Você está na página 1de 11
Capitulo 1 O PROBLEMA DO “AGORA” A IDEIA DE UM MOMENTO PRESENTE & proposta como uma forma de lidar com o problema do “agora”. £ notével como sabemos pouco sobre as experiéncias que estio ocorrendo exatamente neste instante. Essa ignorincia relativa 6 especialmente estranha & luz do seguinte: Primeiro, estamos subjetivamente vivos e conscientes apenas ‘agora. E agora é quando vivemos nossa vida diretamente. Em tudo mais hé uma separacao de segundo ou terceito grau. A tinica hora de realidade subjetiva crua, de experiéncia fenomenal, 60 momen- to presente, Segundo, a maioria das psicoterapias concordam em que o tra- balho teraputico no “aqui e agora” tem maior poder de provocar mudangas. Isso significa onde e quando se dé um contato mutua- mente consciente entre a mente do terapeuta ¢ a do paciente. Além disso, nos relacionamentos cotidianos, os eventos nodais que alte- ram o curso da vida normalmente ocorrem num momento que € experimentado como chave, nao s6 depois que aconteceu, mas tam- bém enquanto esté ocorrendo. Apesar disso, ainda precisamos fa- zer a pergunta: 0 que € agora? Terceito, as teorias psicodinamicas de mudanga terapéutica ba- eeiam se na idéia de que o pasado tem papel fundamental na deter 23 | | | mrs PEE minagio do presente ¢, num certo sentido, est& no centro do palco. Conseqiientemente, sabemios muito sobre como eventos passados influenciam a experiencia atual. Mas no prestamos a mesma aten- ‘$40 A natureza da experiéneia atual quando ela esté sendo influen- ciada ¢ esta acontecendo. Come ficariam a psicoterapia ea mudanga terapéutica se o momento presente assumisse o centro do palco? E € exatamente isso que este livro faz. Posiciona 0 momento presente nu centro do paico ¢ o conserva ali. Isso empresta outra aparéncia a0 processo de psicoterapia ¢ altera nossas concepcées sobre como se dé a mudanga terap@utica. A maneira pela qual con- duzimos a psicoterapia vai se modificar, porque nossa visio sobre 0 que esta acontecendo seré diferente. Também podemos descobrir que nossa visio da experiéncia didria se enriquece. Estes sio os ob- jetivos do livro, Entretanto, antes de passar a esses objetivos mais abrangentes, precisamos explorar a natureza da experiéncia atual e depois aplica- Ja situagio clinica, A pesquisa comeca com algumas quest6es im- portantes sobre o momento presente ow a agoridade. Quando € 0 agora? O que € 0 agora? O agora existe ¢, se existe, o quanto ele dura? Como o agora esté estruturado? O que ele faz? Como se relaciona com a consciéncia e com o passado? Como conduz.a sig- nificados? Por que ele ocupa um lugar téo especial na psicoterapia? E, relacionado a estas indagagées, como 0 agora é experimentado quando é co-criado e compartilhado com alguém? Finalmente, que Papel o agora desempenha na mudanga? Em resumo, como imagi- amos um momento presente? Existe outro aspecto do agora subjetivo que é tanto surpreen- dente quanto bvio, © momento presente néo passa znindo se torna observvel apenas depois que se foi. Na verdade, ele cruza 0 palco mental mais devagar, levando alguns segundos para se desdo- brar. E, durante sua passagem, encena um drama emocional vivido que, & medida que se desenrola, traca uma forma temporal, como uuma frase musical transitéria. Como veremos, isso é de grand Portincia, porque o momento presente devolve tempo a experiéncia, 26 (© PROBLEMA DO “AGORA” “Devolver o tempo a experiéncia” € uma frase curiosa. Eis 0 {que se encontra por trés dela: é facil pér um tempo linear, de rel6- Bio (chronos), em hist6rias sobre nés mesmos — o antes, o depois e ‘9 meio-tempo de nossas natrativas. Mas néo € tio claro como se * faz para se colocar o tempo subjetivo (0 que quer que isso se revele ‘er) nas experiéncias que estio acontecendo agora. E sem cle é im- Possivel ligar os muitos acontecimentos seqlienciais que ocorrem durante o momento presents ¢ formam uma experiéncia coerente inteira. A vida seria descontfnua e caética mesmo na pequena esca- la temporal do presente. A questo do agora tem uma histéria mais longa. Na verdade, esta € somente uma parte da histéria maior do tempo, Nao entrarei neste tema extenso a nao ser para demonstrar cettos pontos relacio- nados com o problema do agora subjetivo. Primeiro, vemos o tem- Po como algo que surge de nossas sensibilidades humanas, Ele € uma invengéo da nossa mente. Nada sabemos sobre o tempo das coisas, se é que se pode imaginar algo assim. Nas ciéncias naturais ¢ no gerenciamento da programagio disria da vida, usamos a antiga concepgao grega de chronos, que é a idéia de tempo objetiva usada ‘do s6 na ciéncia mas também na maioria das psicologias. No mun- do do chronos, o instante presente é um ponto em movimento no tempo em diregio apenas a um fururo. Nao importa se seu curso é visto como uma linha reta ou um circulo ou uma espiral, pois