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COLIGAGAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS (*) Pela Dr.* Cecilia Xavier SUMARIO: L PREFACIO IL. TIPOLOGIA DA COLIGAGAO DE SOCIEDADES COMER- CIAIS. A. Introdugao. B. As fontes do actual cédigo. C. Razdes da nova regulamentacdo juridica. D. Distingdo entre sociedades coli das e outras figuras afins. 1— Do contrato de cons6reio. 2— Do contrato de fusio. II. DAS RELACOES DE PARTICIPACAO. A. Sua distingao em relagdo as sociedades em relagao de grupo. B. Sociedades em rela- do de simples participacdo. 1 — Da proibigdo de aquisicdo de acgdes ou quotas pela sociedade participada. 2 — Do dever de comu- nicagéo. C. Sociedades em relagdo de participagdes reciprocas. 1 — Efeitos patrimoniais. 2— Efeitos Funcionais. D. Sociedades em relagdo de dominio. 1 — As presungdes legais. 2. — O dominio indirecto. 3 — O conceito de «Influéncia Dominante». IV. SOCIEDADES EM RELACAO DE GRUPO. A. 0 conceito de direcg4o unitéria, B. Grupos constituidos por dominio total. 1 ~O dominio total inicial. 2— O dominio total superveniente. 3— Aquisigdes tendentes a0 dominio total. C. O contrato de grupo pari- ério. 1—O regime juridico. 2 — Relevancia juridica do grupo paritério. a) — O artigo 6. n.° 3 doC.S.C. b) —-O antigo 398° n.? 1 CS.C. c) O artigo 425.° n.° 5 alinea c) do C.S.C. 3—O contetido do poder de direcc%o unitéria. D. O contrato de subordinagao. 1 — Noga, Sua disting’o das figuras afins, 2 — Forma do contrato. 3.— Protecgao dos sécios livres 4 — Proteceo da sociedade subor- (*) Trabalho de conclusio do estdgio de advocacia. Outubro de 1991. 576 CECILIA XAVIER dinada. 5 — Responsabilidade da sociedade directora perante tercei- fos (credores). 6 — Poder de dar instrugdes vinculantes. V. PERSONALIDADE JURIDICA DO GRUPO? VI. CONCLUSAO BIBLIOGRAFIA I. Prefacio O que me levou a escolher este Capitulo do Direito Comercial tema como tema de conclusao do periodo de tirocinio, €, sem dtivida, uma certa tendéncia pessoal para as matérias de indole juridico-econémica. Mas no sé, Porquanto a sociedade onde vive- mos sofre de constantes mutagdes econdémicas, 0 conhecimento e divulgacao do sistema juridico positivo inerente a estas situagdes Permite-nos acompanhi-las e exercer mais adequadamente a nossa Profissao. Confesso que me debrucei nesta matéria, partindo do «zero», pois que nio obstante a frequéncia dos anos de Faculdade, nao foi Possivel enquadrar este capitulo nas aulas de Direito Comercial. Porém, 0 interesse pessoal por tal matéria nao se esvaneceu no tempo e, embora tivesse que iniciar 0 estudo do Principio, pude colher 0 cerne da questao e saciar a minha «fome juridica». Nao pretendo, com este Pequeno trabalho, amarasmar-me nas «quest6es te6ricas», embora estas nao sejam de valor despiciendo. Como jovem advogada e apenas no inicio da carreira, orientei-me na posi¢Zo de muitos colegas que iniciam a profissao. Ou seja, para quem se encontra ha pouco tempo num escritério, e estando perante um cliente que é sécio livre da sociedade A, subor- dinada da sociedade B, que direitos patrimoniais tem? Ou ainda, fazendo parte da administracdo de uma sociedade directora dum ipo, pode dar instrugGes desvantajosas a sociedade dependente? Pensando nestas questdes de cardcter Pratico, que comecei a fazer este trabalho e é esta a linha que ele vai tomar. Dentro do possivel pretendo que ele seja um pequeno opis- culo, que qualquer colega interessado na matéria pode consultar. Ideal seria poder informatizar a matéria de modo que a consulta em qualquer escrit6rio fosse mais célere e eficiente. Mas dada a novi- COLIGAGAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS S77 dade da informatizacao do ramo juridico (no nosso Pais est4 ainda nos primérdios) e a brevidade do tempo, limito-me a apresentar por escrito este pequeno optisculo, nio perdendo as esperangas que um dia possa consultar esta matéria através de um écran! II. Tipologia da Coligagio de Sociedades Comerciais (Arts, 481.°-508.° do Céd. das Sociedades Comerciais) A. INTRODUCAO O novo Cédigo das Sociedades Comerciais tegulamenta nos seus artigos 481.° a 508.° — Titulo VI — as chamadas Sociedades Coligadas. Hd que atender que, efectivamente, num mesmo titulo 0 Cédigo inclui dois tipos de Sociedade Coligadas: a) As sociedades em relagao de participagado b) As sociedades em relagao de grupo (entre as quais, em Principio, nao existe o fendmeno de participagao de uma sociedade noutra). Anteriormente ao Cédigo,a nossa lei nesta matéria, continha lacunas, enquanto noutros paises (como na Alemanha, na Franga e no Brasil, para nomear apenas alguns) ela estava j4 pormenoriza- damente regulamentada. No nosso Direito patrio da altura, existia apenas 0 artigo 39.° do Dec.-Lei n.° 49 38) de 15/11/1969. Esta disposigao, porém, deixava de fora as situagdes de dominio indi- recto e as de facto; quanto as relagdes de grupo permanecia no siléncio. Mais tarde surgiram 0 artigo 9.° de Dec.-Lei n.° 271/72 de 2 de Agosto e os artigos 3.° e 8.° do Dec.-Lei n.° 342/80 de 2 de Setembro, que tratavam das relagdes de participagéo. Deste modo, a matéria era tratada de forma fragmentéria, continuando a conter lacunas, nao servindo, por isso, aos interesses de certeza e segu- Tanga juridica. Como sabemos estes so principios fundamentais no Ambito do Direito das Sociedades. Eis entdo a inovagio do novo Cédigo das Sociedades: regu- lamenta a matéria de forma mais completa e reune-a sob um S78 CECILIA XAVIER tnico titulo, de forma sistematica. Deste modo 0 novo Cédigo apresenta: Da simples participagao art. 4832 ' Das participagées reciprocas Relagdes de participagao ceuaae Da relagdo de dominio ant. 486.° Iniciat art. 488.° Domfnio total : Superveniente i ant, 489° . Do grupo paritério Relagies peter ec ecatee art. 492° Do contrato de subordinagao ant. 493.° B. AS FONTES DO ACTUAL CODIGO O actual cédigo baseou-se sobretudo nas legislagdes estran- geiras. Sao elas: — A lei alema das Sociedades por Acgdes de 1965 (Aktien- Gesetz); — A lei italiana de 7/Junho/1974, n.° 216 que deu uma nova redaccdo ao artigo 2359.° do Codice Civile de 1942; — A lei brasileira das Sociedades Anénimas, Lei n.° 6404 de 15/12/1976. — Igual influéncia tera exercido a proposta de lei francesa sobre esta matéria, conhecida por proposta de Cousté, a 9.* directiva da CEE e 0 art.° 6.° do Estatuto da Sociedade Europeia. COLIGACAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS 5sn9 C. RAZOES DA NOVA REGULAMENTACAO JURI- DICA As razGes da nova regulamentagao juridica esto sem dtivida, antes de tudo, no aparecimento das novas concentracdes econémi- cas que, usando uma estratégica econémica comum, actuam na vida juridica em conjunto. Geralmente ou hé uma relacao de grupo entre as varias sociedades ou existe uma interaccao de patriménios. Daf surgem novos problemas no que Tespeita as relagdes entre os varios componentes do conjunto: na medida de Participagdo de uma sociedade noutra, no funcionamento dos varios 6rgdos, na necessidade de um poder para a definigdo e condugao da estratégia comum, nas medidas de protecgdo seja dos sécios seja de terceiros, enfim novas questées que necessitavam de «uma palavra» da lei... D. DISTINCAO ENTRE SOCIEDADES COLIGADAS E OUTRAS FIGURAS AFINS Antes de entrarmos concretamente na regulamentacdo juri- dica, parece-me importante fazer uma distingao dos fenémenos semelhantes ao da coligacdo das sociedades. Identificar 0 facto Para poder subsumi-lo 4 norma aplicdvel é o primeiro passo a dar Para poder actuar no mundo do Direito, embora esta tarefa nem sempre seja facil. Assim, no fenémeno de coligagao de sociedades (seja no caso de relacao de participagio, seja no caso das relagdes de grupo) o nticleo fundamental é que a personalidade juridica das varias sociedades se mantem. 