Você está na página 1de 32
Cadernos de Geografia, n° 18, 1999 Coimbra, FLUC. pp. 65-96 A GEOGRAFIA DA MORTALIDADE EM PORTUGAL CONTINENTAL Helena Guilhermina Nogueira e Paula Santana* Risumo Nos timos anos, estudos nacionaise intemacionais tém conribuido para alargar o conhecimento das variagdes em sate. A anise entre pases ou regides tem vindo a demonstrar,claramente, a ligagio fentre os resultados em sadde e a8 contigdes sociais e econémicas, ndo s6 2s individuals mas, fndamentalmente, as da comunidade em que os individuos estBo inserdos. O lugar aparece como factor chave para 0 entendimento das desigualdades na saide ena doenca. Neste texto, pretende-se colocar em destague as diferengas espaciais na morte. Por isso, € dada enfase as desigualdades regionals que surgem em consequeacia das desigualdades geogrética, sociaisc feconémicss. $6 se pode melhorar a sacle da populagSo em geral, diminuindo, por exemplo, a ‘moralidade e a motbilidade, se se esbaterem as desigualdades que se observam, Palavras chave: Moralidade em Portugal. Desigueldades em sade, Diferencas espaciais na ‘moralidade, Factores de rsco na moralidade, Variagbes em sae, Resume Pendant les demitres années, des études nationaux et interationaux ont contribué a développer la connaissance des variations en santé, L’analyse entre pays oa régions a netiement démoniré Ia Connexion enire les résultats en santé et les conditions sociales et économiques, non seulement les individuelles mais aussi, et surtout, celles de la communauté ob le individuss'inserent. Le liew est un Tacteur cle pour la compréhension des inégaités en santé et en maladie. Dans ce texte, on a intention de mettre en evidence les différences spatiales dans ta mort. Pour cela on donne de T'emphase aux inggalités régionales qui apparaissent par suite des inégaités ‘géographiques, sociales et Economiques. On peut seulement améliorer la santé de Ia population en ‘général, en diminuant, par example, la mortalité et la morbiit, sion réduit ces inégalités-1. ‘Mots-clés: Moralité au Portugal, Inégalités en santé Differences spatales en moralité. Facteurs de risque en moralité. Variations en santé Anstract For the last years, national and intemational stdies have contributed to enlarge the knowledge of health variations. The analysis between countries or regions has clearly shown the connection between health outcomes and socio-economic conditions, both the individual ones and, moreover, those ofthe ‘community individuals are living in. The place is @ key factor in order to understand disparities in health and ines. In this text we intend to focus the spatial differences in death. That’s why we are emphasizing regional inequalities which appear as a consequence of geografic, socil and economic inequalities. Population's heath, in general, can only be improved by decreasing, for example, mortality and ‘morbidity, if those inequalities are reduced. Key-words: Morality in Portugal, Health inequalities. Spatial differences in morality. Risk factors ‘on mortality. Heat vari * Instituto de Estudos Googrificos, Faculdade de Letras. Universidade de Coimbr. 65 Caadernos de Geografia,n. 18 InTRoDUCKO Nos timos anos, em quase todos os paises do mundo, a esporanga média de vida aumentou em consequéncia da diminuigo das taxas de mortalidade, fruto dos progres- sos tecnolégicos, cientificos, sociais e econdmicos com grande impacto na melhoria das condigdes de vida de parte da populagio. A sade € influenciada por Factores econ6inicos e do meio fisico e social que fazem parte do ambiente didrio das populagdes (rendimento, habitagio, desemprego, condigées de trabalho, insirusio, poluigéo), pelos comportamentos (tabaco, alimentagio inadequada, falta de exercicio) e cuidados de satide (cobertura, quali- dade ¢ tipo), a carreira de saide/carrcira profissional (empobrecimento das pessoas que adoccem),e, ainda, por factores genético. ‘A partic de uma andlise comparativa entre patses © regides, pode concluit-se que 0 aumento da esperanga de vida 2 nascenga & desigual no espaco geogréfico e social, sendo maior e mais generalizado nos patses mais deson- volvidos do que nos menos desenvolvides, podendo nestes verificar-se, até, a sua diminuigko. O que se passa é que as desigualdades entre Regibes tém vindo » aumentar nos ‘limos anos, sendo os grupos mais pobres os que cumu- lativamente