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As independéncias na América espanhola PARA PENSAR HISTORICAMENTE { 4 José de San Martin eu exér- { cito cruzando a Gorditheira dos | Andes, em 1817. Quadro de | 1890, de Augusto Ballerini Américas e seus processos de independéncia Em 2010, ocorreu uma série de eventos comemorativos referentes a0 Bicentendrio da Independéncia da América espanhola. As efemérides favorecem embates em torno da meméria e da histéria, além de possi- Dilitar reavaliagées nas experiéncias latino-americanas, Somos acostu- mados, desde pequenos, a ter determinadas vis6es sobre 0 nosso pats ¢ outras visdes ainda sobre os paises vizinhos. Embora conhecamos mal sua historia, nos achamos no direito de definir o “cardter nacional” eo comportamento dos habitantes dos outros paises da América. De acordo com 0 fildsofo biilgaro Tavetan Todorov, o conhecimento pode conduzir 4 compreensao ¢ & comunicagao nao violenta, Para isso, nada melhor que comegar pelo surgimento dos atuais estados nacionais latino-americanos e pensé-los em comparagto com o processo de surgimento do Brasil. Em que medida o processo de independéncia na América espanhola foi diferente do ocorrido na América portuguesa? E hoje, o que nos une ‘aos demais paises latino-americanos e o que nos separa deles? A CRISE DO IMPERIO COLONIAL ESPANHOL No decorrer do século XVII, @ autoridade do governo espanhol sobre suas colénias Exclusivo comercial na América foi s@ tornando cada vez menor. Nessa época, a Espanha nao possuia prética mercantista que garentaa unametépole _“avi0s suficientes para fazer a fiscalizagao de todo 0 litoral de suas coldnias. Assim, 2 monopéto comercial da 8 colonos conseguiam comercializar com outros Estados europeus, contrariando o suse colias. exclusivo comercial, caracteristico do colonialismo mercantilista, Nesse contexto, 0 comércio entre as colénias espanholas foi liberado gradativa- mente. O aumento da circulagdo de mercadorias entre as colénias proporcionou mais lucros para os comerciantes, que em sua maioria eram criolfos. © enriquecimento das elites criollas, porém, nao veio acompanhado de maior participagao politica. Os cargos mais importantes, como os de vice- Em 1700, 0 toro espanol pas- | -tel, capitdo-geral e arcebispo, continuaram sendo ocupados apenas pelos Ginestia, 2 dos Bouton Agee | Chapetones, isto 6, pessoas nascidas na Espanha e que residiam nas colo- inestia, @ dos Bourbons. Alguns ris desea dinastia empreendoram | Nias. A insatisfagao dos criolios com essa situagdo aumentou no fim do fetormas no Estado espannol, as século XVIll, quando a Espanha, envolvida em guerras na Europa, aumen- «uals permite © dessavolvimento tou a cabranga de impostos. 8 um peaueno comércio entre as Colérias, Além disso, eles promove- Fam a modemizagao das institu | ‘:0€8 Imperais © nomearam novos funclonarios para as coléniae, com | © objetivo de melhorar a gestdo das | finangas do governo © aumentar © controle sobre elas, relorgando 0 poder da Monarquia espanhola & © sistema de arrecadagio dos im- postos colonia, As reformas dos Bourbons » Pintura cue representa a praga do ‘mercado em Buen0s Aires, no Vice-eino ‘do Flo Pata, na inicio do sdculo XIX. Ness praca ficava a adminstragao ‘municipal, 0 Cebiéo, un érgdo doinedo elas elites cnotas, que lideraran os Imovmentos e independncla, @ CNP Grea. eiadepenaen nerica éspanhols'é|portliguesd "| 1817 1816 Independtnea Incependncia do Pregia 8 argentine ; a 7 1808 1810 1815 Transforencia da Corte Assinatura dos tatedos que beneficiram —_O. Joto eleva o Brasil & condigdo de Portuguesa para 0 Brasil, a Inglaterra no coméreio com 0 Bras Fino