daqui decorre um outro principio: o da criagdo, se necessirio, das condigdes de participagao: 9 sentimento de si ¢ uma auto-representago suficientemente valorizados, em cada elemento participante, para poderem reconhecer 0 dever € 0 direito de contribuir, © que implica relagdes que favoregam a expressio pessoal, 0 mais desimpedida possivel leva-nos a um terceiro principio, itaria, esta implica Em animagio comu: relativo & questo da posigao do(s) cientista(s) social(s) no grupo de investigasao- acgHo, em que s6 se pode integrar adequadamente com base num triplo compromisso: com a pritica cientifica e ética da investigagao participativa, com uma postura civica pessoalmente responsabilizante, ¢ com os interesses de emancipago da equipa e da comunidade, compromissos cuje articulagdo nem sempre é linear ou facil, como adiante sera melhor explicitado. Um outro principio bisico, relativo estratégia, é que se parte de situagdes reais da adas probleméticas, necessitando por comunidade; todas as simagdes silo consi isso de ser investigadas; ¢ s6 provisoriamente so dadas como estabilizadas para se poder comegar a agir propositada e cautelosamente, sempre abertas & andlise questionante e eventual reformulago do seu sentido: nada é tomado como garantido ou definitivo. Trata-se assim, ¢ este é também um principio, de pesquisa social envolvida em problemas nos locais onde eles tém luger, ou seja, uma forma de articular verdadeiramente a pesquisa com a «politicax, melhor ainda, com @ decisio politica ¢ com a sua concretizagao, tudo realizedo por aqueles que esto directamente implicados ¢ interessados nos problemas ¢ na sua solugao, ‘A partir das consideragdes feitas, podemos, neste momento, evidenciar alguns dos pressupostos relativos ao investigador colectivo € a dimensio formativa deste tipo de pesquisa Do ponto ¢e vista epistemolégico, evita aS dicotomias sujeto-objecto, mente-realidade, teori priticn Do ponto de vista estraiggico, dobruga-se sobre situagdes da vida vistas como problemi cas, 8.7 A PRODUCAO DE CONHECIMENTO O que a definip’o de Reason e Bradbury transcrita acima nfo toma isivel € a produgdo de conhecimemo. Sendo investigagio, ela suficientemente produz 0 conhecimento s6 possivel em circunstancias aturalistas ou quase, tal como as da animagdo comunitaria: situagdes vividas naturalmente, em que se pode Conhecer na intersecgo vivida das posigdes estruturais de cada actor social com os seus quotidianos ¢ as interacgSes que eles protagonizam; onde se pode fazer sentidos impossiveis tanto no conhecimento generalizante como também no que abstrai os actores das suas circunstincias ‘Blebes olando-os em interacgBes mum (quase) vazio social A. investigagZo, enquanto produgéo de conhecimento, ¢ uma forma de aprendizagem que integra 0 quadro tedrico de referéncia accionado nas decisdes ¢ nna acgo, quadro em aberto, para receber 0 que as praticas, intimamente assentes no contexto, tém para Ihe dizer de conhecimento nelas produzido, ¢ assim o tomar mais denso. A produgdo de conhecimento nao é espontanea. 0 inicio do processo ¢ geralmente comandado pelo(s) cientista(s) (sempre envolvendo outros participantes), que a0 fim de algum tempo codificaré em grupo o que esteve a ser feito. Entretanto, ou esse momento, conforme os casos, faz-se uma sensibilizegio para a necessidade dos cuidados a ter nas varias formas de recolha de dados"”’.E na colaboragao que se vao obtendo ganhos na capacidade de interagi ¢ de questionar. As aprendizagens assim realizadas esto naturalmente ligadas a metodologias ¢ a contetidos emancipadores”, os que interferem com a nossa situago de colonizados por um conhecimento hegeménico, essencialmente regulador, 0 que nos coloca em situagio de menor poder, conteédos com potencial de nos facilitar ©! Embora alguns autores defendam a formagio dos zetores locais em metodologias de investigngio (Isabel Silva, 1996: 76), parece-nas que isso requer condigdes especificas que faconseliiem, Nao se advoga também a simplificagio do processo que adultere a correcgio das procediimentos. Nao se pretende formar cientistas, mas consideramos a pesquisa cientifiea, por uteos meios. = De acordo com 0 que foi dito no ponto sobre educao, os conteias 36 realizam o sau potencial ‘emancipatério se trabalhados segundo mietodologias emancipatérins caminhar no sentido da autonomia solidaria que nos diz que “ninguém se salva sozinho”. Relativamente aos métodos, as aprendizagens criam ou reforgam (e desenvolvem-se em) um clima de co-responsabilizagéo, que 6 é legitima porque assenta em relagdes que se alimentam do valor e importéncia de cada um e da necessidade que todos temos de todos, um pressuposto politico da democracia. 