1. Do contrato de consércio No contrato de consércio existe uma forma de colaboragao para a consecugao de certos objectivos especificos e limitados. Digamos que ha aqui apenas uma forma de colaboragao simples, enquanto no fenémeno de coligagao de sociedades, a colaboracao entre as sociedades é muito mais estreita, porquanto implica as vezes a interferéncia na gestdo de uma sociedade por outra. 580 CECILIA XAVIER 2. Do contrato de fusao Existe fusio quando duas sociedades se unem para formar uma outra nova (art. 97.° C.S.C.). Aqui as personalidades juridicas das duas sociedades desparecem para dar vida a uma nova socie- dade, dotada esta de personalidade juridica. Ora, na coligacao das sociedades 0 novo grupo que se forma nao possui personalidade juridica aut6noma, embora em alguns casos — no grupo resultante do contrato de subordinagdo por exemplo — o grupo possui ja todos os elementos de atribuicao da personalidade juridica (ele- mento teleolégico, pessoal, intencional e organizativo) faltando- -Ihe apenas 0 reconhecimento. Ill. Das relagdes de participacao A. SUA DISTINGAO EM RELACAO AS SOCIEDADES EM RELAGAO DE GRUPO A nota essencial das sociedades em relagao de participacdo, € que hd uma certa interacgdo de capital de uma sociedade noutra. Elas so coligadas, porque, uma, agindo como se fosse uma pessoa juridica singular, detem bens da outra (neste caso o capital), ou porque ambas, actuando como se fossem pessoas juridicas singu- lares, detém capital uma da outra reciprocamente. Na relacio de grupo, pelo contrario, as varias sociedades esto ligadas entre si, porque se submetem 4 orientago de uma delas, ou porque se submetem 4 orientagao unitéria de uma terceira sociedade. Os autores italianos designam expressivamente esta sociedade a «capogrupo» H4 que notar que as normas do Cédigo das Sociedades aplicam-se apenas as sociedades por quotas, as sociedades anéni- mas e as sociedades em comandita por acgdes que se encontram num desses tipos de relagdes. Ficam fora do 4mbito da aplicacao as sociedades em nome colectivo, as sociedades em comandita simples, as sociedades civis sob a forma civil, empresas ptiblicas e cooperativas. COLIGACAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS 581 B. SOCIEDADES EM RELACAO DE SIMPLES PARTI- CIPACAO 1g J) Li O art. 483.° n.° 1 define a relacao de simples Participagao: todas as vezes que uma sociedade (ou uma pessoa singular por conta desta sociedade — art. 483.° n.° 2 in fine) é titular de quotas ou acgdes de uma outra sociedade em montante igual ou superior a 10% estd em relagao de simples participagdo com ela, desde que no se encontre simultaneamente em relacao de ParticipagGes reci- Procas, em relacéo de domfnio ou de grupo com ela. No esquema acima, a sociedade B participa em mais que 10% de capital da sociedade A. Neste tipo de participago de uma sociedade noutra, h4 dois pontos importantes, a salientar. 1. Da proibigdo de aquisigdo de acgdes ou quotas pela sociedade participada Além dos artigos 483.° e 484.° temos que atender ao art. 487.°, 0 qual proibe a aquisi¢ao pela sociedade participada de quotas ou acgGes da sociedade participante, sob pena de nulidade. Esta norma (ela aplica-se também aos casos de participagdes reciprocas e de dom{nio) visa evitar que os agentes econdmicos, contornando as limitagGes legais (ver por exemplo os artigos 220.° € 316.° do C.S.C.) de aquisigao de quotas ou acgdes prdoprias, venham a efectud-la, nao permitindo nas relagdes de participacao, a aquisi¢ao de quotas ou acgdes pela sociedade participada a socie- dade participante. E o mesmo se diga em relagdo as amortizagdes (V. artigos 235.° e 346.° do C.S.C.). 582 CECILIA XAVIER Adiante, quando falarmos das participagGes reciprocas, per- ceber-se-4 melhor por que a aquisigao de acgdes ou quotas pela participada é 0 mesmo que aquisigo de accdes ou quotas proprias pela participante. 2. Do dever de comunicagao Outra nota saliente é a que diz respeito ao dever de comuni- cagio. O artigo 484.° impde a sociedade participante o dever de comunicar a sociedade participada, por escrito, todas as aquisigdes e alienagdes de quotas que efectuar a partir do momento da cons- tituigdo da relagao de participacdo simples. A partida parece que esta norma vem a defender os interesses dos accionistas, credores da sociedade e do ptiblico em geral, na medida em que lhes permite tomar conhecimento da situagao real da sociedade. Mas na reali- dade ela sofre de imperfeigdes. Se, por um lado, a lei exige o dever de comunicaco, nao existe, por outro lado, qualquer dever por parte da sociedade participada de anunciar tal comunicagao. Além disso, a lei no estabelece nenhuma sancao quando o dever de comunicagao € violado. No regime alemao, muito pelo contrario, a falta de comunica- ¢40 implica a nao exercibilidade dos direitos inerentes & percenta- gem de participagao. E assim de lamentar que o nosso legislador nao tenha optado por uma solugdo mais eficaz. C. SOCIEDADES EM RELACAO DE PARTICIPACOES REC{PROCAS Para mostrar este tipo de coligagdo de sociedades basta aten- der ao seguinte esquema: COLIGACAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS 583 Ou seja: a sociedade A Participa em 10% no capital da socie- dade B e esta em 10% no capital da sociedade A. O art. 485.° n.° 4 deixa-nos entrever que é possivel a cumulagao de relagdes de dominio com a relagao de Participacdes recfprocas. Nas legislagdes estrangeiras, as Participagées recfprocas sao fortemente limitadas. Como caso extremo podemos apontar o sis- tema francés, onde é de todo proibido o estabelecimento de parti- cipagdes reciprocas. A proibigdo visa evitar que 0s accionistas sejam vitimas de abusos sobre as Situagdes reais dos patriménios das duas sociedades. Na nossa lei, o legislador previu o caso de participagdes recf- Procas, mas impde o dever de comunicago, quando as participa- goes atingirem 10%. E a sociedade que efectuar mais tardiamente tal comunicagao fica sujeita 4 impossibilidade de adquirir novas quotas ou acgdes na outra sociedade. E se o fizer? Fica inibido de exercer os direitos inerentes a estas acgSes ou quotas adquiridas. Digamos que 0 nosso legislador optou por uma via intermédia, obviando os casos de participagdes Teciprocas que ascendam a mais de 10% do capital. O art. 485.° porém nao contempla explicitamente 0 caso das Participages reciprocas indirectas. Suponhamos que: Ou seja: A sociedade A participa em 10% do capital de B, e esta em 10% do capital de C e esta por sua vez em 10% em A; digamos que aqui temos um cfrculo fechado de participacdes, que se tomnou reciproca. Com efeito, a medida de participagiio de A em B est incluida na medida de participacao de B em C e como esta Ultima participa em A, entdo, por intermédio de B, A e C estabele- ceram uma relagao de participagdes recfprocas. A lei no art. 485.° nao contempla expressamente esta hipotese, mas nao me parece que o legislador tenha querido intencionalmente afastar este caso 584 CECILIA XAVIER da regulamentago legal. Alids se o art. 483.