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R887 Roxin, Claus "A protegdo de bens jurfdlcos camo fungio do Dirol- to penal / Claus Roxin: org. ¢ trad. André Luts Calle fat, Hereu Jost Glacomolt~ 2. ed, Porto Alegre: Livre- Fla da Advogado Editora, 2008. 65 ps 21 em. ISBN 978-85-7348-048-3 1. DireltoPenal, 2. Bem Juridico: Protegio. 3, Tipo penal, 1. Callegari, André Luts, trad. Il. Giacomolli, Ne- Feu José, trad. IL. Titulo. cDU- 343.2 Indices para o catélogo sistemético’ Direito Penal Tipo penal Bem juridico: Protegao (Bibliotecéria responséivel: Marta Roberto, CRB-10/652) CLAUS ROXIN A protecio de bens juridicos como fungao do Direito Penal orgenizagic ¢ Tradugie André Luis Callegari Nereu José Giacomolli a EDICAO livraria, DO ADYOGADO. editora Porto Alegce 2009 © Clnux Roxin, 2009 Ongantzapto e Traduréo ‘André Luis Callegari Negeu José Giacomoltt capa, projet grfco« dagramocio Eiviara do Advogado editors Revisto Rosane Marques Borba Direitas desta edicao reservados por Livraria do Advogado Editora Ltda, Rua Riachuelo, 1338 90010-273 Porto Alegre RS Pone/ fax: 0800-51-7522 ecitora@livrariadoadvogado.com.br ‘www deadvegada.com-br Inipresso no Brasil / Printed in Brazil Apresentagdo A presente obra é resultado de duas conferéncias proferidas pelo Professor Claug Roxin, na Universidade Externado da Colombia, em Setninario Internacional de Direito Penal ¢ Filosofia do Diteito, em final de 2004. As duas palestras foram intituledas: “A protecao de béns juridicos como misso do Direito Penal?" e “Protecao de bens juridicos e liberdade individual na encruzilhada’ da dogmiatica juridico-penal". Na mesma ocasido, o Profes- sor Claus Roxin autorizou a traducao e a publicagao tio contetido das palestras no Brasil. No original, as confe- réncias nao estavam subdivididas em itens, o que se fez necessdrio para fins didéticos e para melhor visualiza go do contetide do que foi exposto. Assim, o titulo de cada capitulo representa uma conferéncia e foi dividido em vérios itens. No primeiro capitulo (primetra conferéncia), 0 au- tor trata do comportamento como objeto de protecio. conceituando bem juridico e suas implicagSes como limites ao legislador, na restrigao da punibiliciade, na proporcionalidade ¢ na legitimagdo dos tipos penais, culminando com as criticas a Hirsch, Stratenwerth e Jakobs. Conclui, ressaltando a importancia do bern juri- ‘ico, que’a) é absolutamente compativel que a interven- cdo estatal penal dependa da necessidade de protecdo subsididria de bens juridi¢os e da salva-guarda das regras culturais de comportamento publico, tudo dentro de marcos constitucionais e de controles democraticos: um sistema social ndo deve ser mantido por ser um Walor em si mesmo, mas atendendo aos homens que ; vivem na sociedade atual@) sua concepgio de bem juridico no Direito penal relaciona-se com o Estado de Direito. 4 Sumario No segundo capitulo {segunda conferéncia), Roxin problematiza 4 protecio de bens juridicos e a liberdade Capitulo individual, no marco do. injusto penal e do risco nao if ‘A protecio de bens juridicos como missio do Direito Penal? permitido. coneluindo que(@Jo injusto penal pressupde Pe eee ceyilds poms cu ma lesde ou colocagao em Berigo do bem jurdicoe que =D comperament como op punto 7-7 teoria da imputacdo objetiva estabelece, com detalhes, Bo A stunt ents Sen dec touts i. a partir de dito fundamento, o Ambito do juridico penal- 1 Rosblg de atuagbo do Direlto Ponal: Hirsch, Stratemwérth mente proibido, mediante a ponderacéo dos interesses fede ec eee reeereetoetenecateug pela protecao da tered 0 finalismo penal enrai- 5 Conceito de bem juridico se veer ees ra zou-se numa estrutura ontolégica da finalidade sem 6 - Limites impostos ao legislador . - 20 jesenvolver-sé completamente{c} uma teoria do injusto 7~ A restrigao da punibilidad= . ++ ue rechaga a lesio ao bem juridico nao pode ser . 8~ A proporcionalidade . 6 Cplicdvel seriamente. 8 Legitimacio dos tpes peals a Finalmente, cumpre agradecer 20 Professor Claus ‘ ne fate a Roxin por tet autorizado @ permitide a organizacao Capitulo Tt sj , i: desta obra, bem como ao apoio da Livraria do Advoga- Protegia de bens jriiens« ubeidade motvidual na Go Editora, por ter aceitado mais este empreendimento, Salt pot Neva Sot Gace a colaborando, decisivamente, na divulgagio dos questio- 10 injusto penal eo isco nio permitido .- 39 namentos atuais da ciéncia juridica. 2 = 0 ocaso do finalismo ‘ Beaune) Porte Alegre, outono de 2008. 3" Asmawpela neiansistve coinunas oo Bs : 5 Conelusto aaceanen pnt loa André Lufs Callegari Bibliogratia we Nereu José Giacomolli Capitulo I A protecao de bens juridicos como missao do Direito Penal? Traducao de André Luis Callegart ‘sera sempre um problema central \gGSlador Was, também, para a Ciéncia do Direito 1 - O comportamento como objeto de puni¢ao ° Penal. Ha muitos argumentos a favor para que o legisla~ dor moderno, mesmo que esteja legitimado democrati- camente, nao penalize algo simplesmente porque néo gosta. A critica veemente 2 usn governo, a prética de Convicgbes religiosas fordneas, ou um_comportamento privado que se afaste da norma civil serao ci an- as incOmodas para uma autoridade que poe especial interesse em cidadaos obedientes, conformistas e facil- mente dirigiveis. A histéria ~ também, inclusive, a atual = conhece muitos exemplos de uma justica penal que busca a represséo de um comportamento semelhante. Entretanto, de acordo com o estandar alcancado por nossa civilizacéo ocidental - e minhas apreclagdes se moverfio;somente neste marco ~, apenalizacao de um comportamento necessita, em todo caso, de iti rages cikerem les discricionari adios See ee ee i [A proteg de bens juriicos como fungto to | 2- A situagao na Alemanha no pds-guerra A ciéncia do Direito Penal alem&o do pés-guerra tentou limitar 0 poder de intervengio juridico-penal na teoria do hem juridieo, A ideia principal foi que o Direito Penal deve proteger somente bens jurfdicos concretos, ¢ no convicgées politicas ou morais, doutri- nas religiosas, concepsdes ideoldgicas do mundo ou simples sentimentos.! O projeto alternativo alemao do ocidente de 1966, do qual ful co-autor, ¢ que pretendia opor-se ao projeto do governo de entéo com uma politi- ca criminal alternativa moderna rezava, programatica- mente, no artigo 2%, § It: "As penas e as medidas de seguranga server para protecdo dos bens juridicos ¢ & reinsercao do autor na comunidade juridica”. Ainda qui o legislador alemo nao tenha assumido esta ideia programatica, ao menos reformou integral- mente, nos anos seguintes, 0 Direito Penal alemao no ambito sexual, sob a influéncia da teoria da protecao de bens juridicos. Desde entéo, 0 capitulo correspondente de nosso Cédigo Penal jé tid se intitula “Delitos e contravenges contra a motalldade”, mas, “Fatos punt- veis contra a auitodeterminacao’ sexual”. Isto 6, a “mora- ‘Tee artigo fo traduaido para o expan por Jorge Fernanto Perdomo Tore Cane cenigaconcr on Derecho y Fiesohin Universided Excenado de Colombe. ‘Gslitres'mets importante sobre a sora da bei joridlco ¢ que dferem Stnplamente quanto ao conteuida a tendoncia so: Jer, Stefgestzgsbun aaa peep sl de Stich ictsdeicn, 1s. Sine Die Doge [eschichte des Bogeltis"Resntsput™, 1982: Among, Rechisgversehute und Sepals dor Geselchat, 197 tors, ue Dafinion des Segre “Rechtsgu. 