8.8 A CENTRALIDADE DO LOCALE SEUS ACTORES ‘A mudanga no acontece por decreto, e independentemente do impacto que decisores e operadores em varios degraus da hierarquia possam produzir; é, em Ultima anilise, no quotidiano de todos nds que se pode caracterizar, promover ¢ apreciar a mudanga efectiva, Acontece com frequéncia que o potencial de mudanga de determinadas decisdes centrais se vai perdendo nos diferentes patamares de interface que encontram na sua «descida» até o Jocal; em muitos outros casos, a heterogeneidade dos contextos locais niio se compadece com a «miopia uniformizadoran, com a insensibilidade do geral as especificidades varias, com © ponto de vista distante, dos profissionais técnicos, frequentemente de acordo com uma racionalidade téonice. A investigacao-acgao participativa procura obviar esses obstdculos e partir do local com quem ld esta. Nao ignora o que se passa no centro, nos varios centros intermédios, mas joga com esse conhecimento, procurando conjugé-lo com conhecimento do local para melhor se adequar estratégica e operacionalmente. Levanta-se aqui a questéo do conhecimento do local. Para alguns autores, € indiscutivel que 0 verdadeiro conhecimento do local ¢ 0 dos actores que © experiencia, Para outros, os habitantes do ocal tém dele impressdes, opinide no conhecimento, € s6 0s académicos e os especialistas produzem conhecimento valido, Entre 03 académicos, hi os que se indignam com a apropriagto, que consideram ilegitima, que € investigadores fazem da informagiio fornecida pelos actores locais, primeiro, porque @ transformam em algo diferente, mas continuam & legitimar-se nas fontes fidedignas, € depois, pelo que essa apropriagao representa de desvalorizagdo desses mesmos actores, enquanto incapazes de aparecer com voz prépria (Fine, 1998: 132-153). No nosso posicionamento na investigagao FTF ERAA RABRARAS149 44 & 2 CVAD EDDA. 19 BO POGAAAAGAG SOOO SVIADAA OOO ge essa constr participativa, 0 conhecimento consirdi-se em didlo autorizada nao é por isso pertenca de um actor, mas do investigador colectivo que «foi edificando com os contributos analisados, por ventura depurados e afeicoados pelo cruzamento de mensagens ora convergentes ora divergentes. Nao se nega @ importincia do investigador formalmente credenciado, mas ele so se legitima metodologicamente se for capaz de favorecer uma real co-autoria, Fica assim claro que esta forma de pesquisa se toma tanto mais facil € abrangente quanto mals variedade de qualificagbes a equipa contiver; e, por um lado, o elevado grau das qualificagdes e, por ai, a mais facil movimentagio no acesso aos diferentes dominios do saber também facilita a pesquisa acgao, mas, por outro lado, o dilogo pode ser dificultado por fidelidades demasiado fortes aos campos de origem. 8.9 A PARTICIPACAO Este conceito pede alguma preciso, dado que na linguagem corrente se aplica a situagdes muito variadas, 0 mesmo acontecendo na Literatura mais especializada, seja no campo da educagio, da politica e mesmo da investigagao-acgao. Fala-se de participacéo quando os alunos respondem a perguntas dos professores, quando alguém esta sentado a assistir 2 uma conferéncia, quando os politicos desejam cidaddos activos apenas quando se lembram que eles so eleitores, quando o(s) investigador(es), «dono(s)» de um projecto, convida(m) ou solicita(m) as pessoas que so tocadas por ele a colaborar num ou noutro momento, € até quando apenas Ines devolve(m) informagio de que eles proprios foram a fonte, Nido é disto que se trata na investigagdo participativa, A participacéo & aqui fundamental, importéncia expressa na propria denominagao da pesquisa, por se tratar de um pesquisador-actor colectivo ¢ do desenvolvimento das pessoas e das comunidades. Este desenvolvimento participative, que pass, aprendizagem da participagao, por relagdes quando necessirio, por uma long entre sujeitos, refere-se a todos of contextos da vida humana, a comecar na esfera s ca, pasando pelo contexto de trabalho até a esfera publica, As rela domé entre sujeltos sto urna parte da pecira de toque da participacio Convém dizer, desde ja, que a questo da participagio tem que ser perspectivada na historia dos povos (Peruzzo,,1999: 73) € dos grupos sociais, © que, m0 