Se encontram em piores condigées de traba- Ino, de habitagao e alimentagdo inadequada, coincidindo com locais onde a probabilidade de contacto com os servi- G08 de sate de qualidade € dificil e a continuidade dos ‘cuidados nem sempre € garantida, em consequéncia da falta de acesso em geral e do geogratico em particular. ‘Assim, as desigualdades googréficas verificam-se também nos indicadores que medem a satide e 0 desen- volvimento. Segundo 0 Relatério de Desenvolvimento Humano (1998), existe uma clara diferenga entre os paises industrializados localizados preferencialmente no Hemis- fério Norte - ricos, desenvolvidos e com maiores ganhos fem satide - e os pafSes em desenvolvimento ~ pobres, alguns em desenvolvimento outros em regressfo, com fracos ganhos ou mesmo perdas em sate. Alguns dos contrastes revelam-se, por exemplo, a0 nivel do rendi- mento per capita (os paises do Sul representam apenas 6% ddos do Norte), na esperanga de vida (conespondente, nos paises do Sul, a quatro quintos dos valores registados no Norte), na taxa de mortalidade infantil (cineo vezes supe- rior nos paises do Sul), na taxa de mortalidade materna (quinze vezes superior no Sul), na taxa de alfabetizagao de adultos (0 Sul com 1/3 do valor médio do Norte). O conjunto de questdes que esto na origem da expli- cago ou tentativas de explicagio das desigualdades em satide € to vasto que necessita do contributo de varios especialistas, quer na drea das ciéncias socinis c humanas quer na das cifncias médica, 66 Este texto pretende abordar a desigual distribuigio geogrifica, fundamentalmente, das causas de morte numa base distrital em Portugal Continental. Embora se consi- dere que a estruturacdo do espago geogrifico, assim como a qualidade das relagbes sociais em diferentes espacos, $80 ‘componentes fundamentais do entendimento das variagBes em satide, este estudo apenas apresenta, de forma di crtiva, a distribuigao das taxas de mortalidade padro- nizadas. Em estudos posteriores deseja-se poder contribuir para o conhecimento dos factores explicativos das ini- quidades em satide. AS CAUSAS DA VARIAGAO NA SAUDE BNA MORTE 5 ailtimos anos foram marcados por um significative avango metodol6gico nas formas de avalingfo da saiide ¢ medigéo da mortalidade, 0 que permitiu clarificar a sua evolug#o mo tempo e no espaco. Para essa evolugio convergem diversos fendmenos que resultam numa tendéncia presente 20 longo deste século: o declinio da mortalidade, Contudo, por um lado, esse declfnio iio ocorreu em simultineo em todas as regives e, por outro, nos paises em que esse declinio aconteceu, verficou-se ‘uma grande heterogeneidade na sua velocidade, em fun- do dos diferentes grupos que integram as ostruturas sociodemograficas ¢ econémicas das respectivas soci: dades. ‘A mortalidade, enquanto fenémeno social, tem sido objecto de miltipla investigagdo que gravita em torno de rs cixos fundamentais: 1. Caracterizagio do declivio observado na época contemporinea; 2. Estudo dos facto res responsaveis por esse declinio; 3. Identificagio (¢ ‘compreensio) das variagdes observadas entre determina dos grupos (NAZARETH, 1996, p. 131) dectinio da mortalidade & diferencial segundo a Epoca, os grupos de idades e a 4rea geogréfica, como foi ji refetido anteriormente. Assim, a teoria da transigio demo- atéfica deve ser vista como um modelo geral, ao qual as diferentes realidades se ajustam ou vio ajustando. Isto porque, se uma das principais caracteristicas dos paises desenvolvidos ¢ a transigao (que ocorreu durante os sécu- los XIX ¢ XX) de clevados nfveis de mortalidade (texas de mortalidade infantil supetiores a 250 por mil e uma esperanga média de vida rondando os 40 anos), para niveis baixos de mortalidade (taxas de mortalidade infantil info riores a 10 por mil e esperangas médias de vida proximas dos 80 anos) (NAZARETH, 1996), € preciso nio esquecer ‘que este modelo geral de declfnio apresentou importantes diferengas, em fungo do tempo, do espago e das prdprias estruturas da populagdo. Se se fizer referéncin no apenas aos pafses desenvolvidos mas a todos os pafses, entio a diversidade aumenta do tal forma que seré talvez. mais correcta falar-se no de uma, mas de virias e diferentes transigbes demogréficas. Os factores responsiiveis pelo declinio da mortali- dade sio diversos e é necessétio recorrer a andlises hist6- ricas