° (relacdes de simples participagdo) prevé a participagao indirecta, por maioria de razao se deve sujeitar os casos de participagdes reciprocas indirectas na regulamentagao legal. E que, como veremos a seguir, quer os efei- tos patrimoniais, quer os efeitos funcionais sao os mesmos tanto nas participacdes reciprocas directas como nas indirectas. Para podermos perceber melhor por que esta hipdtese deve ser conside- rada abrangida pela lei, passamos entao a considerar os efeitos patrimoniais e os efeitos funcionais. 1. Efeitos Patrimoniais E no plano patrimonial que se véem melhor as consequéncias das participagdes recfprocas. A nossa lei limita a aquisigao de acgdes ou quotas préprias das sociedades. Isso porquanto todas as vezes que uma sociedade adquire onerosamente acgGes ou quotas proprias provoca uma diminuigio no seu patriménio, pela safda de bens que foram empregues como contrapartida da aquisigao, enquanto as acgoes ou quotas adquiridas nao acrescentaram nada ao valor do patrim6- nio social, porque estas acgdes ou quotas eram préprias. (Mesmo se no mercado o seu valor se mantém — art. 220.° e art. 316.°). E tendo em atengio os interesses de terceiros que a lei profbe tal mecanismo. Quando existe uma relagdo de participagdes reciprocas, no fundo estamos perante um fenémeno de aquisigao de acgdes ou quotas préprias. Com efeito, se A tem no seu patriménio 10% do capital de B e esta por sua vez tem 10% do capital de A, estes valores como que se anulam reciprocamente. Ou seja, estas par- ticipagdes produziram uma criagao reciproca de acgdes proprias, pois 10% das acgdes ou quotas de A estariam no patriménio de A através das acgdes ou quotas de B que esto em A e vice- -versa. Se este efeito nao afecta os sécios da sociedade, pois que as acgdes ou quotas que possuem valem sempre o mesmo valor, quer antes de constituir a relago de reciprocidade, quer depois dela, j4 0 mesmo nao sucede com os credores sociais. Existindo, COLIGACAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS 585 de certo modo, ac¢gdes ou quotas préprias, a garantia destes tlti- mos sofre uma redugdo, porque existe uma tedugao do activo do patriménio social. Para vermos melhor esta diminui¢ao de garan- tia dos credores sociais, vamos considerar as duas sociedades vis- tas em conjunto. Suponhamos que os patriménios de A e B sio respectivamente 1000; que A participa em B de 200 e B em A de 500; que as duas sociedades se encontram simultaneamente em liquidagao. Entdo os credores nao encontrardo nos patriménios sociais mais do que o conjunto do activo geral das duas socieda- des. Ou seja, no exemplo dado, nao superior a 1300 (800 de A e 500 de B), porque as particiapgdes reciprocas ndo produzem qualquer aumento do activo das duas sociedades, quando consi deradas em conjunto. A soma dos activos, subtraidas as partici pagées reciprocas, € igual a 1300 neste caso. O que quer dizer que as participagées reciprocas nfo podem ser computadas nos patriménios. Se, por hipétese, a liquidagao das duas sociedades sucedesse em momentos diferentes, a garantia do credor da tiltima sociedade liquidada sofria uma importante redugdo, porque vé que aquilo que podia ser satisfeito pelo patriménio desta sociedade ora se encon- tra excutido, pois que, pela sua participagao noutra sociedade, res- pondeu as dividas desta ultima que foi primeiramente liquidada. Suponhamos que o credor de A tem um crédito contra a socie- dade de 1000. Ele vai encontrar apenas 800 de activo geral e 200 ac¢des ou quotas de B. Este credor perde desde logo uma percen- tagem, porque as ac¢Ges ou quotas préprias de A nada valem. Se posteriormente aparecer um segundo credor, desta vez de B, e se este também é titular de 1000 contra B, este segundo credor vai ser satisfeito s6 em 500 que é o que se encontra no activo geral de B, pois as acgdes que se encontravam em A jd foram excutidas pri- meiramente! Significa isto que a situagdo de credor de uma sociedade que est4 em relacao de participagdes reciprocas com outra sociedade é menos protegida, valendo-se quem actuar mais velozmente, pois € este que pode ser satisfeito em proporgao maior! 586 CECILIA XAVIER 2. Efeitos Funcionais Um outro aspecto importante a focar, no dom{nio das partici- pages recfprocas, € 0 que diz respeito aos efeitos funcionais. O problema coloca-se naqueles casos em que nas participagdes reciprocas existe simultaneamente uma relagao de dominio, o que pode suceder. Alids a prépria lei, no art. 485.° n.° 4, prevé este caso. Exemplificando, suponha-se que a sociedade A possui 51% do capital de B e esta possui 25% de capital de A. Entre estas duas sociedades além de existir uma relag4o de participagao reci- proca, existe uma relacao de dominio (art. 486.° n.° 2). Ora o que sucede normalmente é que, tendo A uma participagdo maioritaria em B, a sociedade A pode determinar a sociedade B 0 sentido em que esta usar4 o seu poder de voto nas assembleias gerais de A. O que significa que, uma vez criada a relagao de dominio, a par- ticipagdo reciproca possibilita a administragao da dominante con- trolar as deliberacdes das assembleias da dominada, utilizando 0 domfnio que exercer sobre a outra sociedade. E evidente que os votos de A nas assembleias de B sao exercidos pela administra- ¢do de A, a qual colocard na administragdo de B pessoas de sua confianga. E nesta medida que devemos compreender os efeitos funcio- nais que as participagdes reciprocas provocam. Mas, para obviar ou solucionar estes problemas, a lei nao con- tem nenhum remédio. Ha, porém, que notar que a obrigatoriedade da publicidade das participag6es reciprocas, (art. 481.° n.° 2 b)) € art. 485.° n.° 5) & jé uma providéncia tomada pelo legislador, na medida em que permite aos accionistas e credores sociais de conhecerem a situaco real das participagdes e através dai acaute- lar os seus interesses. Voltando a questao deixada em aberto acima, podemos dizer que estes efeitos tanto sucedem nas participacdes directas como nas indirectas. E, dadas as consequéncias destes efeitos, deve-se aplicar, por interpretagdo extensiva, 0 art. 485.° aos casos de parti- cipagées indirectas. COLIGACAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS 587 D. SOCIEDADES EM RELAGAO DE DOMINIO A lei, no art. 486.°, define o que é relacgdo de dominio entre duas sociedades. Esta situagao é facil de se verificar, dado que cada vez mais se tendem a formar sociedades, cuja participago maiori- taria € de uma outra sociedade. Quanto mais nao seja, porque esta Ultima pretende ter mais facil acesso as matérias primas da sua indistria ou mercadorias do seu comércio, para diversificar a sua actividade de modo a compensar a eventual crise econémica do ramo de actividade principal, exercer maior forga econémica no mercado e por conseguinte exercer dom{nio no sector, ou para adquirir tecnologias mais eficientes, etc. Enfim, existem multiplos factores que levam A constituigdo, de relagdes de dominio. Como se acenou no inicio, a nossa lei anterior ao Cédigo con- tinha lacunas e era fragmentdria. O Dec.-Lei n.° 49 381, no seu art. 2.°, apenas determinava um efeito quando ha relagdes de domi- nio: o de haver incompatibilidades para certas pessoas (adminis- tradores, membros do conselho fiscal, etc.) de fazerem parte do Orgao de fiscalizagao. O mesmo porém nao sucede com o actual Cédigo. Na esteira da lei alema, define antes de tudo a relagao de dominio através do conceito de «influéncia dominante». E 0 n.