cle ‘std sempre em movimento. Enquanto se move, devora o futuro deixa o passado em seu rastro. Mas o instante presente em si é muito curto. E uma fatia quase infinitesimal de tempo durante a qual muito pouco pode acontecer sem tornar-se pasado de imedi- ato. Efetivamente, ndo existe presente, HG outras construgdes humanas de tempo. No tempo natrati- Vo, a ordenagio dos eventos é criada pelo narrador de uma histé- tia, independentemente da seqiiéncia cronoldgica (Ricoeur, 1984-1988). O complexo tempo psiquico de Freud despreza a su- ‘cessio linear, troca a velocidade de passagem, dé meia-volta e do- bra-se para a frente sobre si mesmo — um tempo que Green (2002) ar 0 MOMENTO PRESENTE chamou de fragmentado, Existem vérias formas de heterocro- nicidade com diversos tempos paralelos. E hd estados meditativos nos quais o tempo ilo #e move, mas passa da existéncia para um “agora” homogénco ¢ cont{nuo, No entanto, quando se considera a psicoterapia e a vida como normalmente vivida, essas concepgbes apresentam problemas, O pro- bblema com chronos é que, se nfo existe um agora longo o bastante para que algo se desenvolva dentro dele, nfo pode haver experiéncia direta. Isso no é aceitével em termos intuitivos. Além disso, a vida- como-vivida nao € experimentada como um fluxo inexoravelmente continuo. Na verdade, cla é sentida como descontinua, feita de inci- dentes ¢ eventos separados no tempo mas também conectados de algum modo. ‘A idéia de tempo da narrativa também apresenta problemas, pelo menos para os nossos propésitos. As narrativas selecionam epis6dios da vida e os marcam no teripo: antes, depois, de novo e assim por diante, Os epis6dios sio entdo rearrumados, nao neces- sariamente em ordem histérica, mat para contar a historia mais ‘coerente sobre como foi a vida. As narrativas visam & verossimi- Ihanga da vida, nao a verdade hist6rica. Dessa forma, nos devolvem a sensagdo de continuidade na vida. Elas domam chronos, fazem a passagem do tempo parecer familiar ¢ tolerdvel, e fazem-nos sentir coerentes ao longo dessa dimensao infinita (Bruner, 1990, 2002b; Ricoeur, 1984-1988). Entretanto, elas ndo domam o momento pre- sente, Apesar da grande faganha de fazer a narrativa, 0 agora nao cabe num relato narrativo, exceto como ponto de referéncia. Numa narrativa, 0 agora do qual se fala jé aconteceu. Ela cria uma relagéo entre os agoras passado e futuro. Nio é uma experiéncia direta. Apenas a narraco est4 acontecendo agora. No tempo psiquico fragmentado de Freud, assim como no tem- po narrativo, pouca atengio é dada 4 estrutura temporal do agora. Ele nao é visto como temporalmente dinamico, dentro dele mesmo — isto é, tragar um perfil temporal de pequenas mudangas a medi- da que ele se desenrola. No tempo psfquico, o principal interesse 28 ‘© PROBLEMA DO “AGORA” agora reside em sua relagio com outras partes do témpo, nao sua propria natureza, © Assim, o que deve ser feito com o agora enquanto a vida esti de to sendo experimentada— enquanto o presente ainda estd se des- rando? A concepgio subjetiva de tempo dos gregos, kairas, pode Util aqui. Kairos € 0 momento transit6rio no qual algo acontece medida que o tempo decorre. 6.0 nascimento de um novo estado. de coisas, ¢ isso ocorre num momento de consciéncia perceptiva. “Ble tem suas proprias fronteiras e transcende a passagem do tempo near ou dela escapa. No entanto, também contém um passado. E ‘um paréntese subjetivo destacado de chronos. Kairos é um momen- to de oportunidade, quando os acontecimentos exigem aco ou sio Propicios para agir. Os acontecimentos se reuniram nesse momen- 0 € 0 encontro penetra a consciéncia perceptiva de tal forma que ‘uma medida tem de ser tomada, agora, para alterar o destino de ‘lguém — seja pelo minuto seguinte ou pela vida inteira, Se nada for feito, o destino sera mudado mesmo assim, mas de modo dife- Yente, porque a pessoa ndo agiu. F uma pequena janela de devir e ‘oportunidade. Uma das origens da palavra provém de pastores ob- servando as estrelas. A medida que a noite avanga e as estrelas per- ~ correm o cu, elas parecem nascer e depois se esconder no horizonte. © momento em que uma estrela atinge o apogeue parece mudar de diregao de ascendente para descendente é 0 seu kairos (Kathryne Andrews, comunicagio pessoal, 23 de novembro de 2000). Tanto na vida real como na situagio clinica, um momento pre- sente poderia ser chamado de um momento de microkairos, por que apenas decisées menores sobre o curso da vida e caminhos curtos do destino estao em jogo. Este livro tenta mostrar por que todos os ‘momentos presentes s40 também momentos de kairos, qualquer que seja sua magnitude. Anarrativa nos proporciona um caminho psicol6gico para ajus- tara vida a realidade de chronos, Vamos explorar o momento presen- te como uma abordagem psicolgica para compreender a experiéncia de kairos. 