Unido a Portugal e Algarves, A deposicéo do rei espanhol Entre os anos de 1807 e 1808, 0 exército do impera- dor francés Napole&o Bonaparte invadiu a peninsula loérica com 0 abjetive de efetivar 0 Bloqueio Continen- tal ¢ impedir que Portugal continuasse a manter rela- ‘9088 comerciais com a Inglaterra. Nessa ocasiao, 0 rei espanhol, Fernando Vil, foi deposto, preso @ levado para o exilio na Franca, A Coroa espanhola ficou sob intervengao francesa e, or isso, entrou na guerra contra os ingleses, ao lado da Franca, Como a Inglaterra possula a maior frota de navios da época, ela conseguiu fazer um bioqueio na- val 20 continents curopeu e, com isso, a Espanha aca- bou ficando isolada de suas coldnias na América, Para contornar o bloqueio naval inglés, a Espanha se viu obrigada a liberar 0 comércio de suas coldnias com paises nao envolvidos nas querras napoleGnicas. A A sinura 0s fetonanas i ‘ : 0 Ts Msi, do Nas col6nias espanholas da América, as noticlas da queda do rei e da maior liber- aie ion Gace para comerciaizar seus produtos, sem ter que se submeter 2o exclusive comer gap'hnan nn lal praticado pela Espanha, fizeram aumentar © desejo dos colonos de lutar por sua _reprecaraeapanos, we independéncia. As elites coloniais, entéo, organizaram-se em juntas governativas {entaram resist & vast i z ; a trpas co exc de Gus: Principio, abenas resistiram @ dominagdo francesa, tontando ampliar sua relati-- toh ie va autonomia politica. Mas, com 0 retorno de Fernando Vil ao trono espanhol, em gad Si 1814, a politica absolutista © repressora voltou a vigorar, fazendo que o sentimento Separatista adquirisse ainda mais forga na América espanhola Influéncigs europeias e norte-americanas ] No final do século XVI, mecca cue os erncipios uministas eram difundidos nas coldnes espanno- las na Améica, 0 ideal de independéncia dos colonos foi se fortalecendo. As erticas luministas ape mo Ulolos police © econdmico quo vigoravam na Europa foram bem recebidas pelos eolonas americanos. A Revolugdo Francesa, que adotou as idles lluministas, também influenciou no processo de independésce des colénias espantolas © portuguesa na América, ‘Além disso, « Revolugao Americana representau um exemple bem-sucedido de revolugae liberal contra © dominio metroportano europeu 0 criou um precedente animador para os colonos espanhdis, pos, se @ | Pederosa @ industrial Inglaterra havia perdido suas colénias da América do Norte, o mesmo povenia aoom | {cer com a Espanha, cuje poder econémico e militar estava em dactino, 1818 1819 1821 Independéncia Independéncia da Independéncia do México, que 1822 1824 1825 1828 do Chile. Venezuela @ ds Colimbia, anetou Guatemala, Honduras, Independéncia Independéncia Independéncia Interetrla gue anexou o Panamd. ‘Salvador, Nearéqua 8 Costa Rica. do Equador. do Peru, a Bolivia, to Ungual Tn Cn a a 18220 18231828 1825826 aay a2 1817 1821 1822 1823 Rovolugto D. so20 VI tetorra” Pedro precizma 2 Indapendénca do Brasi, Expulso das tropas portuguesas d Bahia (ibertagdo Pemambucana. para Portugal. Drovocando as querras de independéncia, de Salvador) e do Piaul (Batalha do Jenipapc), + As incependéncias na América @ AS INDEPENDENCIAS NA AMERICA ESPANHOLA No final do século XVill, as condi¢&es de vida das pessoas pobres na América es- Panhola eram precarias, e grande parte da populagao era obrigada a realizar trabalhos pesados nas lavouras e nas minas para se sustentar. Nesse contexto, surgiram diver ‘Sas manifestagdes populares de insatisfag&o contra 0 governo espanhol, nas quais 0 Povo reivindicava melhores condigées de vida, Essas manifestagdes, promovidas es- Esta de Tpee Senoialmente por indigenes