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Michel Misse ORGANIZADOR O INQUERITO POLICIAL NO BRASIL UMA PESQUISA EMPIRICA CAPITULO 3 A DISCRICIONARIEDADE NO SISTEMA DE JUSTICA CRIMINAL: UMA ANALISE DO INQUERITO POLICIAL NO DISTRITO FEDERAL ARTHUR TRINDADE (COORDENAGAO) Laiza SpaGNA / WELLITON CaixeTa MACIEL Introducao Um dos maiores desafios enfrentados pelas diversas Policias do mundo nas tltimas décadas foi melhorar 0 controle sobre o poder dis- cticiondtio dos seus agentes, principalmente os de mais baixa hierarquia. ‘Ainda hoje, em alguns paises como o Brasil, o policial tem sido retratado como um meto agente do Estado encarregado de fazer com que os cidadaos cumpram a lei. Prevalece a ideia de que a policia nfio disp6e de liberdade discticionatia ou, pelo menos, nao deveria possut-la. Ao policial nio competiria fazer interpretagdes sobre a validade dos estatutos legais vigentes, Tampouco caberia 4 policia decidir aplicar a lei ou no. Em geral, a atividade de policiamento tem sido vista com uma aplicagio técnica do sistema de Justiga Criminal. Entretanto, desde a década de 60, os estudos tém revelado que a poli- cia nfio apenas aplica a lei, mas também a interpreta (GOLDSTEIN, 1963; SKOLNICK, 1962). Sabemos também que os policiais decidem quando e como a lei devera ser empregada (MINGARDI, 1992; KANT DE LIMA, 1995; NASCIMENTO, 2003). As pesquisas tem demons- trado que outros fatores além da legislacao criminal também influen- ciam profundamente as escolhas feitas pelos policiais, tais como ida- de, raca, classe social, etnia ¢ religiio (RAMOS e MUSUMECI, 2005). Esses estudos tém desafiado 0 mito do policial neutro reali- zando uma tarefa técnica. Diferente das instituigées militares, as instituig6es policiais conferem enorme discricionatiedade aos seus integrantes de hierarquia mais baixa. Talvez por isso o modelo militar de controle e supervisio venha sendo 191 to criticado quando posto em uso nas policias. Como sabemos, o poli- cial no seu dia a dia é forgado a tomar imimeras decis6es sobre quando e como sua autotidade podera ser empregada. Nio se trata de acabar com este poder discriciondrio, uma vez que isso seria impossivel ¢, tam- pouco, desejével. Sem cle, nfo seria possivel desempenhar as funcdes de policia. Por outro lado, em alguns casos este poder pode perfeitamente set limitado e estrututado. O nio reconhecimento desta liberdade de escolha tem gerado int- meros problemas no interior das organizagées policiais. De forma geral, tal situacio tem forcado os policiais a agirem sem otientagdes claras sobre como proceder. Em alguns casos, eles exercem sua autoridade sem © tespaldo da lei. Isso gera uma situaco de enorme inseguranga, tanto pata a populagio quanto pata a policia (MUNIZ, 1999). Casos de abuso de autoridade e de uso desnecessatio da forga sio mais frequen- tes quando nfo existem normas que orientem ¢ imponham limites 4 acio dos policiais. Neste capitulo, apresentamos subsidios para a compreenstio da dis- cticionariedade no sistema de Justica Criminal brasileiro. Para tanto, ana- lisamos seu funcionamento, seus conflitos, suas praticas e representa- gBes sociais. O objetivo especifico desta pesquisa foi compreender 0 papel ¢ a funcéo do inquérito policial no Ambito desse sistema. Buscou- se, assim, produzit dados empiticos que petmitissem aumentar nosso estoque de conhecimentos sobre os reflexos das priticas sociais relativas ao inquérito policial, tanto na persecugio criminal quanto na investiga- cio policial. Aseguranca publica no Distrito Federal ‘A estrutura das instituigdes que compéem o sistema de seguranga da Justiga Criminal é suis generis. Do ponto de vista orgamentirio, a Constitui¢ao Federal estabelece que as despesas com seguranga puibli- ca sio de competéncia da Unido. Isso tem permitido que, apesat das limitagSes, 0 orcamento de seguranga do Distrito Federal seja um dos maiores do pais. Dessa forma, os investimentos em pessoal, treinamento € material tém sido consideraveis. Segundos dados da Secretaria Nacional de Segu- ranca Publica (SENASP), o Distrito Federal contava em 2003 com um efetivo de 28.285 policiais pata realizar a seguranga de aproximadamen- te 2.2 milhdes de habitantes. De tal efetivo, 5.032 eram policiais civis; 16.006, policiais militares; 6.600 bombeitos militares ¢ 627 pettenciam aos quadtos da Policia Técnica. 192 Essa situaco orcamentaria privilegiada nao se teflete apenas nos efetivos policiais. No Distrito Federal, a remuneragio daqueles(as) que ingressam nas cafteitas profissionais ligadas A seguranga ptiblica esta entre as mais elevadas do Brasil. Como teflexo disso, notarn-se mudan- cas no perfil dos novos policiais. Desde 2005, é exigido diploma de nivel superior para o ingresso em todas as catreiras da Policia Civil, inclusive nas de agentes e escrivies. O mesmo pode-se dizer com relagio aos promotores € aos magis- trados. O Ministério Publico do Distrito Federal é um ramo do Minis- tétio Pablico Federal e, portanto, pago pela Uniiio. A remuneracio dos promotores equivale a dos procuradores federais. O mesmo ocorre com os magistrados, que pertencem aos quadros da Justica Federal. No Quadro 1, tabela com as remuneragées iniciais para algumas car- reitas ligadas ao sistema de Justica criminal. A policia e o poder discricionario Antes de limitar e estruturar o poder discricionario da policia € ne- cessitio reconhecer a sua existéncia. Samuel Walker (1995) mostrou que, no caso dos EUA, este reconhecimento s6 aconteceu a partir da década de 60. E apenas em meados dos anos 70 alguns departamentos da policia daquele pais tomaram medidas visando limité-lo estraturé- lo. O mesmo pode ser dito com relagio ao Canad e 4 Inglaterra. Por- tanto, nos EUA a discticionariedade policial € uma “descoberta” relati- vamente recente. Para o autor, a discricionariedade policial foi “descoberta” no final da década de 60 por meio de uma pesquisa nacional conduzida pela American Bar Foundation sobre o sistema de Justica Criminal. Os tesulta- dos da pesquisa evidenciaram o enorme grau de liberdade que os agen- tes do sistema criminal dispunham quando precisavam tomar suas deci- sdes, ficando evidente que as acdes de policiais no se limitavam ao texto da lei. A partir daf, iniciou-se um longo ¢ amplo debate sobre a convenién- cia e os problemas relacionados ao poder discticionatio. Boa parte dos estudiosos do sistema de Justica Criminal daquele pais passou a reco- nhecer os efeitos perversos da discricionariedade. Desde entio, a di: cussa0 sobre discticionariedade tem gitado em torno das areas onde é Possivel e necessétio limita-la, bem como sobre as formas mais adequa- das de estruturé-la. As press6es para controlar 0 poder discricionatio podem vir de di- versos lados. Ha casos em que o Poder Judiciétio desempenhou papel relevante na estruturagio do poder discricionario. Nos EUA, algumas 193 Quadro 1 — Relagao de cargos e salarios: TIDFT, MPDFT e PCDF. [cargo ‘Salario inicial Fonte Juiz de direito substituto RS 21.0569 | TJDFT, concurso 2008 Promotor de justiga adjunto R$ 19.955,40 MPDFT, concurso 2007 Delegado de policia (2 classe)| RS 13.368,68 | PCDF, concurso 2004 Perito criminal RS 11.614,10 | PCDF, concurso 2007 Perito médico-legista R$ 11.614,10 | PCDF, concurso 2007 Agente de policia (3" classe) | RS7.317,18 | PCDF, concurso 2007 Escrivao de policia R§ 6.594,30 | PCDF, concurso 2007 Papiloscopista polical RS 6.594,30 | PCDF, concurso 2007 decisdes da Suprema Corte norte-americana tém afetado a atividade policial. Na maior parte, sto decisdes que dizem mais respeito aos pro- cedimentos adotados pela policia do que propriamente a legislago cri- minal em si. Desde a década de 60, a corte federal norte-americana tem tomado decisdes sobre a constitucionalidade de determinadas praticas policiais, especialmente os interrogatérios. Embora as decisées da Suprema Corte de Justiga americana te- nham servido para restringit 0 uso de interrogatorios nas investiga- ges policiais, nem todas as decisées judiciais ttm conseguido mudar determinadas priticas policiais. Nos tiltimos anos, a Justica Federal tem se manifestado sobre 0 uso de animais e instrumentos de alta tecnologia nas operagdes de busca e apreensio. Como apontam Skolnick ¢ Fyfe (1993), 0 efeito dessas decis6es tem sido bastante variado, uma vez que tio sio muito claras a respeito de como a policia deveria proceder. Na pritica, as decis6es judiciais sobre conduta policial s6 tém efeitos con- cretos quando os departamentos de policia decidem reformular suas normas de condutas. Outra fonte de pressfio para que as policias passem a regular melhor as atividades dos seus membros vem das autoridades. Normalmente pressionados pela sociedade civil (movimentos sociais, ativistas politicos ¢ organizacdes nao governamentais), 0s governos determinaram as po- licias que estabelecessem normas de condutas para lidar com situacdes especificas. Esse foi, por exemplo, 0 caso da provincia de Ontirio, no Canada. La, 0 govetnador, depois de intensa pressio do movimento feminista local, determinou a todas as policias sobre sua autoridade que estabelecessem diretrizes e notmas de condutas a respeito uma série de situagées, tais como violéncia doméstica, uso de armas de fogo, aborda- gem policial e dentincias de violéncia policial. 194. Finalmente, as pressdes para a criagio de normas de conduta po- dem vir do interior das prdprias policias. Uma vez que tais normas servem também para proteger os policiais, posto que estabelecem ori- entacdes claras sobre como proceder, sua implantagio tem sido uma teivindicagio de alguns sindicatos da classe. Foi o caso do cédigo de deontologia da Police Nationale francesa. Sua ctiacHo resultou das pres- sdes do sindicato de policiais daquela instituicao. Estruturando o poder discricionario Estruturar o poder discticionario da policia significa definir as areas e atividades que precisam de certa liberdade de aco, estabelecer seus limites e pteparar os policiais pata exercerem tal liberdade da forma mais adequada possivel aos anseios e necessidade da populagio (GOLDSTEIN, 2003). A estruturagio do poder discricionitio nao constitui tatefa facil, uma vez que nfo é possivel estabelecer orienta- Gées sobre todas as atividades ¢ situacdes que os policiais se deparam has tuas. Na ptatica, somente algumas situagSes mais sensiveis tém sido objeto de atencao das autoridades policiais. Ha intimeras areas em que os policiais exercem frequentemente sua capacidade discricionaria, a saber: a) na aplicacao seletiva das leis; b) nas escolhas dos objetivos e prioridades; c) na escolha dos métodos de inter- vengio; e d) na escolha do estatuto legal a set empregado. Para cada Area, iniciativas vém sendo tomadas, a fim de limitar e estruturar as escolhas feitas pelos policiais. a) Aplicacao seletiva das leis ‘A policia é responsével por fazer cumprir todas as leis, mas, na rea- lidade, o policial com frequéncia tem que decidir se ira multat ou nio um mototista apressado, prender ou niio um marido violento, proibit ou nao uma festa barulhenta, pata citar apenas algumas poucas situacdes. Ou seja, o policial pode, de fato, decidir aplicar a lei ou nio. Essa é uma questio bastante delicada. Juizes ¢ legisladores, via de regra, tém sido muito relutantes em aceitar a aplicacao seletiva das leis pot parte das policias. Isso implicaria conferir as policias podetes muito mais amplos do que hoje vém sendo admitidos. Na maior parte dos paises, a tendéncia tem sido negar tais poderes aos policiais, embora na pratica, eles possuam-nos. Nas tiltimas décadas, algumas policias passa- ram a tratar a questio mais abertamente. Ao admitir isso, puderam dis- cutir as melhores formas de estruturar ¢ limitar essa discricionariedade. 