para tentar apresentar explicagdes relativas 8s causas das clevadas taxas de mortalidade do pasado. Neste Ambito, sfio de realgar a existéncia de peri6dicos e fre- quentes perfodos de fome, de guerras, de epidemias © a quase generalizada auséncia de condigbes sanitarias. Foi a identificago destes factores que permitiu nio s6 explicar as causas do declinio da mortalidade, ja observado nos paises desenvolvidos mas, também, idenlificar os factores que acualmente interferem no processo de declinio da ‘mortalidade que se observa nos pafses em vias de desen- volvimento. A maior parte dos autores € unnime em afirmar que, 0s factores com maior relevancia no declinio do fenémeno em estudo parecem ser os educacionais, os sanitdrios, os econémicos, 0s sociais © aqueles que estio Tigados ao progresso da medicina, directa ow indirecta~ mente, ¢ & prestagio de cuidados de saide organizados © ‘generalizadas (SANTANA € CAMPOS, 1997). © declinio histérico da mortalidade & também expli- ccado pela chamada transigo epidemiol6gica. Esta teoria defende que a forte mortalidade que caracterizou 0 pas sado dos paises hoje desenvolvidos, © que caracteriza ainda hoje os paises menos avangados, foi e é, principal- mente, consequéncia das doengas infecciosas, da mal nutriglo ou resultado de actos violentos. Na Europa, 0 fim do século XVIII marca 0 inicio do recuo macigo destas ccausas de morte. Nos paises subdesenvolvidos esse recuo processou-se somente apés a 2* Guerra Mundial Nos paises desenvolvidos, o sSculo XX caracterizou-se pelo grande deelinio da mortalidade por doencas infeccio- ‘sas a tal ponto que, a partir dos anos 50-60, a importancia desta causa de morte na evolugio da esperanga média de vida tornou-se, sem duivida, marginal. Em compensagio, a rmortalidade por neoplasias no diminuiu, aumentando até uum pouco na década de 80 (VALLIN, 1992). Actualmente, ‘as principais causas de morte nos pafses desenvolvidos so procisamente os tumores malignos e as doengas cére- bro e cardiovasculares, com tendéncia para aumentarem o, ainda, as doengas relacionadas com patologias do foro psiquistrico. Em sums, verificou-se uma série de melhorias, a varios nfveis, concorrendo para 0 declinio da morta- lidade e para o aumento da esperanga média de vida em {quase todos os paises do mundo. No entanto, verifica-se uma grande diversidade de situagBes porque, como jé fot teferido, esse declinio nfo se produziu nem ao mesmo A geografia da mortalidade em Portugal Continental tempo nem da mesma forma nas diferentes regiGes do mundo, Essa diversidade acentua-se, ainda, uma vez mais: ‘enquanto nos pafses desenvolvidos o declinio da miortali- dade foi fungio de uma conjugagio de todos os factores atrés mencionados, nos palses em desenvolvimento 0 declinio tem sido conseguido, em grande parte, devido & ajuda internacional e ndo através de um processo endé- geno de desenvolvimento. ‘A identificagio da mortalidade diferencial ¢ um processo que resulta da nevessidade de climinar as dife- rengas — em satide - entre paises ricos e paises pobres & dontro dos préprios pafses constituindo-se como objectivo a atingir & escala mundial, nos préximos anos. Trabalhos recentes vém afirmar que as iniquidades socioecondmicas zna mortalidade persistem em toda a Europa (POWER, 1994; MACKENBACH ¢ KUNST, 1997; KUNST ef al, 1998) em alguns casos, tfm tendéncia a agravar-se. Porque morterso, mais jovens, os pobres que os ricos? Os investigadores que se tém dedicado ao estudo das razBes deste comportamento diferencial, apontam um ‘conjunto de tés fenémenos que se reforgam mutuamente: selecgio, condigées de vida, comportamento (VALLIN, 1992). Assim, 0 acesso as diferentes categorias s6cio- -profissionais opera uma selecgio entre os individuos, -miitas vezes ligada & satide, A sade dos adultos é afec~ tada pelo meio social do nascimento (e até antes do nas- cimento, na gestagao, tendo em conta ainda as determi- nantes genéticas) e pelo seu rendimento © ov categoria s6cio-profissional. Verifica-se, em consequéncia disto, que individuos com doengas ¢ “handicaps” tm maiores dif ceuldades no acesso aos status profissionais mais elevados, ‘mais diferenciados € melhor remunerados. Ou seja, a car- reira da salide © a carreira profissional funcionam em paralelo e uma é consequéncia da outta. Também a pertenga a determinada categoria sécio- -profissional