1512: Fastener Theos und Soatlogie des Verorechens ~ Ansatz 2 einer prbvsorientiocen Rechtsgulehr, 19: Hetendel/ Ven Hirsh Wohlers (a {ores Die Recnagutsteori, 2008, | 3 tint indiatea do atigo, no Cédigo Penal Alemto, ol raduzido coma sig. Se eseceeee receaereeeeseeeeceeceaee eee 12 4 ‘Clous Rwln Mopelidoat dade" ja nao ¢ protegida juridico-penalmente porque nao é um bem juridico, de maneira que, por exemplo, a homossexualidade entre adultos (entdo tida como imo- ral), a troca de casais, os atos: sexuais com animals outros atentados contra a moral foram, de forma conse- quente, dispensados de pena. 3 - Comportamento ético: delitos sexuais A reforma do Direito Penal no ambito sexual, con- cluida no ano de 1973, Ievou atloutrina do bem juridico 20 ponto culminante de seu retonhecimento na Alemia- nha, ainda que isto seja negado por alguns dos adyers4- s da teoria do bem juridicg? com a afirmacao'de que a punibilidade da homossexualtéade entre adultos se su- primiu, ndo porque um compoftamento semelhante 120 Iesione os bens juridicos de alguém, mas porque.as conviccdes mudaram, e este tomportamento | nao se considerou como imoral. Cort efeito, a homossexualida- de 6 considerada hoje na Alemanha como uma forma especial, eticamente neutra, de orientagio sexual. Entre: tanto, isso foi, em grande parte, a consequéncia da despenalizagao, ¢ no sua cauise; poucos anos antes da supressio da punibilidade, 0 projeto governamental para o novo Codigo Penal no ano de 1962 qualificou a homossexualidade como um “comportamento ético es- pecialmente ceprovavel ¢ ignominioso segundo a con- vicgao géral".* Stratenwerth Zum Roppiteles *Rochtsgutes" io em hamenagem a Lencker Lean tre ce 80) irsabote aktuelle Diskussion Gber den Rechtsgu begrift livro em homenagem 2 Spinelli, 2001 p. 428 e ss. (132. 3 Bogrdndung des Reglerungsentivurs, 1982, p. 376. ‘A protegao de hens juridicos como fungho do Direito Penal 13 k Ao se negar a grande influéncia do conceito de bem jurtdico de entio, desconhece-se, ademais, que o projeto alternativo “delitos sexuais", que toma como base @ teoria do bem-juridico, foi o modelo ao legislador. E, finalmente, quando se nega a vitdria desta teoria neste ambito, desatende-se que formas de comportamento também hoje em dia consideradas como imorais, como ‘os casos mencionados de troca de casais ou as praticas sexuais com dnimais, nao séo puntvels pela falta da lesdo de um bem juridico. 4- Ambito enal: Hirsch, Stratenwerth e Jakobs Depois das reformas mencionadas, o conceito de bem juridico n’lo experimentou na Alemanha um trata- mento a fundo por um longo tempo. A discussao se acendeu de novo vivamente so até os ultimos anos. A crenga de que a ameaga punitiva deve ser a evitagao das lesdes a0 bem juridico foi, nesta discussdo, cada vez mais objeto de critica. Limito-me aqui as posicdes de trés autores que consideram impossivel ou errado restringir \: ‘ambito de atuagao do Direito Penal 2 lesées de bens juridicos. firscBafirma que “nao existe” um conceito de bem jurfdlto predeterminado para 6 legislador. “O conceito ‘de bem jurfdico nao 6 um printcipio idoneo para limitar © Direito Penal”. Stratenwerth® remete as multiplas e variadas definigdes do bem juridicd na literatura para logo afirmar que “uma defini¢ao material universal de Tse com a nota 2, p48, 448, 5 Stratenerth como na note 2p. 378 €388, ae Tae Pe eeaeseeeeceeeeceeeeeeeeeeeceeeeeeeee 4 : (Cleus Roviet bem Juridico” equivaleria a “deixar o circulo quadrado”, isto é, seria impossivel. Ademais, ele sustenta qué 0 motivo para a elaboragéo de um tipo penal nfo ¢ a protecdo de bens juridicos, mas a inconveniéncia de um comportamento. Deve-se “recorihecer que @ orientacao bésica social legislativa recotthecida ¢ decisiva pata, por um lado, querer a maniizen¢do de uma norma determinada ou para, por outro Jado, simy nte nid querer um comportamento” § Finalmente! [akobs>obser- Ya, desde um prinefpio, que a fungao do Direito Penal ¢ a confirmacio da.vigencla da naeme, ¢ nao a protecdo de bens jurfdicos. O fato punivel ¢ @ negagao da norma pelo autor, e a pena tem como significado que “a afirmatio do autor n&o é determinante,e que a norma segue vigendo inalteradamente" * Partindo desta perspectiva, nao 6 necessario ocupar-se mais’sobre o conceito de bém| juridico Entretanto, a idela da prdtecdo de bens juridicos como um instrumento para destringir a intervencao juridico-penal também encontéou defensores decididos. (Hassemetyha mais de 30 anos, é protagonista de um ConeaTD de bem juridico denominado por ele “critica 20 sistema”? e hoje, vice-presidente do Tribunal Constitu- Zional alemAo, afirmou recenternente:!° “A proibigéo de ‘um comportamento sob dmeaga punitiva que nao pode 7 Sumtenwerth, na: Hele Von Hirsch Weber (ditore), Die Rechtsyuts- theorie, 2003, p. 289 es é 1 Limitar-mevei 20 skin trtamente detathado do toms: Was schatra das Sergius Rechtsgatsr acer Normgelwng?, liv homenagem a Soi, 2008 Bite se Ese trabalho js avin sido pubicado na tragucto em espanho. en: Revista Peruano de Dovtrina ¢Jurzprudénta, 1. 1 (2000), 9. 184 4 alia dtagdo € rtirada do trabalho “Bargerstrafrecht und Feindse fret". em: liveo em mamdria de Hung 2003 p42. 8 Hassemer em seu escrito de heblitacHo mencionad® na nots 1. 