e mestizos, tinham um cardter mais social do que politica, ag (enone © foram duramente reprimidas pelas tropas espanholas. Os primeiros levantes populares Em 1780, um movimento popular liderado pelo indigena José Gabriel Noguera, mais conhecido como Tupac Amaru lI, repercutiu em diversas regides do Vice-reino do Peru. Ele se Gizia descendente de Tupac Amaru |, 0 tiltimo soberano inca @ enfrentar os conquistadores espanhéis, ainda no século XVI. Por esse motivo, a figura desse soberano inca vinha ins- Birando movimentos indigenas de varias regides da América contra a dominagéio espanhola Uderados por Tupac Amaru II, os revolucionarios ataca- ram os corregidores, saquearam as obrajes e ocuparam aldeias. No inicio, esse levante popular teve a participacéio de alguns criofos que estavam insatisteites com © governo espanhol, principalmente por causa do aumento dos impos- tos. Porém, muitos deles, assustados com a violéncia que se espalhava, decidiram apoiar a Coroa espanhola no combate a0 levante, buscando, com isso, preservar seus interesses, Ap6s varios conflitos, 0 movimento se desintegrou @ seus lideres, incluindo Tupac Amaru II, foram executados. O apoio das elites A medida que 0 Estado espanhol se mostrava mais tragilizado e que os ievantes: carepidor das camadas populares tornavam-se mais frequentes e mais intensos, as elites colo a4 pate ee niais Passaram entao a apoiar a independéncia de suas colénias como uma maneira Boroaamon Ge proteger seus interesses. Apesar de iutarem pela liberdade politica « econdmica obra inegena, das coldnias, os membros das elites criollas procuraram manter a estrutura social vi. gente, A partir de 1810, eclodiram as insurreigdes pela independéncia, primeiramente nas capitanias da Venezuela € do Chile no Vice-reino do Rio da Prata (0 qual correspon- de 808 atuais territérios do Paraguai, Urugual, Argentina ¢ Bolivia) Entre os lideres que ‘comandaram os movimentos de independéncia dois se destacaram: San Martin ¢ Si mén Bolivar, A.independéncia do Haiti A primeira coléria da América Latina a conauister a omancipagao politica foi o Hail (antiga colonia tar ‘ce8a de Santo Domingo). No final do sécvlo XV, sob influtncia das ideias luministas, os escravos halons assaram a delendarideais de lbercade @ a discutr a aboliggo da escraviddo. A partir de 1781, eclochons varios movimantos revoltosos formados por escravos e ex-cocravos. Em 1804, em um grande levante, ee ‘evoltosos massacraram a elite banca, tomaram o poder e proclamaram a indopandencis de Halt AS noticias sabre a viokincia eo sucesso das lulas de independéncia do Halti preocuparem as elites escravistas das colénias espantolas ® portuguesa, que temiam lovantes semelhantes, Esse modo dec elites com relagdo a um possive| levante dos escravos ficou conhecide como “haitian'smo” PREPARANDO 0 CENARIO DAS INDEPENDENCIAS © desenvolvimento econémico capitalista, o triunfo do liberalismo, o imperialismo e uma grande efervescéncia nacionalista e socialista na Europa, que vocé estudard no préximo capftulo, também envolve- ram as Américas no século XIX, seguindo, porém, as peculiaridades histéricas regionais. Conquistadas e colonizadas por europeus, as Américas (do Sul, Cen- tral e do Norte) exerceram um papel decisivo no de- senvolvimento capitalista ocidental, especialmente com o crescente e volumoso comércio transatlantico e, mais tarde, entre o norte e sul do proprio conti- nente americano. 