nosso ncia, Dados os antecedentes historicos e o autoritarismo pais assume toda a pert que ainda perpassa por muitos dos contextos da sociedade portuguesa, nfo é tarefa facil a gestagdo da participagdo, em especial no que toca aos grupos tradicionalmente mais dominados, nomeadamente nas situagBes em que 0 habitus predispte & passividadeR participacto é um direto de que os poderes Pablicos tém por responsabilidade tomar possivel o exercicio. Sé entiio a patticipacio se toma uma obrigagdo do cidaddo. Apelar 4 participago, ignorando a histéria e o que ela implica de necessidade de aprendizagens e desenvolvimento de capacidades & competéncias é oferecer/$ controlo das situagdes aos que jé as controlayam, agora com 2 aparéncia da liberdade e da igualdade de oportunidades, Esta éAas maneiras frequentes de «demonstra a ineficiéncia dos dispositivos que niio foram criados para o sucesso. A propésito da democracia participativa, cuja construgio no local é um dos processos em que a animagao comunitaria se concretiza, e com a qual este tipo de investigaglo esté em ligagfo tedrica e politica directa, Licinio Lima diz que a participagdo “assume diferentes graus de importincia e diferentes contornos” (Lima, 1992: 82). Com base em Carole Pateman, faz remontar a Rousseau a defesa da participagao dos individuos, enquanto preocupagao com a protecgto de “interesses privados” e gerantia de “uma boa governago”. Perante a questo das divergéncias entre interesses privados e publicos, 0 mesmo pensador acreditava que a participagio na tomada de decisées ¢ uma aprendizagem que levara & anulagio do conflito entre aquelas duas ordens de interesses. A animagio tindo conilito ou no, a articulagao seja comunitaria trata claramente de que, exi feita pela andlise, debate e negociagao, no s6 entre individuos, neste contexto restrito, mas também entre grupos ou seus representantes, quando isso se mostrar adequado. Sem prejuizo de alguma pesquisa que o(s) investigadores credenciado(s) possam realizat por conta propria”, a equipa de animacao comunitaria, constituida na *" Dado que o pesquiisador externo pode nada ou pouco conhecer do contexto de pesquisa, tomna-se secessario gue fique om condigées de fazer uma ideia, ainda que imprecisa e geral da comunidade por meio de alguina observacio naturalista genérica, consulta de dadas de arquivo, ¢, dependendo das circunstincias que dio origem A pesquisa, de contacto com tn ou outto dos iaformantes-chane 324 Fi i unsivel pelo comunidade € que integra o(s) pesquisador(es) externas), & resp! projecto desde o primeiro momento: por todo 0 trabalno prévio 20 desento do projecto, pelo desenho do mesmo e pela sua realizagdo ¢ avaliagao contece em todas as anilises, A participagio, isto é 0 trabalho cooperativo, debates decisdes e realizagdes: na caracterizago/estudo da comunidade, com identificagéo de recursos, necessidades, desejos e interesses, na busca de significados e implicagdes dos mesmos, na selecgdo das necessidades ¢ interesses a satisfazer e questionamento dos possiveis efeitos, na procura de vias para essa. satisfacao, nas aprendizagens necessarias para construir as respostas adequadas, nas acces ¢ diligéncias necessarias, na avaliagdo continua e final do que foi feito ¢ dos seus efeitos por referéncia a0 desenvolvimento das pessoas e da comunidade Podemos distinguir aqui duas dimensdes da participagtio: _participastio autogestionaria no «centro» (descentralizado) planificador e gestor da animagao & na génese do processo de transformagfo cultural. A cultura 6 aqui tomada em sentido lato, é feita e reflectida pelos seus detentores, ou seja, existe perticipagao na abertura do acesso real aos «bens» da cultura oferecida ou na sua criagdo, & participaggo nos processos de transformagao material que decorrem do proceso anterior, Neste dominio cabem tanto as _transformagies _directamente protagonizadas pela propria comunidade como as que esta, mais consciente das \cluindo as de reivindicar os seus direitos, como que suas obrigagdes de cidadios, cforgan, mais ou menos conforme a necessidade, os poderes e servigos publicos a a sua competéncia ¢ responsabilidade tomar em melhor consideragao o que fo local, poder ter uma bust de informagdo que eventualmente seri muito Util nos contactos possauis. A outra metade da pedra de toque da participagdo, ji que ela traduz poder, 6a co- responsabilizagdio na tomada de decisdes e na operacionalizagio e realizagio das mesmas decisées, Tal