29 (0 MOMENTO PRESENTE © PONTO DE PARTIDA Dada a posigao nica ¢ fundamental da “agoridade” subjetiva na experiéncia de todos nés, a proposta é comecar uma exploragao da Pritica e da teoria clinicas, bem como da vida subjetiva cotidiana, posicionando 0 “agora” fenomenal no centro — como nosso ponto de partida. A teoria existencialista e algumas teorias da Gestalt por certo fizeram exatamente isso, mas em grandes pinceladas, Estamos propondo fazé-lo no microntvel do momento presente que esté pas- sando. A primeira vista, iniciar tal investigacdo tendo 0 momento presente como a lente de aumento para observar a psicoterapia ¢ a experiéncia cotidiana parece dificil e improvavel. Mas o momento presente € nossa realidade subjetiva primfria, entéo, por que nao comecar por ele? Por onde mais? Pode ter implicagées interessantes no apenas para as psicologias clinicas mas também para as neu- rociéncias. Essa concepgio do momento presente se ap6ia em grande parte em yma perspectiva fenomenolégica. A fenomenologia € 0 estudo das coisas como elas aparecem & consciéncia, como elas se apresen- tam na mente. Inclui: percepgdes, sensagGes, sentimentos, lembran- 25, sonhos, fantasias, expectativas, idéias — o que quer que ocupe © palco mental. Esse estudo nao se concentra na mancira pela qual ssas coisas se formaram ou surgiram na mente. Também evita qual- quer tentativa de explorar a realidade externa que corresponda ao que esta na mente, Diz respeito apenas a aparéncia das coisas como clas se apresentam ou se mostram A nossa experiéncia. Trata da paisagem mental que vemos ¢ em que nos encontramos em deter- minado momento. Isso € realidade fenomenal (ver Moran [2000] para uma introdugio abrangente), Portanto, este livro aborda os equenos mas significativos acontecimentos afetivos que se desdo- bram nos segundos que formam 0 agora. Existe, porém, uma ampla questio. © momento presente, en- quanto é vivido, no pode ser apreendido pela linguagem que 0 (re2)constitui pés-fato. O quanto a versio lingiifstica ¢ diferente da 30 (© PROBLEMA DO “AGORA” inalmente vivida? Neste ponto, mesmo as neurociéncias podem izer apenas sugest6es limitadas. Mesmo assim, grande parte do ivro € sobre o momento presente inatingivel. Essa experiéncia vivi- ja tem de existir. E 0 referente experiencial sobre o qual a lingua- se constr6i. £ 0 inapreensivel acontecer da nossa realidade. to, tem de ser explorado exaustivamente, para pensarmos hor sobre ele imaginar abordagens terapéuticas. Acentrevista analisada a seguir é exatamente uma dessas abordagens, © Hi cerca de 15 anos, comecei a realizar um tipo especial de revista que ajuda a identificar momentos presentes ¢ os aconteci- tos afetivos que ocorrem durante eles. Inicialmente denominada entrevista do café-da-manha”, hoje chamada de entrevista micro- alitica. (Uma explica¢ao mais extensa sobre como conduzir uma ‘entrevista microanalitica encontra-se no Apéndice.) Bis como ela ntece. Pergunto aos individuos: “Que experigncias vocés viveram ‘hoje no café-da-manha?” (Fago esta pergunta diversas horas depois do fim do desjejum.) Em geral, eles respondem: “Bom, para dizer a verdade, nada.” Eu insisto até que se lembrem de algo. Procuro por _ qualquer acontecimento que tenha inicio e fim claros (boas frontei- + ras). Este é um exemplo do que eles podem recordar: “Eu me lembro "de ter pego o bule para me servir de ché. Na verdade, néo me lem- “bro de pegé-lo, mas devo ter feito isso, Enfim, enquanto estava me servindo, lembrei-me de algo que aconteceu na noite passada. Nes- _ ee instante, o telefone tocou ¢ tomei consciéncia de estar servindo o ~ cha porque me perguntei se eu devia terminar de encher a xicara ou “ pousar o bule e atender ao telefone. Pousci o bule, levantei-me ¢ © atendi ao telefone.” (Tudo isso levou cerca de cinco segundos.) Em seguida, fago uma entrevistade, aproximadamente, uma hora € meia, sobre o que foi experimentado naqueles cinco segundos. / Pergunto o que fizeram, pensaram, sentiram, viram, ouviram, em que posigao seu corpo estava, quando mudou, se posicionaram-se ‘como ator ou como observador em relagéo a ago, ou entre um ‘outro. Pego-lhes que criem um filme da experiéncia, como se pu- déssemos fazer uma montagem do que estava em seu palco mental, Fa (0 MOMENTO PRESENTE Eles sio o ditetor, ¢ eu, 0 operador de c&mera, e tém de me dizer 0 ‘que fazer com ela. Essa tomada ¢ um close-up ou um plano geral? Como devo cortar de uma cena para a seguinte? Onde est po- sicionada a cAmera € qual o seu Angulo em relagao a ago? Em ou- tras palavras, questiono sobre qualquer coisa que me passar pela ‘cabeca a fim de capturar sua experiéncia subjetiva do modo mais completo possfvel. A entrevista se desenrola de um modo especial. Os sujeitos do estudo e eu tentamos desenihar ou representar num gréfico a expe- rigncia a0 longo de uma linha