195 | i b) Escolha de objetivos e prioridades ‘As policias sto encarregadas de diversas fanges, tais como: patru- Thamento ostensivo, investigacio criminal, controle de manifestagdes, atendimentos a emergéncias, fiscalizagio, controle de transito, etc. Co- mandantes e chefes de policia podem, e frequentemente o fazem, prio- tizar determinados objetivos em detrimentos de outros. Nio rato, privi- legiam 0 atendimento a um tipo de problema ou a uma comunidade especifica. Tais escolhas sto condicionadas por aspectos politicos, sociais e culturais. Esta talvez seja a 4tea na qual o poder discriciondrio da policia é mais reconhecido. Além disso, é amplamente aceita a ideia de que tais escolhas dizem respeito as politicas de seguranca publica adotadas em determinado lugar. Sio escolhas de natuteza politica e nfio técnicas e, portanto, devem ser tomadas pot um corpo politico. Nesse sentido, po- demos identificar intimeras iniciativas visando ao estabelecimento de érpfios com tesponsabilidade sobre a elaboragio das politicas puiblicas de seguranca, bem como a ampliagao da representatividade ¢ da partici- pacio da populacio no seu processo decisério, c) Escothas dos métodos de intervencao Os policiais precisam decidir sobre como intervir. Podem usar ou no a forga que a lei Ihes autotiza. Podem também aplicar uma multa ou cassar uma licenga de funcionamento. Podem proibir 0 acesso a uma entrada ou broquear uma via. Enfim, os policiais dispdem de um niime- ro razoavel de opgdes para exercerem sua autoridade. Entretanto, as formas como os policiais usam para intervir nas con- dutas dos individuos e nas rotinas das comunidades tém grande reper- cussio sobre a vida dessas pessoas ¢ comunidades. Muitas vezes, embo- ta autorizados pela lei, os policiais agem de forma violenta e arbitraria. Visando lidar com esse problema, algumas policias passaram a elaborar normas especificas para estruturar o uso da forga policial. Dada & alta repercussio ¢ a gravidade do tema, em dezembro de 1979 a Organizagio das Nacées Unidas (ONU) aprovou a resolugio 34/169 que prescrevia a adogao de cédigos de condutas para todas as policias do mundo, Além disso, foram estabelecidos padtées ¢ normas de policiamento, conhecidos como Padrédes Internacionais de Direitos Humanos (Iniernational Human Rights Standard}), Para lidar especifica- mente com o uso da forca, foram aprovados, em 1990, os “Principios bisicos para uso da fora ¢ de armas de fogo por policiais”. De forma 196 geral, essas resolugdes da ONU enfatizam a ideia de que policia é uma profissiio ¢ que toda profissio deve estabelecer seus proprios padrées de conduta (DAS e PALMIOTTO, 2002). d) Escolha do estatuto legal a ser empregado Nio rato, o policial deve decidir sobre a aplicagio de um dentre varios estatutos legais. Ele pode decidir aplicar uma lei municipal, esta- dual ou federal. O policial deve decidir se 0 incidente implica uma infracdo do Cédigo de Postutas Municipais ou um crime previsto 0 Cédigo Penal. Bem como pode enquadrar uma detetminada acio como crime fiscal. Para lidar com essa questo, alguns paises estabeleceram competén- cias distintas para suas agéncias de policias. No Brasil, na Argentina e nos EUA, por exemplo, existem policias federais com competéncias ex- clusivas sobre determinados temas. A existéncia de diferentes agéncias policiais em um mesmo territdrio pode gerar conflitos de competéncias. Ha também paises como o Canad4 onde, em detetminadas cidades, uma nica policia é encatregada de aplicar diferentes estatutos legais. Nestes casos, as policias podem dispor sobre quanto aplicar um ou ou- tro estatuto. Nas duas situagGes, as autoridades politicas tm estabelecido nor- mas clatas quanto 4 competéncia e A jurisdi¢ao das agéncias policiais. E quando no o fazem sio fortemente pressionadas pelas policias a fazé-lo. Ou seja, essa é uma 4tea onde a discricionariedade policial € pouco incentivada. Etnografias em uma delegacia de policia do Distrito Federal ‘A pesquisa etnografica sobre inquétitos policiais, no Distrito Federal, deu-se mediante autorizacio da direcio geral da Policia Civil. Apés al- guns contatos, escolhemos a 6* Delegacia de Policia para realizar a pes- quisa. Essa escolha obedeceu as seguintes razGes: a) tratava-se de uma delegacia circunscricional (de atendimento ao piiblico em geral) e niio de uma delegacia especializada; b) estava localizada em uma regiéo conhe- cida pelas clevadas estatisticas de violéncia e criminalidade; c) a delega~ cia atendia a diferentes tipos de publico, dentro de um sincretismo de classes, otigens ¢ padrées de cultura e consumo; d) havia a garantia de condicées minimas de acesso favordvel aos pesquisadores. No inicio, as incursées etnograficas consistiram basicamente em visitas monitoradas por algum policial e, aps um més, os pesquisado- res passaram a tet maior liberdade pata transitar no interior da delega- 197 cia, Apesat da desconfianca ¢ da constante necessidade de explicacdes sobre a pesquisa (a finalidade, a fonte do financiamento-e a composi- cio da equipe) o ambiente ¢ a colaboracio dos interlocutores favore- cetam o bom andamento dos trabalhos. ‘A 6° DP esta localizada na regido administrativa do Paranoa. Atual- mente, ele cobre nao apenas essa parte do DF como também as regies administrativas do Varjio ¢ de Ttapoa. E mais: as areas rurais do DF Jimitrofes com o Estado de Minas Gerais. A RA para a qual se volta a peincipal atividade da DP foi povoada por pioneiros que trabalhavam na construgio da Bartagem do Lago Parano4, os quais, apés 0 término da obra, permaneceram no local, bem como por imigrantes que ocupa- ram a atea proxima a antiga vila, de forma desordenada. A regio admi- nistrativa do Paranod foi oficialmente criada em 10 de dezembro de 1964. Conhecida simplesmente como Parano4, localiza-se a 28 km de Brasilia e ocupa uma area (aproximada) de 853,33km*, contabilizando 63 mil habitantes. Apesat das matcas visiveis da desigualdade socioeco- némica, sua principal atividade econémica € 0 comércio, 0 que influen- cia diretamente a vida social do lugar. O povoamento da Vila Varjéo deu-se de forma irregular ¢ desorde- nada com divisdes de terras piblicas, feita por particulares entre 1977 ¢ 1982. Em 1984, a vila foi reconhecida como assentamento pelo gover- no do Distrito Federal, que determinou a elaboragio de um projeto urbanistico para sua implantacio definitiva. A ocupagio do Itapoi foi iniciada em julho de 2001, em uma Area entre as RAs do Paranoa e de Sobradinho. A expectativa de regularizacio estimulou seu crescimento também irregular e desordenado. Assim como a RA do Varjio, o Ttapoa ainda nao teve seus limites territoriais definidos. Considera-se que sua populacio atual esteja em torno de 92 mil habitantes. Ambas as regides constituem-se em Areas ctiticas em termos socioecondmicos, com ele- vados indices de violéncias e criminalidade. A seguir, sero relatados alguns episddios observados durante a pesquisa de campo. Aorganizacao da 6° Delegacia de Policia’ Integram 0 efetivo da 6* DP 66 policiais, distribuidos nas seguintes segées: 2) chefia, b) cartério, ©) seco de atendimento mulher SAM), @) seco de investigagio de crimes de menor potencial ofensivo e de delitos de trinsito (GIC-Menor), ¢) segiio de investigacao de crimes de 1 Btnografia realizada por Wélliton Maciel, entre dezembro de 2008 e margo de 2009. 198 maior potencial ofensivo (SIC-Maios), f) secio de investigacio de cri- mes violentos (SIC-VIO), g) se¢io de Policia Comunitaria (SPCom), h) secio de apoio administrativo, estatistica e informatica (SAA), i) equipes de plantio (Affa, Bravo, Charlie e Delta). Pudemos observar que o poder hietérquico vem sendo exercido de duas formas: uma mais explicita ¢ unilateral, em que todos os sujeitos respondem perante a instituicio por meio da figura direta do delegado- chefe (ou do delegado-adjunto, quando da auséncia do primeiro); outra mais velada ¢ bilateral em que 08 subordinados respondem diretamente por seu trabalho junto @ chefia imediata e esta, por sua vez, responder 4 chefia geral da delegacia. Sempre que é preciso, o delegado-chefe con- voca os chefes de secdes pata reunides em sua sala. Todavia, observa- mos que a hierarquia niio é to rigida o quanto parece. Tal ficou eviden- ciado pelo espitito de camaradagem e da flexibilidade de permuta/ tro- ca de horarios, principalmente no que tange aos plantées. Segundo alguns interlocutores hi uma variedade de delegados, po- dendo set divididos, basicamente, de acordo com a hierarquia, em: che- fes de divisdes, coordenadotes, chefes de delegacias de policia, cartora- rios e plantonistas. Os delegados também podem ser classificados pelos demais policiais de acordo com sua forma de atuagio: mais operacio- nais ou menos operacionais. 'A divisio pragmatica com relagio a desempenho dos “tipos de sa- betes” Guridicos, policiais, administrativos), contudo, é bastante visivel, vatiando niio somente com telaco reparti¢ao onde trabalha o policial, como também de acordo com sua posigio hierarquica ¢ funcional. Pu- demos observar os delegados ¢ esctivies mais voltados ao desempenho dos ditos “saberes juridicos” e os agentes de policia aos “saberes policiais”. Quanto aos “saberes administrativos”, estes siio dominados por quase a totalidade dos sujeitos, tendo em vista que 0 pt6prio modelo do inquéri- to policial incorpota uma gama enorme de procedimentos (também ad- ministrativos, como trimites ¢ “cargas”), no comungados por todos do efetivo da delegacia. Veja-se no Quadro 2 a distribuigio do efetivo da 6* DP por secio, fungdes e saberes. 0 fluxo do inquérito policial* ‘Ainda que considerado pelos policiais um ato administrativo den- tro do processo de petsecugio criminal, o inquérito nfo deixa de gerar 2 Btnogtafia realizada por Wélliton Maciel, entre dezembro de 2008 e marco de 2009. 199 Quadro 2 — Distribuigdo do efetivo 6* DP por segdo, fungdes e saberes. Segao Fungées Saberes Total Chefia 1 delegado-chefe 4 delegado-adjunto juridicos 2 Cartério 1 delegada 1 escrivao-chefe 3 escrivaes 4 agentes juridicos SAM 7 agente (chefe) 1 agente policiais SIC-MENOR 1 agente (chefe) 4 agentes policiais SIC-MAIOR 1 agente (chefe) 5 agentes policiais sic-ViO 1 agente (chefe) 6 agentes policiais SPCom 1 agente (chefe) 1 agente policiais SAA 1 agente (chefe) 3 agentes administrativos Plantéo_ Equipe A (Alfa) 4 delegado 1 escrivao 4 agentes Equipe B (Bravo) 1 delegado 1 escrivao 5 agentes Equipe C (Charlie) 1 delegado 1 escrivao 5 agentes Equipe D (Delta) 1 delegado 4 escrivao 5 agentes juridicos Total 66 expectativas ¢ produzir diversas formas de interacio social. Lembran- do que estamos lidando com inquéritos policiais nos quais figuram casos de homicidio ou roubo, em tarde de visitas ditigimo-nos ao cat- tétio ou a sala do delegado de plantio pata “folhear” e observar os inquéritos que estavam no fluxo daquele dia de trabalho. Partindo do dado in loco, foram possiveis algumas conversas sob a forma de entre- vistas informais. ‘Apés o registro da ocorréncia policial, com seu cadastramento no Sistema de Procedimento Policial (PROCED), uma cépia impressa é inserida dentro de uma pasta plastica localizada em cima da mesa do delegado do plantio. Cada equipe possui sua pasta em cor especifica que, apés o término do plantio, sera remetida 4 mesa do delegado-chefe para andlise de cada caso e decisio com relacio A instauracio (ou nao) do inquérito policial. Geralmente, o proprio delegado-chefe passa pela sala do delegado do plantio, antes da troca de turno das equipes e pega a pasta com os registros daquele plantao. i importante pontuar que, até aqui, dois filtros para a selecio daqui- lo que sera objeto de andlise do delegado-chefe jA se fizeram presentes. O primeiro filtro é feito direto no balcio de atendimento ao publico, onde nem todas as notitias criminis* deram otigem a uma ocotténcia po- licial de fato. O segundo é realizado pelo delegado de plantio que, otien- tando sua equipe, arbitra alguns ctitérios (sobre os quais falaremos mais adiante) para levar a cabo o registro da ocorréncia ou simplesmente descarta-la, Alguns tipos de crimes recebem um tratamento diferenciado com relacio a outros j4 no comego do trimite, tanto no que tange ao tipo penal em si quanto a origem do acontecimento: se contra a vida (prin- cipalmente, os casos de homicidio, latrocinio ou crimes sexuais) e oriundos de flagrante delito, logo uma cépia da ocorréncia policial é remetida a seco de investigagio competente, posterior & comunica- ¢ao oral, com mobilizacao imediata em cima do caso. Voltando a sala do delegado-chefe. Entre os demais casos que, apos passarem pelo filtro do delegado de plantio, seguirio para a sala da chefia, a fim de serem analisados, alguns receber’io a determinacio “Ins- taure-se IP”. Dali cada ocorréncia seguita direto para o cartério, jé com a Portaria ou o auto de priséo em flagrante. LA os inquéritos receberao > Segundo CAPEZ (2003, p. 15), dé-se 0 nome de sotitia criminis a0 conheci- mento espontineo ou provocado, por parte da autoridade policial, de um fato apatentemente criminoso. E com base nesse conhecimento que a autoridade inicia as investigacdcs. 