determina, s6 por si, atitudes e comporta- ‘mentos diferentes em relagio & satide e, principalmente, & procura de cuidados de satide, fundamentalmente os pre~ ventivos. A capacidade econdmica traduz-se em melhor nutrigl0, melhores condigGes ambientais na residéncia eno local de trabalho, conhecimento sobre priticas de vida saudéveis, informago relativa aos cuidados de snide, maior proximidade fisica da oferta dos euidados de sade (genericamente localizada proxima de éreas uurbanas de prestfgio) e maior acesso 20s cuidados de saiide através do conhecimento directo ou indirecto dos profissionais de saiide que prestam servigo nas instituigfes pailicas. No entanto, estudos recentes vem demonstrar que as condigées de pobreza em termos absolutos, s6 por si, or Caademas de Geografia, n° 18 podem nfo ter como resultado um mau estado de satde, ‘embora se reconhega que um aumento no rendimento ¢ nas condigées de vida pode estar associaco a uma melho- ria no estado de satide. Todavia, o problema persise, jé que a pobreza ou a privagdo, na maior parte dos casos, & vvista em termos relativos © néo em termos absolutes. MacLzop et al (1999) referem-se & relagio entre a priva- fio e a sade que existe A escala nacional e também 20 rifvel sub-nacional dentro do Reino Unido o que, segundo ‘5 autores, pode estar relacionado com a geografia soc local. © impacto da pobreza ou privagéo na sade nko & sempre 0 mesmo, dependendo dos aspectos espaciais. Macintyre (1998), refere 0 trabalho de GATRELL apli- cado 8 cidade de Dundee, que apresenta um novo pressu- posto: as éreas de maior pobreza e privagdo podem apre- sentar melhores estados de saiide se se localizarem nas proximidades ou forem rodeadas por éreas menos pobres ou de menor privaglo. O contrério € também verdadeiro. © conceito de pobreza ou privagio aparece, entéo, com um caricter relativo (GRAVELLE, 1998). Diferengas regionais sfo também reveladas por alguns autores (GOULD e JONES, 1996; VAN OYEN ef al, 1996; LLUCAS-GADRIELLI ¢ TONNELIER, 1998) que se referem as diferengas geogréficas na morbilidade do Reino Unido e na esperanga de vida na Bélgica ¢ em Franga, KENNEDY et ai. (1998) so, também, de opiniao que no se trata tanto de estudar o impacto das condigées individuais (estatuto socioeconsmico) na sade como, sobretudo, de focer 0 problema na nova hipdtese, isto é que a distribuigio do rendimento no interior da sociedade pode ser um factor determinante na sade. No trabalho que desenvolveram, chegaram a conclusto de que as desigualdades na distr- buigdo do rendimento representam um impacto adverso na satide, independentemente do efeito do rendimento indi- vidual As caracterfsticas dos lugares essumem assim impor- tncia, sendo reconhecido que os atributos socio-econé- rmicos devem ser observados numa base geogrd respondente & érea de residéncia (factores ambientais, caractersticas da comunidade, qualidade © quantidade de oferta de servigos piblicos de sade). A influéncia desta varidvel pode ser positiva ou negativa no estado de saide, alterando a relagio individual - classe socia\estado de satide, GATRELL (1997) refere-se concretamente & relagio entre 0 papel da localizagio geogratica e 0 espago social na mediagio entre a privacio ¢ os resultados em sade. Chega mesmo a afirmar que “a saide precisa de ser posta no seu ‘lugar. Emm Itdlia, COstA € FAGGIANO (1994) relacionam a taxa de mortatidade ¢ a mortalidade por causas com a profissio e com a escolaridade e, ainda, com as dreas de residéacia, para ambos 0s sexos. Sdo apresentadas dife- 68 rengas entre Sreas geogréficas, com destaque para as diferencas na taxa de mortalidade dos jovens adultos do Norte © do Sul, segundo o nivel de escolaridade, Se a mortalidade entre os 18 e os 74 anos dos individuos sem instrugZo fosse a mesma dos graduados observar-se-in uma redugo de cerca de 40.000 mortes anuais, coneluem (08 autores. Sao, pois, vérias as formas de abordagem das desi- ‘ualdades em sade e dos estados de saiide, correspon- dendo a uma variedade de factores que se podem identifi- car como responsiveis ou em estreita ligagdo com a sauide. Pode, no entanto, concluir-se que existe sempre uma conexdo forte € dindmica entre a condig&o sécio-econs- mica e a sade, a qual percorre a vida do individuo desde a infncia a idade adulta, & interessante verificar que alguns autores (BARKER, 1992 ¢ 1994), ao estudarem a. incidéncia das doengas entre a populagio actual, fazem-no ‘menos em termos de riscos actusis — ou mesmo nos aspectos de privagdo material ~ e mais numa perspectiva de acontecimentos ocorridos na gestagio ¢ na infincia (utilizando, por exemplo, a alimentagio). BARKER refere ‘mesmo que as eriangas com pouco peso & nascenga tém ‘mais risco de contrair doengas coronérias. No entanto, as circunstincias materiais (emprego, rendimento, condigbes da habitagdo e de nutrigio e outras), os comportamentos © as condigdes sécio-geogrificas que servem de pano de fundo ao seu desenvolvimento durante a adolesencia © a dade adulta actuam, com certeza, de formas diversas ¢ podem alterar, substancialmente, os efeitos apontados por ‘BARKER, como contrapse POWER (1998). As diferengas entre 0 padrio das causas de morte sto ‘outro aspecto que merece especial atencio. Com base em autores que estudaram esta temtica, pode referir-se que existe forte relagio entre a categoria s6cio-profissional e algumas causas de morte, em diversas paises. Por exem plo, os neoplasmas (a exeepedo de Portugal) e a doenga isquémica de coragdo tém forte associagio com as desi gualdades s6cio-profissionais; as doengas cardiovascula res apresentam uma associacao forte com as caracteristi- ccas do trabalho (THEORELL, 1997). DAVEY-SMT# (1997) refere que 0 cancro do estOmago ¢ condicionado pelas caracteristicas socioeconémicas, principalmente em crian- {ga5 que estiveram expostas a condicées precfrias de hiigiene e constrangimentos econémicos. Em Ivilia, Costa, e FAGGIANO (1994) também spresentam resultados que revelam forte associagio entre a profissio e a taxa de ‘mortalidade padronizada (mais alta em profissSes manuais ce mais baixa nas no manuais) e entre a escolaridade e as diferentes causas de morte, verificando, no entanto, que para todas as causas de morte consideradas, os individuos com mais baixo nivel de ensino, ou mesmo os nto escolarizados, apresentam as taxas de mortalidade mais clevadas em ambos os sexos. Referem, ainda, que alguns tipos de tumores malignos se encontram mais associados a classes socais mais baixas (pulmo nos homens, laringe, estémago € colo do ttero) enquanto outros estio espe- cialmente relacionados com as classes sociais mais altas (Célon, recto, pele, mama e pulmo na mulher). Outras ceausas de morte que afectam consideravelmente mais os trabalhadores manuais sfo a cirrose hepatica, os acidentes, 6s suieidios e a tuberculose, ‘No entanto, estas patologias muito especfficas nfo explicam, senfo parcialmente, as diferengas socisis da mortalidade. As doencas cardiovasculares, ainda que socialmente menos discriminatérias, também contribuem para estas diferenciagées, em virtude da sua importaincia ‘na mortalidade total. Em Portugal, os contributos de SANTOS LUCAS (1987), GIRALDES (1995 e 1996), RODRIGUES (1993), PEREIRA (1995), SANTANA © CAMPOS (1997) € SANTANA (1997) foram essenciais na investigagio destas matérias e consti- tuiram os primeiros passos da investigasio nacional das desigualdades em saide. A MORTALIDADE EM PORTUGAL CONTINENTAL. ‘Taxas de mortalidade © processo mais simples e comum de se medi ¢ ava- liar a mortalidade geral consiste no eéleulo das taxas bru- tas de mortalidade. Os quadros 1 ¢ 2 apresentam-nos as taxas de mortalidade por grupos de idades, em Portugal, em dois anos distintos — 1950 ¢ 1990. ‘Segundo NazaRETH (1996), em 1950, 0 valor total da taxa de mortalidade em Portugal era de 12,19%, tendo baixado para 10,43%e em 1990, Pode, enti, afirmar-se ter hhavido, num perfodo de 40 anos, um declinio de 14% na taxa de mortalidade. No entanto, a diferenga entre os dois perfodos € de quase 90% na taxa de mortalidade para idades inferiores a 1 ano, 0 que é significativo das methorias verificadas nas ccondigSes de vida da populacao portuguesa. Esté-se, indubitavelmente, perante dois modelos de ‘mortalidade: um, relative & “mortalidade moderna’, das, sociedades desenvolvidas actuais e outro referente aquilo @ que se pode designar por modelo da “mortalidade antiga’, correspondente a paises em vias de desenvotvi- ‘mento au ao passado dos paises desenvolvidos. ‘As laxas brutas de mortalidade, apesar de nos permiti- rem efectuar, de modo simples, andlises interessantes, s80 lum instrumento de trabalho bastante grosseiro, porque apresentam valores de mortalidade muito influenciados pela estrutura etéria da populagio. Um dos métodos que A geografia da movtalidade em Portugal Continental permite superar esta dificuldade consiste em aplicar & mmortalidade 0 principio da estandardizag2o ou da popula- ¢glo-tipo (permitindo este separar © impacto da estrutura etatia dos nfveis de mortalidade observados) Quadro 1 ~Taxas de monalidade por grupos de idades de Portugal em 1950. 