4 Gravura de 1818, de Emeric Essex Vidal, representando o ‘mercado piblico em Buenos Aires, Argentina, VICE-REIADO DE NOVA GRANADA. race. ae : vice-Reiaoo are PERU, SRR, er ee Na passagem do século XVII para o XIX com 0 declinio do Antigo Regime, o liberalismo politico e econémico forneceu a base ideolégica para a supera- ao definitiva dos entraves ao progresso capitalist Enquanto os Estados Unidos lutavam por sua inde- pendéncia, as metrépoles ibéricas continuavam en- volvidas com as praticas mercantilistas e colonialistas, que dificultavam o livre comércio e o desenvolvimento manufatureiro, condigées fundamentais para a auto- nomia eo sucesso econdmico no mundo da época. Na Espana, 0 reinado de Carlos III (1759-1788) foium exemplo de despotismo esclarecido, assumin- do medidas direcionadas para modernizar a adminis- tragio, com a fundagao de escolas, a expulséo dos je- suitas, 0 estimulo & produedo e ao comércio e, diante da rivalidade com a Inglaterra, o apoio aos revolucio- narios norte-americanos na guerra de independéncit Com Carlos Ill, houvea reorganizagao do sistema fiscal 0 fortalecimento das regras do comércio monopolis- tacom as colénias, além da intensificagao do combate a0 contrabando de produtos industrializados ingleses. O resultado foi um aumento do custo de vida nas colé- nias, gerando crescente insatisfago contra a Espanha de CarlosiIle,em seguida, contra seusucessor Carlos IV (1788-1808). Quando as tropas napoleénicas invadi- ram Portugal e ocuparam a Espanha, enfraquecendo as metrépoles e desencadeando o processo de inde- pendéncia da América Latina, os colonos jé haviam organizado diversas manifestagées contra a dominagao ibérica. Os criollos, membros das elites his- pano-americanas, ‘desejavam romper ) com a metrépole monopolista, que Ihes dificultava as transagGes mercantis, so- bretudo com a Inglaterra, principal polo econémico do mundo. Para os colonos, a coroa espanhola restringia os setores produtivos, além de limitar o acesso aos cargos administrativos e politicos. Para a Inglaterra, contudo, interessava a in- dependéncia das colénias, uma vez que | f *"Socs hive eliminaria as barreiras monopolistas co- fo merciais e ativaria novos mercados, in- i i] . dispensdveis ao seu progresso industrial. : { Criollos e ingleses tinham, portanto, in- | Mineragae 1 2m _ teresses comuns, que convergiam para 0 ELD Cana-ce-agicar ‘is mesmo objetivo: a independéncia das co- Ionias espanholas na América. @amm:,.~ San Martin e as independéncias O crioflo argentino San Martin liderou os movimentos pela in- dependéncia na Argentina, Chile e Peru. Ele planejava criar Esta- 8 independéncias na América espanhola dos independentes na América, cada qual governado conforms fe os interesses da populagao. {ae Martin comegou a liderar as lutas pola independénciana Ar sas gentina em 1813, consolidando-a em 1816. No comando do a Exército dos Andes — corporagdo militar formada por tropas da regio de Cuyo, no ceste argentino —, cruzou as monta- has andinas @, com o auxilio dos soldados chilenos, conquis- tou a independéncia do Chile em 1818. Depois disso, partiu com suas tropas para 0 Peru, tornando 0 pais independente em 1824, Leia o texto. Em 1820, San Martin partiu do Chile, juntamente com o marinheiro e aventureito inglés lorde Cochrane, para libertar o Peru do dominio espanhol. San Martin conseguiu conquistar Lima e tornou-se protetor do Peru (1821), mas ainda estava longe de derrotar os exér- citos espanhéis. Ele precisava, na verdade, de apoio ex- terno para vencer definitivamente os espanhdis, que vei de Simén Bolivar. ‘BARBOSA, Aloande de Fetas. A independéncia dos pases ‘a Artie Latina, S80 Paulo Savana, 1997p. 36-37 Sim6n Bolfvar e a paz continental ‘Ao norte do continente, o militar Simén Bolivar comandou as tropas que lutaram © conquistaram @ independéncia da Gra-Colémbia, que corresponde aos