de tempo, onde esse tempo se esten- de no eixo horizontal e a intensidade, o esforgo e a plenitude do evento/sentimento/sensa¢o/pensamento/afetojagao sao delineados no eixo vertical. O resultado surge em diversas curvas, cada uma tum contorno temporal da cistribuicdo da intensidade do que quer que tenha sido vivido ao longo do tempo (ver Figura 1.1). Conduzo 8 sujeitos por muitas passagens através da experiencia. Por exem- plo, pergunto se alguma lembranga foi evocada durante a experién- cia, Sea resposta for positiva, a lembranga é acrescentada ao grifico. Indago-lhes que experiéncias afetivas tiveram., Estas sio desenha- das pelos sujeitos com um contorno ao longo do tempo que repre- senta as mudangas na intensidade do afeto a medida que este ocorria. Esses contornos do afeto sio entio também adicionados ao grifico. A cada passagem, todo o desenho pode ser revisto, se necessério. E normalmente 6. Depois de muitas passagens, obtemos um registro «que se parece muito com uma partitura musical sinf6nica com mui- tas coisas acontecendo simultaneamente. Continuidades ¢ descontinuidades sio registradas com cuidado ¢ divididas nas seguintes unidades: Epis6dios de consciéncia so perfodos continuos de consciéncia separados por buracos no fluxo da consciéncia, non-CS holes, ¢ feitos de um ou mais momentos presentes demarcados por uma mudanga na cena (lugar, tempo, personagens, aco) ou no ponto de vista da natrativa. A identifica- ‘sao de momentos presentese as fronteiras entre eles sio escolhidas pelos sujeitos. 2 (© PROBLEMA DO “AGORA” Vale notar que os momentos presentes no gréfico no sio os originais. Na verdade, so lembrangas contadas de fatos ocorridos, mais cedo, naquela mana, momentos presentes vividos realmente. Obviamente, nao se pode obter um relato verbal de uma experién- cia no instante em que ela ocorre sem interrompé-la. O objetivo é desenhar um quadro com que um momento presente provavelmen- te se parega. Mais uma observagdo: no relato, existem na verdade os dois ‘momentos presentes envolvidos, o momento presente original e nao narrado, vivido durante o café-da-manha, e 0 momento presente da narragio que me foi feita, mais tarde, Por enquanto, estou inte- ressado somente no momento presente originalmente vivido. Pos- teriormente abordarei o momento presente da nartagao. A medida que a entrevista prossegue, insisto veementemente que © sueito faca a distinglo entre o que deve ter acontecido e 0 que foi realmente experimentado conscientemente naquela manha (56 0 l- timo € registrado no grifico). A entrevista chega ao fim quando o individuo sente que o registro grafico tem a verossimilhanga adequa- da ao que ele se recorda de ter experimentado. Esse processo pode parecer entediante, mas na verdade gera grande interesse ¢ curiosidade tanto no sujeito quanto em mim, apesar da aparente banalidade dos eventos. Embora comuns, os momentos presentes so acionados pela novidade, pelo inesperado ‘ou por uma perturbagdo ou problema em potencial. Deles sao fei- tos os pequenos dramas diérios. Buscamos o desvelar com uma es- pécie de cumplicidade entusiasmada crescente. E ficamos cada vez mais espantados com tudo que € recordado como acontecido em Perfodos tio breves de momentos da vida cotidiana e como os microdramas sio resolvidos, A seguir, apresento quatro exemplos de momentos presentes, que na verdade apenas se aproximam furtivamente do fenomeno do momento presente por motivos que se tornarao evidentes mais “ adiante, Entretanto, esclarecem algumas das questées-chave, Os dois Primeiros sdo de situagbes nas quais eu estava conduzindo entrevis- 33° 6 MOMENTO PresenTe tas microanaliticas, © tereeiro é um exemplo clinico, ¢ © quarto, um exemplo tirado da vida comum, EXEMPLO 1* Momento presente 1 (O sujeito entrou na cozinha, ligon o rédio e foi até a geladeira. Abriu a porta da geladeira, procurando a manteiga para passar no pio. Fez tudo isso de mado automatico, sem estar especificamente consciente de seus atos. Ento comegou seu primeiro momento de consciéncia.) Percebi que o chanceler Kohl, da Alemanha, estava sen- do entrevistado no rédio, ouvi a voz dele, depois desvieiva da minha cabeca. Procurando na geladeira, ndo encontrei a manteiga, Pensei ‘comigo mesma: “Nao tem manteiga.” Ao ver que ndo achava.a man teiga comecei a sentir uma frustracao leve, porém crescente, e uma espécie de sentiment negativo, algo entre a decepcdo ¢ a irritagao, Esses sentimentos aumentaram. (Isso durow cerca de trés segundos. Depois houve uma transigio para o momenta seguinte sem quebra da continuidade da consciéncia.) Momento presente 2 Entdo pensei: “Ah, tudo bem, melhor para a minha dieta.” Quando pensei isso, a frustragdo e a irritacdo passaram e experimentei uma onda de alfvio que continuou a crescer um pouco, (Isso durou trés segundos, aproximadamente, Em seguida ela passou a agir fora da consciéncia por um periodo. Logo depois, comegou a recordar um terceiro momento de consciéncia.) inliza € usado para indicar tudo que o sujeito relatou como sua experiéncia conscien- te, Tudo de relevant que deve tr acontecido mas no penetra na sua consctaia, prova- velmente porque era algo rotineio e automdcico demais, foi descrito entre parénteses Consulta Figura 1.1 4 medida que 0 dilogo se desenroa, 34 I F | f 5 | (© PROBLEMA DO “AGORA Momento presente 3 Pensei comigo: “Posso colocar mel.”