10 passemer ina teabathos Darl es Strattaten goben. die ein strafrechtlickes Rechtsput niet n Nletdanschat xlehen? em. Hefendel/von Hirsh Wohlers (ecitores). Die Rechesgutstheori, 2003, p. 87 (4) {eciores), Pk Ree ‘A protest de bens juridices como fungie do Direto Penal 15 \ | na » apoiar-se num bem juridico seria terror estatal [...] A intervenc&o na liberdade de atuacdo nao teria algo que a legiti .0 desde o qual pudesse surgir seu sentido”. chinemano’)interpreta a rentincia & capacidade critica do principio de protecao de bens juridicos como um retrocesso do Direito Penal a um nfvel anterior & ilustra- ao. "No somente se deve preservar a posigao central do conceito de bem juridico na dogiatica penal, mas que também 6 verdadeiro desenvolvimento da teoria do bem juridico¢ inclusive iminente” 5 - Conceito de bem juridico Encontramo-nos de novo frente a uma discussao bésica e apaixonante em cujo marco eu me incluo nos defensores dé conceito de bem juridico. Antes de ocu- parmete-seus detratores, desejo expor minha prépria ‘concepso na forma concisa como aqui convém. Jé que sdo tantas as opinides sobre o que é um bem Juridico, sobre 0 tema somenté se poderd discutir corretamente quando se deixe claro 0 que se entende por bem juridico e de onde se deduz uma restrigéo do Direito Penal protecdo de ditos bens. Eu parto de que as fronteiras da autorizagao de intervencdo juridico-penal devem resultar de uma fun- ‘go social do Direito Penal. O que esta além desta fungao nao deve ser logicamente objeto do Direito Penal. A fancdo do Direito Penal consiste em garantir a seus cidadaos uma existéncia patifica, jlivre e socialmente segura, sempre e quando estas mdtas néo possam ser 1 Sohdnemana, Das Rechtsgiterschutzprinzip als Fluchtpunkt der verfas- ungareeliichen Gronzen der Straftatbestanda und ihrer Interpretation, em Fide Hh ces itor) De Ressgstcor, 208, 2 alcangacias com outras medidas politico-soci tem em menor medida a liberdade’ dos cidadaos. Esta\ descrigdo de fungdes corresponde, segundo minha opi- nido, com o entendimento mesmo de todas as demoéra- cias parlamentares atuais, por isso nfo necesita, entéo, de uma fundamentacdo tedrica, mais ampia. Nao obstante, ela se legitima historicamente deste © pensamento juridico-racional da ilustragao que stive de base a forma de Estado idemocrético."* Desdé a concepgao ideolégica do contrato social, os cidadéos, como posstidores do poder estatal, trarsferem ao legis- lador somente as atribuigdes de intervengao juridico-pe- nais que sejam necessérias pata o logro de uma vida em comunidade livre e pacifica, ¢’eles fazem isto somehte na medida em que este objetivo nao se possa aleancar, ‘por outros meios mais leves. A ideia que se subentende a esta concepgio é que se develencontrar um equilfotio entre o poder de intervengao estatal e a Iiberdade civil que entéo garenta a cada um tanto a protecao estatal necesséria como também a liberdade individual possi-I vel. Estes ideais de nossa tradicao liberal ilustrada nao saitam de moda em absoluto, eles devem de preferéncia seguir sendo defendidos frente as novas tendéncias de origem diferente, restritivas da liberdade. De tudo isto resulta: em um Estado democratico de Direito, modelo tedrico de Estado que eu tomo por base, as normas juridico-penais devem perseguir somente 0 objetivo de assegurar aos cidaddos uma coexisténcia pacifica e livre, sob a garantia de todos os direitos humanos, Por isso, o Estado deve garantir, com os instrumehtos juridico-penals, nao somente as condicées TF Gfeo breve resume em Sekineinann, como na nota 11. p. 141 e 43: tambéra Fessenen,cotna na nota 1. p. 88, Ee fale de "uma fundamentagae do Direito Penal e da pena orientade aos Diritos Humanos, realizada sobretud pela Flasotia politica da lustracio". 16 ; us Rin ‘A protecio de bens juridieos como fungi do Direio Penal 17 is que ato rer individuals nécessérias para uma coexisténcia seme- Inante (isto 6, 4 protecdo da vida e do corpo, da liberda- de de atuagio voluntéria, da propriedade etc.), mas também as instituigdes estatais adequadas para este firn (uma administragio de justia ficient), um sistema monetério e de impostos saudavels, Uma administracao livre de corrupgao etc), sempre ¢ quando isto nao se possa alcancar de outra forma melhor. Todos estes objetos legitimos de protecdo das nor- mas que subjazem a estas condigées eu os denomino bens juridicos, Eles nao séo elementos portadores de sentido como frequentemente se supée ~ s¢ eles o fossem, nao poderiam ser lesionados de nenhum modo -, mas cireunstancias reais dades: a vida. integridetde corpo: ral ou 0 poder de disposic4o sobre os bens Materials priedade). Ent&o, nao é necessério que os bens jaridices possdam realidade material: a possibilidade de disposigdo sobre coisas que a propriedade garante ou a \iberdade de atuagao voluritarla que se protege com a proibicdo da coago nao séo objetos corporais; entretan- to, sdo parte ihtegrante da reelidade empirica. Também os direitos fundamentais ¢ Humanos, como o livre de- senvolvimento dea lib fe opinido uu religiosa, també {dicos. Seu desconheci- fnento prejudica verdadeiramente a vida na sociedade, De forma correspondente corm o anterior, embora as instituigdes estatals como a atiministracao da justica ou © sistema monetario ou outrbs bens juridicos de todos tampouco sto objets corporais, mas sao realidades vitais cuja diminuigao prejudica, de forma duradoura, a capacidade de rendimento da sociédade e a vida dos cidadaos. : { Sobre a ‘base dag reflexdes anteriores, podem-se definir os ben’ jurfdicos comb etreunstncas sents dads ou finalidades necessérias para Ui Segura e livre, ‘clus Rose que garanta todos os direitos humanos ¢ civis de cada uum na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos. A diferen- clagaio entre realidades e finalllades indica aqui que os bens juridicos nao necessariaméhte sao fixados ao legis- Jador com anterioridade, como 0 caso, por exemplo, da vida humana, mas que eles também possam ser crlados por ele, como é 0 caso das pretensdes no ambito do Direito Tributério. ‘A definigio que aqui se propée distingue um con- ceito “pessoal” de bem juridicd como o que, de forma similar, foi desenvolvido primieiramente por Rudolphi, ‘Marx e Hessemer ha mais de trinfa anos e de acordo com 1 projeto alternativo alemao do ocidente.'* Um conceito de bem juridico semelhante no pode s ini , de nenhum mado, a bens jurfdieos individuais: ele abrarlee. também bens juridicos da gerleralidade. Entretanto, es- teS somente sao legitimos quando _servem_del ariva~ thente a0 cidadao do Esta . Isto € assim j quando sé trata dos bens juridicos universais transmi dos e reconhecidos em geral. Ptde-se observar facilmen- te que uma administracdo da'justica organizada um sistema monetario estdvel sao necessarios para o livre desenvolvimento de cada um na sociedade. O mesmo dever de pagar impostos, detestado com frequéncia pelos cidadaos, ndo busca 0 enriquecimento do Estado, mas 0 beneficio do particular que est sujeito as cont buigdes do Estado que esto financladas precisemente através dos gravames. Um conceito de bem juridico pessoal de tais caracteristicas € @ forma correta de expresso de um Estado de Direito liberal, desde o qual parte a minha argumentacao. 