° 2 do art. 486.° enu- mera Os casos em que se presume a existéncia daquela influéncia. O art. diz: «1. Considera-se que duas sociedades esto em relagao de dominio quando uma delas, a dita dominante, pode exercer, direc- 588 CECILIA XAVIER tamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.° n.° 2, sobre a outra, dita dependente, uma influéncia dominante. 2. Presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente: a) Detém uma participagao maioritaria no capital; b) Dispde de mais de metade dos votos; c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do 6rgdo de administragio ou do érgao de fis- calizagdo». 1, Ay Presungées Legais O problema que se coloca agora é: devem considerar-se estas presungGes como taxativas ou elas so apenas exemplificativas abrindo assim as portas para a aplicacio analégica? O Dr. Fer- nando Castro Silva considera, e bem, que tais casos sao taxativos. Logo, s6 se verificando um destes casos é que existe uma relacao de dominio. Mas tais presungées sao ilidfveis, bastando a prova em contrério para demonstrar que tal relagéo de dominio nao existe. A lei alema usa a mesma técnica, criando casos de presungao da exist@ncia de influéncia dominante e a maioria da doutrina alemi entende tais presungées ili 2. O Dominio Indirecto Uma das inovagdes do novo Cédigo é 0 dominio indirecto. Anteriormente o art. 39.° do Dec.-Lei n.° 49 381 s6 previa 0 caso de dominio interno (pois que existia dominio, quando uma socie- dade possuia acgGes da outra sociedade de modo que lhe assegure a maioria dos votos na assembleia geral) e directo (sem interposi- go de outra sociedade). Agora, o art. 486.° n.° 1 diz que ha rela- ¢40 de dominio, quando uma sociedade, «dita dominante, exerce directamente ou por sociedades ou pessoas ... sobre a outra, dita dependente, uma influéncia dominante». Quer dizer que a lei COLIGACAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS 589 quis abranger expressamente o dominio indirecto. Exemplifi- cando, diremos que pode suceder de dois modos 0 dominio indi- recto: a) Asociedade A é dominante da sociedade B, a qual por sua vez € dominante da C. Digamos que hd uma cadeia de dominios, na qual se criam relagdes de dependéncia, existe um dominio directo de A sobre B e desta sobre C e um dominio indirecto de A sobre C. A este tipo de domf- nio indirecto, os autores alemies designam por dominio indirecto independente. 5) No segundo caso, A possui uma participacdo em C, mas esta participagao por si sé nao é suficientemente forte para criar uma relagao de dominio. Mas A é também dominante de B que por sua vez € dominante de C. Assim, somando a participagdo que A possuiem Cea que A tam- bém possui em C através da participagio de B em C, cria- -se uma relagdo de dominio entre A e C (reparemos que A j4 era dominante de B). E 0 denominado dominio indi- recto dependente. Seja num caso seja no outro, podemos aplicar aqui o racioci- nio que fizémos acerca dos efeitos funcionais nas participagdes reciprocas. 3. O Conceito de «Influéncia Dominante» Como se referiu anteriormente, a lei usa 0 conceito de «influéncia dominante» para definir os casos de dom{nio (art. 486.° n.° 1). E faz a presungao de que existe tal dominio todas as vezes que se verificar uma das trés hipéteses previstas no n.° 2 do mesmo artigo. Antes da existéncia das presungées legais a doutrina tem encontrado sérias dificuldades para definir aquele conceito. Sera que basta um dom{fnio econdémico, ou s6 haverd influéncia domi- nante quando uma sociedade consegue impér a sua vontade na dominada? 590 CECILIA XAVIER Os autores alemies, tentando definir aquele conceito, atribui- ram duas caracteristicas 4 relagdo de dominio: sao elas a estabili- dade e a generalidade. Ou seja, o dominio que uma sociedade exerce sobre outra nado deve ser originado apenas por factores esporddicos, mas resultar de um conjunto de factores que contri- buiram para criar uma situagdo continuada com efeitos juridicos. Tal dominio deve também reportar-se nado s6 a um sector da acti- vidade da sociedade dominada, mas abarcd-la de forma genérica. Ficam por isso de fora as meras situagdes de predominancia econémica imposta por lagos contratuais. O Dr. Fernando Castro Silva exemplifica com o caso da relagéo de dependéncia duma sociedade com a empresa fornecedora de energia, onde a influén- cia dominante nao existe. Embora tal questdo se tenha como por ultrapassada, uma vez que a lei presume os casos onde a influéncia dominante existe, Pparece-me que esta tentativa de definigéo dos autores alemaes pode-nos servir de auxilio para a definigao da situagao de facto que a lei pretende regular. IV. Sociedades em relagao de grupo Logo a seguir ao art. n.° 487.°, o Cédigo comega com o seu capitulo IV, com o titulo «Sociedades em Relagao de Grupo». Como ja referi anteriormente, a nota distintiva das relagdes de grupo dos outros tipos de sociedades coligadas (sociedades em relagdo de simples participagdo, sociedades em relacgao de partici- pagées reciprocas e sociedades em relagéo de dominio) é 0 con- ceito de direcgao unitaria. Ou seja, varias sociedades esto em rela- ¢4o de grupo quando uma delas tem o poder de direcco unitdria. Mas 0 que se entende por direc¢ao unitdria? A. OCONCEITO DE DIRECCAO UNITARIA Em todas as legislagdes estrangeiras, desde a lei alema ao Estatuto da Sociedade Europeia, e a proposta da lei francesa, o mesmo conceito é usado para definir as relag6es de grupo, mas em nenhuma delas se diz em que consiste. COLIGACAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS So O Prof. Radl Ventura, na sua obra «Grupos de sociedades — Uma introdugdo comparativa a propésito de um Projecto Prelimi- nar de Directiva da Cee» — (Revista da Ordem dos Advogados, ano 41 — 1981) depois de ter percorrido 0 que as varias legisla- Ges estrangeiras dizem a esse respeito, acaba 0 artigo deixando a quest&o em aberto. O Dr. Fernando Castro Silva, em «Das Relagdes inter- -societdrias» (Sociedades Coligadas) (na Revista do Notariado 1986/4), tenta pelo contrério dar uma definigdo do conceito. Parece-me muito completa e clara a sua definiciio ao dizer que: a direcgao unitéria é «... 0 poder que é atribuido a uma sociedade- -principal, dominante ou directora de definir a orientagdo geral do grupo, para tanto podendo coordenar as plurais actividades econé- micas desenvolvidas pelas sociedades subordinadas, implementar padres uniformizados de gestio..., interferir directamente na ges- téo de cada uma das unidades empresariais, etc.». Ha que notar, acrescenta 0 autor, que a direcg’o unitaria no se confunde com um novo érgao que «paira sobre as sociedades» enquanto poder atribufdo 4 administraco da sociedade directora (parece-me que neste caso, é melhor utilizar 0 termo de sociedade directora, do que sociedade dominante, para nao confundir as rela- gOes de grupo com as relagdes de participagao dominante em que nao ha o fenémeno de grupo). Pode suceder é que a sociedade directora decida que um 6rgao novo exerga tal fungdo, mas neste caso o poder continua a ser atribuido 4 administragao desta socie- dade. Posto isto, passamos a analisar o regime juridico propria- mente dito. B. GRUPOS CONSTITUIDOS POR DOMINIO TOTAL Ao iniciar este capitulo III, o Cédigo trata dos grupos consti- tuidos por dom{nio total: 1. 