201 uma capa (azul pata os crimes em geral ou rosa pata ctimes contra a vida ou delitos de transito) e entrar’io na “ordem do dia”, passando a integrar o abattotado “pingue-pongue” protagonizado pela Policia Civil, © Ministério Publico e o Tribunal de Justica. O inquétito pode iniciar-se de duas maneiras distintas: a primeira, a partir de uma situagio flagrancial; a segunda, pot meio de portaria (conforme constante no artigo 4°, do Cédigo de Processo Penal; com ou sem indiciamento). Elaboradas, na 6* DP, pelo delegado-chefe (ou delegado-adjunto ou por um agente de policia nomeado pata tal fun- cio), a portatia indica quais as providéncias a setem adotadas, por exemplo: autuar ¢ juntar algum documento; solicitagio de investiga- Ges ctiminais; solicitacio de laudos junto ao Instituto Médico Legal (laudo de exame de lesées corporais, pot exemplo) e/ou ao Instituto de Criminalistica da PCDF (laudo de local de ctime, por exemplo); que se intimem as partes ¢ testemunhas, bem como que se teduzam a termo as declaragdes das mesmas. Obsetvamos que, em se tratando de flagrante delito, uma atencao maior é dispensada ao processo investigative. Visando a uma melhor compreensio sobre 0 fato, procuramos desconstruit sociologicamente o flagrante. Percebemos, além da supremacia do jurisdicismo na fala dos delegados com a recorréncia constante ao artigo 10, e seus incisos, do Cédigo de Processo Penal (definicao tipos de flagrantes: proprio, im- prdptio € presumido), que, ao definirem o tetmo “flagtante”, esses su- jeitos vinculam-no tanto a captura, 4 lavratura do auto e a expedigio da nota de culpa (auto de prisio em flagrante), atentando sempte para a questio dos prazos dentro do IP (10 dias para remessa dos autos a Justiga, se 0 autor estiver preso, 30 dias em se tratando de crimes envol- vendo téxicos ou 30 dias em se tratando de autor nao pteso). Esses prazos, segundo cles, sio sempre cumptidos, ainda que nio conchuido o IP. Observando alguns inquétitos, percebemos que em mui- tos casos esses autos sio, de fato, encaminhados ao Ministério Publico, sem muito contetido e/ou relatério, apenas para cumprir esses prazos. "Todavia, uma contradigio coloca-se durante o fluxo: quanto mais proxi- mo da data do fato motivador (0 “calor do crime”) patece haver um empenho maior em investigar, 0 que no se evidencia com o transcorrer do tempo; aumenta o mimero de trémites/cargas entre a PCDF ¢ 0 MPDET, contudo sem muitas diligéncias procedimentais, que conduzi- to, de fato, 4 conclusio do IP. Observamos que nem sempre esses ptazos so cumpridos e muitas vezes, extrapolados. Isso serve-nos como provocacio para investigarmos sobre o porqué da demora desses trami- tes, ptincipalmente daqueles que dizem tespeito 4 devolugéo/setorno 202 dos IP’s 4 PCDF, para prosseguimento da investigacio (algo em torno de 21 dias). Conversamos com os policiais sobre dois tipos penais em especifico por serem os que nos interessavam na pesquisa, a saber: homicidio (do- Joso, culposo ou tentado) e roubo (a comércio, a transeunte, a residéncia on diversos; de cargas, veiculos ou restricio de liberdade da vitima). ‘Ambos tesultam em acio penal publica incondicionada a representagao. Desde 2007, um agente de policia esta encarregado de fazer 0 levan- tamento estatistico de informagées e dados sobre registros de ocorrén- cias, Entre os dias primeiro e quinto de cada més, ele langa os dados em planilhas e depois transforma esses dados em gréficos ¢ tabelas. Parte desse material é repassado & Secretaria de Seguranca Piblica. O restante consta do arquivo da delegacia ¢ € apresentado @ chefia na forma de relatotio mensal. Fomos apresentados a esse banco de dados que, até aqui, j4 mostra tiqueza de conteddo e profundidade. Partes dessas infor- macées, sendo pablicas, sio apresentadas na Tabela 1. Ressalte-se, por hora, que, de acordo com o delegado-chefe, para todos 0 casos envolvendo o crime de homicidio, sempre é instaurado de imediato um inquétito policial, O mesmo acontece para outros ti- pos de crimes considerados “mais urgentes” co-mo, por exemplo: deli- tos de transito com vitima fatal e crimes sexuais. Ja para aqueles envol- vendo o crime de roubo, muitas vezes espera-se a conclusio de uma investigagao preliminar da SIC-VIO e seu posterior relatério para de- cidit quanto 4 instauragio (ou nao) do IP. O estabelecimento de prioridades nfo est relacionado somente com a questio do clamot pablico por resposta imediata ou a maior recorsén- cia de alguns tipos de crimes na regio. Basicamente, as priotidades so estabelecidas de forma a otimizar os trabalhos de elaboracio dos IP's, dado o excessivo volume de trabalho. Segundo um policial lotado no cattério da 6* DP, séo instaurados cerca de 2.000 IP’s anualmente, dis- ttibuidos entre os cinco delegados incumbidos de despach4-los (400 IP's para cada um, aproximadamente). ‘Assim, so selecionados, prioritariamente, aqueles casos que jé con- tém informacdes quanto a autoria ¢ A materialidade necessatias 4 con- clusio do IP. Somente em alguns poucos casos, essas informacées sao produzidas por meio de investigacao policial. Nestes casos, as investi- gages sfo realizadas pelos policiais lotados na SIC-VIO ¢ na SIC- Maiot, Cabe aos policiais lotados na SIC-Menor, fornecer subsidios para o andamento dos termos circunstanciados (IC's). Feita a distribuicio dos IP’s, cada delegado tem sua forma especifica de trabalho (alguns mais operacionais e outros menos), mas obsetvando as normas gerais de agio da PCDF (combinadas com outras normas 203 {e19p24 OIIS|G Op e[o/J0q ep eloeBaleq .g :]U0y ser [oor] 998 [Ser [err] wet zf[ole,si{wl[elal[u | wl] ww] | OL zo | 20 or | 8 fo]e fo Z| |e | 2 | oawezsc ze | 09 sor | 29 h}ofejo a |e | s | gs | oiquioaon ger | ez vit | 46 bl o}tfo 9 | s | 2 | 4 | o1gmno oz | 8g eu | 36 z}|of]t|o e | 9 | z | 9 | oquas 92 | 89 ez | BL o oO ‘ 0 e ‘ s b oysoby ze | 99 zor | sz hy} e fe fo e|sj|s|z oyine ro | 6s azt | 99 o}ft}tojfer e | ¢ |e | z | ouune er | eb le | be bf} ef} zo ri} rf}ofs le | 68 oor | 9 o}o}fo]o yi[sf2fes e6 | 2 eg | zi y}o}]zfo ae ee per ae Pericles | Ge leeats || toals| eee ates Ole) ates ac0) gate) eee) a0) a) ete Geo are «| coutetaned) te | o¢ | os | 6 | ce | ee |] + }of}+}|otlrtio};e}l|s|ri|rir | s | onouer al/fle/Fle/Flel Fle Fl el FZ Bee ft ee tes Sle;/S (ele /e/S/e/5 (ze) 5/2 e00z | g00z | 200z | 600z | gooz | z00z | 6002 8002 2002 6007 8002 200% Sal soqnou SO|UFSORET SOIPIOIWIOH (6002 © 8002-2002) Podey @ pouBled = sopejejes soyignbul 8 soqnol ‘sojujoo.je| ‘soIpjolwoH — | efsqeL 204 esparsas). Além disso, ha que se levar em conta o fato de que ctitétios de ordem subjetiva também so adotados (por maior que seja a tentativa em objetivi-los e da busca por uma neutralidade axioldgica na pragmé- tica da rotina de trabalho), como nos disse um dos delegados plantonis- tas: “Utilizo 0 método dedutivo, ou seja, busco a maxima de tudo. Pro- cuto nao investigar o autor, mas as provas pata se chegar até o autor”. Conversando com os outros delegados, percebemos que esses cti- tétios de escolha dos IP’s tém a ver nao apenas com o nivel de com- prometimento desses policiais, mas com a elei¢io de alguns tipos de crime especificos (na pratica, os crimes de homicidio, latrocinio e os ctimes sexuais recebem maior atencio, principalmente se “mais quen- tes”, ou seja, mais tecentes), bem como & quantidade de elementos coneretos para o IP (ou, como preferem chamat, “provas indicidrias”), que vio desde objetos as testemunhas, pasando pelo corpo delito & outras evidéncias. Apés a confeccao do telatério final, todos os IP’s sao remetidos 4 secio de recebimento ¢ expedigao, da Divisio de Tramitagiio de Autos, depois A seco de correigio da Divisio de Cottei¢io; ambas parte da cortegedoria-geral, onde sio correicionados/conferidos ¢ posteriormen- te, remetidos ao Ministério Puiblico. Cabe pontuar, ainda, que o TP passa por outras instdncias ou esferas de discricionariedade dentro da fase de persecugdo criminal, além das j4 mencionadas, como: o cartorio (onde a ocorréncia ganha forma de in- quétito), as segdes de investigaciio (onde sio produzidas as “verdades” que fornecer’o subsidios ao juizo, tais como: autoria, motivos do crime, armas apteendidas, testemunhas indicadas, recuperagio de objetos ¢ valores, circunstincias outras relevantes), os delegados despachantes (seus critétios e prioridades na condugio do IP). A investigacao policial* Sabado, 31 de janeiro de 2009. A tarde transcorria com relativa tran- quilidade na 6* Delegacia de Policia do DF aos comandos da Equipe B. Quando, por volta das 18h30, os agentes do balcio foram informados, via CIADE;' sobre um homicidio que ocorrera na quadra 378, conjunto G, Del Lago, Itapo’, as 17h30. Imediatamente, o fato foi reportado a0 “ Emoggafia realizada por Laiza Spagna, entre dezembro de 2008 ¢ marco de 2009. 5 Central Integrada de Atendimento e Despacho da Secretaria de Seguranca Pablica do Distrito Federal. 205 delegado de plantio, que autorizou a safda a campo de dois agentes para a verificacdo do fato, juntamente com o chefe da SIC-VIO, que fora contatado pot telefone para que compatecesse ao local. Por me- dida de seguranga, em casos como esse — de verificagao de fatos des- conhecidos —, os agentes nfo “caem em campo” sozinhos, mas em dupla on et trio, Esse “cair em campo” corresponde 4 atividade in- vestigativa da policia de sair da delegacia em busca de informagées que ajudem a esclarecer os fatos; notmalmente, dirigem-se As proximi- dades do local onde o crime ocotreu e/ou onde residem os envolvi- dos, com 0 intuito de conversar com os moradores da redondeza, localizar testemunhas, intimar suspeitos. No caminho, os agentes discorreram a respeito do trabalho investi- gativo feito pela Policia Militar que, muitas vezes, dificulta o trabalho da Policia Civil. Disseram ser comum encontrar policiais militares ja realizando diligéncias preliminares, interrogando “populares” € cole- tando provas, a0 invés de preservar o local do crime. Isso porque, segundo relataram, a CIADE informa um ocortido simultaneamente & Policia Civil ¢ A Policia Militar que, normalmente, alcangam antes 0 local do crime ¢ executam atividades que extrapola sua alcada. Chegando ao local, encontramos a guatnicéo da Policia Militar do Distrito Federal (PMDF) n° 1627, comandada pelo cabo Nascimento® que, além de preservar o local para a realizacio da pericia, coletava dados ¢ informacdes dos(as) presentes. Pudemos observar policiais militares fazendo uma espécie de interrogatério preliminar com vizi- nhos ¢ testemunhas, bem como fotografando suspeitos com seus apa- relhos celulares (para compor, segundo os mesmos, 0 banco de dados da PM2’). ‘A tensio entre os policiais civis e militares era clara. A movimenta- ao de pessoas no local era intensa, Muitos vizinhos ¢ curiosos aproxi- mavam-se, mas poucos dispusetam-se’a prestar depoimento formal na delegacia. Davam informagdes de forma discreta e lac6nica, estavam muito inseguros(as) ¢ com medo de serem vistos(as) em contato com a policia. A vitima foi encontrada dentro do quarto do casal em decti- bito dorsal, com fetimentos na altura da cabeca e costas, provindo, segundo os agentes, de disparos de arma de fogo. Os policiais militares informaram que, quando chegaram, havia uma mulher de cor clara, muito nervosa, que chorava dizendo: “Eles esta- vam me procurando”, E logo saiu cottendo em direc desconhecida. ® Os nomes verdadeiros foram trocados por nomes ficticios. 1 Trata-se da area destinada ao servico de inteligéncia dentro da Policial Militar. NG Com base nas “infotmagées preliminares” que colheramn dos “popula- res”, disseram tratat-s¢ de Pamela, enteada da vitima, envolvida com téfico de drogas € com pessoas de ma reputagio. Informaram, ainda, que Roberta, provavelmente, fora assassinada por engano no lugar de Pamela, com quem a vitima fora vista “Bar do Catlio”, vinte minutos antes de set assassinada. Nesse bar, encontraram outras duas amigas: Verdnica e Leticia, e foram todas para a casa de Roberta. “Tres pessoas, presentes no local, dispuseram-se a “prestar esclareci- mentos” na delegacia: duas amigas ¢ 0 marido da vitima. Apreseptaram informagdes a respeito do passado da vitima e das amigas que estavarh a casa no momento do fato. Foram interrogados(as) por um agente da SIC-VIO ¢ pelo chefe da seco, que acompanbaram 0 caso desde 0 inicio junto & equipe de plantio. Disseram ser comum trabalharem fora do expediente, pois, notmalmente, so convocados quando ocorte um homicidio ou outro “destaque”,’ para que possam acompanhar os cas0¢ desde a notitia criminis. Dessa forma, assumem 4 investigacao com maior conhecimento de causa, podendo ter contato com 0 fato criminoso em seu contexto social original. ‘A meia-noite, os(as) declarantes foram dispensados(as). Os agentes da SIC-VIO continuaram reunidos em busca do “motivo” do crime. Fiewram “ctuzando dados” dos(as) envolvidos(as) no homicidio: da viti- ima, das testemunhas, de seus familiares, amigos ¢ outros nomes que vieram A tona nos depoimentos. Esse “cruzar dados” significa buscar os nomes dos envolyidos nos bancos de dados da policia — Millenium, Horus cPROCED _. verificando as respectivas vidas pregressas, na tentativa de encontrar relacées passadas que expliquem o evento criminoso. Além desses bancos de dados oficiais, a 6* DP conta com um banco de dados proprio, contendo a fotografia e vida pregressa, de todos aqueles(as) que ja “tiveram passagem” como suspeitos(as) na delegacia. Dentre esses(as), séo também cadastrados os menotes capturados como suspeitos(as) (0 que é ilegal, e, por isso, 0 delegado chefe ficou com muito apreensivo, quando tomamos conhecimento disso). Essas fotos so mosttadas 4s vitimas e testemunhas de diferentes casos, com © intuito de que seja feito o reconhecimento dos culpados. § Destaques: casos considerados mais importantes em fungio da periculosida- de dos mitores(as), da ameaga c/ou violéncia causadas, dos bens envolvidos (integridade fisica, vida e patriménio) ¢ da comog4o social causada. So assim conetlerados os casos de homicidio, roubo a comércio, latrocinio, estupro 5 guido de morte, brigas de gangue com armas de fogo ¢ demais casos que despertem comogio da comunidade 207 ‘Assim, baseados no passado civil e criminal dos(as) envolvidos(as), bem como nas respectivas redes de sociabilidade, os agentes traam um sociograma do fato. Como nos revelou um dos agentes da SIC-VIO: As vezes, vocé nao consegue pegar um autor por um determinado ctime, mas pega pot outro. Aqui, a gente faz o caminho inverso: quais 