19 Rudolph Be verschiedenen Aspekte des Rechsputsbegif vr em bo- esagom 8 Honig 1970, p. 151 @ 8; Maree Hasemer nos tralinos mencio- pds na 90t 1 {A protogio dé bens juridicns come furxéo de Direlte Penal 19 coneeito de bem jurfdico que aqui se defende é também um conceito de bem juridico_eritico com _a~ Jegislacto, nd medida em qué "prétende mostrar a0 fegislador as fronteiras de uma punicdo leeftima."' Ele se diferencia do assim denominaiio conceito metdico de bem juridico,"* segundo o qual como bem jurfdico unica- mente se deve entender o fim das normas, a ratio legis, Este conceito de bem juridico deve ser rechagado, pois nao aporta nada que v4 mais além do reconhecido principio de interpretagao teleoldgica. 6_- Limites impostos ao legislador Qual é a contribuigéo de um conceito de bem juridico liberal, pessoal e critico com a legislagao? Quais ‘sdo os limites que este conceito traca 2o legislador? Este 6 um tema exlenso que somente pode ser tratado em um livro, pois haveria que provar, numa andlise profunda, a compatibiliddde das exigéncias do principio do bem juridico aqui’apresentado, com os numeroses tipos pe- ais alemdes e estrangeiros. J4 que isto néo é possivel no marco desta‘contribuicdo, limitar-me-ei 20 esbaco dos pontos de vista mais importantes. Em primeiro lugar. é claro que so inadmisstveis as normas juridico-penais unicainente motivadas ideologi- camente ou que atentam contra Direitos fundamentais e humanos. A punibilidade de, por exemplo, expressdes {0 Fassemer fata do um esncito de bem juridica “crteosisttmlea” na mone. arafia mencionada na nots | ainda em sua ditima conference sobre o tema Rota 10. p- 57. Nota ). A ciracteriztedo “ertico-egisltiva™ me parece mais propriada, ja que a erties so. move no Ambico do sistema consttackonal gone. is fundamentado por Hon, Die Einwiligung’ées Verttaten, 1919, p. 3 Grit, Methodisene Grundlagen dec houtiged Strafrechtswissenschet,t ra hontensigem a Frank, 1900, tomo 1. p. | (8) criticas a um regime, de unides matrimonials de pessoas pertencentes a distintas racas dtentaria contra 0 princi pio da liberdiade de expresso ol: contra o principio da igualdade, respectivamente. Hstes dois principios es- Zo contides na Constitui¢ao alem& e sao também reconhecidos internacionalmente, isto é, obrigam .o Iegislador, 7 a Em segundo lugar, a simples transcricao do objeto" da lei nao fundamenta um bem juridico. Escolherei dos exemplos do Direito alemao sem entrar em detalhes. O Direito alemao também sancicna @ aquisi¢ao de uma quantidade minima de haxixe para o consumo pessoal'* @ todo comércio de érgos humanos para efeitos de transplante.'” Se, como entre nds ocorre frequenternente, considera-se, no primelro evento, a «liberdade da socie- D cea dade para ter trato_com drogas», e no segundo’ ¢a liberdade de doacd8s de Orgaos para fins comerciais» como bens juridicos protegidos, isto nao ¢ suficiente para a legitimacao da regulagao, pois com istosomente se expressa o que fez Jador. Entretanto, do que 8 frata € se desta forma se diminui a cogxistincia livre lar pacifica dos homens. Quando através do controle estatal |) se Tmpedert abusos se deve ré$ponder a isto negati mente. Em tereeiro lugar, os simples atentados contra af | moral nao s4o suficientes para a justificagao de urna norma penal. Sempre que eles indo diminuam a liberda- | de e @ seguranca de alguém, nao lesionam um bem juridico. Jé no comeco mencionei alguns exemplos. Como quarto aspecto, o atentado contra a propria dignidadé humana nao é, todavia, lesio de um bem| juridico. © legislador alemao invoca ultimamente este motivo de penalizagio. Assim, por exemplo, toda modi- 15 artigo 29 da tei de ténios. 17 artigos 1,18 ca el de tansplates. 20 . Chou Rexin A protegie de bens juridicas como funcio do Diteite Penat al ficagdo artificial de informagdo hereditéria de uma célu- Ja germinal humana é punivel.!* j6 que uma intervenctio semelhante ao gameta atenta supostamente, contra a Gignidade humana. Neste caso, somente existiria uma eso de um bem juridico quando, desta forma, o mate: rial genético do recém-nascido se manipula, ¢ isto por causa da diminuigdo das possibilidades de desenvolvi- mento, nao previstas. Nao obstante, se a intervencdo se da com o objetivo de impedir doengas hereditérias maiores, a crianca nao é lesionada; por exemplo, se inelhoram as possibilidades de vida e desenvolvimento, Isto nao é uma lesdo dé bens juridicos. Em quinto lugar, a protegdo de sentimentos somen- te pode ter-se como protegao de bens juridicos tratan- do-se de sentimentos de ameaca, Por isso, quando 0 legislador alem&o sanciona com pena a discriminacdo de setores da populacao (a incitagdo 20 édio ou a utllizagéo de medidas violentas, ou a0 desprezo)'" isto é fundado, pois é tarefa clo Estado asseguirar aos cidadaos uma vida wen ‘sociedade, livee de medo: A punibilidade das agdes exibicionistas® vigente na Alemanha também se pode justificar sempre quando estas ocorram sob circunstan- ‘clas que despertem temor de abusos sexuais nas mulhe- res afetadas. ‘Uma protegio do sentifriento que va mais além do exposto no pode ser fungio do Direito Penal, pois 0 homem modero vive numd Sociedade multicultural na qual também a tolerancia frente a concepgées do mundo contrarias a prépita € uma das condigdes de sua exis- tancla, Por isso, passa-se do limite quando o Direito Penal alemao sanciona o fato de que alguém provoque 1W Artgo 5 da lel de protegto de embies. 18 Antigo 130 § #, numeras I 2 60 Cédigo Penal 2 Amigo 183 do Cédigo Penal 22. Chus Rawr escandalo piiblico realizando.uma_agho sexual”! ou 0 envio 2 alguém de uma publicagao pornografica sem que este a tenha solicitado.* Muitas outras coisas po- dem ser desagradaveis para alguém, e precisamente 0 problema nos casos expostos se pode solucionar por si Fresmo fazendo-se vista grossa ou retirando o documen- to. Em todo caso, a liberdade e a seguranca da vida em comunidade nao se afeta desta forma. Aquia punisdo ¢ sua reagde desmestraga (Os dssédios periféricos sero. ademais, objeto do Direito de policia. ‘A consciente autolesdo, dri sexto lugar. como tam-y bém sua possibilitagao e fornento, nao legitimam uma) sangao punitiva, pois a protegio de bens juridicos tery por objeto a protegao frente aoutra pessoa, e nd frente peg mesmo. Um_paternalisro estatal, enquanto este deva ser praticado através do Direito Penal, é por isto justificdvel somente tratando-se de deficits de autono- iia do afetado (menores de idede, perturoados mentais Que Tao compreendem corratamente o risco para si) sso é assim. A participacdi cidio nao deve ser punivel, como’ ocoré na Alemanha, ao conteério de muitos outros paises, quando'dquele que consentiu com a morte tomou sua decisao, em um estado de total responsabilidade; isto € uma questo de grande impor tancia na moderna discussao sobre a eutandsia, Quando na prética de esportes de risco ocorrem acidentes. os organizadores e promotores devem ficar isentos das consequéncias juridico-penais sempre que os desportis- tas sejam conscientes dos:ciscos inerentes_2pratica despertiva. Também, a jé menclonada aquisigao de pe- quenas quantidades de drogas suaves para o consumo pessoal pertence a este ambito. O mesmo se aplica 20 consumo de alcool e tabaco. Peau BT Rago 1BBa do Codigo Penal. 