0 artigo 488.° — dominio total inicial 2. 0 artigo 489.° — dominio total superveniente 3. e 0 artigo 490.° — as aquisigdes tendentes ao dominio total 592 CECILIA XAVIER Nestes grupos, formados por dominio total, a lei nao usa 0 conceito de «direcgdo unit4ria» para definir o grupo, mas parece 6bvio que nestes casos aquele poder também existe. Apenas considerando certas situagdes factuais atribui 4 sociedade domi- nante a possibilidade de constituir com a sociedade dominada um tnico grupo, com as necessdrias consequéncias que veremos a seguir. 1. O dominio total inicial Segundo o artigo 488.°, se uma sociedade detem a partida todas as acgées da outra sociedade pode, por escritura ptiblica, constituir uma sociedade an6nima. Nitidamente, o legislador quis aqui regularizar (e evitar) os casos de sociedades andénimas cujos i as 0 S40 apenas nominalmente, sendo a sua pertenga a sociedade apenas aparente, porque o Unico titular das accdes é uma outra sociedade. Permite entao a lei, nestes casos, a constituigdo imediata de sociedade andnima, vindo dispensar 0 requisito do nimero minimo de accionistas para a constituigao de uma socie- dade anénima, previsto no artigo 273.° n.° 1 do C.S.C. («A socie- dade anénima nao pode ser constituida por um ntmero de sécios inferior a cinco...»). A sociedade constitufda nestes termos forma com a sociedade — mae um grupo. 2. O dominio total superveniente A segunda situagdo prevista pela lei € a que consta no art. 489.°. Esta disposicao veio atribuir a qualidade de grupo a todos os casos em que uma sociedade detenha 100% do capital social da outra, quer seja de modo directo quer indirecto, desde que nesta segunda nao haja outros sécios. Por outras palavras, se uma sociedade absorve 100% do capital social da outra, forma «ipso iure» com esta ultima uma relagdo de grupo, salvo se: — a sua administracao decidir pela dissolugao da sociedade dependente, — ou a sua administragao decidir pela alienagdo das quotas ou acgdes desta. COLIGACAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS 593 A determinagao legal de formacao de grupo com a sociedade dependente, se a sociedade dominante nao se decidir por uma des- tas duas tiltimas medidas, pretende evitar uma relagao de dominio permanente que afaste a proteccdo legal conferida a sociedade dominada em relagao de grupo. 3. AquisigGes tendentes ao dominio total © artigo 490.° regula o itinerério a percorrer por qualquer sociedade que queira atingir a situacdo de dominio total, Sempre que a sociedade, por si ou conjuntamente com outras sociedades, possuir mais do que 90% das quotas ou acgdes de uma outra sociedade (esta tiltima hipétese é designada por pluralidade de dominios em que A possui 45% de acces ou quotas em C, e B, Por sua vez, 50% de acgdes ou quotas também em C) Pode fazer a oferta de aquisigo do remanescente, de modo a formar um grupo com ela. Mas nao é suficiente, para a formacio do grupo, a oferta de aquisi¢ao pela sociedade dominante, Ela tem que formalizé-la com 0 acto de escritura piiblica onde declara tal aquisigao. A lei deixa & liberdade da sociedade dominante de adquirir ou nao o Temanescente de acgdes ou quotas; porém, se ela nao o fizer den- tro do prazo de 6 meses contados a partir da data de comunicagao da sua participacdo em mais do que 90%, a sociedade dependente (qualquer sécio ou accionista livre dela) pode exigir a aquisigao Por escrito. A sociedade dominante tem que efectud-la dentro do Pprazo de 30 dias. No caso de se manter na passividade, podem os sécios livres requerer ao tribunal uma declaracdo, onde se deem como adquiridas pela dominante todas as acgdes ou quotas dos sécios. A via judiciaria ainda € possivel quando a contrapartida em dinheiro das acgdes ou quotas, oferecidas pela dominante, nao satisfizer as exigéncias dos sécios. Neste ultimo caso, o tribunal fixa o valor da contrapartida considerada por ele justa. H4 que notar, que antes de a sociedade dominante apresentar a contrapar- tida, ela tem que ser justificada por um relat6rio elaborado por um revisor oficial de contas, independente quer em relagao a sociedade dominante quer em relagdo dependente. 594 CECILIA XAVIER Finalmente, 0 n.° 4.° do mesmo artigo dispée a obrigatorie- dade do depésito prévio da contrapartida, em dinheiro, acgdes ou obrigacées, calculada de acordo com os valores mais altos cons- tantes do relatério do revisor. Em termos esquematicos podemos apresentar a disciplina das aquisigdes tendentes ao dominio total da seguinte forma: \QUISIGAO DOS RESTANTES 8% | LAE oe pode exigir oferta de igo por escrito dentro “de 30 dias (re 490" 5) COLIGAGAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS 595 No caso de a sociedade dominante nao fazer a oferta de aqui- sigdes e decorrido 0 prazo fixado no art. 490.° n.° 2, a sociedade dominada pode requerer ao tribunal para obter uma declaraciio que considere as acgdes ou quotas como adquiridas, pela dominante. A pergunta que poderd surgir é esta: quais sao os outros passos a seguir ap6s a obtengao da declaragao do tribunal? A lei nao diz mais nada a este respeito. Mas parece evidente que, obtida a declaracao Judicial, a sociedade dominante deve pagar a sociedade dependente a contrapartida das acgdes ou quotas adquiridas. E se a contrapar- tida nao for satisfatéria? Deverd entender-se que a sociedade depen- dente pode recorrer de novo ao tribunal para a fixagdo do valor e condena¢ao no seu pagamento? Nao me parece correcto este cami- nho. Entendo ser outra a solugao: j4 na primeira deciséio, na qual o Juiz declara que as acgdes ou quotas so consideradas adquiridas pela sociedade dominante, deve-se fixar simultaneamente o valor da contrapartida que a dominante deve a sociedade dependente e condené-la no seu pagamento. S6 assim poderd a sociedade depen- dente obter uma declaragao eficaz e concludente. C. OCONTRATO DE GRUPO PARITARIO 1. O regime juridico A outra forma de agrupamento das sociedades € a que vem regulada no art. 492.° designado por grupo paritério. De facto duas ou mais sociedades, podem ter interesse em agrupar-se, tanto mais nao seja para reforgar a sua posig&o econé- mica ao lado de outros concorrentes. Podem, porém, querer fazé-lo, sem no entanto, depender uma da outra. Para isto a lei faculta-lhes a figura do contrato paritario, em que as sociedades intervenientes apenas se submetem 4 direcc4o unitaria e comum. Se este poder de direcgao unitdria e comum é encabegado por um 6rgao, a lei exige que nele participem todas as sociedades de igual modo. Para o contrato ser realizado, é necessdrio que cada sociedade se tenha manifestado através de deliberagdes tomadas pela maioria que a lei ou os contratos de sociedade exigem para a fusdo. 596 CECILIA XAVIER On. 2 do art. 492.° remete-nos para o art. 103.°, que por sua vez nos remete para os arts. 85.° n.° 2, 265.° n.° 1e n.° 2 e art. 386.° n.° 3 todos do C.S.C.. Assim tais deliberagdes devem ser tomadas por maioria qualificada com particularidades para cada tipo de sociedade. Pode ser que num contrato de sociedade se tenha estipulado que a sua alteracgfio depende do voto favoravel de um sécio em especial; entéo, subindo a nossa cadeia de remissdes, quer isto dizer que a deliberacdo para o contrato de grupo paritério também depende do voto favordvel deste sécio. A tnica limitagao que a lei impde neste contrato é a de nao poder alterar a estrutura legal da administragdo e fiscalizagao das sociedades intervenientes. Permanece, porém, em siléncio quanto ao contetido do contrato, o qual, pelo princfpio de liberdade con- tratual, viré a ser preenchido pela vontade das partes. E necessario que tal contrato seja realizado por escritura publica. O n.