Ao aprendiz de filsofo (ao jovem aprendiz, pretendo eu dizer, e na minha
qualidade de aprendiz mais velho) rogo que se no apresse a adoptar solues, que no leia obras de uma s escola ou tendncia, que procure conhecer as argumentaes de todas, e que queira tomar como primrio escopo a singela faanha de compreender os problemas: de compreend-los bem, de os compreender a fundo, habituando-se a ver as dificuldades reais que se deparam nas coisas que se afiguram fceis ao simplismo e superficialidade do que se chama senso-comum (a filosofia , em no pequena parte, a luta do bom-senso contra o senso-comum); () Repito: seja a filosofia para o aprendiz de filsofo, no uma pilha de concluses adoptadas, e sim uma actividade de elucidao dos problemas. esta actividade o que realmente importa, e no o aceitar e propagandear concluses. Como tive ensejo de notar algures, pode ser muito til para a vida prtica o simples conhecimento do enunciado de uns tantos teoremas de matemtica: porm, no h nisso sombra de valor cultural: s possui de facto valor cultural o perfeito entendimento dos raciocnios que nos do as provas dos enunciados. Por isso mesmo, ao lermos um filsofo de genuno mrito de dois erros opostos nos cumprir guardar-nos: o primeiro, o de nos mantermos a eternamente passivos e de tudo aceitarmos como se fossem dogmas, de que depois tentaremos convencer o prximo; o segundo, o de criticarmos demasiado cedo, antes de chegarmos compreenso do texto. Para evitar o escolho do segundo erro, a atitude inicial do aprendiz de filsofo dever ser receptiva e de todo humilde. Se achar uma ideia no texto de um Mestre que lhe parea de fcil refutao, conclua que ele prprio que a no percebe, e que o pensar do autor dever ser mais fino, mais meandroso, mais facetado, mais verrumante, do que ao primeiro relance se lhe afigurou: e que se lhe impe portanto uma ateno maior (); e o melhor processo nessa fase, talvez o de refazermos por iniciativa nossa, com exemplos familiares da nossa prpria experincia a doutrina exposta pelo autor que estudamos, at que a tenhamos como coisa nossa, porque feita de matria verdadeiramente nossa, e reconstruda pelo nosso esprito. (Quem sabe reproduzir uma teoria genrica, em elocuo abstracta, mas no sabe reconstitu-la com a familiar experincia, no percebe realmente o que est dizendo).
SRGIO, Antnio; Prefcio do Tradutor in RUSSEL, Bertrand; Os Problemas
da Filosofia; Coleco Studium, Armnio Amado Editor, 5 edio, Coimbra, 1980, pp. 6-10)