1990 hips de Tas TM.) | TM.) 1950 1990 0 110.25 Taz 4 BIS a7 59 191 037 10-14 16 oa 15:19 LoL 099 2028 299 12 25.29, 331 _ tar 3034 352 147 35.9 4.05) 195 [40-44 519 267 45.49, 6.84 391 30.54 9.29) 5.85 5559 1330 9,04 or 20.34 Br | 65.69 32.2) 226 70 95,02 7945 I Toul 1219 10,43 Fonte: Adaptado de NAZARETH, 1996 Aplicando esta metodologia, & semelhanga do que foi feito por NAZARETH (1996), aos dados apresentados ante- riormente — taxas de mortalidade brutas de 1950 e 1990 — pode-se, com um conjunto de simples operagées mate- maticas, calcular novas taxas de mortalidade para 0 ppetiodo de tempo em estudo, Analisando declinio da mortalidade no pats através das taxas brutas de mortalidade, verificou-se que, entre 1950 © 1990, este era de 14%, Ao serem utilizados os Indices calculados através do método da populagao-tipo encontram-se valores bastante diferentes: 1. utilizando a populagio-tipo de 1950 constata-se ter havido um deelinio de 48% entre os dois anos (6,39-12,19/12,19); 2. utili zando como tipo a populagao de 1990, 0 declinio obser- vado é de 34% (10,43-15,83/15,83). 9 Cademos de Geografia, n° 18 ‘Quadro 2 ~ Aplicagio do métedo da populage-tipo em Portugal, em 1950. 1990 dades “Taxas Beutas de Moralidade [Novos indices de mortalidade: Populayso-tipo 1950 %e 190% 19506) 1960 6) 0 1025 Haz (024 135, 14 13.19 07, 0.06 59 191 037 0.04 104 116 oa 0.04 15.19 19 0.99 mn 20-24 2.99 fe. on 25.29 331 121 mn 30-34 352 147 008) 35:39 4.06 195 03 40-44 5.19 2.67 7, 45-49 684 391 21 50-54 9.23 5.85 027 35.59 133 9.04 036) 072 60-64 2034 13.74 0.8 1.04 65.69 32.21 22.6 061 1a 370. 9502 7945 338 8.14 Total 12.19 10.43 E=639 Da1s83 ©) Cada valor & calculado pelo produto entre as taxas brutes de primeiro grupo de idades (<1 ano): 11,42x0,020750,24; rmortalidade de 1990 ¢ a estruturaetiia de 1950. Exemplo para 0 «4 Semelhantea c)utizando as taxas bras de moralidade de 1950 ea estruturaetéia de 1990 Fonte: Adaptado de NAZARETH, 1995 Poder-se-4 entio afirmar, mais correctamente, que 0 eclinio real da mortalidade em Portugal, durante o perfodo referido, no foi de 14% mas sim de 41% (média dos valores anteriores - 48% e 34%), Acrescente-se, para terminar, que quando se utiliza 0 ‘método da populagio-tipo para comparar duas regides ou duas épocas (como & caso), esté-se perante uma nica série de taxas de mortalidade & qual se aplicam as popu- ages a comparar. Assim, & 0 total de dbitos reais que ‘passa a ser comparado com os “6bitos esperados”; obtém- Se, por iss0, novos indices estandardizados que devem ser utilizados, apenas, em andlises comparativas. Aniilise da mortalidade por causas de morte Outro aspecto relative ao estudo da mortalidade diz respeito & sua especificagdo por causas de morte. Para se ‘efectuar um estudo deste tipo, € necessario estabelecer uma divistio dos dbitos anuais por causas de morte, e que essa diviséo seja compardvel no tempo e/ou no espaco 70 (dependendo do objectivo da anilise). No entanto, hi que assinalar que este tipo de andlise se baseia num pressuposto de que existe uma total independéncia entre asdiferentes causas de morte, 0 que realmente no acontece, uma vez que as variagSes de uma causa de morte expectfica tém consoquéncias no sé a nivel da mortalidade geral, mas também no comportamento das restantes causes. Isto porque a mortalidade geral nao resulta de um somatério linear das diferentes causas de morte, mas de uma conjugaglo particular entre essas causas (NAZARETH, 1996). Por outro lado, ao analisar-se 0 fensmeno da mortalidade, hé que ter em conta que as probabilidades de morrer de cada individuo dependem de tm conjunto vasto de factoes, anuncindos antriormente. Por exemplo, hé que ter em conta, em primeiro lugar, os aspectos biolégicos relacionados com o sexo © com a idade, Em relagio & idade, foi j& observado que as probabilidades de morte diminuem tos primeiros anos de ida aumentando depois progressivament, principalmente a partir dos 40 anos, em consequéncia do envelhesi- mento biol6gico do organismo humano. Quanto a0 sex0, 6 sabido que as probabilidades de morte sfo meiores nos hhomens do que nas mulheres, em qualquer idade [A sobremortalidade masculina € uma generalidade em todos cs paises industrializados, embora existam, entre eles, grandes diferengas. Ecurioso veificar que nos pa S65 subdesenvolvidos. se encontra, senfo mesmo uma situagio inversa, pelo menos uma sabremortaidade fem nina em certs idades — nomeadamente na idade fet — que sobremortaidade masculina outs iades nfo compensa. 