como Lima afirma, nio ¢ legitimo tansferic automaticamente @ analise feta num determinado campo para um outro sem verificar se as diferengas entre os campos exigem anilises diversas ou até novos conceitos. Mesmo assim, no mbito da exposigto de Lima (1992: 91), parece legitimo dizer que, de acordo com 2 especificagio de Canotilho no dominio da democracia, 2 participagao de cada actor, na investigagZo participative, portanto na animacdo comunitiria, é “vineulante” e geralmente “auténoma” (quando ndo é de representago), ¢, na terminologia de Baptista Machado, ela abrange os trés “niveis de profundidade”: & “consultiva e de informagao”, e esté presente na “decisiio do processo” e também na “implementagao ou execugio da decisio”. Também nos parecem aplicdveis Gteis os quatro critérios apresentados para classificar a participagao — democraticidade, regulamentagdo, envoivimento ¢ orientagdio— como base para a distingio de tipos e graus de participagio (ibidem: 178-185), embora aqui encarados num contexto orgenizacional su/ generis, No que & democraticidade diz respeito, e porque constitui um dos principios da animagio comunitaria, ela esta assegurada, e ¢ encorajada a igual possibilidade de expressio de cada um na defesa dos seus pontes de vista, pessoais ou de representagao legitima, expressiio apreciada na sua substéncia, Relativamente ao segundo, existem regras de operacionalidade processual, geralmente simples, produzidas pelo grupo, que podem ou niio estar reféridas em documentos internos a0 grupo; dir-se-a que se aponta para uma participagdo ndo-formal. O envolvimento, dado que estamos a falar duma actividade voluntaria, sem responsabilidade contratual formal, mas muito dependente de condigées, objectivas e subjectivas, de disponibilidade de tempo e outras, vai da participagao activa a reservada, podendo até aproximar-se da passiva. Quanto a orientagio, & desejével que a participagao comece por ser divergente, enquanto condigdo de emergéncia de alternativas que se possam confrontar quanto a sua bondade, por referéncia aos objectivos principios da animago comunitaria ¢ as caracteristicas ¢ recursos do contexto, & es, nio necessariamente consensuais acabe convergente, na execugio das deci: mas democraticamente tomadas e essumidas. Em animagio comunitaria, a participagdo ¢ um objective, mas simultaneamerite um principio processual; ela esta presente desde o inicio. na forma que for possivel (frequentemente muito rudimentar), € encorajada, apoiada, desafiada, e nunca prescindivel; por isso ela vai lentamente, e frequentemente de forma irregular aumentando, em quantidade, de achegas e iniciativas, e em qualidade, da fundamentagdo das posigdes assim como na responsabilizagio. Lima refere os mitos que circulam em tomo da participago ¢ suas vantagens ¢ comunitéria, anima condig6es, 0 que pode tomi-la um dado adquirido, ipacio muito poucos siio os dados adquiridos ad aeternum ou universais. A patti corresponde a uma postura exigente, e mais ainda em culturas com tradigGes de centralizagao, de seguidismo premiado, e do consequente conformismo e auséncia pelo carécter ameagador que, naquelas eenepays® de disposigao para pensar altemativ 2 : circunstancias, os poderes dominantes thes atribuem. De uma maneire genlyai io é ctivas (a tendéncia um dado adquirido a nenhum nivel: nem ao das condigdes obj & para que ela faca mais parte do discurso verbal do que dos dispositivos processuais, que por vezes preparam ou «impdem» mesmo a néo-participagio), nem a0 nivel das condicdes subjectivas (gosto, vontade € requesitos de informagio, por parte dos potencizis participantes), nem, ¢ principalmente, ao nivel dos objectivos nfo explicitados, € da racionalidade dominante no contexto. Em 2 participagio € um principio, conjugedo com uma animago comunitaci racionalidade predominantemente emancipatéria ¢ interaccional, 0 que exige descentralizagio; 0s elementos do grupo so voluntarios € aderem aos processos responsabilizantes desde o inicio, e 0 tempo nao é dinheiro, pelo menos no no sentido € na medida mais comum: é antes um dos elementos em que o proceso de desenvolvimento repousa € de que esta investigagdo/educagdo necessita em abundancia Se a comunidade ndo estiver toda envolvida, funcionam, relativamente & participagaio dos seus elementos exteriores a0 niicleo de animagio, todos os obstaculos ¢ variaveis que Lima refere a respeito das instituigSes: os elementos que, pelas mais variadas razées, fio