atuais territérios da Vene- zuola, Equador, Colémbia, Bolivia, Peru e Panama. Bolivar defendia a centralizagao do poder, @ acreditava na necessidade de um poder forte © Unico formado por paises independentes, mas solidérios entre si, @ que formassem uma confederagao. Bolivar queria constituir uma grande nagéo latino-americana, incluindo a Repiblica da [Gra-Colombial ¢ o resto da América espanhola. Em 1826, organi zou 0 Congresso do Panama, embriéo para que a América de origem espanho- la se transformasse em um tinico pais, Esse projeto, porém, nao se concretizou. BARBOSA, Aleande de Feta. A Indopendéncia dos palees da América Latina. Séo Pau: Saraha, 1997.32 Enquanto as colénias da América Latina conquistavam sua independéncia, a elite agraria de Pernambuco, no Brasil, estava descontente por diversos motivo: a falta de representatividade no governo central, 0 aumento de impostos @ a di- minuigao do prego do agicar que produziam, por causa da concorréncia com 0 agiicar produzido pelos holandeses nas Antilhas. Influenciados por ideias iluministas ¢ motivados por ideals republicanos, os pernambucanos promoveram um movimento revolucionério. Eles invadiram a ci- dade de Recife e assumiram 0 poder da provincia, com 0 objetivo de formar uma repiblica independente. Pouco tempo depois, no entanto, as tropas portuguesas sufocaram 0 movimento revoltoso e seus lideres foram fuzilados. Esse movimento, que durou de marco a malo de 1817, ficou conhecido como Revolugaio Pernamibucana. ome ne Fonte: Isto Brasil, 500 anes, Sto Paulo Ts, 1996, @ Com a derrota de Napoledo na Europa, em 1815, ametrépole espanhola tentou reativar 0 colonialismo, mas nao teve sucesso. Nas guerras de independéncia de 1817 a 1825, os ingleses respaldaram a vitéria das elites coloniais contra os espanhéis. Também a Dou- trina Monroe, instituida pelos Estados Unidos (resu- mida no lema ‘América para os americanos’), ajudou a consolidar a independéncia latino-americana, No infcio do século XIX, estima-se que a popu- lagdo total da América espanhola chegava perto de 22 milhdes de habitantes. Destes, mais de 12 milhées cram indfgenas; 6 milhdes, mesticos (descendentes de espanhéis e populacées locais}; 800 mil, negros escra- vos; ¢3 milhoes, criollos. Os chapetones, grupo minoritério da América espanhola (cerca de 300 mil individuos), composto de espanhéis nascidos na metrépole, ocupavam os mais altos cargos da administragao colonial, vivendo ‘em permanente confronto com a elite local ~ e dese- javam a manutengao das relagdes metrépole-coldnia. Os criolfos, que se guiavam pelos ideais iluministas liberais e pelo exemplo norte-americano, eram parti- dérios do livre comércio e da luta pela independén- cia, embora nao cogitassem mudangas na estrutura socioeconémica. As rebelides locais, de um lado, como manifesta- gées isoladas, sinalizavam o esgotamento do sistema colonial; de outro, expressavam os varios projetos de independéncia. Diversas rebelides eclodiram na Amé- rica hispanica contra os espanhéis e seu dominio, organizadas tanto por criollos quanto por indigenas. Destacou-se, entre estas iltimas, a rebelido de Tupac Amaru (1780), no Vice-Reinado do Peru. Arebeliao de Tupac Amaru (1780) Desde o infcio da dominagao espanhola, foram constantes as revoltas indigenas americanas, criando uma dificuldade permanente para a metrépole. No século XVIII, época da expansio iluminista e ao mes- ‘mo tempo de uma crescente fiscalizagao metropolita- na, os confrontos entre os habitantes da col6nia e as autoridades da metrépole se intensificaram. Os espanhdis utilizavam 0 trabalho dos indige- nas em larga escala desde o inicio da colonizagéo, com