(O mel estava no lugar da manteiga. Normalmente, ela s6 comia mel aos domingos, Era uma tradicao familiar. O mel era algo especial, endo para os outros dias. Era terga-feira.) Perguntei a mim mesma: “Serd que eu ouso pegar o mel?” Primeiro, quando pensei nisso, senti uma onda de surpresa diante dessa idéia inesperada. Depois, uma sen- sagdo de bem-estar me invadiu, e comecou a crescer, por ter re~ solvido 0 problema da falta da manteiga, Enquanto isso acontecia, vi em minha mente o pote de mel em seu lugar de costume, no armario atrds de mim (e fora da vista), em sua exata posicao na prateleira. (Ainda sem se voltar.) Decidi entao agir e pegaro mel. {Ela se virou, abriu a porta do armério e apanhou o pote de mel, mas sem estar consciente desses atos rotineiros.) Depois, com o mel na mdo, comecei a sentir uma culpa cada vez maior e uma sensagao de cobiga porque ia comer mel numa terca-feira. (Este momento demorou cerca de cinco segundos. Houve entao uma lacuna na consciéncia de sua experiéncia e depois ela ficou cons- ciente de novo.) Momento presente 4 Estou segurando uma fatia de pao, ainda sem o mel. Mas 0 pao é de sum tipo diferente do que costumo comprar. Sinto-mae estranha e isso ‘me surpreende, Penso: “O que faco com este pao?” Um sentimento negativo discreto aparece. (Este momento durou em torno de trés segundos. Ela ento espalha mel no pio sem estar conscientemente atenta 20 ato. Um novo momento comeca, adjacente ao anterior.) Momento presente 5 Estou ciente de morder 0 pao com mel. Gosto da textura e penso: “Até que ndo é ruim.” E com isso comego a me sentir melhor. De 35, i [ h i i © MOMENTO PRESENTE pois tomo novamente consciéncia da entrevista no rddio. (Este mo- mento demorou trés ou quatro segundos.) Este breve exemplo, por banal que possa ser, ilustra algumas das _guestées sobre a experiencia que precisam ser abordadas. 6 verda- de que o relato é (re)construfdo apés 0 evento ¢ é uma narrativa de experiéncias recordadas reunidas de maneira incomum, e nao uma narrativa espontines. Nem jamais oi ensaiada. Foi desmembrada e reconstrufda peca por peca cm passagens sucessivas. & uma narrati- va desconstrufda e progressivamente co-construfda em seguida, re- formada em camadas progressivas. Apesar desses problemas e com a cautela apropriada, podem ser feitas as seguintes afirmativas so- bre momentos presentes vividos enquanto se desdobram, ¢ no en- quanto so recordados e narrados. ‘* Momentos presentes so incrivelmente ricos, Embora durem apenas um curto espaco de tempo, muitas coisas acontecem. * Momentos presentes ocupam o agora subjetivo. O momento pre- sente € visto como 0 que quer que esteja na mente agora, seja objeto da atengio mental real ou virtual. (A visualizagao da loca- lizagio do mel as costas dela foi uma experiéncia virtual.) * © momento é um acontecimento completo, uma gestalt. O tema Psicol6gico € 0 todo, nfo as pequenas unidades que o compéem, * Ela experimentou esses eventos num agora que identificou ¢ li- mitou com fronteiras. * O momento presente & breve, Neste caso, cada um dos cinco mo- mentos presentes durou entre trés e cinco segundos, como esti- mado pelo sujeito. ; * A consciéncia é0 principal critério utilizado para identificar epi- s6dios contendo momentos presentes. Neste exemplo, eles pro- vavelmente acionaram a consciéncia por serem violagées do esperado, Eram inovagées, e isso constitufa um problema. + Os sentimentos experimentados (por exemplo, frustrago e pra- ze) tragam uma forma-de-tempo (um perfil temporal) com ele~ 36 (© PROBLEMA DO “AGORA vag6es e quedas anal6gicas. Em outras palavras, sio afetos de vitalidade realizados (formas-de-tempo-dinamiicas) que contor- nam a experiéncia temporalmente. . * Uma historia vivida se desenrola dentro de cada momento pre- sente. Ela ¢ feita de muitas experiéncias pequenas reunidas no presente subjetivo. O enredo, ainda que mfnimo, desloca-se s0- bre a forma de sentimento temporal dos afetos contornados. A tmicro-hist6ria que se desdobra resolve a novidade ou 0 pro- blema. * Tais momentos néo séo separados do restante da vida, isola- dos e desconectados, Na verdade, eles capturam um sentido do estilo, da personalidade, das preocupag6es ou dos confli- tos do sujeito — em outras palavras, de suas experigncias do Passado, Cada um desses momentos € psicodinamicamente relevante, Este diltimo ponto merece uma discuss4o mais extensa. Veja 0 exemplo da manteiga. O sujeito pareceu confeccionar pares afetivos/ morais: __.