° 3 do art. 492.° estabelece uma outra proibi¢4o; 0 con- trato de grupo paritario no pode ser estipulado por tempo indeter- minado, podendo, porém, ser prorrogado. Qual 0 significado desta norma? Parece-me muito ébvio que a lei disponha esta limitag4o, pois que, em matéria das sociedades comerciais, a lei visa regular a interveng4o dos sujeitos jurfdicos na vida econémica, a qual est4 constantemente em mutaciio. Podem duas sociedades hoje ter inte- resse em formar grupos paritarios, mas amanha, dadas as novas cir- cunstancias socio-econdmicas, ver 0 seu interesse esvanecer-se, OU passar a sua ligacdo ao grupo a trazer-Ihes inconvenientes graves. Por isso, ter de sujeitar-se «ad aeternum» a uma situagdo de grupo seria injusto. A lei, entdo determina que se fixe um prazo de vigén- cia do contrato, dando a possibilidade as partes de prorrogé-lo. Basta que as sociedades intervenientes assim 0 convencionem. 2. Relevancia juridica do grupo parit a) Oartigo 6.° n.° 3 do C.S.C. Este artigo dispde sobre a capacidade juridica das socieda- des comerciais. Em principio, a capacidade s6 compreende os COLIGACAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS 397 direitos e obrigages necessérios ou convenientes a prossecucao do fim da sociedade. E a lei considera contréria ao fim social, a Prestagao de garantias reais ou pessoais a dividas de outras enti dades. Ora, estando duas sociedades sujeitas a uma orientagdo unitdria de grupo, torna-se dificil saber até que ponto uma socie- dade no se servird de outra para reforgar a sua garantia face a terceiros... 6) O artigo 398.° n° 1 C.S.C. Quanto as fungdes dos administradores das sociedades ané- nimas que fazem parte de um grupo, estes néo podem exercer outras fungdes tempordrias ou permanentes, resultantes do con- trato de trabalho, noutras sociedades que fazem parte do mesmo grupo. Nem tao pouco podem celebrar contratos que visem a Prestacao de servicos nestas tltimas, quando cessarem as suas fungées de administrador. Compreende-se esta ressalva da lei, Porque, caso contrario, seria p6r em jogo o sigilo profissional de cada sociedade. ©) O artigo 425.° n.° 5 alinea c) do C.S.C. Quanto aos directores das sociedades anénimas, eles sé exer- cem tal cargo se nao fizerem parte dos érgios de fiscalizagéo das outras sociedades que estao em relacio de dominio com a sua sociedade. Esta norma existia jé antes do Cédigo. Trata-se de uma incompatibilidade para quem exercer aquele cargo. 3. O Contetido do Poder de DirecgSo Unitéria Outro aspecto importante no regime dos grupos Paritarios é 0 que respeita ao contetido do poder de direcgao unitéria e comum. Parece-me de concluir, pelo préprio regime que art. 492.° estabe- lece para este tipo de grupo, que as ordens emanadas deste poder de direcgdo unitaria e comum devem ser vinculativas para todas as sociedades que fazem parte do grupo. Caso contrdrio, de nada ser- veria a sua estipulacdo. Quanto a questo de saber se podem ser 598 CECILIA XAVIER dadas instrugdes mais vantajosas para uma sociedade do que para a outra, inclino-me pela negativa. Com efeito, a qualidade de grupo paritério, em princfpio, aponta para solugées de igualdade entre as vérias componentes do grupo, no existindo entre elas qualquer relagZo de dominio-subordinag4o. Mas j4 coloco diividas quanto ao caso de a desvantagem para uma sociedade ser apenas a curto prazo, mas convertendo-se a longo prazo em vantagem para esta sociedade como para todas as demais do grupo, assumindo estas Gltimas compensar a desvantagem sofrida por aquela. E é possivel que isso suceda: imaginemos que a direc¢ao unitaria e comum pre- tende realizar um projecto de desenvolvimento econdmico do grupo que implique a suportagao de uma desvantagem por uma das sociedades (dada a diversidade de actividades que cada uma das sociedades exerce, 0 projecto vem a prejudicar uma delas) para que © projecto se realize. Claro que para admitir tal medida é necess4- rio que o projecto aponte, com elevado grau de certeza, para que a vantagem se vd posteriormente verificar e que os encargos resul- tantes da instrugéo desvantajosa sejam repartidos por todas as sociedades. Penso que, se as partes em questao estiverem de acordo em realizar tal operagio, a lei nao pode limitar a vontade das mesmas. D. OCONTRATO DE SUBORDINACAO Chega-se finalmente ao capitulo mais importante da disci- plina juridica das sociedades: a do grupo resultante do contrato de subordinagdo. A nossa lei faz uma regulamenta¢ao detalhada sobre este tipo de grupo, alargando 0 seu ambito de aplicagéo também para as outras relagdes de grupo, (com excepgao do grupo parita- rio), a0 menos nos seus aspectos mais salientes. Dada a importancia deste tipo de contrato, debrugar-me-ei mais pormenorizadamente na andlise do seu regime focando os seguintes aspectos: 1. Nogdo. Sua distingao das figuras afins 2. Forma do contrato 3. Protecgao dos sécios livres COLIGACAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS 599 Protecgdo da sociedade subordinada Responsabilidade da sociedade perante terceiros (cre- dores) 6. O poder de dar instrugdes vinculantes e 0 correspondente dever de acatamento we 1. O art. 493.° diz que ha contrato de subordinagdo quando uma sociedade «subordinar a gestdo da sua propria actividade 4 direcg&o de uma outra sociedade, quer seja sua dominante, quer nao». O ponto fulcral deste tipo de contrato est na subordinacao da gestao da actividade duma sociedade a outra ou, noutros termos, 0 objecto deste contrato € a gestio da actividade da sociedade. Nisto, © contrato de subordinagao distingue-se do contrato de gestdo e da cessdo de exploragdo de estabelecimento comercial, nos quais o objecto directo é a prépria gestio como servico. Em tais contratos a contraparte recebe sempre uma prestacdo (retribuicao do contrato de gestao e renda na cessio de exploracdo do estabelecimento comercial). Embora em termos tedricos nao seja dificil de distinguir estas varias figuras, na pratica a questao nao se afigura tao simples. Alias, dado 0 regime juridico do contrato de subordinagio, 0 que sucederd na prdtica é a simulagdo deste em contrato de gestdo ou de cessdo de exploragao, de modo a fugir dos seus inconvenientes legais. Quando mais adiante me referir & responsabiliade da socie- dade directora perante terceiros, 4 protecg’o da sociedade subordi- nada e a protec¢o dos sécios livres, perceber-se-4 melhor esta ten- déncia de «evasdo» 8 lei. 2. Forma do contrato Para ser mais sintética e clara limitar-me-ei aqui a apresentar esquematicamente 0 «iter formal» do contrato de subordinagio, remetendo para os varios artigos do nosso Cédigo. 600 CECILIA XAVIER FORMA DO CONTRATO DE SUBORDINAGAO [Administrages das sociedades: ¢laboragio do proyecto de contrat (art 495.°) Orgio de Fsclizayio da Sociedade Directra (a 4961 an. 985.021) Grigio de Fscalzaio dx ‘Sociedade Subordinada (at. 496 Yast. 99." 