08 possiveis crimes daquele suspeito, ou qual o possivel envolvimento dessa testemunha com outros crimes. No dia seguinte, encontramos o mesmo agente da SIC-VIO ainda cruzando dados, mais especificamente, lendo inquéritos passados que envolviam Pamela, os suspeitos ¢ as amigas presentes na cena do ctime. Na ocasiio, informou que 0 chefe da seco estava em sua sala intecro- gando dois suspeitos que haviam captutado na madrugada. Como esses suspeitos etam menores, no pudemos acompanhar os interrogatétios. Nada nos revelaram sobre os menores ou sobre como chegaram a eles. Disseram apenas que estavam esperando apatecer indicios da culpab dade para envié-los & Delegacia da Crianca e do Adolescente (DCA). Justificando aquela pratica, 0 chefe da Secéo nos disse o seguinte: ‘A gente nao pode, do nada, chegat com um menor lé na DCA dizen- do que ele é suspeito porque logo soltam 0 moleque. Primeiro, temos que provar que ele é autor para af mandar para a DCA. ‘Também disseram ter chegado a uma “linha de investigagio”. Se- gundo os agentes da SIC-VIO, os homicidios ocortidos naquela locali- dade tém um perfil de certa previsibilidade, decorrendo quase sempre de: envolvimento com drogas, conflitos interpessoais (normalmente familiares), conflitos em ambientes piblicos envolvendo o consumo de Alcool. Estas categorias sio utilizadas como ctitétios para definir as linhas de investigacio. No caso em epfgrafe, o agente suspeitava tra- tar-se de um crime encomendado pata Pamela ligado 4 divida de dro- gas: “Normalmente, os menores envolvidos em homicidios, se tem droga no meio, sio executores”. Na tarde de segunda-feita, a ocorréncia teferente a0 caso, ap6s te- gistrada e homologada no plantio de sibado, jé havia sido corrigida pelo delegado plantonista e encaminhada pata o delegado-chefe, que a despa- chou pata a SIC-VIO com as diligéncias preliminares a setem cumpri- das. Assim, no meio da tarde, acompanhamos dois agentes da seco que sairam para cumprit tais diligéncias: encontrar ¢ intimar as outras duas mulheres que estavam presentes na cena do crime. Fomos na viatura caractetizada da PCDE, pelas ruas do Ttapod (que mais parecem um labirinto de barro, compensado ¢ reboco), batendo de porta em porta. 208 Nesse momento, foi possivel observar os saberes policiais em atuagao. ‘Aqueles policiais mostraram que sua fonte primétia de informagoes ¢ a comunidade local, ptincipalmente nos casos que exigem uma investiga: io mais complexa. Segundo eles, “tem que lapidar na comunidade”. O gue significa sondar na populagao aqueles(as) que tém alguma relagdo com a vitima, testemunhas e suspeitos, para tentar obter mais informa- cées. E fizeram isso abordando ‘amistosamente vizinhos, trabalhadores locas e demais moradores que tém alguma nogio do cotidiano daquele contexto social: os pedreitos da obra ao lado, 0 dono da quitanda, a vizinha que sempre coloca a cadeira na porta de casa no fim da tarde, etc. A maioria disse nfo saber de nada, olhava pata os lados de forma apreensiva, com medo de serem vistos(as) com a policia. Sabendo desse temor, os agentes abordam de forma bem amena: Cé entre nés, ninguém vai ficar sabendo que vocé me falou nada, mas a Pamela mexia com droga? $6 por alto, o que vocé sabia mais ou menos dela? Vocé prefere falar comigo uma outra hora? Num outro lugar? ‘Uma senhora (prima de Pamela) convidou-nos para entrar ¢ na sala de sua casa, junto 4 sua filha, confidenciaram detalhes importantes que agregaram fandamentos A linha investigativa assumida pelos agentes. As testemunhas foram enconttadas ¢ intimadas. O chefe da segio conse- guia fazer contato telefSnico com Pamela, ¢ combinou de buscé-la em YVeiculo descaracterizado, pois estava escondida em casa de parentes. O proximo passo seria, entio, conseguir extrair dos depoimentos as provas juridicas do motivo do crime, j4 desvendado pelos agentes? Essas sfio as pecas que vao compot o TP, a ser instaurado por porta- ria, Na pritica, porém, essa ordem nfo é sempre seguida. Esses passos podem inverter-se ou serem tomados concomitantemente, conforme a possibilidade de agit da Policia naquele momento. Tanto que a investiga- cio da SIC-VIO deveria comecat, teoricamente, com pase no telatério feito no plantio que, estando em contato direto com a comunidade e com a PM, sfo os primeitos a receber a informacio. Contudo, por ve- 2es, © agente da secio vai a campo junto com o agente do plantio, logo que 0 fato é noticiado. Segundo os agentes investigativos: » Segundo relataram os agentes da SIC-VIO, na teoria, os “passos da investiga- io” sio tomados sia seguinte ordem: 1) a seco de investigagio recebe a ordem do delegado-chefe por despacho, encaminhando a ocorténcia; 2) coletam infor: mages no banco de dados oficiais da policia a respeito dos(as) envolvidos(as)s 3) fazem a qualificagio desses e do crime; 4) “caem em campo” em busca de informacGes na comunidade local; 5) intetrogam os(as) envolvido(as); 6) rela- tam a investigacao formalmente para o delegado, juntando os laudos da pericia, 209 ‘A primeira informagio quem colhe ¢ 0 cara é do plantio, mas essa informagio vem muito defasada com erros de interpretacio, por isso, nao é necessatiamente esse primeito relatério que embasa a in- vestigacio, porque tem muitos detalhes que o plantio néo pega. Dai o policial da seco que vai investigat retoma toda a narrativa pegando os detalhes que 0 plantio nao pegou. ‘Ademais, uma vez encaminhada a segio, os rumos da investigacio ficam sob a responsabilidade do agente que dela se incube. Ble que decide sobre a linha de investigacio a seguir, quais as medidas a serem tomadas, onde, quando ¢ como “lapidar” as informagdes na comunida- de (mas sempre com 0 conhecimento do chefe da seco). Dessa forma, intetrogam novamente testemunhas j4 intimadas ¢ partem para a rua em busca de novas, conforme as relagées identificadas dos envolvidos, entre si, ¢ com eventos ¢/ou crimes passados. Os agentes disseram ter essa autonomia para investigar devido 4 impossibilidade do delegado de acompanhar todos os casos: Foo delegado nem fica sabendo, a gente ja entrega a coisa pronta, a nao ser que seja um caso especifico de interesse do delegado. E nio faz parte da fungio de delegado acompanhar a investigacao. Voc? nao vai ter acesso a tudo que volta da rua, sabe por qué? Porque nem o [dele- gado-chefe] tem acesso a tudo. Nesse sentido, percebemos mais respeito ¢ proximidade dos agentes de investigacao com seu respectivo chefe de seco, bem como dos agen- tes do plantio com seu respectivo delegado, do que com o delegado- chefe e/ou com o delegado-adjunto. ‘As testemunhas intimadas comparteceram no dia seguinte ¢ atesta- tam o motivo suspeito pela policia: os assassinos foram encomendados para matar Pamela, esposa de “Pio de Queijo”, morto por Valter Cave ra, em fancao de disputa pela boca de fumo local. Apés a morte do marido, Pamela passou a difamar Caveira no baitro, dizendo ser ele 0 assassino de seu marido. Por isso, Caveira quis calar Pamela, literalmente, encomendando sua morte. Quando os assassinos contratados invadiram a casa, Pamela, que estava nia cozinha, conseguiu esconder-se, enquanto Roberta apavorou-se € saiu cotrendo para o quatto. Pensaram ser elaa vitima encomendada e desfetiram-Ihe quatro disparos na cabega € nas costas, Os depoimentos foram longos ¢ desgastantes, durando cerca de quatro horas cada. As duas primeiras testemunhas estavam relutantes em falar, Fa terceira, apesar de ter revelado todos os detalhes do ocor- rido, estava muito nervosa € nao conseguia conter-se emocionalmente. Os agentes foram firmes 0 tempo todo e nao cederam, nem 4 indiferen- 10. a das ptimeiras (que diziam nada saber), nem aos apelos emocionais da segunda, que depunha em prantos, lagrimas € solugos. Fizeram todas repetit a mesma hist6ria varias vezes e, a cada versio, fatos novos apa- reciam. '[ambém faziam muitas inferéncias em relacio aos poucos da- dos de que dispunham, atirando no escuro para testat qual afirmagio causatia mais impacto nas declarantes: “Verdnica, nds sabemos que vocé conhece aqueles malas tudo. Vocé sabe quem € os meliante. Vocé viu e sabe quem é. E agora vocé prefere defender os bandido que suas amigas. Vocé viu sim porque deu tempo dele tirar a Roberta da sala para o quarto. A vitima era pra sera Pamela [porque no dia Pamela saiu correndo gritando isso, que era pra ser ela? Vocés usaram droga e esto devendo né? Por qué eles nao te mataram? Ouvocé ajuda a gente ou eles vio atras de voce”. Nao ha uma sala especifica pata o interrogatério. Foram realizados na propria SIC-VIO, que é composta por trés ambientes: uma antessa- la com dois computadores e uma mesa; a sala do chefe, equipada com mesa, armtios, computador e televisio; e uma sala grande comparti- Ihada pelos agentes, com sete mesas e dois computadores. Com isso, havia sempre movimentagio na sala (pelos outros agentes que entra- vam e saiam 0 tempo todo), desmobilizando o clima de tensio do intetrogatério. As testemunhas foram interrogadas por dois agentes ao mesmo tem- po, em salas e hordrios diferentes. Eram dois agentes interrogando: Cle- ber (chefe da seco) e Jorge (agente-auxiliat). O primeiro assumia uma postura inquisitiva, fazendo perguntas em tom acusatério € impaciente, como se tentasse obter informagGes pela pressio emocional. J4 o agente Jorge, com postura mais fria ¢ racional, mantinha-se firme, com 0 mes- mo tom de voz e olhar penetrante. Falava pausadamente, desenvolven- do uma intricada linha de questionamentos, a partit dos detalhes revela- dos pelas testemunhas, que evidenciava as contradigées dos discursos e enredava suas mentiras. Assim, obteve informagées surpreendendo as testemunhas por meio dessa sequéncia tépida e bem estruturada de questionamentos. Quando essa postuta racional parecia nao fazer pro- gtessos, Cleber intervinha em tom enraivecido, e vice-versa: “Como vocé nao viu? Como niio sabe me dizer o nome do cara que deu um tito na sua amiga? Vocé tava melada? Porque eu sei que tu bebe que chega cai. E sei que tu fama um também, Béra, diga o que tu sabe agora. Ou vocé ajuda agente ou vai motrer também. Eu sei que vocé tava andando com a Pamela e com o FM Traficante. Como vocé me explica que justamente a tinica pessoa que no mexia com droga 211 foi assassinada? Vocé é a que mais trafica t4 vival Como vocé explica isso? Vocé sabe sim!” Essa complementaridade, entretanto, de papéis nfio ¢ sempre har- ménica, Percebemos certa falta de comunicagio entre Cleber ¢ Jorge, bem como questionamentos contraditérios, em certos momentos, a res- peito de detalhes do crime. Realmente, eles nao tém tempo para discutir o ctime entre si. Os agentes realizam uma tarefa apds a outra ¢ Cleber realizava, no minimo, trés tarefas a0 mesmo tempo, coordenando outras investigagées. Ademais, convetsam entre si por meio de um discurso lacénico, objetivo, com poucos detalhes. Falam apenas 0 necessario de cada caso, quase sob a forma de cédigos. Nio ficam discutindo os casos entre si diferente do plant&io, em que um colega do balcio comenta os casos tegistrados com 0 outro). Os depoimentos, que comegatam as trés da tarde, somente encerra- tram-se por volta das nove da noite. Ao final de cada interrogatério, as testemunhas foram levadas 4 sala de reconhecimento, na tentativa de que identificassem os menores suspeitos. Isso no foi possivel visto que os executores do crime estavam encapuzados. Como as testemunhas nao conseguitam fazer o reconhecimento, nem aptesentaram provas coneretas que relacionassem 0 mandante/suspeito (Valter Caveira) ao fato, foi bastante dificil extrair potencial juridico dos relatos. Segundo os agentes, a contribui¢io da comunidade no vem na hora dos testemu- nhos, visto que os depoentes sao conhecidos, pois estavam presentes na cena do crime, logo, sentem-se vitimas em potencial ¢ nao falam. B, muitas vezes, 0 caso € elucidado, mas no sendo possivel prova-lo jutidi- camente 0 inquérito nfo é instaurado. ‘Agora, os agentes aguardam o laudo da peticia que somente chega em 20 dias, Este, ao indicar 0 calibre da arma, possibilitara confrontar o ptojétil com a arma e dati informagSes sobte a autoria do crime. As- sim, podem comprovat a juridicamente a culpabilidade dos executores € mandantes, pot meio de quem for enconttado/a portando tal arma. Os perfis dos delegados da 6* DP” Para uma melhor compreensio da diferenciacio observada quanto aos perfis dos delegados da 6* Delegacia de Policia do DF, é preciso, primeitamente, comentat a problematica das complexas atribuicdes de 1 Benogtafia realizada por Laiza Spagna, entre dezembro de 2008 ¢ marco de 2009. 