'A Figur | apresentaasituagéo pars 0 Continents. Para além da mortalidade apresentar, para ambos os sexos, 0 modelo em “U", com uma menor elevacko do brago esquerdo, repare-s na sobremortalidade masculina com tofis as idades. O envelhecimento demogrtico, resultado do aumento da esperanga méaia de vida, aliado & referida sobremoralidade, tome-se entao um problema essencislmente feminino, A solidfo, © algumas docngas om ela relacionadas, é um fendmeno que afeeta part- cilarmente as mulheres. ‘As Figuras 2 3 permitom-nos avai, para enibos os sexos, eem diferentes idades, a conjugagio ds diferentes causas de more ‘A partir de uma anélise bastanto simplificada dos vificos anteriores concluiese pela exiséncia. de um 12000 10000 8000 6000 4000 2000 a tat sats 15224 25334 95044 A geografia da mortalidede em Portugal Continental padrio em ambos os sexos e em cada fase do ciclo de vide. Assim, verificase que as causas de morte mais ‘importantes nas criangas mais pequenas so os sintoma, sinais e afeceBes mal definidas, comespondendo, tlvez, a doenges congénitas ea problemas perinatais mal diagnos- ticados, seguindo-se-thes as causas extemas ‘Sia precisamente as casas externas as_principais responséveis pelos bites ocorrides nas criangas, nos adolescentes nos jovens. No primeiro grupo sio parti cularmente devidas a acidentes domésticos — quedas € envenenamentos, enquanto nos jovens 0s dbitos provo- cados pelos acidentes de vingdo constituem 0 maice grupo. ‘Acrescene-se que se verficam diferencas enite os dois sex0s, particularmenteente os 15 eos 34 anos. 'A principal causa de morte nos adultos femininos 6 0 eanero, No sexo masculino, 0s ébitos por causas extrnas apresentam valores percentusis elevados, prinipalmente no grupo dos jovens adultos. As doeneas cardiovasculares sio wma das causes de morto mais importante, sendo a primeira para a poptlasao do. sexo masculino, prin Cipalmente nos mais idosos. E também na. populagio idosa que as doengas do aparelho ciculatrio, incluindo as doengas cardiovasculares © a isquémica do coragéo, atingem os-mais elevados valores, tornando-s, para ambos os sexos, na principal causa de more, seguida, a uma distincia considerével, polos tumores maligncs 278 45554 55264 65874 Fig. 1 — Texas de mortalidade em Portugal continental, segundo 0 sexo ea idade, 1994 (100 000 Hab.) Fonte: DGS., 1995 nm Casdemos de Geografia,n 18 Grupos de idades 215 a7 ssaca 4554 35044 aaa saz sald tad Grupos de idades 75 3544 Fig. 15 ~Taxas de moralidade (100 000 Hab) em Portugal Continental, segundo o sexo ea dade, 1994 Doengas do Aparelho Digestive Fonte: D.G.., 1996 80 ‘munhado, por exemplo, no papel tradicional que a mulher ‘mantém ainda na sociedade portuguesa, 0 que conduz a ‘comportamentos sociais mais afastados dagueles que podem dar origem a estas afecyies ‘Taxas de mortalidade por doencas do aparetho digestivo ‘As doengas do aparelho digestivo aparecem como ‘causa de morte, fundamentalmente, a partir dos 24 anos, tem ambos os sexos. No entanto, também para estas afec- ‘gdes, 0 Sexo masculino apresenta uma sobremortalidade relativamente ao sexo feminino; a diferenga € particular- ‘mente acentuada entre os 45 e os 74 anos. A semethanga do que foi observado anteriormente, também a taxa de mortalidade por doengas do aparelho A geografia da mortalidade em Portugal Continental digestivo evidencia a existéncia, no Continente, de um contraste Norte-Sul: os valores mais baixos correspondem a Faro ¢ Evora, seguidos pelos restantes distritos do Sul. Lisboa, Leiria © Castelo Branco delimitam uma 4rea, na qual eles proprios esto englobados, onde os valores sio j4 mais elevados, atingindo um maximo novamente em Vila Real. Contudo, observam-se excep- ‘des ao pedro apontado, sendo disso exemplo os distritos Ge Coimbra, Porto e