1) iteito de consulta do projecto pelos s6cios (an 101-7) Direito de consulta do projecto pelos sécios (an. 101°), “Aprovacto do Projecto pela ‘Assembieia Geral (ant 100°, n° 2) “Aprovacho do Projecto pela ‘Assembleia Geral (an, 100°, n° 2) 4 dos votos correspondentes 20 capital social (an, 265 0:1) Celebragio da Eseritura Publica 90 dias ap6s 0 ultimo anincio ‘ou recepyo de canta registada pelo s6cio (at, 4972, 9° 3/ an. 498.9) ventual oposigho dos s6ci livres ant 497 Registo 4) Fan. doCRC) Desisténcia da celebragio do ‘contrat por pane da sociedade an. 499°, n° 3) (an. Para a celebracao deste tipo de contrato, as administragdes das sociedades devem elaborar, nos termos do art. 495.°, 0 projecto do contrato, o qual vai ser submetido a apreciagdo dos 6rgaos inter- nos de fiscalizagéo das duas sociedades (art. 496.° n.° 1, que remete para 0 art. 99.° n.° 1 do C.S.C.). Seguir-se-4 um periodo de COLIGACAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS 601 consulta por parte dos sécios, nos termos do art. 101.°. Ocorrido aquele periodo, o projecto é aprovado pelas assembleias gerais de cada sociedade, convocadas segundo 0 art. 100.° n.° 2. Sempre por remissao do art. 496.°, a aprovaciio deve ser feita por maioria de 2/3 dos votos emitidos se for uma sociedade andénima (art. 386.° n.° 3), e 3/4 dos votos correspondentes ao capital social se se tra- tar de sociedade por quotas (art. 265.° n.° 1). Uma vez obtido o consenso destas maiorias, passar-se-4 4 celebragdo da escritura publica do contrato, se, dentro do prazo de 90 dias (contados a par- tir da ultima publicagdo do antincio das deliberagdes ou a data da recep¢ao da carta registada contendo tais deliberagdes), no hou- ver oposi¢ao judicial dos sécios livres. Dada a importancia deste tipo de contrato, a lei determina ainda que se proceda ao seu registo e publicagao (arts. 3.° alinea u) e 15.° n.° | do Cédigo de Registo Comercial e 0 art. 498.° do C.S.C.). Nota importante a salientar é 0 que dispGe 0 art. 497.° n.° 3: a lei proibe a celebrag4o do contrato antes de decorrido o prazo para a oposigao dos sécios livres, ou, se esta tiver entretanto sido dedu- zida, nao antes de ser decretada a sentenga judicial. Como veremos a seguir, a ratio desta norma esté na protec¢do dos sécios livres. 3. Protec¢do dos sécios livres A nossa lei prevé a proteccdo dos sécios livres em dois momentos diferentes: na fase de formagao do contrato de subordi- nagdo e apds a conclusao dele. Nao é demais repetir que, também nesta secgdo, a nossa lei se inspirou na lei alema, na proposta de Cousté (proposta de lei fran- cesa) e no Estatuto da Sociedade Europeia. Em todas estas legisla- gGes encontra-se semelhante regulamentagao. a) Na fase de celebracdo do contrato, como ja me referi anteriormente, 0 art. 497.° n.° 1 prevé a possibilidade de os s6cios livres deduzirem oposigdo ao projecto do contrato j4 deliberado por maioria das duas assembleias gerais. Tal pode suceder, por exemplo, se o sécio livre (também designado por externo na legis- lagdo estrangeira) nao estiver de acordo com a contrapartida peri6- dica oferecida ou se invocar qualquer irregularidade contra a lei. J 602 CECILIA XAVIER vimos acima (no ponto 2.) que o desfecho final da oposi¢ao judi- cial é: ou acordo entre os sécios livres e a sociedade, ou, se esta Ultima considerar inaceit4vel a proposta dos sécios, desisténcia do contrato (art. 499.° n.° 3). Tratando-se, porém, de contrato de subordinacdo realizado entre uma sociedade dominante e outra dependente, a lei reforga a posi¢do dos sécios livres, atribuindo-lhes a faculdade de obstar a celebracdo do contrato, se mais de metade dos sécios tiverem votado pela nao celebracao do contrato. Realiza-se neste caso uma assembleia «ad hoc» para 0 efeito. Reparemos que, pelo disposto no art. 494.°, os sécios livres sao sempre da sociedade subordi- nada. 5) Apé6s a conclusdo do contrato, os ditos sdcios livres bene- ficiam ainda de duas providéncias legais: —a garantia de lucros; — 0 direito a alienagao da sua participagao. E de notar que o art. 494.° dispde, como elemento essencial do contrato, a assungao pela sociedade directora destas duas obri- gagdes. A sociedade directora compromete-se a pagar aos sécios livres da sociedade subordinada a média dos lucros auferidos e cal- culados nos termos do art. 500.°. A outra obrigagdo assumida pela sociedade directora é a que consiste na aquisigao da participacao social do sécio livre. Ou por outras palavras, o sécio livre, se quiser, tem o direito de alienar a sociedade directora a sua participago. Ou, como na linguagem anglo-sax6nica se diz, o sécio livre tem um «right to be bought up». A situagdo factual subjacente a este direito é geralmente a seguinte: um sécio livre da sociedade subordinada pretende apartar-se desta porque foi tomada uma deliberagdo contraria aos seus interesses pessoais, deliberacdo esta que terd sido influenciada pela sociedade directora. A lei confere-Ihe entdo este direito de alienar a sociedade directora as suas quotas ou acgées. Ao contrério da legislagao estrangeira, a nossa lei nao fixa nenhum critério para aferir o valor a pagar pela sociedade directora ao sécio livre, quando tal aquisigao é feita. O art. 494.° alinea a) faz remissao para o art. 497.°, mas neste ultimo nio se dispée de COLIGACAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS, 03 nenhum critério. Quid iuris? O Dr. Fernando Castro Silva (Revista do Notariado 1986/4) aponta, embora com diividas, para a solugao do art. 1021.° do Cédigo Civil, quanto a liquidagao de quotas, no caso de exoneragdo ou morte ou excluséo de um sécio. De momento, parece-me uma solucio vidvel, alids porque o art. 105.° do C.S.C., quando trata da exonerago do sécio que tenha votado contra a fusao da sociedade, remete também para 0 art. 1021.° do C.C. para cdlculo da contrapartida da aquisigao. E, como vimos anteriormente, o préprio legislador, neste capitulo das Sociedades Coligadas, remete por varias vezes para as disposigées relativas & fusao das sociedades (v. ponto 2.). Estas duas providéncias legais para a proteccdo dos sécios livres, apés a conclusao do contrato, nao so cumulativas, ou seja, cabe ao sécio optar ou pela garantia de lucros ou pelo direito de alienago da sua participagao — art. 499.° n.* 1 e 2 do C.S.C. 4. Protecgdao da sociedade subordinada A norma do art. 502.° é nitidamente dirigida 4 protecgdo da sociedade subordinada. Se a sociedade subordinada, por qualquer motivo, tiver sofrido perdas anuais, tem 0 direito de exigir 4 socie- dade directora compensagao, sempre que estas perdas nao forem compensadas pelas reservas constituidas no mesmo perfodo (art. 502.° n.° 1). Significa isto que, todas as vezes que a sociedade sofrer uma perda (quer esta resulte das directrizes desfavordveis emanadas da directora, quer derive do mau andamento dos seus neg6cios), ela tem direito 4 compensagao, desde que esta perda tenha sucedido durante o periodo de vigéncia do contrato de subor- dinacao. Esta disposicao é a «contra-arma» do dever de acatar ins- trugdes desvantajosas que a lei oferece 4 sociedade subordinada. Se esta disposi¢&o nao existisse, deparariamos de certeza com situagdes abusivas; as sociedades directoras passariam a usar arbi- trariamente o seu direito de dar instrugdes vinculantes e desfavo- raveis. Mas, de qualquer modo, esta compensacao sé é exigivel apés © termo do contrato de subordinagdo, ou durante a vigéncia dele, se a sociedade subordinada fér declarada falida — art. 502.