919 uma delegacia circunscricional. Tal questo deve-se, em grande medida, a0 atendimento imediato as demandas da populagio local, que envolve, além das atribuiges cartoriais ¢ investigativas, 0 contato direto com a comunidade, uma consideravel pluralidade de casos atendidos, dos quais crimes sfio apenas alguns a diversidade de tipos penais que procedimen- talizam, e as expectativas dos demandantes em relagio a0 trabalho pres- tado, conforme a representagio social que fazem da policia. Em suma, tzata-se de uma pluralidade de questdes e fendmenos que exigem, cotidi- anamente, os mais vatiados esforgos dos funcionatios da 6* DP, como também possibilitam a existéncia de diferentes modos de exercer-se a mesma fungSo, tanto por causas subjetivas e individuais quanto pot questdes conjecturais. Desse modo, o perfil profissional de um delegado varia conforme as fangées que lhe sio designadas ¢ o modo como ele petcebe seu traba- Iho. Essa diferenciagio de perfis deve-se, em primeira instincia, aos possiveis cargos destinados aos delegados: delegado-chefe, delegado-che- fe adjunto, delegado plantonista e delegado cartoritio (ou despachante). Delegado de plantio, ou plantonista, é o responsavel por comandar a equipe de agentes que fazem o atendimento no baleéo da delegacia du- rante as 24 horas corridas de seu turno. A 6* DP conta com quatro delegados plantonistas que trabalham em regime de revezamento, em uma escala de 24 horas trabalhas por 72 horas folgadas. Cada equipe é composta pot um delegado, um escrivio e quatro agentes, responsiveis por atender e encaminhar todos os casos ocortidos durante a respectiva escala de trabalho. Dessa forma, o plantonista é o delegado que, em getal, tem o ptimeiro contato com os casos que chegam a delegacia. Qualquer emergéncia que ocorra, as diividas dos agentes quanto aos procedimentos a serem adotados e 0 acompanhamento dos flagrantes ocortidos naquela escala sao de responsabilidade do delegado plantonista. Hi uma variacio observada no perfil dos delegados plantonistas re- lacionada & forma como interagem com a comunidade. Suas atribuigdes permitem acompanhar mais de perto as investigacdes, 0 que correspon- de A possibilidade de estar “mais ativo na rua”, ou seja, em busca de informagées fora da delegacia, estabelecendo contato direto com pessoas na propria comunidade, seja com os envolvidos no caso seja com infor- mantes da policia, Novamente, esse engajamento varia conforme o inte- resse de cada delegado. Alguns poucos, em situacées especificas, acom- panham o trabalho dos agentes, saem. da delegacia, vio 4 comunidade. Na maioria dos casos, o maximo de contato que o delegado tem com a comunidade é no momento das oitivas, quando as testemunhas sao tra~ zidas pelos agentes. Esse trabalho de “lapidar as informagées na comu- 213 nidade” € feito, em sua grande parte, pelos agentes que contam com grande autonomia na investigagio de crimes, nos passos tomados ¢ na decisio da linha investigativa assumida. O delegado apenas intervém nos casos de seu interesse, muito em fungio da grande demanda de casos registrados, que tozna impossivel acompanhar as investigacdes de todos os casos: A propésito, reclamam constantemente da quantidade de trabalho burocratico, que tém que fazer dentro da delegacia e que os impede de acompanhar as investigagdes: Nio h4 como eu acompanhar todas as investigages sob sua respon- sabilidade. No presente momento, tenho 400 inquéritos policiais sob minha responsabilidade. Nao ha como investigar e acompanhar to- dos. F muita papelada que eu tenho que despachat. Os agentes das segGes de investigagdes, tendo consciéncia dessa rea- lidade, assumem a direcio de grande parte das investigacbes com consi- deravel autonomia. B, nesse sentido, reportam-se ao chefe da secio, também policial, para dizecionamentos de seu trabalho, apresentando ao delegado 0 desenho da investigagio pronta ¢, muitas vezes, as informa- ges j4 colhidas. Segundo narraram os préprios agentes a respeito da investigagao: No fax patte da funcao de delegado investigar. Eu que decido como eu ‘you conduzir minha investigac4o, quais os passos a tomar, qual a estra~ tégia que vai set adotada em cada caso. Ele jé recebe 0 relatério pronto. B you informando o que estou fazendo pro chefe da sessii. [...] B voce nio vai ter acesso a tudo que volta da rua no, sabe por qué? Porque nem o delegado-chefe tem acesso a tudo 0 que fazemos. Nesse sentido, observamos maior interacio e subordinagio dos agentes do plantio para com o delegado plantonista da equipe, e dos agentes da secio de investigacio pata com o tespectivo chefe de ses. Jas figuras do delegado-chefe ¢ do delegado-adjunto quase nunca sko mencionadas no dia a dia do trabalho investigativo, senZio em relagio as questdes internas da delegacia. Sio figuras que contam notoriamente com um respeito hierarquico, mas também com um distanciamento da pratica policial. Dessa forma, nota-se uma interacio muito propria dos agentes da equipe com seu respectivo delegado. No caso dos delegados que se de- dicavam A pritica dos saberes policiais, as equipes eram unidas quase como familias ¢, a0 mesmo tempo, havia maior subordinacao ao delega- do. Acompanhamos durante um més o trabalho de uma equipe cujo delegado fora agente de policia por dez anos. Nesse caso especifico, 0 delegado realmente dedicava-se aos ptocedimentos investigativos e rea~ lizava com gtande insatisfagio os trabalhos burocraticos cartoriais. Preocupava-se em investigat os casos registrados em seu plantio, discu- tia as estratégias investigativas com os agentes da seco ¢ inclufa os agentes da equipe nesse processo. Coordenava todas as atividades de todos os agentes. Preocupava-se em. realizar um trabalho de equipe, em que todos realmente trabalhassem, mas também mantinha uma relagio mais intima ¢ informal com os agentes. Em todos os plantdes dessa equipe que acompanhamos ocorrera, no minimo, uma prisio. Pot outro lado, observamos outros delegados que tinham maior preo- cupagio em despachat os inquéritos que o cartorio Ihes encaminhava, delegando a maior parte das quest6es investigativas 4 autonomia das segdes, Permaneciam dentro da delegacia durante quase todo o plantio, assim como os agentes de sua equipe que, na maior patte do tempo, restringjam seu trabalho ao registto das ocorréncias. Somente deixavam © balcao para vetificar algum ocortido de destaque (homicidio, roubo, Jatrocinio), Delegavam a grande parte da atividade investigativa aos agentes da secio, restringindo-se & corregio dos atos policiais que pudes- sem ser juridicamente rechacados. Nesse sentido, é constante a preocu- pacio de os delegados transmutarem os fatos por ele sabidos em evi- déncias juridicas. H essa légica, da aceitabilidade juridica, que rege em grande medida o modo como conduz os inquéritos policiais. O delegado cartotirio trabalha apenas com os inquétitos, fazendo a leitura dos casos registrados os pedidos de diligéncias necessarios para telatar o caso. Analisa 0 modo como a linha investigativa foi assumida, o que ainda precisa ser feito para chegar-se aos indicios de autoria ¢ de materialidade; expede pedido de diligéncias ou ordem de missio para suprit tais demandas; e relata o inquérito. B, basicamente, 0 mesmo trabalho de despachos que o plantonista tem, mas em namero bem maior, pois essa é sua funcio primordial. Por isso, seu local de trabalho restringe-se 4 delegacia, salvo raras excecdes. Também acompanha os ptazos dos inquéritos e os respectivos pedidos de dilatagio, mandados de busca e de prisio feitos ao Judiciario. O delegado-chefe realiza fiungdes predominantemente politicas, por set aquele que responde institucionalmente pelo desempenho da Policia Civil naquela circunscrigio. Nesse sentido, grande parte de seu tempo de trabalho é despendido em atividades externas, ligadas a essa tepresenta- cao, como em reunides na Secretaria de Seguranga, nos Conselhos Co- munititios de Segutanca e na Corregedotia, entre outras. Tivemos a oportunidade de acompanhar o delegado-chefe da 6* DP em algumas dessas reunides, onde observamos sua pteocupacio em passar uma boa imagem da delegacia, como também em estteitar os lagos com a co- 215 munidade, visto que cla é de fundamental importancia: pata 0 sucesso das investigacdes — por meio dela as informagdes chegam até a policia, Como declarou o delegado: “A policia depende demais da sociedade. Sio eles que tém as informagées. E preciso gastar saliva com a comuni- dade para tornar as futuras investigaces mais eficientes. E preciso ir ganhando confianga ¢ familiaridade com a comunidade”. ‘Também cabe ao delegado-chefe decidir sobre a politica interna da delegacia: direciona as condutas internas, as atribuicdes espectficas dos demais delegados, os filtros de discticionatiedade e a prioridade dada a determinados casos. Em suma, é ele quem conduz internamente o deli- neamento das ptaticas da policia, ainda que tais direcionamentos este- jam submetidos as diretrizes da corregedoria. Nesse sentido, a pteocu- paciio com os controles interno ¢ extetno da atividade policial é recor- rente nos discutsos. O delegado adjunto é responsavel pela administracao interna da dele~ gacia: organiza as escalas, monta as equipes, aloca determinados funcion4- tios em determinadas fungdes (mas sempre remetendo-se ao delegado- chefe) e reorganiza as demandas de trabalho conforme os pedidos de férias ¢ licengas. No sentido de coordenar os tecutsos humanos pata a otimizagio da conclisio de inquétitos, 0 delegado adjunto da 6* DP estabeleceu uma meta de inquéritos a serem relatados, determinando que, mensalmente, uma média de 10 inquéritos deveriam ser telatados por delegado plantonista e 20 inquétitos por delegado cartorério. Seguindo esse “pensamento empresarial” estabeleceu na delegacia as premiagdes “delegado do ano” e “agente do ano”, para estimular 0 tra- balho das equipes. Disse-nos, sem teservas, que, propositalmente, insti- ga a competicio entre os delegados, para que no se acomodem. Logo que chegou 4 delegacia do Paranoa (assumindo pela primeira vez 0 cat- go de adjunto, apos dez anos trabalhando como delegado), observou ser comum 0 fato de os delegados “passatem muito tempo com 0 inquétito na mao sem fazer nada, ou pot comodismo ou por medo de estar fal- tando alguma coisa”. Ou seja, os delegados nfo davam prosseguimento a0 inquérito por falta de empenho ou por prenderem-se a mimicias do fato, temendo que os inquéritos por eles relatados retornassem pela bai- xa ou com cotas ministeriais do Ministério Publico. Nesse sentido, as- sumira tal postura também no sentido de encotajar a conclusio dos inqué- sitos, visto que sua fungao de delegado é apontar os indicios ¢ nao todo © real detalhamento de como 0 fato ocorreu. E, em nfo sendo possivel apontat alguma motivagao ou aspecto elucidante do fato, o inquérito deve ser remetido para a delegacia especializada. “Agora nao, ou investi- ga e telata, ou manda para a especializada”. 16 O trabalho dos plantonistas"' Na tarde de quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009, as 13h, a funciona- tia de uma fatmécia localizada na Avenida Central do Paranoa, chega ao balcio da delegacia para notificar um roubo que acontecera em seu trabalho, pela manha. Segundo seu relato, estava trabalhando no caixa da farmacia, que no momento se encontrava vazia, quando dois sujeitos foram aptoximando-se silenciosamente, tiraram uma arma de fogo da cintura e apontaram em sua dire¢io, ordenando que lhes entregasse todo o dinheiro ¢ aparelhos celulares. Assim ela o fez e nada sofreta. oO agente questionou a respeito dos valores e bens que haviam sido entre- gues aos assaltantes. Quando a funciondtia relatava os quantitativos, citou trés maquinas de cartio de crédito que haviam sumido. O agente questionou se cla os vira levando, ela disse que nao tinha visto nada, mas que percebera, mais tarde, que as méquinas tinham sumido. O agente, entio, disse que no poderia registrar as maquinas nessa ocorréncia, pois © desapatecimento daqueles aparelhos caracterizava 0 ctime de furto € nao de roubo. A funcionatia insistiu que se tratava do mesmo caso, mas © agente disse que nfo iria registrar desse modo, pois as méquinas nao foram roubadas, mas furtadas. Entio, a fanciondria telefonou para seu chefe, o dono da fatmécia, que, em poucos minutos, chegou 4 delegacia muito netvoso, insistindo pata que o agente repistrasse 0 roubo das maquinas de cartio de crédito, visto que sua fatmécia jé tinha sido roubada varias outras vezes. Como © agente nao cedeu, o comerciante langou mao de seu celular e contatou 0 delegado-chefe do balcio da delegacia, dizendo que seu agente estava se negando a tegistrar uma ocorréncia. O delegado, imediatamente, apa receu ao balcdo na delegacia, repreendeu veementemente o agente € convidou 0 comerciante para conversarem em sua sala. Ficaram con- vetsando por, aproximadamente, quarenta minutos. Ao final, 0 co- merciante sain satisfeito da sala do delegado, que ordenou ao agente © registro da ocorréncia conforme desejasse o comerciante. Mais tatde, o agente, em tom de indignacio, nos confessou o seguinte: B porque a populacio faz questo de ter o papel, quetem porque que- rem registrar algo (para receber uma garantia protocolar). O papel tem uma importancia enorme para eles. Por isso, nés temos que extrapolar nosso papel. Por isso, a pessoa que vem aqui nao aceita que vocé colo- " Btnografia realizada pot Laiza Spagna, entre dezembro de 2008 e marco de 2009. 