+ Nao tem manteiga. Isso € ruim. /Ah, sim, estou de dieta, entio 6 bom. Posso usar mel. Ficaria gostoso. / Ah, mas seria pecado. ~* Que pio esquisito € este? / Ah, até que nao é tfo ruim. ~.. Ela est constantemente tentando equilibrar bom/ruim, moral/ Imoral, agradével/desagradavel. Seré que manter essa espécie de - balancete é um modo caracteristico de ser ‘consigo mesma no mun- "do? Nao sabemos, mas ela deu essa impresséo fora do experimen- to. (Dados externos & experiéncia presente nio séo necessérios para estabelecer um momento presente. Séo necessérios, porém, para estabelecer a relagio do momento presente com o passado ou com ‘eventos psicol6gicos cont{nuos.) az |G MOMENTO PRESENTE < EPISODIO DE CONSCIENCIA A Ne HOMEMTO SAT 1m MOMENTO PRESETEZ => (Balen ed Sage Fagander EPISODIO DE CONSCIENGIA 8. MOMENTO PRESENTE 3. ‘5 regundan savee EPISODIO DE CONSCIENCIA Connon MOMENTO PRESENTE 4.=pfne MoMATO MENTE. | “Ogee tgpem epi?” “Ageia tae Soagnder Seager Figura 1.1. Uma representagio esquemética de episédios de con: ‘mentos presentes conforme recordados ¢ co-construfdos usando uma entrevista ‘microanalitica. A ordenada é a intensidade subjetiva da experiéncia numa escala que vai de 1a 10. A abscissa 0 tempo estimado conforme recordado pelo cia ¢ de momento presente sujeito. 0 infcio e fim de cada episédio de con: sio determinados pelo sujito. Onde as curvas ficam mais grossas, ele estérelati= ia do acontecimento. comum 0 sujeito ‘Sei que estava sentindo isso e aquilo antes (ou depois), mas mais ou me- ‘nos aqui isso penetrou a consciéneia [a linha engrossa] ou deixou a conscienc ‘yamente certo de ter tomado conscid dizer linh afiea}.” 38 (© PROBLEMA DO “AGORA EXEMPLO 2 Este exemplo demonstra melhor com6 0 momento presente € uma amostia de padrdes passados e futuros, que ganham importéncia quando 0 momento presente desempenha um papel numa concep- ‘40 psicodinamica abrangente. Em uma “entrevista do café-da-ma- nha”, G.S., um jovem aluno de pés-graduacéo, contou dois momentos Presentes que sc destacaram durante a manha. Eis uma transcrigao parcial, GS. Bom, abria porta da geladeira, assim, (Ele fez um gesto mos- trando como abriu a porta.) D.S.: Fiquei intrigado quando ele fez um gesto para mostrar como abriu a porta, Normalmente, a abertura da porta de uma ge- ladeira nao exige extplicacao gestual,) Por que vocé me mos- trou como abriu a porta? Hi algo especial nisso? GS.: Hé, sim. A porta esté meio quebrada, Se eu a puxo muito devagar, ela fecha sozinha. E se eu a puxo com forca demais, ela abre até o fim e bate no armério ao lado. Entdo tenho de abri-la coma forga exata, nem muito fraco, nem muito forte, para que fique aberta, repousando num ponto de equilibrio. Estow consciente ao fazer isso porque é como um jogo que requer atengdo. [Pausa] Depois acho que apanhei o suco de leranja, Nao me lembro disso, mas é automitico. Devo ter levado 0 suco até a mesa, pegando um copo no caminho, DS.: Sim. G:S.: A préxima coisa de que estava consciente foi de pr suco no copo. DiS.: Ab. E como faz isso? GS. Normalmente encho 0 copo ao maximo, mas ndo até a bor- de, Numa altura suficiente para que esteja cheio, mas ndo tanto que derrame quando leva-lo a boca, Isso exige que eu aja conscientemente. DS: Ab, 39 G: uma espécie de jogo. © que ¢ interessante sobre esses dois momentos € que cles sio re- presentag6es do mesmo tema: saber encontrar 0 exato equilibrio entre ir longe demais e nfo ir longe bastante, Curiosamente, G.S. per- cebeu isso espontaneamente ¢ mencionou que na noite anterior a esse café-da-manha ele estava tentando terminar 0 capftulo de dis- cussio de sua tese de doutorado. © que estava dificultando a reda- fo era o fato de néo conseguir se decidir sobre até que ponto cle ousava levar suas descobertas ¢ conclusGes. Pensara nisso a noite inteira. Ele disse: “E como a porta da geladeira e 0 copo de suco.” Vale acrescentar 0 que sei sobre esse rapaz, que foi um sujeito de pesquisa ¢ ex-aluno, néo um paciente. Ele tinha uma tendéncia forte e saudavel de levar quase tudo ao limite, de ousar ¢ ver até ‘que ponto podia ir, Era uma vantagem mas também tinha o poten- cial de criar problemas. Portanto, os dois momentos de consciéncia (porta suco), sua preocupagao da noite anterior € seu temperamento (¢ talvez seus jitos), todos diziam o mesmo: “Eu testo e brinco coma frontei- ra entre o de mais ¢ o de menos, Estico os limites. Existe nisso algo intrigante e importante para mim.” Isso ndo é um mundo sendo refletido num grio de areia? Eu estava preparado para ver o comportamento presente como ‘uma representagio de padres psicol6gicos e comportamentais mais amplos. Essa € a esséncia da hipétese psicodinamica. Entretanto, fiquei surpreso 20 ver padrées psicodinamicos mais amplos refleti- dos em unidades to pequenas quanto momentos presentes. Perce- ber isso abriu-me o caminho para considerar o momento presente, assim como 0 sonho, um fenémeno que merece ser explorado m: profundamente com fins terapéuticos. Tal viséo acrescenta mais um caminho para seguir clinicamente. Retomarei este ponto nos capf- tulos que tratam de aplicagdes clinicas. Este livro aborda amplamente determinados momentos que podem mudar o curso da psicoterapia, assim como a vida normal. 