2 Antigo 14, § l'on 6, do Césigo Pent pase ee ‘A protegdo de bens juridicas como fungio do Diraito Penal 23, war Sinpdim Em sétimo lugar, as leis penais simbdlicas nao buscam a protecio de bens juridicos. Entendo como tipos penais simbélicos as leis que nao sto necessérias para o asseguramento de uma vida em comunidade Gue, 20 conttério, perseguem fins que esto fore do Direito Penal como apaziguamento do eleitor ou uma apresentagao favorecedora do Estado. Somente cito como exemplo uma regulacéo do Cédigo Penal aleméo* que pune com pena a negagko ou ‘a diminuigao de importancia dos delitos de genocicio cometidos sob o regime do nacional-socialismo. Nao ‘obstante, a negacdo total ou parcial de fatos histéricos, que inclusive nao compreende a aceitacao de delitos, no menosprea a vida em comunidade dos homens que vivern hoje em dia, tanto mais que estes fatos foram provados, e sua verdade histérica, reconhecida em ge- fal. O verdadeiro sentido da norma ¢ apresentar a ‘Alemanha de hoje como.um Estado depurado que nao ‘oculta nem esquece os crimes da época de Hitler. Isto € uma intengéo louvavel; entretanto, sua persecugéo n&o serve A protegao de beris juridicos. O emprego do Direi- to Penal para um fim semelhante nfo é entéo legitimo. Em oitavo lugar, as regulacdes de tabus tampouco sdo bens juridicos, e por isso nao devem ser brotegidas através do Direito Penal. Trago * colacdo somente © exemplo provocador do inéesto, que esté sancionado com pena no Direito alemao® e com frequéncia em nivel internacional apesar de nao ser tao claro quais s4o os danos que surgem quando, por exemplo, irmao ¢ ira, 2 Monografia: Voe,Symbolische Gosdtegobung, 1989, Contribuindes: Hesse ine Das gymbolisene am symbolischan Strafreckt. Livre em homenagem 3 Recin a00t p. 100K; afte, Die Legitlnation ds staaichon Strafeechts ass- cee elon, FreinetsverbGrgung und Symbolik, tivo em homenager & Renin, 2001. p. 865. 2 artigo 150, § 8%, do Cédigo Penal. 25 Aruigo 173 do Céaigo Penal creer —_ 24 ‘Clnus Rex pwothé \ | como adultos ¢ de comum acordo, tem relagées sexuais entre si. A fundamentacdo que habitualmente se ante- be, de que se deve evitar mal-formagdes da prole. nao ¢ fundada. Pois, em primeiro lugar, de uma relacdo seme- Ihante nao resultam filhos em regra geral; em segundo lugar e dado 0 caso, estes filhos sofreram mal-formagées fem casos extraordinarios: e, em terceiro lugar, a parte disso 0 Estado no tenta evitar danos hereditarios, Iangando mao de normas juridico-penais como causa do respeito a esfera privada humsha. Esta regulagdo prore ge. entdo, um tabu, transmitide desde os tempos prithi tivos da socializagio humana que, independentement do Direito Penal, hoje também’ € respeitado qudse stm excecdo; sem embargo, para suid protecao juridicozcrifmt nal, ndo existe um motivo suficiente como jé se reconhe~ ceu na época da ilustracao.* Por tiltimo e em nono lugar, os objetos de protecdo de uma abstracdo incompreenisivel nao devem recorhe- cerse como bens juridicos.10 Direito Penal alemao sanciona, por exemplo, numerosas formes de comporta- mento sob a condi¢éo de que sejam “idéneas” para “perturbar a paz. piiblica” 2” Desta forma, nao se destre- Ye suficientemente um beri juridico conereto, pols @ Ti lade" reclamada pressupde_um juizo de valor nao fundeds-emplecarent So wugdes racionais argu Tiemtadas convincentemente somente s4o possivel quando se renuncla a um conceito geral vago destel classe ¢ se pergunta se uina regulagao tal previne umal verdadeira ameaca & seguranca ou se ela somente tem| por objeto a protecdo de sentimentos ou conviccoes! sobre tabus. 35 Fam, Des Heetn Marquis von Seocarta unserbiches Wark von Varbre- Gace ne Straten, intraduto Ge Hormel 1778; relmpressa0 Berl, 196, p Sen eokicir mages com sua irma & ura pecado pars 08 crstécs, mas mio ha injunte til Pots dito ou iusto somente significa aqullo através Jo Soars Sendo a alguém, Simplesmence ito € 0 cbt das lls pons eis SF Resimn, por exemplo, nos meneionades artigos 120 ¢ 165 do Codigo Penwt Sg estagesesu tees see ee ee ‘rma bere onda come ana do Dir Pena 25 so lade 7~ Arestrigao da punibi Poderia alargar a minha lista e aumentar os exem- pos; sem embargo, parece-me que a concisa exposicao Enterior mostra que o conceito de bem juridico que defendo aporta perfeitamente regras aptas para a resti cdo da punibilidade. Com toda seguranca, pode-se di- Vergir sobre uma ou outra de minhas posicdes.’* mas indiscutivel que @ punibilidade, em todos os tipos pe- nais anteriormente mencionados, € problematica ha muito tempo, ¢ todas as argumentagdes relevantes para a decisio estdo influenciadas, explicita ou implicitamen- te, pelo principio de prot bens juridicos. Este principio, como esbocei aqui, serve-me, antes de tudo, como linha diretriz politico-criminal para 0 legistador, cofho arsenal de indicacbes para a configura- ‘gao de um Direito Penal liberal e de Estado de Direito. A questéo que sucede se uma regulaco penal pode ser inclusive nula quando no corresponde com os critérios aqui desenvolvidos, desejo traté-la, com uma remissao breve A situagio na Alemanha, Isso porque se trata de uma questao ‘de Direito Constitucional que pode ser respondida de diferentes formas em cada Estado. 8 - A proporcionalidade No que concerrie ao Direito aleméo, o Tribunal Cons- titucional no utilizou até agora a idoneidade de uma norma penal para a prote¢ao de Hens juridicos’ como 78 Nesta abereura para discuss6es racionais eft. Mir Puig, Wertungen, Nor tren cna Stafechtowidrigke. Goltdamimer's Ach for Strafrecht 2003. p Bede on (856). que, com mutta razio, Bbserva urta vantagem do conceto de ‘bem jaridieo. : 26 (Chous Rox isoeearor sean pA condigio_ de_sua _validade ¢,com isso encontrou. nob" sees Srapla acoitacao nas trabalhos monogréficos. apesar de, como se exp0s 26: princfpio, a restricdo do Direito Penal a protecdo de bens juridicos se pode deduzir perietamentedas tundarenis tedrico-estatais de uima emidracia parlamentar. Este, Gesprezo da capacidads Giza do principio de protegao de bens juridicos* Contribuiu, em grande medida, a que ele nao seja levaclo em conta pela literatura e também pelo legistador alemo, Nao obstante, existem porjtos de partida para uma recepgio constitucional da ideia de protecio de bens juridicos. O tribunal decide sobre a admissibilidade’ de ‘uma intervengao juridico-penal lancando mao do princi pio da proporcionalidade ao qual pertence a chamada Taiblego ce axcesso$ como uma de suas manifestacdes.