217 que em questo o que ela esta te narrando, E mais facil e menos profis- sional vocé simplesmente registrar. Mas se vocé questionar, a populacio reclama de maus tratos, fala que foi destratado. E uma faca de dois gumes. Porque se vocé questiona ¢ quer fazer um trabalho melhor, a pessoa no aceita. E passa o problema para o delegado-chefe, que recebe a reclamacao de que o balcdo est destratando as pessoas, de que nao estamos querendo registrar ocorréncias e vem com o discurso de que ‘eu quero meus direitos, eu quero o papel’. Esses so os piores. Se a delega- cia 56 atendesse bandido seria uma tranquilidade. O problema sito esses que chegam exigindo os direitos, quando 0 sujeito vera com esse discurso ja sei que vox ter dor de cabeca, Essses sao os que déo trabalho. O cara que chega aqui dizendo ‘eu sou cidadao, pago impostos ¢ conheco mens direitos’, esse arruma confusio. O bandido respeita a Policia, mas o cidadao név. Ele sé enxcerga 0 direito dele, mas nao 0 dever de respeitar a policia (Grifos nossos]. Revelou-nos, ainda, as dificuldades do trabalho do plantio em fun- Gio da excessiva demanda de trabalho e da pluralidade de casos que atendem. Além de atender uma comunidade muito populosa, a 6* DP é constantemente acessada pela populagao para soluco imediata de qualquer conflito, visto que é a presenca estatal mais préxima da co- munidade, tanto pelo trabalho investigativo e ostensivo da policia, quanto pela postura politica do delegado-chefe. Reclamou que, em fangio disso, os agentes do balcdo recebem um direcionamento da chefia para que sejam apenas “meros digitadores de ocorréncias”, utilizando pouco os saberes policiais para filtrar ¢ investigar os casos que realmente sejam crimes. Sao instruidos a registrarem o que apare- cer para evitar tensio com a comunidade. Quem trabalha no balcio tem que ter o perfil técnico de no se estressar. Eo pior € que tanto a chefia da delegacia quanto a direcao geral da policia quet que nds sejamos apenas registradores de ocorréncias. Policial no pode contestar ou olhar criticamente o que chega se niio quer tet proble- ma, Contestat o fato gerador cria tensio. O mais tranquilo é registrar ¢ enviar para a sessio investigar. Para acalmar os dnimos da pessoa. O plantio € 0 cartio de visita da delegacia. Entio tem que manter a imagem de competéncia. E, para isso, a gente tem que ser pedagogo, psicdlogo, tudo. Antes de procurar qualquer coisa eles procutam a dele- gacia. As-vezes chegam aqui com a cabeca aberta ainda, antes de ir pro hospital vem pra delegacia. Aqui é pior que o SUS. Contudo, nesse mesmo dia, pudemos observar dois casos no serem registrados pot nao se tratarem de crimes, segundo os agentes. O pri- 218 meito caso foi no inicio da noite, quando dois agentes do balcao tinham saido para jantar, o terceito estava com o delegado, e 0 balcao contava apenas com um agente. A delegacia estava tranquila até entio, mas, a partir das oito da noite, ficou muito movimentada em questio de segun- dos. O agente que havia ficado sozinho no balco, mal dava conta das chamadas do radio ¢ do telefone, quanto mais das pessoas que espera vam atendimento. Entao, chegou um senhor querendo registrar o furto da placa do seu carro. O agente, que estava realizando o atendimento de outto caso (além do telefone e do radio que nao paravam de tocar), disse-lhe que 0 sumico de placa de carro no era crime, nao constava no Cédigo Penal e que, por isso, nfo tinha nada que ser tegistrado. O senhor insistiu, dizendo que temia problemas futuros pela possfvel uti- lizagao de mé-fé de sua placa por terceiros. O agente foi, porém, itre- dutivel e disse que nao havia como registrar ocotréncias de problemas futuros e que estava muito ocupado naquele momento. O senhor de- sistiu e foi embora. Mais tarde, por volta das duas da manha, compareceu ao balcao da delegacia uma jovem de 24 anos, com lesdes no rosto e nos bracos, em fungio das agressdes que sofrera de sua companheira, com quem con- vivia ha dois anos na mesma casa. Por se tratar de um casal lésbico, foi notério o preconceito dos policiais. Os agentes disseram que nao iriam registrar a ocorréncia porque a jovem estava cheitando a Alcool e por- que ela certamente voltaria para a companheira no dia seguinte, sendo que de nada adiantaria a ocorténcia. O delegado, que coincidentemente estava no balcao, concordou em nfo registrar o fato em ocorréncia e encaminhou a jovem para convetsar conosco, “a psicéloga da delega- cia”, segundo ele. Conversamos com a jovem durante uma hora e ela nos pareceu consciente, com um discurso bastante coerente e sem sinais de embriaguez. Analise do fluxo de Justica no Distrito Federal Nesta fase da pesquisa, concentramos os trabalhos no levantamento € andlise dos dados estatisticos sobre os inquéritos policiais instaurados a partir das ocorréncias de homicidios dolosos registrados pela Policia Ci- vil do Distrito Federal no ano de 2004. Para isto, utilizamos as informa- Ges disponfveis no sistema de informagées do Tribunal de Justica do Distrito Federal e Territétios (IJDFT), do Ministétio Publico do Distri- to Federal ¢ Territérios (MPDFT) e da propria Policia Civil. A fim de realizar um levantamento de informagées mais detalhado dos inquéritos policiais, foram coletados os processos judiciais transita- dos em julgado e arquivados nos cartérios do 'TJDFT. Para isso, uma 219 equipe de pesquisadores percorreu os cartétios dos nove Tribunais do Juri existentes no Distrito Federal. Isto nos permitiu levantar informa- cées sobre os procedimentos adotados nos inquéritos policiais, os fatos relatados, as pessoas envolvidas, os tempos de tramitacio dos proces- sos, as decisdes tomadas no Ambito do Ministétio Publico ¢ na Justiga. Os inquéritos policiais Entre 2003 € 2007, foram instaurados 3.084 inquéritos policiais para apurar ocorréncias de homicidios dolosos no Distrito Federal. Destes, 2.753 foram-no pot meio de portatia para averiguar a autotia ¢ ma- terialidade do crime. Outros 331 tiveram sua instauracio em fungio de ptisdes em flagrante dos supostos agressores, conforme pode ser obset- vado na Tabela 2. No Distrito Federal, chama a atengdo o elevado mimero de inquéri- tos solucionados. Ou seja: dos inquéritos cujo relatério final confirma a ocorréncia do crime de homicidio e aponta 0(s) nome(s) dos supostos agressores. Conforme mostra a Tabela 3, foram solucionados, ao todo, 1.915 inquétitos, ou seja, 69,1%. Este percentual é bastante elevado, se comparado ao desempenho dos outros estados da federacio, onde o percentual de inquétitos solucionados nio ultrapassa os 10%. Os motivos desse desempenho extraordindrio ainda precisam ser es- clarecidos. A vatiével “tempo” nao parece ser capaz de explicar tal de- sempenho. Como mostrado no Grafico 3, 0 maior percentual de solugo ocorreu entre os inquéritos instaurados em 2005 (77,8%), indice superi- ot aos apresentados em 2004 e 2003. Os aspectos organizacionais tam- pouco explicam esse éxito, Até 2006, as investigagdes eram conduzidas inicialmente pelas delegacias circunscticionais. A delegacia de homicidios assumia os casos mais complicados. A partir de 2007, foi criada a Divi- sio de Homicidios. Apesar dessa mudanga organizacional, o percentual de inquéritos solucionados manteve-se estvel. Embora possua uma Policia Técnica muito bem estruturada, tanto em termos pessoais quanto em termos de equipamentos, é pouco pto- vavel que isto explique o desempenho das investigagdes sobre homi- cidios dolosos. Segundo entrevistas realizadas com agentes, delegados, petitos, promotores ¢ jufzes, boa patte do trabalho de pericia estd volta- do para confirmar a materialidade do crime. Pouco trabalho peticial é dedicado & verificagao da autoria do crime. Nesta pesquisa, trabalhamos com a hipétese de que o bom desempenho das investigages sobre ho- micidios dolosos no Distrito Federal esta relacionado ao tipo de conflito que gerou estas mortes, bem como ao padrio de relacio que se estabe- lece entre a policia e a populacio. 220 ‘Tabela 2 — Inquéritos policiais — portaria @ pris6es em flagrante. Homicidios dolosos (2003-2007). 2003 | 2004 | 2005 | 2006 | 2007 Total Portaria 568 556 | 523 | 540 566 2753 Flagrantes 65 69 72 61 64 331 Total 633 625 | 595 | 601 630 3084 Fonte: PCDF. Tabela 3 — Inquéritos policiais — portarias. Homicios dolosos (2003-2007). | 2003 | 2004 | 2005 | 2006 | 2007 Total Solucionados | 407 ais | 407 | 337 349 4915 Emapuraco | 179 141 116 | 203, 217 856 Total 568 556 | 523 | 540 566 am Fonte: PCDF. O Distrito Federal também aptesenta um nimero grande de prisdes em flagrante nos casos de homicidios dolosos. Entre 2003 ¢ 2007, con- forme vimos na Tabela 2, foram instaurados 331 inquéritos policiais a partir de pristo em flagrante do(s) suposto(s) agressor(es). A maior parte dessas prisdes foi realizada pela Policia Civil do Distrito Federal, confor- me mostra o Grafico 4. Resta saber se os inquéritos instaurados a partir de prisdes em flagrante sesultam em processos com fluxo de justica diferente. Analise dos inquéritos de homicidios dolosos Foram analisados os processos judiciais ctiminais referentes a0 cr me de homicidio doloso, transitados em julgado e arquivados, cujos in- quéritos policiais foram instaurados em 2004, no Distrito Federal. Con- sideramos tanto aqueles inquéritos que tiveram inicio por ocorréncia notificada pela policia, como os inquétitos que se iniciaram por priséo em flagrante. Pata a coleta de informagées, utilizou-se, ptincipalmente, de um questionario elaborado pela Fundagao Joao Pinheiro — FJP/MG, mas adaptado para a pesquisa no Distrito Federal. Embora os estudos de fluxo de Justica criminal sejam relativamente novos, existem variadas formas de montagem das bases de dados, con- forme apontam Misse ¢ Vargas (2007). Elas podem set montadas a 221 Giafico 3 — Inquéritos solucionados (%). Homicidios dolosos. 100 Fonte: PCDF. Grfico 4 — Flagrantes lavrados de homicidios dolosos (2003-2007). 2003 2004 2005 2006 2007 @ Policia Militar @ Policia Civil Fonte: PCDF. partir de levantamentos transversais de informagées existentes em dife- tentes instituices do sistema de Justiga Criminal. Outra possibilidade é acompanhar longitudinalmente o fluxo de pessoas ou papéis nesse siste- ma. Dada & dificuldade de acesso aos documentos produzidos pelas policias, algumas pesquisas tém valido-se de uma “abordagem longitudi- inal retrospectiva”. Neste caso, 0s dados so levantados de trés para frente, Ou seja: elege-se como base o ano do julgamento (ou arquiva- mento) dos ptocessos relativos a um tipo especifico de crime. Os dados so produzidos, a partir da andlise dos processos selecionados. 222 Neste estudo, adotamos uma “abordagem longitudinal prospectiva”. Analisamos a tramitagio dos processos a0 longo do sistema de Justiga Criminal, entretanto, acompanhamos o fluxo de justica do inicio para 0 final. Elegemos como base ano de instauragio dos inquéritos policiais teferentes aos ctimes de homicidios dolosos. A partir de uma relacio de inquéritos fornecida pela corregedotia geral da Policia Civil do Distrito Federal, buscamos os tespectivos processos aos quais esses inquéritos converteram-se. A partir da listagem desses processos, fomos aos arqui- vos do Tribunal de Justicga do Distrito Federal e Territorios (IJDFT). La coletamos informagées dos processos j4 arquivados. A Policia Civil do Distrito Federal registrou 556 homicidios no Dis- trito Federal em 2004, dos quais 311 originaram ptocessos judiciais. Destes 311 processos, 87 constam como arquivados ¢ possuem dados de arquivo no sitio do Tribunal de Justiga do Distrito Federal ¢ Territé- tios (EJDET, 2009). Os processos arquivados encontram-se distribut- dos em 10 das 12 citcunsctigdes judicidtias do Distrito Federal. Dentre os 87 processos analisados, 64 otiginaram-se de inquétitos policiais instaurados por portarias da PCDF, enquanto 23 sio frutos de inquétitos iniciados por autos de pristio em flagrante, conforme mostra a Tabela 4. Do total de inquéritos analisados, 68 (78,2%) foram denun- ciados pelo Ministétio Pablico. Do total de inquéritos denunciados pelo Ministério Pablico, 49 (72,1%) receberam uma sentenca de pronincia do juiz criminal e foram encaminhados ao Tribunal do Jari. Dos casos pronunciados, 22 (44,9%) receberam sentengas condenatorias privati- vas de liberdade. Vetificamos, portanto, que apenas 25,3% (22) dos inquétitos concluf- dos pela Policia Civil resultaram na condenagio do(s) indiciado(s). Os ntimeros no setvem para aferir a qualidade do trabalho da policia, uma vex que a atuagio do Ministério Publico, da Justica Criminal e do Tribu nal do Jiri também contribuiram para esse resultado. Por outro lado, as informacdes produzidas a partir desses dados permitem-nos refletir so- bre as interacdes entre trés atores importantes do sistema de Justia Criminal: 0 delegado, o promotor e 0 juiz. Como sabemos, 0 promotor é 0 titular da ago penal ¢, portanto, tem autonomia pata julgar se os fatos relatados no inquérito policial devem ou nao ser denunciados. Isto implica dizer que promotor e dele- gado podem divergir sobre os aspectos jutidicos dos casos apresentados. O mesmo acontece com 0 juiz criminal, que pode divergir sobre a intet- pretagio do delegado e do promotor e decidir nio pronunciar 0(s) acusado(s). As divergéncias entre os trés principais atores do sistema de Justiga Criminal sera objeto