40 (© PROBLEMA DO “AGORAY Olhar mais de perto tais momentos proporciona uma visio dife- rente do processo de psicoterapia, que ser explorada por suas im- plicagoes clinicas ¢ tedricas. EXEMPLO 3 Um terapeuta que conhego tinha o hdbito de apertar a mao dos pacientes quando entravam no consult6rio, Era um modo de dizer old antes de comegarem a trabalhar, E, ao fim de cada sess4o, quan- do o paciente se preparava para sait, apertavam-se as mos nova- mente como despedida. Um dia, o paciente contou uma série de eventos muito comoventes que o afetaram (assim como ao terapeuita) profundamente. O paciente estava triste ¢ quase prostrado. Ao fim da sesso, durante 0 aperto de mao de despedida, o terapeuta pou- sou a mo esquerda sobre a mio direita do paciente, que ele j& estava apertando, num apertode duas maos, Eles se olharam. Nada foi dito. O episédio durou alguns segundos. Também néo foi men- cionado em sessdes subseqiientes. Entretanto, o relacionamento havia se deslocado em seu cixo. Algo vital foi somado ao que quer que tenha sido dito na sesstio — alguma coisa tdo essencial que toda > asessiio foi alterada. O momento penetrou a consciéncia e foi me- “ mordvel. Na verdade, aquele aperto de mao pode se destacar como um dos momentos mais memoraveis de toda a terapia. Muitas ve- zes quando perguntamos a alguém, cinco ou dez anos apés a con- _. clusio de uma terapia bem-sucedida, quais foram os momentos mais __ importantes ou nodais da terapia que mudaram as coisas, podemos " muito bem ouvir: “Um aperto de mio que trocamos certo dia, quan- ~ do eu estava de salda.” Quero assinalar diversos pontos deste caso que vo se somar ao que foi descrito para as entrevistas do café-da-manha: -* 0 que quer que tenha ocorrido nesse momento foi entendido implicitamente por ambos e nunca precisou ser discutido para : a (© MOMENTO PRESENTE ter efeito. Criou-se um conhecimento implicito sobre o relacio- namento deles. * Cada um sentiu a experiéncia do outro, ¢ ambos sentiram a par- ticipagdo mitua na experiéncia do outro. Houve, nesse sentido, uma interpenetragio de mentes — um novo estado de inter- subjetividade foi criado entre eles. + Embora o momento tenha sido preparado por méltiplos eventos nos minutos e provavelmente semanas ¢ meses precedentes, 0 exato instante de seu aparecimento nao foi planejado nem previ- sivel. Surgiu espontaneamente, A vida muda em saltos. + Durante 0 momento em questo, uma histéria se desenrolou, ainda que muito curta, minima e concentrada. Ela foi direta- ‘mente experimentada, e ndo escrita ou contada, O momento criou um “mundo num gro de areia” que nasceu no instante em que 0 momento era vivido, e nao depois. + O momento ficou gravado na mente de ambos. Mesmo sem ser verbalizado, penetrou na meméria, péde ser recordado € tornar- se consciente, EXEMPLO 4 Este exemplo € muito menos carregado; na verdade, é bastante ba- nal, Aconteceu depois que um grupo de desconhecidos e eu teste- munhamos uma divertida discuss4o entre um talentoso mfmico de rua e uma transeunte. Bu estava sentado nos degraus de um museu, virado paraa calgada, onde o mimico andava atrés de diversos tran- seuntes por dez ou vinte metros (varios segundos), imitando © an- dar, a postura e o aparente estado de espftito das pessoas — rapidamente “capturando” algo a respeito delas. Os transeuntes nor malmente nao se davam conta de que estavam sendo imitados e que eram alvo de uma brincadeira. Continuavam caminhando, Entao 0 mimico parava, dava meia-volta e seguia o préximo passante, vol- por diante, para a frente e para tando na diregao contréria. E ass 42 (© PROBLEMA DO “AGORA” trds, As pessoas sentadas nos degraus se divertiam, Ele entdo seguiu uma mulher, Mas cla logo percebeu o que estava acontecendo, € parou, voltou-se, encarou o mimico e Gomegou a repreendé-lo. Ele ‘comecou a imitar a repreensio. E ela, a imitar a imitagdo que ele estava fazendo dela. Ele prosseguin até que os dois cafram na gar- galhada. Trocaram um aperto de mio e se separaram. Todos aplau- diram. (Isso nao € 0 exemplo — embora pudesse ser, pois um momento foi compartilhado entre o mimico, a mulher ¢ os especta- dores. Isso é apenas o prologo.) A essa altura levantei-me para ir ‘embora e um casal desconhecido, sentado A minha esquerda, fez 0 mesmo. Nés nos