jornadas que chegavam a 16 horas didrias. Para garan- tir a subordinagao indigena, na regido dos Andes, os colonizadores recorriam aos eaciques ou curacas (que comandavam os ayllu ~ as aldeias). Em troca de 4 Monumento representando Tupac Amaru Il, sua esposa & ‘seus filhos. Praga de Armas em Cusco, Peru. Foto de 2010, pensa da obrigagdo de trabalhar para os colonos ~, esses chefes indigenas colaboravam na manutengao da estrutura colonial. Foi um curaca, porém, que liderou uma das maiores revoltas da América espanhola, reagindo contra a tributagdo imposta por autoridades metro- politanas: José Gabriel Condoreanqui Noguera, que dizia descender de Tupac Amaru, um lider inca do sé- culo XVI que resistiu & conquista espanhola. Condorcanqui realizou estudos em esco- las eclesidsticas e na universidade de Sao Marcos (Lima, no Peru), onde foi influenciado pelas ideias do Iluminismo. Adotou o nome de Tupac Amaru II ¢ obteve apoio de muitos criolios contra as autori- dades metropolitanas e a elite branca de Lima, de- flagrando, em 1780, uma rebelido que comecou com 0 enforcamento de um chapetone e se irradiou por varias regies. ‘Tupac Amaru II recebeu apoio de dezenas de mi- Ihares de indigenas, mesticos, escravos e alguns colo- nos empobrecidos, que radicalizaram o projeto inicial da rebeligo. Ahistoriadora Maria Ligia Coelho Prado comen- taa radicalizagio da rebelifio de Tupac Amaru I: ‘Ao lado da proclamacdo de Tupac Amaru como rei, as massas camponesas destruiram, com vio- léncia inédita, as propriedades espanholas e todos ‘5 simbolos da dominacao. Nao fizeram distingdes, entre peninsulares e criallos. Desejavam a volta do Tawantinsuyo, 0 impéria incaico. A derrota da rebe- lide deixou marcas profundas. De um lado, entre os de novas rebelides. Da parte dos indios, os resultados foram devastadores: desde 1782 se suprimiram os ti- tulos de nobreza incaica e determinou-se a explicita proibicao entre as populacées indigenas de qualquer tipo de manifestacao que pudesse servir para reviver as tradi¢des incas. Os indigenas foram até mesmo proibidos de se autoidentificarem como incas quando falavam os seus nomes. Os nobres incaicos termina- ram politica e economicamente derrotados. Restou apenas a esperanca messidnica indigena, com sen- timentos populares que persistiram mesmo que de maneira subterranea, PRADO, Maria Ligia Coetho. Esperanca radical desencanto conservador na independéncia da América espanhola. Revista Histéria. S80 Paulo, Unesp, v.22, 1.2, 2003. p. 27 AS GUERRAS DE INDEPENDENCIA 0 enfraquecimento da metrépole espanhola - com a invasao de Napoledo Bonaparte, que destituiu orei Carlos IV (da dinastia Bourbon) e coroou José Bo- naparte, seu irmao ~ estimulou o movimento autono- mista liderado pelos criotlos. Organizados em cabildos (Cémaras Municipais), os colonos depuseram as autto- ridades metropolitanas e assumiram a administragao das colénias, instalando juntas governativas, Entre 1810 1814, 08 centros urbanos coloniais hispano- -americanos transformaram-se nos grandes irradia~ dores dos ideais separatistas, contando com 0 apoio da Inglaterra e a adesao de parte da populagao. Em 1814, porém, a dinastia Bourbon foi restau- rada na Espanha, e a Inglaterra aliou-se aos espanhéis na luta contra Napoledo. Isso permitiu que a Espanha Teorganizasse a represséio aos movimentos separatis- tas, Sem a ajuda inglesa, as rebelides foram derrotadas. Embora frustrados os primeiros movimentos de independéncia, seus ideais se fortaleciam entre os co- lonos. A revolugao que libertaria a maioria dos paises Jatino-americanos aconteceu entre 1817 e 1825, tendo como Iideres Simén Bolivar e José de San