de nossa anilise nesta seco. 223 Tabela 4 — Fluxo de Justiga Criminal no Distrito Federal. Homicidios dolosos (2004) Forma de instauragao Denincia Pronuincia Condenagao Flagrante 24 | Sim 68 | Sim 49 | Sim Portaria 63 | Nao 19 | Nao 19 | Nao Total 87 87 68 TJDFT. Inquérito Policial | Ministério Piiblico | Justiga Criminal | Tribunal de Juri | éNB Font Conforme mostra a Tabela 5, em 81 (93,1%) casos 0 delegado suge- tiv, em seu relatorio final, a dentincia da(s) pessoa(s) indiciada(s) no inquétito, Porém, é interessante notat que em seis (6,9%) os delegados responsiveis pelos inquétitos sugeritam 0 arquivamento do proceso, por achatem que niio haviam evidéncias necessétias para a condenacéo do(s) acusados(s). ‘Os promotores decidiram pela dentincia em 78,2% dos casos anali- sados ¢, portanto, em 21,8% dos casos, promotor ¢ delegados divergi- ram sobre se as ptovas (testermunhas, depoimentos, pericias, etc.) pro- duzidas no inquérito policial eram necessatias ¢/ou suficientes para ates- tat a autoria e a materialidade do crime. Nestes casos, os promototes determinaram que 0 processo retornasse 4 policia. Na linguagem co- tidiana dos promotores, “decidiram pela baixa”. Conforme mostra a Tabe- la 6, em 47,4% dos casos, 0s promotores determinaram que se continuas- se a investigacio ¢ que fossem feitas novas diligéncias. Em 26,3% dos casos, solicitaram esclarecimentos de pontos da investigacio ¢ em ou- tros 26,3% requisitaram que a policia completasse a documentacao apresentada. Mesmo nos casos onde foi apresentada demincia, houve divergéncias entre as interpretacées de delegados e promotores. Em 23% dos casos, os promotores concluitam que os inquéritos apresentavam elementos juridicos necessarios e suficientes para a condenacao dos acusados, mas divergiram parcialmente dos delegados sobre aspectos como a tipifica- cio penal, a coautoria e mesmo sobre a materialidade dos casos. De qualquer forma, delegados e promototes concordaram integralmente em mais da metade dos casos (55,2%), conforme mostra a Tabela 7. ‘Analisando-se os inquéritos policiais, verificamos que em 93,1% dos casos foram solicitadas pericias. Poucos inquétitos (6,9%) foram conclui- dos sem © ajuntamento de laudos periciais. Em mais da metade dos casos (55,2%), foram verificados pelo menos dois laudos periciais. Cer- ca de 10% dos casos apresentaram mais de cinco pericias. 224 ‘Tabela 5 — Relatério Final — Delegado. Quantidade % ‘Arquivamento 6 69 Denuincia 81 93,1 Total 87 100,0 Fonte: TJDFT. Tabela 6 — Motivos do pedido de baixa (MP) Quantidade % Continuar investigagao 9 47,4 Esclarecer pontos 5 26,3 Completar documentagao 5 26,3 Total 19 100,0 Fonte: TJDFT. Tabela 7 — Parecer do Ministério Publico. Quantidade % Arquivamento 19 21,8 Dentincia integral 48 55,2 Dentincia parcial 20 23,0 Total 87 100,0 Fonte: TJDFT. Ao todo, foram identificados 175 laudos periciais, sendo pericia da cena do crime a mais frequente (38,2%), seguida do exame do corpo de delito (28,6%) ¢ do exame da atma de fogo (13,7%). Também foram verificados exames balisticos, exames imuno-hepatoldgicos, gra- folégicos e de residuos. Entretanto, a existéncia de laudos peticiais no inquérito policial nao assegura necessariamente a condenagio dos acu- sados, O ntimeto de testemunhas ouvidas ¢ relatadas nos inquéritos policiais variou bastante. O ntimero médio de testemunhas relatadas em cada in- quétito foi 5,6. Em quase 75% dos casos foram ouvidas até seis testemu- nhas, conforme evidenciado na Tabela 8, Apenas em um caso nfo consta- va o depoimento de qualquer testemunha. 225 Tabela 8 — Numero de testemunhas. Namero Frequéncia % % Acumulada | 0 1 4,2 14 4 2 2,3 34 2 8 9,2 12,6 3 20 23,0 35,6 4 12 13,8 49,4 5 9 10,3 59,8 6 13 14,9 74,7 7 5 5,7 80,5 8 2 2.3 82,8 9 4 47 874 10 3 34 90,8 12 2 2,3 93,1 14 3 3,4 96,6 16 1 1,2 97,7 20 2 23 100,0 Total 87 100,0 Fonte: TJDFT. Constam nesses inquétitos 489 depoimentos de testemunhas. Cetca de 75% das pessoas ouvidas testemunharam sobre os fatos ocorridos. Apenas 7,5% das testemunhas foram ouvidas para atestat 0 caratet dos indiciados. Ainda sobre as testemunhas, cetca de 75% tinham algum tipo de relagio com a vitima ou com o indiciado. Em 31% dos casos, as teste- munhas eram conhecidas da vitima e em 17% conhecidas do indiciado. Chama a atencio o clevado percentual de policiais ouvidos nos inquéritos como testemunhas, 25%. Apesar de os inquéritos frequentemente apresentarem laudos periciais e depoimentos de testemunhas como meio de prova, verificamos que a apreensio da arma de fogo é elemento fundamental para a prontincia ¢ a condena¢ao dos indiciados. Em todos os 39 casos em que a arma foi apreendida pela policia, 0 indiciado foi pronunciado pelo juiz ¢ levado ao ‘Tribunal do Juri para ser julgado (Tabela 9). Os tempos dos inquéritos de homicidios dolosos no DF A pesquisa também buscou analisar os tempos de tramitagao no Sis- tema de Justica Criminal do Distrito Federal dos inquétitos e processos judiciais sobre os crimes de homicidios. Em 80% dos inquéritos analisa- dos, a Policia Civil do Distrito Federal registrou o boletim de ocorténcia 226 Tabela 9 — Arma presa versus prontncia. Arma presa__|_Proniin. réu ‘Amma presa | Correlagao de Pearson 1 -,046 Sig. (2-cauda) , 674 N 87 87 Pronin. réu_ | Correlagéo de Pearson -,046 1 Sig. (2-cauda) 674 5 N 87, 87 Fonte: TJDFT. no mesmo dia em que aconteceu 0 ctime. Entre o registro do BO e a instauragio do inquérito a PCDF gasta em média oito dias. Certamente, esse tempo reduzido decorre das normas gerais de ago da PCDF que determinam a instauragio de inquérito policial em todos os casos de homicidios dolosos. Nestes casos nfo é realizada uma investigagéo pre- liminar como ocorte em outros tipos de crime. Em média, a PCDF leva 300 dias para concluir os IP’s sobre homi- cidios dolosos. Esse ptazo, no entanto, vatia consideravelmente entre os inquétitos instaurados por portatia e aqueles iniciados pela priséo em flagrante do autor. Conforme mostra a Tabela 10, nos casos de instaura- cio por portaria o tempo médio para conclusio do IP é de 412 dias, enquanto que nos casos de flagtante é de seis dias. No Distrito Federal, uma vez concluidos, os inquéritos policiais nao sio remetidos diretamente 4 Justica. Antes, eles sio encaminhados 4 cortegedoria geral da PCDF para a cortei¢io. Isto ocorre em 13 dias, em média, Somente depois de serem analisados do ponto de vista da forma juridica os inquétitos sio remetidos 4 Justica. Em média, esse procedimento leva 16 dias. Ou seja, antes de serem enviados a Justica, os IP’s levam cerca de 30 dias tramitando entre a delegacia, a cortegedo- ria e 0 cattorio do Tribunal. Entre o recebimento no cartério e o envio pata o Ministério Pablico, ha um ptazo médio de 11 dias. O Ministério Pablico leva cerca de 131 dias entre o recebimento do inquérito e a emissio do parecer (denincia, arquivamento ou cota mi- nisterial). H4 uma variacio quanto 4 forma de instauracao. Nos inquéri- tos otiginados por flagrante o tempo médio é de 67 dias e, nos casos de portatia, 152 dias, como mostra a Tabela 11. Uma ver tecebida a dentincia, 0 processo leva, aproximadamente, 293 dias até que o juiz pronuncie o acusado ou nao. Uma vez feita a pronincia, o Tribunal do Jari leva cerca de 254 dias julgar. Diferente- mente da policia e do Ministério Publico, tanto nas Varas Criminais 227 Tabela 10 — Tempo do inquérito policial: flagrante versus portaria. Flagr. X port. Média N Desvio padréo Flagrante 6.3182 22 5,70202 Portaria 412,6034 58 408,22182 L Total 300,8750 80 391,88413 Fonte: TJDFT. Tabela 11 — Tempo do parecer do Ministério Publico: flagrante versus portaria. Flagr. X port. Média N Desvio padréio Flagrante 67,2381 21 267,14807 Portaria 152,8871 62 291,98013 Total 131,2169 83 286,75714 Fonte: TJDFT. quanto no Juri, o tempo de tramitagio dos processos cujos inquéritos iniciatam por flagrante é ligeiramente maior do que naqueles iniciados por portatia. No caso das Varas Criminais, aqueles iniciados por flagran- te levam, em média, 295 dias para tramitar, ao passo que os instaurados por pottaria levam 291 dias. No Jiri, esse padrio repete-se: 290 dias para aqueles iniciados por flagrante e 231 pata os instaurados por porta- ria, conforme pode ser evidenciado nas Tabelas 12 ¢ 13. O Grafico 3 mostra dois padres distintos com relacdo 4 tramitagio dos inquétitos instaurados por flagrante ou portaria, Nota-se que ha dois padrdes diferentes. Tanto na policia quanto no Ministétio Publico, 0 flagrante tramita muito mais rapido do que a portaria. Ja nas Varas Criminais e no Tribunal do Juri esse padrao inverte-se: os flagrantes tramitam mais devagat do que as portarias. Consideracées finais Observamos que tanto agentes quanto delegados, promototes e jui- zes estabelecem ctitérios para selecionar os inquéritos que serio instau- tados ¢ que merecerio atenciio. Sem esta selecio de casos, o funciona- mento do sistema de Justica Criminal seria ainda mais cadtico. Ocorte que esta seletividade é feita sem atender a uma politica especifica ditada pela direcio-geral da PCDF, pelo MPDFT ou pelo ‘TJDFT. 228 Fe Tabela 12 — Tempo de prontincia — Justiga Criminal: flagrante versus portaria. Flagr. X port. Média N Desvio padrao Flagrante 295.4286 2 377,33441 Portaria 291,9167 36 266,11452 Total 293,2105 57. 308,40550 Fonte: TJDFT. Tabela 13 — Tempo de sentenga — Tribunal do Juri: flagrante versus portaria. Flagr. X port. Média N Desvio padrao_| Flagrante 290,4211 19 43584622 Portaria 231,7333 30 253,14531 Total 254.4898 49 332,84676 Fonte: TJDFT. Grafico 3 —Tramitago dos inquéritos — por instituigao: flagrante versus portaria. Portaria Flagrante Justiga Criminal Portaria Flagrante Policia Civil 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 Dias Fonte: TUDFT. ‘Além disso, dada a falta de diretrizes institucionais pata proceder a selegio, com frequéncia ocorre que os temas priotizados pelos delega- dos no coincidem com aqueles escolhidos pelos promotores. Os juizes também fazem suas escolhas, mas estas nfio seguem necessariamente a logica de seletividade do Ministério Pablico. Em suma, existem diferen- tes filtros no sistema de Justica Criminal do Distrito Federal, que se- 229 guem diferentes légicas e o resultado disso é a auséncia de uma politica criminal coerente. Em fungio disto, dificilmente o inquérito policial constitui-se em uma ferramenta de controle da atividade policial. Como disse um juiz, “o promotor s6 denuncia quem 0 delegado quer, ¢ o juiz s6 condena quem © delegado quer”. De fato, 0 contato de juizes e ptomotores com a atividade policial é formal. Ou seja, dé-se fundamentalmente por meio do inquérito policial e do processo criminal. Hé relatos de delegados lotados em delegacias especializadas cujas regides sfio nfo raro escolhi- das pata a tealizacio da ptisio em flagrante em fungio dos promotores que esto lotados naquelas Vatas Criminais, Inquérito policial e investigacao no Distrito Federal Em uma delegacia citcunscricional do Distrito Federal, apenas nos casos de flagrante ou homicidios dolosos os inquétitos sio obtigatoria- mente instautados. Nos demais casos, cabe ao delegado-chefe verificar se no boletim de ocorréncia j4 existem elementos de prova necessérios pata a conclusio de um inquérito. Via de regra, nos casos onde esses elementos nao estio presentes, os inquétitos nZo so instaurados. So- mente em casos excepcionais procede-se a investigacio preliminar para levantat novas informagées. Estes casos excepcionais referem-se 4 na- tureza da vitima ou 4 repercussio do crime. Em tesumo, é a logica jutidica que rege a selecio dos casos a serem instaurados inquétitos. Existindo elementos jutidicos suficientes, instaura-se inquétito, se nao arquiva-se a ocorréncia, Ja nas delegacias especializadas, getalmente, ptimeito procede-se a investigacao criminal, realizam-se escutas telefd- nicas ¢ campanas. Uma vez feito o levantamento de informacées, defla- gra-se uma opetacio policial, cujo objetivo é a prisio em flagrante dos suspeitos. $6 depois do flagrante que o inquétito é instaurado. Delegados, juizes e promotores Ao longo da pesquisa, constatamos que ha pouco contato entre poli- ciais e magistrados. Na verdade, a maior queixa dos magistrados é exa- tamente a falta de engajamento dos policiais nos processos que resulta~ ram dos inquéritos elabotados por eles. Normalmente quem compatece diante do juiz sio os agentes encattegados da investigagao. Esse tipo de atividade é uma das que mais tomam o tempo dos investigadores. De forma geral, os contatos entre os promotores e os delegados de policia sio distantes e formais. Somente pot iniciativa pessoal de um deles, esses contatos passam a ser mais diretos e sistematicos. Quando 230 existe coincidéncia entre delegacias e promotorias especializadas (e., meio ambiente), esses contatos se tornam frequentes, sistematicos. Nes tes casos especiais, os problemas relacionados aos IP’s sio rapidamente resolvidos, bem como se estabelece um padrio de provas necessarias 4 efetivagao das demincias. Como sabemos, 0 promotor é 0 “titular da agdo penal’ e, portanto, tem autonomia para julgar se os fatos relatados no inquérito policial