entreolhamos, sorrindo, levantamos as sobrance- thas, inclinamos a cabega de um jeito engragado, fizernos uma espé- cie de expressio facial indescritivel e abrimos as maos, as palmas viradas para o céu — como se disséssemos: “E um mundo louco e divertido.” Eles seguiram seu caminho e eu, 0 meu. © importante sobre o momento presente que compartilhei com © casal foi que um contato particularmente humano havia sido fei- to —um contato que reafirmou minha identificagio com membros da minha sociedade, mental, afetiva e fisicamente. Eu nio estava s6 nna Terra, ewera parte de algum tipo de matriz, humana intersubjetiva € psicolégica. O efeito durou pouco, Mas foi um bom quebra-galho, Este livro € sobre esses momentos, particularmente sobre como operam na psicoterapia para provocar mudancas. Diversas caracteristicas da abordagem adotada aqui sio relat vamente tnicas. Primeiro, 0 livro explora 0 arquipélago de ilhas da consciéncia, os momentos presentes, que formam nossa experiénci subjetiva, mais do que a cadeia montanhosa submarina inconscien- te (seja ela a psicodinémica ou a circuitaria neural) que ocasio- nalmente perfura a superficie para formar asilhas, que so 0 primeiro plano psicolégico, a realidade priméria da experiéncia. O presente € a consciéncia sio os centros de gravidade, nao 0 passado € o in- consciente. A exploragio que o livro faz. do proceso terapéutico € mi- croanalitica ¢ ajustada a0 tamanho do momento presente. Vai de 43 (© MOMENTO PRESENTE um pequeno evento a outro na escala dos segundos. & af que 0 momento presente é revelado ¢ onde vamos encontrar uma visio das coisas diferente. Finalmente, meu maior interesse reside nos momentos presen- tes que surgem no contexto da interagio de duas os mais pessoas. Afinal, nosso interesse principal o proceso psicoterapéutico que envolve duas pessoas. Os exemplos da entrevista do café da-manha se referiam a alguém s6. Mas, mesmo quando est sozinha, essa pessoa esté dirigindo sua atividade mental consciente a outro al- guém. Pode ser a uma platéia imaginaria, a um outro especifico ou um de seus selves dependentes de contexto. A idéia central sobre momentos de mudanga € a seguinte: du- rante esses momentos uma “experiéncia real” emerge, inesperada- mente. Essa experiéneia acontece entre duas (ou mais) pessoas. Diz respeito ao seu relacionamento. Ocorre num periodo de tempo miito breve que é experimentado como agora, que é um momento presente com uma duracéo na qual um microdrama, uma hist6ria emocional, sobre esse relacionamento se desdobra. Essa experién- cia vivida em conjunto é compartilhada mentalmente, no sentido de que cada pessoa intuitivamente toma parte na experiéncia do outro. Esse compartilhar intersubjetivo de uma experiéncia métua 6 apreendido sem precisar ser verbalizado, e se torna parte do co- nhecimento implicito do relacionamento. O compartilhar cria um novo campo intersubjetivo entre os participantes que altera seu re- lacionamento e Ihes permite tomar diregbes diferentes juntos. O momento penetra uma forma especial de consciéncia e & codificado na meméria. E, muito importante, reescreve o pasado. As mudan- cas na psicoterapia (ou em qualquer relacionamento) ocorrem por meio desses saltos nao-lineares nos modos-de-estar-com-o-outro. A idéia geral € desenhar uma figura da experiéncia vivida um pouco diferente do que normalmente é encontrado no proceso psicoterapeutico. Eu espero que essa nova visio, através do espelho ‘do momento presente, mude muitos aspectos de como pensamos € praticamos a terapia. “ Capitulo 2 A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE ‘A PRESENTIDADE DA VIDA SUBIETWVA parece evidente. Como poderia ser diferente? Entretanto, a nocao permanece problemstica. As pes- soas encaram a idéia de viver subjetivamente apenas no presente como algo contra-intuitivo. Por exemplo, quando nos lembramos de um acontecimento passado, podemos ficat ligeiramente surpre- 808 a0 nos darmos conta de que toda a experiéncia de recordar est ‘ocorrendo agora. Podemos estar revivendo algo, mas o reviver esta acontecendo agora, Intuitivamente sentimos que nio estamos de volta quela época. Mesmo a narragio de algo que acabou de acon- tecer esté na verdade ocorrendo agora. A narragio é uma experién- cia do agora, ainda que se refira a um momento presente que ocorreu no pasado. Temos expectativas em relagio 20 futuro, mas elas, também, esto sendo experimentadas agora. O mesmo vale para fantasias, sonhos ¢ revisdes pés-fato. Esse estrito confinamento da experiéncia no presente é um aspecto bésico de qualquer abordia- gem fenomenol6gica O sentido de presentidade propée um desafio &s neurociéncias, Como sabemos que algo ocorreu no pasado, e quando? Como re. conhecemos 0 agora presente? Como o futuro est marcado? Como © marcador temporal ¢ inserido no trago de meméria © em que as

Você também pode gostar