Martin, que percorreram quase toda a América Latina, com o apoio efetivo da Inglaterra e dos Estados Unidos. Qs rebeldes foram favorecidos ainda pela distancia da metrépole e pela situago interna da Espanha, que novamente se desestabilizava: depois que os exércitos de Napoledo Bonaparte foram expulsos, eclodiu a Revolucao Liberal entre 1820 1823 - 0 que dificultou o envio de tropas contrarrevoluciondrias a América, A radicalizagio do movimento, colocando em risco toda a ordem colonial, levou & oposig&o entre a elite criolla e alguns curacas privilegiados. © movimento foi duramente reprimido e Tu- pac Amaru II foi capturado e executado com grande violéncia: amatraram-Ihe os pés ¢ as mios a quatro cavalos, tentando com isso estracalhar 0 seu corpo, mas no tiveram sucesso. Decidiu-se entio decapitar e esquartejar o lider, enviando seus restos para diver- ssas regides do vice-reino, para que servisse de adver- téncia. Em seguida, mataram em praga ptiblica varios outros de seus familiares Mesmo depois disso, as batalhas dos rebela- dos prosseguiram por mais dois anos, resultando em. aproximadamente 80 mil rebeldes mortos, na maior revolta colonial americana. oces ATLANTIC peak gram arr icin ft pte ccm vwccacnano ) SiS SAVENEAIELA DA NOVA GFANADS ros INADO Seer (21-2) t — Roince Sannin tas a0 Garson a Simén Bolivar, que ficou conhecido como “o Li- bertador’, foi um exemplo tipico dos ideais da elite criolla, Nascido na capitania-geral da Venezuela, repu- blicano, comandou a lta pela libertagdo da América Latina partindo dos atuais territérios da Venezuela e do Peru em diregao ao sul. Defendia uma América. do Sul livre, unida e republicana, San Martin, da re- gio gue viria a constituir a Argentina, embora com os mesmos ideais de independéncia, era a favor da pa: RAS hace ac an MEDRemT monarquia constitucional e iniciou seus movimentos de independéncia partindo de Buenos Aires em diregao ao norte, no chamado “movimento suliste’. ‘A perspectiva de expansiio da independéncia dos hispano-americanos fez que Bolivar e San Mar- tin participassem, pessoalmente ou pelo envio de tropas, das guerras de independéncia em boa parte da América do Sul Em 1810, ocorreu a primeira tentativa de eman- cipagao politica no México (na época, Vice-Reinado de Nova Espanha), que se distinguiu dos demais mo- vimentos da América espanhola por ter sido uma, iniciativa das massas populares e por seu cardter predominantemente rural. Encabegando a insurrei- ao, sucederam-se Miguel Hidalgo, padre Morelos e Vicente Guerrero, que deram énfase as reformas sociais populares, propondo o fim da escraviddo e a igualdade de direitos e opondo-se & aristocracia fun- didria e aos altos funciondrios. Os ideais populares divergiam dos propésitos das elites criollas mexicanas, que quase sempre estiveram mais atreladas aos chapetones e controlavam a maior parte das éreas rurais. Cerca de metade das terras me- xicanas pertencia ao clero. Para os mestigos e indigenas que formavam 80% dos 6 milhées de habitantes da regido, a luta pela in- dependéncia do México deveria incluir propostas para resolver a situacao dos camponeses diante das grandes propriedades fundidrias controladas pela aristocracia, Enviado pelo vice-rei para lutar contra os insurre- tos mexicanos, Agustin Itirbide, de forma oportunis- ta, aliou-se a Guerrero em 1821, formulando o Plano de Iguala, que proclamava a independéncia do Mé co, a igualdade de direitos entre criollos e espanhdis, a supremacia da religido catélica, o respeito proprieda- de e um governo monérquico. A coroa foi oferecida @ Fernando VII da Espanha, que sofria forte oposigao dos defensores de ideias liberais