devem ou nao set denunciados. Isto implica dizer que promotor e delegado podem divergir sobre os aspectos jutidicos dos casos apre- sentados. Os ptomotores decidiram pela demincia em 78,2% dos ca- sos analisados. E, portanto, em 21,8% deles, promotor ¢ delegados divergiram a respeito de se as provas (testernunhas, depoimentos, pe- ticias, etc.) produzidas no inquérito policial eram necessérias e/ou su- ficientes para atestar a autoria e a materialidade do crime. Nestes ca- sos, 0s ptomototes determinaram que o processo retornasse 4 Policia. Na linguagem cotidiana dos promotores, “decidiram pela baixd”. Con- forme mostrado, em 47,4% dos casos, os ptomotores determinaram que se continuasse a investigacio e que fossem feitas novas diligéncias. Em 26,3% dos casos, solicitaram esclarecimentos de pontos da inves- tigagiio e em outros 26,3% requisitaram que a policia completasse a documentacio apresentada. Os pedidos de “baixa” sio umas das maiores fontes de insatisfagao dos delegados com os promotores. Esses pedidos seguem pelo menos trés razGes distintas: falta de convicgao do promotor, inquétito mal ela~ borado ¢ administragio da demanda de trabalho. Sobre esta tltima ra- zo dos pedidos de baixa, constatamos que ao fazerem os IP’s retorna- tem pata a policia, os procuradores frequentemente estiio administran- do sua demanda de processos. Dependendo do tipo de crime, os promo- totes solicitam novos trabalhos da policia como forma de ganhar tempo € mais adiante evocar a chamada “prescrigiio em perspectivd”. Ou seja, dado © tempo ja decorrido e avaliando o tempo que o processo ira tramitar, 0 Promotor sugere que, quando 0 caso finalmente for julgado, muito pro- vavelmente ja tera prescrevido. Fluxo do inquérito na policia No ano de 2008, foram registradas na 6" DP algo em torno de 9.000 ocorténcias, conforme nos informou o responsavel pelo banco de da- dos. Todavia, foram instaurados apenas 1.000 IP’s, sendo 310 por fla- grante delito e 704 por portatia. Consultando 0 livro de registros (vulgo “Tombinho”), obsetvamos que, em 2009 (até 5 de fevereiro), jé haviam sido instaurados 97 IP’s, dos quais 33 por flagrante 64 por portaria, 231 en EEErNCeeeE eT Estes inquétitos sao distribuidos entre os cinco delegados incumbi- dos de despaché-los. Feita essa distribuicao, cada delegado tem sua for- ma especifica de trabalho. O elevado mtimero de IP’s a serem telatados acaba por condicionar todo o funcionamento de uma delegacia de poli- cia. As escolhas ¢ os ptocedimentos adotados numa delegacia circunscti- cional destinam-se, via de regra, a administrar 0 volume de trabalho acarretado pela instauragio desses inquétitos. Ao contrario de outras unidades de federagdo, no Distrito Federal no ha uma central de inquétitos no Ministétio Pablico ou no Judiciario, Entretanto, a fim de otimizar sua tramitagio, os inquéritos e os proces- sos judiciais s6 sio analisados de fato pelo Judicirio e pelo Ministério Pablico quando ja se encontram concluidos, Nem os pedidos de pedidos de prorogagéo de prazos nem os ped dos de arquivamento so analisados pelos juizes. Em alguns foruns, jui- zes e promototes tém acotdos informais para agilizar estes procedimen- tos. Na pritica, os inquéritos sao enviados direto do cartério dos féruns para o MP. Entretanto, o papel do cartétio no fluxo do IP nio pode ser desptezado. No DF, os cartérios classificam os inquéritos de acordo com os tipos de crimes, tipos de vitimas, se hé réu preso ou nao. Para isto, os inquéritos ganham tarjas de cores diferentes. A tarja vetmelha indica que naquele inquérito ha réu preso, Este trabalho tem grande efeito sobre o trabalho do MP, pois é em fungio desta classificagio que o MP organiza sua ordem de priotidades, A efetividade do inquérito policial No Distrito Federal, chama atengio a atengiio o elevado ntimero de inquétitos solucionados. Ou seja, dos inquéritos cujo telatério final con- firmou a ocorténcia do ctime de homicidio ¢ apontou 0(s) nome(3) do(s) suposto(s) agressor(es). Conforme mostrado na Tabela 3, foram solucionados, ao todo, 1.915 inquéritos, ou seja, 69,1%. Esse percentual € bastante elevado se compatado com o desempenho dos outros mem- bros da federacéo, nos quais o percentual de inquéritos solucionados nfo ultrapassa os 10% O bom desempenho das investigades sobre homicidios dolosos no Distrito Federal esta relacionado ao tipo de conflito que gerou estas mottes, bem como ao padrio de relagao que se estabelece entre a poli- cia ¢ a populagio. A maior parte destes homicidios refere-se a conflitos entre pessoas conhecidas cujo resultado muitas vezes é a morte de uma das partes. Essas situagdes compreendem conflitos entre cOnjuges, pa- rentes, amigos, vizinhos e colegas de trabalho. A investigacio deste tipo 232 em de crime é feita caso a caso, ouvindo testemunhas das vitimas e dos agressores. As técnicas de investigacio de homicidio sto aprendidas no cotidiano da atividade policial. Além disso, no caso do Distrito Federal, hé uma diretriz pata que se instaure imediatamente inquérito policial em todos os casos de homicidios. Nos outros tipos de crime, a investigagio é mais dificil. As informa- Ges existentes necessitam de uma anilise criminal que frequentemente demandam tratamento estatistico. Apesar da sua importancia pata o tra- balho de policia, a atividade de investigagio tecebe pouca atencio dentro da PCDE A Academia de Policia Civil dedica apenas 20 horas do seu curticulo a investigagio policial. Apesar deste bom desempenho no que diz respeito a investigagao dos crimes de homicidios, a efetividade do trabalho policial € baixa. Ou seja, mesmo tendo sido “solucionados”, o ntimero de inquéritos que resultaram sentengas condenatérias é pequeno. Dos 87 processos que analisamos, apenas 25,3% (22) resultaram na condenagio do(s) indiciado(s). Os mimeros nao servem para aferit a qualidade do traba- Iho da policia, uma vez que as atuagdes do Ministério Puiblico, da Justica Criminal e do Tribunal do Juri também contribuiram para esse resultado. Esta baixa efetividade pode ser explicada pelo valor das provas pro- duzidas pela policia e juntadas ao IP. Tanto para juizes quanto para promotores o inquérito bem feito é aquele que tras provas “contunden- tes” e informagoes titeis para a apreciagio do caso na Justiga. Boa parte dessas provas e informagées estio contidas no relatério de investigagao clabotado pelo agente chefe da seco de investigacio. Para os delegados de policia, um inquérito bem feito traz, além das provas ¢ investigacées, elementos necessirios 4 instrugdo. Ou seja, elementos juridicamente vi- lidos para serem utilizados no processo criminal. Saberes policiais e saberes juridicos Talvez esta seja a grande questo relativa a0 inquérito policial. Os tipos de saberes necessétios & sua confeccio e a disputa entre esses diferentes sabetes. Certamente, ha necessidade de conhecimentos jutidi- cos para realizar investigagdes capazes de produzit provas que possam instruir os processos ctiminais. Ou seja, provas com validade juridica. Entretanto, parece bastante questionavel a necessidade de um bacharel em diteito pata realizar este trabalho. Mais ainda, a exigéncia desse tipo de bachatel acaba por conferir caréter hegeménico dentro da institui¢ao policial a um tipo de saber diferente dos saberes policiais. Assim as ativi- 233 dades de investigacio, policiamento comunitario, atendimento a grupos especificos (mulheres, criancas, idosos) e a administragio de conflitos acabam tornando secundarias dentro da Policia Civil. A confeccio do inquérito policial, e mais especificamente do seu relat6rio final, parece sef a principal atividade numa delegacia de policia. Trata-se, pottanto da imposigio de um tipo de saber, tipico do campo juridico, a uma institui- cio pertencente ao campo policial. Segundo nossos interlocutotes, cxistem uma variedade de papéis atividades exercidos dentro de uma delegacia de policia citcunscricio- nal. Esses papéis requerem diferentes tipos de saberes: juridicos, admi- nistrativos e policiais. A divisiio pragmatica com relagio ao desempe- nho dos “tipos de saberes” (juridicos, policiais, administrativos), contu- do, é bastante visfvel, variando nao somente com relacao 4 repatticio onde o sujeito trabalha, como também de acordo com sua posicio hierarquica e funcional. Pudemos observar os delegados ¢ esctivaes de policia mais voltados a0 desempenho dos ditos “sabetes jutidicos” e alguns poucos agentes de policia para os “saberes policiais”. Quanto aos “saberes administrativos”, so esses dominados por quase a totali- dade dos sujeitos. Afinal, 0 proprio modelo do inquérito policial incor- pota uma gama enorme de procedimentos também administrativos, como tramites e “cargas”. Na 6* Delegacia de Policia, de um total de 68 policiais, 22 (33,3%) se dedicam a atividades que requerem saberes tipicos de policia. Des- tes, apenas 13 (19,7%) policiais exercem atividades relacionadas 4 in- vestigacao, os outros nove exercem atividades de policiamento comu- nititio (SPCom), atendimento As mulheres vitimas de violéncia do- méstica (SAM) ¢ administragdo de conflitos (SIC — Menor). Embora sejam atividades que requerem saberes policiais, ndo esto relaciona- das & investigacio. ‘A necessidade deste tipo de saber, materializada na figura do bacha- rel em diteito, tem sido justificada de duas formas pelos delegados de policia. Em primeiro lugar, cle seria necessatio para instruir o inquétito, ‘ou seja, transformar o relatério de investigac¢io em pega de instrugao ptocessual. Tal justificativa é frequentemente posta em diivida por jui- zes, ptomotores e agentes de policia, como vimos anteriormente. Outra fungio a ser desempenhada pelo bacharel em diteito esta- ria relacionada ao controle da atividade policial. Dadas as peculiari- dades do trabalho do agente de policia, proximo demais aos fatos exigiria um tipo especifico de controle juridico. Os delegados tealiza- tiam o ptimeiro filtro juridico do trabalho dos agentes, seguidos pe- los promototes e juizes. 234 Aqui parece que h4 uma confus%o quanto ao controle da atividade policial. Nao hé divida da importancia do controle da atividade policial, entretanto, o controle juridico desta atividade é muito pouco efetivo. Juizes € promotores reconhecem que seu nivel de controle sobre a ativi- dade policial é muito baixo. O controle exercido pelos delegados pode, de fato, set mais eficiente, mas nao por causa dos sabetes juridicos, mas sim pela figura do supervisor ou chefe. Ocorre, como disseram alguns delegados ¢ agentes, dado o distanciamento entre delegados e agentes, esta supervisdo torna-se muito precaria. Promotor 3: A minha tese, ¢ eu levo essa tese para todos os congtessos, principalmente quando tem delegados, é a seguinte: que um dos gran- des ertos da Constituicio foi dar a presidéncia do inquérito policial pata bacharéis em direito. Nés no precisamos de bachatéis em direito na delegacia. Nos precisamos de economistas, contadores, psicdlogos, ana- listas, engenheitos, nio é€? Porque a atividade policial investigativa é uma atividade ldgica. Nao hé nada no mundo que associe raciocinar logicamente com conhecimento juridico. Aliés, o conhecimento juridico necessério pata ser delegado é a capacidade de ler dez attigos do Codigo de Proceso Penal e conversar com um promotor de justica. Juiz 1: Bu acho que a figura do delegado de policia, numa reforma, pode muito bem a ser condensada na figura do promotot. Os delega- dos nfo gostam quando ouvem isso, os promotores odeiam quando ouvem isso, mas 0 ponto que nés estamos caminhando, a figura do delegado esta ficando absolutamente desnecessaria. O Ministétio Pabli- co podia assumir de -vez a investigacio, e ter um figurante a menos nessa estrutura toda. Referéncias bibliograficas CAPEZ, F, (2003). Curso de processo penal. 9 ed. Sio Paulo: Saraiva. DAS, D.e PALMIOTTO, M. (2002). International Human Rights Standards: Guidelines for the World’s Police Officers. Police Ouarterh, vol. 5 (2). DAVIS, K. (1971). Disretionary Justice: A Preliminary Inguiry. 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Estes pesquisadores participaram de todas as etapas da pesquisa, sendo os dois tiltimos responsaveis, dentre outras atividades, pela realizacio das etnogtafias em uma delegacia de Policia Civil do Distrito Federal. No curso da pesquisa, outros pesquisadores foram convidados a com- pot a equipe. ‘A segunda etapa, relativa a montagem da base de dados sobre os inqué- titos policiais, foi realizada pelos seguintes pesquisadores: Rodrigo Fi- gueiredo Suassuna (responsivel), Raquel Guimaraes Silva, Ana Paula Zanenga de Godoy, Leonardo Gabtiel Assis ¢ Claudio Ricardo Moraes. Para a terceira etapa, realizacao de grupos focais, optamos por contratar empresa especializada na aplicagio desse tipo de técnica. De tal manei- ra, contamos com a colaboragio da SOCIUS — Consultoria Junior em Ciéncias Sociais, integrada por alunos(as) da graduagio em Ciéncias Sociais, da Universidade de Brasilia. Todos os grupos focais foram supervisionados pela primeira equipe de pesquisadotes antetiormente mencionada. 236

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