| Boder-se-ia dizer que urna notma penal que nao protege! uum bem juridico € ineficaz,,pois ¢ uma intervengao excessiva na liberdade dos cidadaos.! Desde logo, have 14 que deixar ao legislador uma margem de decisdo no momento de responder se uma norma penal € um Instrumento titil para a protetao de bens juridicos. Mas quando para isso ndo se possa encontrar uma funda- mentagao séria justificdvel, a consequéncia deve ser a ineficdcia de uma norma pent! “desproporcional”. 9 - Legitimacao dos tipos penais © principio da protécdo:de bens juridicos néo se deve ver, sem embargo, como 0 tinico critério para @ 2 depo, eatecent vor don Shanon dar Grune, 1998 Appel. Vertes Sungeeed rate. 1908, Stchln Stratgesragebang is Verfessungsztst, 1898 30 Sehiinemann, como na note I. ps M8. 2 Assim também Schein, como na rita 28. p, 163-165; Fase, como ne neta 10, p- 6 ‘A protege ce buns juridieos camo Fangio da Direito Penal 27 o legitimagao de tipos penais. Na ciéncia alema de Direlto Penal, discute-se intensamente se a tendéncia de nosso egislador de permitir a punibilidade ja no estdgio ante- rior a uma lesgo de bens juridicos é justificavel desde o ponto de vista do Estado de Direito. Por exemplo, a Conducao de um automdvel em estado de embriaguez ¢ punivel também quando inclusive nao ocorreu absoluta~ mente nada.2® Ademais, j4 existe um delito consumado de estelionato de seguros® quando alguém faz desapa- recer sua prépria colsa para logo avisar ao seguro como se a coisa fora roubada, Nesses cass, muito numerosos na legislacao mais moderna, 0 principio de protecdo de bens juridicos ¢ somente util numa forma modificada, pois as duas regulagdes que introduzi como exemplos servem, sem qualquer dtivida, para a protecdo de bens juridicos: 0 primeiro exemplo serve para a protegio do corpo, da vida e dos beris reais no tréfego: 0 segundo protege a propriedadé das companhas de seguros. O problema Anerente a estas normas é que 0 Comportamento culpado lesté ainda bastante distante da verdadeira lesao de bens (ee Do conceito de protecao de bens juridicos se infere, ent&o, somente que, tratando-se de uma antecipa~ ao considerdvel da punibilidade, necessita-se funda- mentar, especialmente porque isto é necessdrio para 2 protecio efetiva do bem juridico. ‘A fundamentagao pode contribuir no primeiro caso (porque um condutor embriagado ja néo domina seu comportamento suficientemente, de modo que em cada momento pode ocorrer algo): sem :embargo, nao, no segundo (pois quem faz deseparecer sua propriedade pode decidir sempre se logo se dirige ou nao ao seguro, ‘com animo de enganar), As muiltiplas diferenciacoes 3 Antigo 316 do Céago Pest. 5 artigo 265 do Cétigo onal Grane saeseeseeceeeeeeseeeeeeeeeeemee 28 Clnus Rosin necessérias, tratando-se do extenso ambito da punibili- dade da preparagiio ¢ a colocacao em perigo, necessitam de um oxame separado que n&o pode ser feito aqui.™ 10 - Criticas Para finalizar, quero dedicar algumas palavras os detratores do conceito de beth juridico, limitanda;me aos novos trabalhos dos autores mencionados no coihe- g0 (Hirsch, Stratenwerth, Jakob). Hirsch®® nao nega a possibilidade de um conteito de bem juridico pessoal derivadé do contrato social; sem embargo, nao observa nisso,uma Vineulagao para 0 legislador. Segundo este autor, “nao se pode anotar que exista interesse geral, que de acordo com seu genero, deva reivindicar ou ndo protegao penal”. Tratando-se de bens juridicos individuais; “tampouco” se poderia "in- dicar uma protecao penal total, como se aprecia no uso temporal da propriedade alheia’, A diminuigao de um bem jurfdico, como ocorre no usus furtum, somente significa, sem embargo, que uma penalizagao é possivel fem caso de necessidade, e no que esta seja necessétia ‘Ao lado do principio de protecdo de bens juridicos aparece, com um mesmo grau, 0 de subsidiariedade, segundo 0 qual somente se deve ameagar com pend quando reguiagdes civis ou juridico-administrativas mais leves ou outras medidas politico-sociais nao sejam Tks monogratias noves mas importants sio: Herzog, Csellshattiche Un- sicherboie und er Stratreehssehutzes in den Gefahedungsbercich, 1901: Zitsebang. 1 fanrdungsdeliite, 1008; Wehver, Dalktstypen dos Praventionsstrarechts ove: Helendehi, Koliektive Reehssghter Im Stafrecht, 2002 35 Hirsh, come ne vata 2, p. #30 e3. é 29 [A protege cle bens jordcas como fui do Dirio Pg te é yor suficientes. O Direito Penal é, como sempre disse," sub- Sidiério da protegio de bens Juridicos. Mas isto no re- tira 0 significado do conceito de bem juridico, como espero que tena dernonstrado na minha exposicao. Hirsch opina, ademais, que do conceito de bens juridicos se deduziria "somente a excluso do absoluta- ‘mente irrelevante para o Direito e isto nao ¢ um proble- ma juridico-penal especifico”. Se devemos suprimir ou nao introduzir uma punibilidade quando falta a leséo de tm bem juridido é, sem dtivida alguma, um problema juridieo-penal. 0 fato de que disso surja a davida sobre ‘da admissibilidade de regulacdes jurfdicas para outros Ambitos do Direito, nao modifica isto em nada, Tampou- co me parece absolutamente proibido manter, em alguns paises, padrdes culturais constituidos em geral pela mio de ferramentas juridico-administrativas, ainda quando sua lesdo no diminua bens juridicos. Quando 0s euro- peus do norte passelam totalmente despidos pelas praias do sul ou em trajes de banho por lugares habita- Gos, isto nao é objeto do Direito Penal, Sem embargo, os habitantes do pais ndo tém que suportar quando isto atenta contra suas concepcdes de decéncia. Uma regula 80 juridico-administrativa (por exemplo, a demarca¢ao de zonas para banho sem roupa e a proibicgo de usar traje de banho em lugares habitados de uma cidade ou em estabelecimentos) deve, por conseguinte, admitir-se e também conseguir-se através de sangSes diferentes das Juridico-penais. £ absolutamente comipativel com o modelo social- contratualista fazer depentlet a punigao ~ em verdade a intervencdo estatal mais dra ~ da necessidade de prote- ao subsidiéria de bens iuictsoe também o assegurar & salvarguarda das regras culturais de comportamento piiblico, mas de outra forma enquanto isto se mantenha 38 Rovin, Strafecht, Allgemelnge Tell, tomo 1.3. etigdo, 1987, § 2.1.1 ¢ enna 30 : Ges xn no marco de Constituigao e esteja sujeita a controles democraticos. i De qualquer maneira, Hirsch” também recorre a0 principio constitucional da proporcionalidade para cb- locar barreiras ao legislador. Porém, ele o associa preft rentemente com o principio de subsidiariedade: agrega. nao obstante, “quando um artibito de comportamertto nao oferece um motivo para sua nao realizacao”. Se se interpreta esta singular formulagao de tal maneira que nao existe um “motivo” para a: "nao realizacdo” de um comportamento quando uma prbibigao nao serve & pro- tecdo de bens juridicos, a concepcao de Hirsch pode ser absolutamente compativel coma aqui defendida.