° n.° 2. 04 CECILIA XAVIER 5. Responsabilidade da sociedade directora perante tercei- ros (credores) O regime juridico da responsabilidade directa da sociedade directora face aos credores da sociedade subordinada encontra-se no art. 501.°. Apés a celebracao do contrato de subordinagio, a sociedade directora responde pelas dividas contraidas pela sociedade subor- dinada, quer estas tenham sido constitufdas antes da celebragao daquele contrato, quer depois. Este preceito é uma barreira bem forte 4 formago de grupos. E na realidade uma medida drdstica! Até ao termo do contrato de subordinag4o, a sociedade directora tem de responder por todas as obrigagdes da subordinada, desde as que foram constitufdas nos primérdios da existéncia desta!!!... Eo Unico requisito exigido é que a subordinada se tenha colocado em mora por mais de 30 dias (art. 501.° n.° 2). 5 isso, nao € necessdrio que o patriménio da socie- dade subordinada se encontre excutido, para tornar exigivel a res- ponsabilidade da directora. Ao contrério da proposta de lei francesa, a nossa lei nao optou pelo regime de responsabilidade soliddria das duas sociedades. Mas, mesmo que 0 tivésse feito, nao produziria nenhum efeito, uma vez que a sociedade subordinada, depois de ter respondido pelas dfvidas pode exercer contra a sociedade directora acgio subrogatéria. Varios autores justificam esta medida de responsabilidade da sociedade directora pelo direito que ela tem de dar instrugées des- vantajosas A sociedade subordinada. De qualquer modo, parece-me que o regime estabelecido pela lei € demasiado dréstico, obstaculando assim a formagio de grupos de sociedades, o que, dado o rumo da economia mundial, constitui um entrave ao préprio desenvolvimento econémico do pais. 6. Poder de dar instrugdes vinculantes Vista nos pontos anteriores a protecg’o que a lei confere A sociedade subordinada, aos seus sécios livres e aos credores desta, COLIGACAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS 605 passamos a analisar 0 direito de dar instrugdes vinculantes, afinal Unica contrapartida que a lei confere a sociedade directora. O art. 503.° n.° 1 dispde que, a partir do momento da publi- cacao do contrato de subordinagado, a sociedade directora tem o direito de dar & administragao da sociedade subordinada instrugdes vinculantes. J4 menciondmos anteriormente que tais instrugdes podem ser desvantajosas para a sociedade subordinada, desde que sirvam aos interesses da directora ou das outras sociedades do grupo e€ nao sejam contrarias & lei. O Cédigo nao estabelece nenhum limite a estas instrugdes desvantajosas a nao ser a sua legalidade. Alids, mesmo que o Orgao de fiscalizagéo da subordi- nada, depois de exame, recuse 0 cumprimento delas, se for dado segundo consentimento pelo érgao de fiscalizagio da sociedade directora, elas tém que ser cumpridas. O art. 504.°, por sua vez, estabelece a responsabilidade dos 6rgaos da administragao da sociedade directora pelas instrugdes dadas. O Prof. Raul Ventura — in no seu citado artigo «Grupos de Sociedades...» Revista da Ordem dos Advogados n.° 41/1981 — coloca a questao de saber se nao existe, além de um direito, um «dever» por parte da sociedade directora de dar instrucdes. Se a sociedade directora nao usar este seu direito, quanto A subordinada, nao haverd problemas: ela funcionar4 como se nao fizésse parte do grupo, ou seja, os seus Orgdos actuardo com diligéncia para a pros- secugdo dos seus fins. Mas, por parte da directora, nao existira mesmo um «dever» de orientar a sociedade subordinada, para uma estratégia comum de grupo? E uma questo que merece a nossa aten¢o, mas deixo-a por isso aqui aberta a reflexdo dos colegas... Para concluir esta alinea D. chamo a atenc&o para os arts. 501.° a 540.°, os quais sdo aplicdveis a outras relagdes de grupo, com excepg¢ao do grupo paritdrio (art. 491.°). V. PERSONALIDADE JURIDICA DO GRUPO? Da exposigao anterior compreende-se que muitos autores levantam o problema da personalidade jurfdica do grupo. Coloca- -se o problema de saber se ao grupo nao deve ser atribuida perso- 606 CECILIA XAVIER nalidade juridica, e se o direito de dar instrugdes vinculantes e a direcgdo unitéria nao constituem formas de desconsideracao da personalidade juridica das sociedades que fazem parte do grupo. Propendo pela negativa e, na esteira de muitos autores, penso que se deve considerar apenas a existéncia de uma personalidade «moral» do grupo. Embora 0 grupo contenha quase todas as carac- terfsticas de uma pessoa juridica auténoma, nao me parece que deva considerd-la como tal. Na verdade, o centro de imputagao de direitos e deveres nao é o grupo, tomado no seu conjunto, mas somente a sociedade directora ou 0 que mais expressivamente os autores italianos designam por «capo-grupo». A sociedade direc- tora, pela concertacdo de interesses do grupo, muitas vezes assume certos direitos e deveres, mas ela nao representa todas as demais sociedades isoladamente, nem tem poderes de representacao do grupo como tal. Por isso, penso que no se deve reconhecer perso- nalidade juridica ao grupo. Quanto a segunda questo parece-me de deduzir do proprio regime fixado nos arts. 500.° a 503.° que as sociedades compo- nentes do grupo nao perdem a sua personalidade juridica auté- noma, embora admita que haja uma certa derrogagao ao conceito classico de personalidade jurfdica. VI. CONCLUSAO Acabado de percorrer o regime juridico deste titulo VI do nosso Cédigo das Sociedades Comerciais, espero que 0 que ficou escrito sinteticamente tenha atingido o fim pretendido, o de servir de consulta para qualquer colega interessado nesta matéria. Isto sem pretender menosprezar os estudos aprofundados do Prof. Ratil Ventura e do Dr. Fernando Castro Silva, os quais serviram de ins- pirago e fonte para este trabalho e que muito apreciei. Por isso, para Os mesmos remeto a quem desejar conhecer mais pormenori- zadamente a matéria. Pessoalmente, o trabalho serviu-me nao s6 como forma de ampliagéo do meu conhecimento juridico bem como de mais um estimulo para aprofundar outros capitulos liga- dos as sociedades comerciais. COLIGAGAO DE SOCIEDADES COMERCIAIS 607 Bibliografia — BRITO CORREIA, Luts — «Grupos de Sociedades». Em Novas Perspectivas do Direito Comercial, Edigao da Faculdade de Direito de Lisboa, 1988 paginas 394 e seguintes. — CASTRO SILVA, Fernando — «Das relagdes Inter-Societérias» (Sociedades Coligadas). Em Revista do Notariado 1986/4 - paginas 489 a 538. — VENTURA, Ratil — «Participacdes unilaterais de sociedades em sociedades sociedades gestoras de participacdes noutras sociedades». Em Scientia Juridica, tomo XXIX, 1980, — «Participagdes reciprocas de sociedades em socieddes». Em Scientia Juridica, tomo XXVII, 1978. — «Grupos de sociedades — Uma introdugao comparativa a propésito de um Pro- jecto Preliminar de Directiva da CEE». Em Revista da Ordem de Advogados, ano 41, 1981. — «Participagées Dominantes; alguns aspectos do dominio de Sociedades por Sociedades», Em Revista da Ordem de Advogados, ano 39, 1979, — BAPTISTA DA SILVA, Ant6nio e ALVES RODRIGUES, José — «Cédigo das Sociedades Comerciais (devidamente actualizado e anotado com as respectivas leis complementares)» — 2.2 edigao Reis dos Livros. — NETO, Abilio— «Cédigo das Sociedades Comerciais», Edigdo Petrony, 1989, Lisboa.

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