se voluntarizaram, alo se comprometerain, exibem uma adesto aos principios € aos objectivos que pode variar entre grande © nenhuma ou mesmo hostilidade, pode crescer ou diminuir. Sao fendmenos e movimentos a que se tem de estar atento ¢ estudar, © agir de maneira a que seja possivel que favoregam 0 desenvolvimento. A participagio nfo é considerada a partir do principio da ndo-directividade absoluta, que deixa os menos apetrechados & mercé dos que possuem mais ¢ melhores recursos. Poderd acabar numa coordenagao nao-directiva mitigada, mas no inicio € necessario um lider democratico seguro, do ponto de vista ideolégico, epistemoldgico, e metodolégico, @ extremamente cuidadoso, para que faga prevalecer os principios orientadores da investigago participative, ‘A. defesa da participagao tera dese fazer a partir de critérios afastados da racionalidade ¢ da produtividade no sentido corrente destes termos. Por si, ela consome tempo, gera problemas e conflitos que € necessario gerir ¢ resolver. Do ponto de vista da educagiio e do desenvolvimento das pessoas, da satisfagdo gerada no sentimento de relevincia, de significado, de nos sentirmos parte de direito responsiveis na construgéo da vide da comunidade, ela € preciosa ¢ insubstituivel 8.10 O GRUPO DE PESQUISA PARTICIPATIVA COMO CONDIGAO METODOLOGICA A figura do animador/educador aparece agora como investigador, sempre o mesmo elemento dum grupo cooperative com geauina partilha de interesses”™, em que, de acordo com os recursos € necessidades de cada um, todos «aprendem ¢ ensinanvy todos analisam uma situago, pesquisam, significam os dados recolhidos ¢ reflectem sobre eles; decidem, agem, e avaliam processos e resultados 4 luz do conhecimento produzido ¢ das aprendizagens realizadas, numa reflexto que val desembocar numa «segunda volta da espiral» de investigag2o-acgao"”, ou melhor, no expansio da tripla dimensio da IP que € 2 do conhecimento mais ou menos interiorizado € integrado na acglo, renovada na fisndamentagao © na forma, © 68 aprendizagenv/desenvolvimento 2% Lincoln 2004: 127) refere Reinharz (1978) € a sua visio das relagbes entre 06 participantes come 9 modelo dos ~amantes: (.-) am estado de prescupagto, cuidado ¢ confiasiga mbtuas” 2 Roforimo-nos & espiral dos procedimento da investigagdo-acgdo, segundo Kurt Lewin: plancar, ar de n0v0. agie, observar, reflectir, para plan POCO TTCTTTLTLT LILLE CEE CRORE EGER REE S ee | Esta apresentagdo de uma sucessdo de actos tem a vantagem de dizer que estas operagdes estdo presentes e que necessariamente hd momentos especificos para elas. por esta ordem: contudo, ¢ enganosa. porque, em xeral, eles estio continuamente presentes, dado que o fluxo da vida das interacgdes, dos acontecimentos ado para 4 espera da fase seguinte ¢ obriga a um entretecer mais fino e intimo de todos aqueles momentos. Ha ainda um outro caminho de entretecimento que advém do facto de um projecto de investigagdo participative no as Ambito da animagto comunitéria conter tantas vertentes (sub-projectos) quant que @ comunidade/grupo comunitétio activa decida como nevessarias ¢ possiveis, uma vez considerados os recursos/disponibilidades de que podem langar mio ¢ desenvolver, A progressiva concretizagio dos sub-projectos, a cargo de sub- ‘grupos, (por ventura integrados por alguns elementos comuns), proporcionaré, nos tempos de partilha alargada, reflexZo e tomada de decisdes, novos espagos de aprendizagem cruzada: 0 que vai acontecendo no ambito de cada dimensio do projecto, acontece na comunidade comum a todas, © constitui naturalmente informagao e objecto de reflexio itil utilizavel no desenvolvimento das outras dimensées 8.11 INVESTIGAGAO PARTICIPATIVA EM ANIMACAO COMUNITARIA Dos muitos e variados campos em que é utilizada esta metodologia numa perspectiva libertadora, como em movimentos de educagéo popular, em movimentos feministas, de combate 20 racismo, na animagio comunitaria, interessa-nos aqui muito especialmente 0 desenvolvimento das comunidades pela animagdo/educagdo comunitaria. jo-la como uma forma de produg%io colectiva de Em qualquer caso, encaram vel, em que 4 acgao social no conhecimento ¢ acgiio, o menos hierarquizada possi terreno, acgio informada ¢ informadora, € responsabilizante, que se vai realizando com a preocupagio de conhecer sempre melhor, € também tempo e lugar de produgio de conhecimento; ainda ume forma de fazer educagto-pesquisa, nos

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