* ‘Stratenverth* nao afasta por completo 0 coficeito da protegéo de bens juridicds; apesar de considerér como “irresoltivel” a tarefa de aportar uma definigéo: aceitavel de bem juridico.® Frente a isso, parece-me que fa descrigao que nesta conferéneia se tentou aporta fuh- damentos de trabalhos uteis, ainda que eles tenham que ser aperfeicoados. ‘Ademais, Stratenwerth tarhbém deseja proteger, através de ameaca punitiva; ."tabus cunhados cultural- mente” e “determinadas normas elementares de com- portamento’,‘' ainda quando sua transgresséo no represente uma lesio de um bem juridico. De outra forma, nao se poderia explicar, ém stima, por exemplo, a punibilidade de atos sexuais'em puiblico ou um tipo penal tao discutido como o do incesto entre adultos.”® Neles 6 correto que tais normas, como ja se afirmou, 37 Frseh, comma na note 2. p44 38 Srratenvert, corto 99 B0t2 2, p. 377 08s. 8 Sracennerth, como no note 2p 38. 40 Seratenwerth camo ne nota 2 p- 389 1 Suracenwerth, coma na nota 2, 9-38. 42 Stravennerth como na nota 2, p. 269/890, ‘A proteqao de bens juris como fungBo do Direte Penal 31 colidem efetivamente com 0 conceito de protegdo de bens juridicos. Sem embargo, nao fica claro como se pode deduzir a legitimacio de ditas normas de sua simples existéncia, e mesmo Stratenwerth considera du- vidosa esta legitimacao. Em seu ultimo trabalho, Strantenwerth radicaliza seu ponto de vista.!? ao ponto de considerar suficiente para a elaboragio de tipos penais uma “atitude Funda- mental” social reconhecida, um “no querer” algo. Des- ta forma, abandona-se por completo a capacidade critica do principio de protegtio de bens juridicos. Podem existir, inclusive, bons motivos que expliquem © motivo pelo qual grupos sociais, com influéncia parlamenta “no querem” algo: por exempio, fumar e beber, tao projudiciais a saxide, esportes de risco, a leitura de livros pornogréficos ou a libertinagem sexual. Em um Estado liberal ndo $e deduz disso um motivo punitivo sufi- cliente. Nao obstante, concordo, afinal de contas, em um ponto essencial com Stratenwerth. Ele deseja incorporar, no ambito de atuagio do Direito Penal, a protecdo de animais ea proteco dd sobrevivencia das futuras + geracdes."* Eu também cohsidero que o mautrato de Srimato jimaiou 0 exterminio de espécies animais devern ser penalizados da mesma forma que, por exemplo. a des- truigio que prejudica eflcazmente a vida das futuras geragbes. Poder-se-ia pensar que estes dois eventos contradizem a ideias de protecdo de bens juridicos. pois ‘0 atentado contra os animais e as futuras geragdes ndo afeta necessariamente a coexisténicia pacifica dos ho- 1 Sratenwerth como na rota, 9.20008, 4 44 suratemwerth, como na nota 2p 385 45 siratenwerth na confertncias “Zukintssicherung mit don Mitteln dos Stra- Feschac?™ Zatschrf fr dle gesanteStrafrechtswissenschatt tomo 105, 186, paises Pee Ree tenes EEC ee eeeeeeeeree ees 32 Claus Rox mens que vivem atualmente. Sem embargo, por isso no se necessita renunciar ao principio de protegéo de ‘ens juridicos como o quer Stratenwerth, Somente hé que ‘ampllé-lo, fazendo extensivo''o contrato social, mais | além do cérculo dos homens que vivem atualmente, a outras criaturas e as geragées futuras.'® Na Alemanha, isso se expressa através de nossa Constituigdo, que em uma nova regulagio introduzida ha alguns anos," afir- ma: «O Estado protege os fiindamentos naturais da sobrevivéncia e os animais, em responsabilidade pelas faturas geragdes>. Penso que também o desenvolvimen- to a nivel internacional vai nessa direcdo. i Finalmente, para } a fungio do Direité Perla no 6 a protecio de bens juridigos, mas @ de evitdr ura diminuicdo da_vigéncia da norma. “Desde este porito de vista, com a execucio da peha sempre se alcancou 0 seu fim. Fice confirmada a configuragao da socieda- de"? Isto ¢ uma construgéo 'tedrico-social cuja seme- Shanga com a teoria da pena'de Hegel (a pena como “negagao da negacko do Diréito”) salta aos olhos. Sém embargo, ndo compartilho com este pensamento. Um sistema social, segundo meu entendimento, nao deve Ser, mantido por ser um valor em si mesmo,%° mas atenden- « do aos homens que vivern na:sociedade do momento. Mesmo que isso fosse de outra forma, este sistema social nao se manteria através de atribuigdes sem sentido, mas Te Tambam neste sentido ~ pelo meng pare o asseguramento do futuro = ‘Schanenannaern.Schtineoonn’ Pile? Philipps (eétores) Das Menschen iinseieucitan Warde der Grundech. 202, p.3 © 88, AT Act, 2, Gomsttulgao. 48 Joka, corto na nota 7 © 08 textos das ccabes [é includes acim (1). 4 Jpkobs, cob. a oka T.-M. 0 inila a itiea de Mir Pug. camo ne nota 28, p. 886: “De um instrument que Cove se loptinago através de stl, a norea se converte am am i Tegitimaco ein s1 mas a erences eeeeeeeeeee ‘A protogao de bens jurideos come Fungo de Direto Penal 33 “jokes { somente pela efetividade real de suas medidas de con- trole, as quais pertencem a ameaga ea execucao das penas. Além destas objecées, a norma nao pode pretender Isomente a obediéncla dos cidadaos. Esta sempre se deve dirigir a uma agdo ou omissao, isto ¢, ao estabelecimento ide um estado determinado. Mas, em um Estado Demo- crético de Direito, do qual parto como ideia diretriz, este estado sé pode consistir em um viver em comunidade de forma pacifica e livre, onde se respeitem os direitos humanos dos membros da sociedade, Jakobs evita cons- ‘cientemente, ao contrério, toda declaracdo sobre a legiti- midade ou ilegitimidade de contetidos da norma, assinalando tais declaragdes como nao cientfficas. Tra- tando-se da protegao da norma, pode-se “optar politica- mente por normas para a regulacdo da vida livre de pessoas opina Jakobs," ‘tendo entdo 0 mesmo ponto de partida criticd do qual se vangloria a teoria da protecao de bens juridicos, mas se trata de um ponto de partida politico, nao ¢ientifico’, Nao hé nada mais que dizer a respeito”, 1. Aqui me dé a impressio de que um conceito estre- {to de ciéncia conduz a entrega do jurista a discriciona- \riedade e & arbitrariedade legislativa. A politica criminal, ‘como tal nfo ¢ certamente uma ciéncia; sem embargo, 0 desenvolvimento das fronteiras do processo legislativo, quanto ao conteuido, desde as diretrizes politico-crimi- nais de um ordenamento constitucional liberal e de Estado de Direito, pertence perfeitamente as tarefas cientificas da jurisprudéncia, independentemente da questo de se este desenvolvimento se dé no marco da doutrina ou da judicatura constitucional. Em seguida, Jakobs nega, sobretudo, que nos deli- tos de Infraclo de um dever, desenvolvides primeiro BT Jatote, como na hoca 7. p31. 