Braganca, constiwsindo-se como tos que apresentam taxas semelhantes aos distritos do Sul, PHILLIPS e VERHASSELT (1994) afirmam estar a observar-se, em Portugal, um decréscimo deste tipo de doengas, fruto talvez de uma generalizada melhoria dos hbitos alimentares dos portugueses. Continente 30.298, “Toxas de moralidade pret digestivo) 215013020 B 302013890 3890104760 BB a7.50105940 Fig. 16 —Taxas de moralidade por doengas do aparelho digestivo padronizadas pela idade, 1994 (100 000 Hab) Fonte: DGS. 1996 81 Cademos de Geografia,n 18 ‘Taxas de mortalidade por tumores malignos As taxas de mortalidade por neoplasias apresentam-se ‘com fraca expresso para idades inferiores a 34 anos. De facto, é a partir dos 35 anos que os valores desta taxa se levam, para ambos os sexos sendo, quase sempre, mais celevadas na populagdo masculina. Verifica-se, no entanto, que entre os 25 e os 44 anos, a taxa de mortalidade em {uestio é ligeiramente mais elevada nos individuos do sexo feminino. A partir desta idade a situagio inverte-se, surgindo os valores mais elevados no sexo masculino, com diferencas considerdveis. Ou seja, 2 populagio do sexo feminino regista mais precacemente a doenga como causa de morte, mas esta causa de morte afecta em maior inximero a populagdo do sexo masculino, Foi referido anteriormente que os tumores malignos constituem uma importante causa de morte em Portugal, principalmente no grupo etétio dos adultos. Atendendo & grande diversidade de neoplasias existentes, optou-se por apresentar primeiro dois graficos elucidativos da conjuga- ‘Ho dos diferentes tumores, enquanto causas de morte da populagio portugues, seguides por uma anélise. mais minuciosa de algumas dessas neoplasias [Nas eriangas do sexo masculino com idades inferiores a 1 ano, os tumores do aparelho digestivo atingem 100% do total dos dbitos por neoplasias. No sexo feminino, no ‘mesmo grupo etiri, a diversidade 6 bastante maior ¢ 0 ‘que se observa € que a taxa de mortalidade se distibui por {quatro tipos de tumores. A medida que a idade avanca, nfo s6 a taxa de morta lidade por estas doencas vai aumentando como vai tam: ‘bém aumentando a diversidade dos préprios tumores. 'Na inffincia, e até a adoleseéncia, os tumores que pro vocam maior mortalidade so 0s do tecido linfético © \rgios hematopoiéticos (por exemplo, as leucemias), para ambos os sexos. Nos adultos, a diferenca em fungo dos sexos 6 jé hnotéria. Por exemplo, no sexo masculine, os sbitos devem-se sobretudo 2 tmores do aparelho respiratério © do aparelho digestivo, com destaque para o do estd- ‘mago. Poderd talvez encontrar-se a razio da explicagio este facto nos comportamentos ¢ habitos alimentares (incluindo © consumo de éIcool ¢ 0 tsbagismo) que, como € comunmente aceite, parecem ter fortes implicagbes nos resultados em satide. Relativamente & populago feminina, (8 Gbitos por tumores de estOmago, embora importantes, a 15028 2534 3544 45256 5264 65574 >7s ig. 17 ~"Taxas de mortaidade (100 000 Hab) em Portugal Continental, segundo o sexo ¢a dade, 1994. Tumores malignos Fonte: D.G.S., 1996 so uluapassados pelos provocados pelo canero da mama © dos Seg genito-urindrios. Sao precisamente estes dois aitimos tamores os responséveis pelo aumento da taxa de rortaidade feminina por tumores maligne, entre 0s 25 e os 44 anos, de tal forma que est utrapassa mesmo a taxa verificada nos individuos do ‘sexo masculino, para o A geografa da mortalidade em Portugal Continental Nos idosos do sexo masculino, os tumores que mais frequentemente causam morte so os jd referidos para o grupo etério dos adultos — aparelho respiratério, aparetho digestivo, principalmente estOmago — e também © da préstata. Registe-se que este ultimo cresce em importincia 8 medida que a idade avanga, compensando, pelo menos em parte, a diminuiglio da mortalidade por a5 Pa DES ee Re eTa 65a74 J tstnago 55264 locos $ asast ls. AperethoRespntio 350d la cass Tee Conumivo, Pele Mama 2 2sa34 la Orgios Genito-Uiindsios (excepto Préstats) & isa. Pesan Salt JoccetasLocatiagses lad la Tc Litto Ores ematepoidins < ee ee ee ee “Pe 18 Propo dos bios no Cott pruners maligno pores, 1994 é ae D6. 185 Ss Pa RRR eee aS Tae 65am Je scmago 9 55864 Ja citcn fee ar Basan J ces, Te. Conunivo Pele B sax se ° sam creo Gente Lines sau Jo outa Locaizates ted Jere Linco e Orgies Hemstopoisioe

Você também pode gostar