em seu pafs, Confirmava- -se assim que o projeto de independéncia em curso era aquele que atendia aos interesses das mesmas elites (criollos e chapetones laicos eo clero) que dominavam 0 México na fase colonial Em 1822, entretanto, Itirbide proclamou-se im- perador, com o titulo de Agustin I. Logo a seguir, foi de- posto e fuzilado num levante republicano. Em 1824, 0 México tornava-se efetivamente independente e elegia seu primeiro presidente, o general Guadalupe Vitéria. ‘Acstrutura agréria e social que mantinha a maioria da populagao submetida ao controle das elites mexicanas permaneceu basicamente a mesma. Seas ocean a uu) (Quando se fala em excita, nese periodo, imaginamos sem- pre homens marchando a pé ou a cavalo, tendo, Esquecemo-nos de que as mulheres, muita vezes com fils, acompanhavam seus rmaridos-soldados; além disso, como nao havia abastecimento regular das tropas, muitas trabathavam ~ cazinhando, lavando ov costurando ~em roca de algum dineiro {| Expostas 8 dureza das camparhas e aos perigos das batalhas, enlrentavam corajosarnen- te os azares das guerras Ll Hava, ainda a presenga nao apenas de mulheres que se- guiam ao lado de seus companheiros, mas de vérias mulheres soldadas que pegarem em armas para conseguir a ibertaclo das coldrias. (1 Ha variadas naratvas sobre outro tipo de partcipagao ds mur lheres, por exernplo, as que trabalhavern como mensagers,levando | informagées para os insurgents. Sua condigdo de mulheres saps: | tamentelevantava menos suspeitas: entretanto varias delas acaba- ram sendo descobertas,presasealgumas condenadas mart, PRADO. Maria Liga Coelho partcpagio das muheres ns is pela independ palice de Andie Lata, Améic Lotina no sel Xtras, ‘eos tos, Ss Paar fuspEsus, 19939. 9-35 40, Na América do Sul, 0 Paraguai constituiu uma Repiiblica em 1813, chefiada pelo criollo Gaspar Fran- cia. A atual Argentina proclamou sua independéncia em 1816, que sé seria consolidada com os éxitos milita- res de Manuel Belgrano e San Martin. O Uruguai, que desde 1821 estava incorporado ao Brasil com 0 nome de Provincia Cisplatina, transformou-se em Estado independente em 1828, com o nome de Republica Oriental do Uruguai. © Chile foi libertado por San Martin, & frente de cerca de 5 mil homens no chamado Exéreito dos An- des, em 1818, apés as batalhas de Chacabuco e Maipt. Bernardo O'Higgins, ider do movimento de liberta- lo na regio, foi nomeado dirigente do Estado chileno. Ditigindo-se para o Peru, acompanhado pelo mercenério inglés lorde Cochrane, San Martin alean- ou libertou Lima, principal centro de resisténcia es- panhola, em 1821, Simén Bolivar, por sua vez, apoiado pela Inglaterra e pelos Estados Unidos, organizou um exército regular e libertou a Venezuela em 1817, a Co- lombia em 1819 e o Equador em 1821, rumando ele também para o Peru. As forcas de Bolivar e San Martin encontraram- -se em Guayaquil, no Equador, no ano seguinte, Depois desse encontro, San Martin desistiu de seu pro- jeto monérquico diante da proposta republicana de Bolivar, a quem coube consumar a independéncia do Peru ~ s6 conseguida definitivamente com a Batalha de Ayacucho, em 1824. ‘Neste mural Rivera retrata algun personagens da Gueta de Inde- |, Pend2ncia do México inicad em 1810, por meio da representagi pc- ‘6rice ds lideres de maior vlto dess fat histrice Hidalgo e Morelos, cde um leo, ccupem o centro desta cena, enquentono canto esquerdo, © Imperador Iirtide aparece corn um peso negano, liso nico a ser ‘epresentado cam esta conotaéo. Deste grupo central, o padre Hidalgo opersonagem principal que caregana sua maa deta uma corente

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