34 Chas Roxtn por mimé e acs quais pertencem preferentemente os fatos puniveis cometidos por funciondrios no exercicio de suas fungdes, possa-se atribuir uma lesio de béns juridicos. A prevaricacao judicial, por exemplo, € con- eebida, entéo, somente comb esto de dever, e ro justamente como lesto de um bem juridico.** Isto, sem embargo, eu discuto. A admitiistracto de justica. cio carater de bem juridico inegével,® diminui gravement te quando um juiz profere consdientemente uma sentén- ga falsa, A lesio de um dever especificamente tipificado| 6, 20 contrario, somente um elemento da autoria: indu- tor e cimplice sero punides, ainda que mais levemente, de acordo com a mesma norma, apesar de nao serem juizes, Isto no seria possivel quando a punibilidade J4 indo levasse consigo a lesdo dé;bem juridico ‘Além disso, Jatobs pense: que 0 conceito de bem juridico “nao tem um contedidy genuinamente liberal” ‘Assim, por exemplo, a punibitidade da homossexvalicia- de “em uma sociedade configurada pela hierarquia de homens”, como o exéreito prussiano, buscava proteger bens juridicos, j4 que as relagbes sexuais “que em princi- pio tem carter de quebrar as hierarquias” heviem Surtido efeitos soclais danosos.* Igualmente, o incesto lesionou, em épocas passadas,'o bem da “clara estrutu- ragao da familia”. # indiferente se, partindo destas teses_audazes, pode-se fiindamentar que no passado distante as regula 5 Ravn Taterchlt und Tahetcba, 158 7. ecto, 200, p 252 = felicia eo espaalol 1908, p. 383 e 38. Detathado e respeito Sinchez Vera, Piehtdelie tnd Detling, 1908. 5 Amigo 839 do Codigo pena 4 jatabs, como na nota 7, p 2 58 cre. supra. 58 jabs, como ns nto 1, p27. 51 jets, coma na nota 7.p 2. 58 Jakos, como na nota 7. p27. ‘A protacio el bens jricioos como Fungto de Direite Penal 35 ges mencionadas protegeram sequer um bem juridico, Og bens juridicos no tm uma validade natural infinita: preferentemente, estéo submetides as mudancas dos fundamentos juridico-constitucionais e das relagdes so- ciais. Em todo caso, hoje em dia, nao se trata mais de bens jurfdicos como jakobs 0 admite quando diz que estes “bens se enfraqueceram ou perderam o vigor". O fundo da minha concepcao de bem juridico é unicamen- te o Direito Penal atual em uma democracia parlamentar de Estado de Direito. Entao, a0 final, Jakobs aproxima-se perfeitamente da concepcao aqui defendida quando Tecomenda a rentincla a normas "sem vigor". Ademals, deve-se reconhecer, como tentei explicar. que algumas das disposicdes penais de entrada néo possuem uma funcao legitima. 5 Jatots, como na nota 7, p. 27. 36 Claus Rain Capitulo 1 Protegdo de bens jurldicos e liberdade : individual na en¢ruzilhada da dogmatica juridico-penal : Traducao de Nereu José Giacomolli 1-0 injusto penal e 0 risco w no permitido Em minha primeira conferéncia, defendi ura dou- tina rien do-bem uceico frente & legislacao, a qual feve oferecer ao legislador a diretriz do que pode e nao pode penalizar, de forma legitima. Como ideia subjacen- te a esta concepeao, parti de um principio basico que informa a teoria do Estado, a saber: que «o poder estatal\ de intervencéo ¢ @ liberdade civil devem ser levados a um equilibrio, de modo que garanta ao individuo tanta protecéo estatal quanto seje ‘necesséria, assim como também tanta liberdade Individual quanto seja posst- vel». ‘ Esta segunda conferéncia tem como objetivo levar a cabo esse programa desde a politica legislativa, na diregao da dogmadtica juridico-penal. Consistindo a mi sio do Direito penal na protec de bens juridicos, entao 0 injusto'penal deve manifestar-se como 0 menoscabo de tum bem jurfdico, isto 6 como lesio ou colocagio em perigo de um bem juridico, Ainda que isso possa pare- cer trivial e evidente, nao 0 é, entretanto, quando se reconhece que outras concep¢des de grande influéncla, as quais logo me referirei mais detidamente, concebem 0 injusto como um conceito unico, baseado no desvalor da ac 1 deSautorizagao de vigencia da norma, renur ill elena an eee ‘A protoci'de bens juries como Fungo do Direlto Penal 39 ve clando, desta maneira, ide contemplar no injusto o des- valor do resultado expressado como lesao de bens juri- dicos. A teoria da imputaco objetiva, em cuja renovacao e desenvolvimento moderno tenho tido uma participa- o destacada," decorre inexcusavelmente do principio de protegéo de bens juridicos e, nesta “diresdo, tem chegado a alcancar uma ampla difuséo internacional, Querendo o Direito penal proteger bens jurfdicos contra 3 ataques humanos, isto sé seré possivel na medida em ‘que 0 Direito: penal profba a criagio de riscos nao permitidos e, ademais, valore a infragéo na forma de uma lesao do bem juridico, como injusto penal. Portan- to, agdes tipicas s4o sempre lesdes de bens juridicos na forma de realizado de riscos no permitidos, criacos pelos homens, ‘A ponderacdo entre os direitos estatais de ingerén- cia ¢ 0s direitos civis da liberdade, que na fase da legislagdo se logra com 0 auxilio do princfpio do bem juridico, se térna vélida urna vez mais, agora numa ‘segunda fase, na da dogmética, mediante a exigéncia do risco néo permitido. Quanto um transeunte se arroja inesperadamente na frente de um veiculo conduzido corretamente, sem ter 0 cohdutor a possibilidade de evitar o acidente, as consequéncias do fato representam, certamente, uma lesao do betn juridico, mas elas nao fundamentam nenhuma acid tipica de lesto corporal ou de homicfdio. Por ter 0 condutor agido de acordo com uma das regras permissivas do trafego vidrio, no aconte- 10 Gr. mints primetrascontribulgdes: «Gedankan auc Problematik der Zu- rechnung im Statrecht, erm: Pests fr Honig, 1370, p. 133 = Strafecht the Grundlagonprobleme, 1973, p. 123 fete livo,também fol taduzida aa spannol, com o ttulo «Reflexiones sobre la problemétice de la imputacion fnel Derecho Penale, em Prblemss bio del Derkcho pra, trade ntas de Ehsan Pena, 1976; p. 128 se): tambénl «Zum Schutzzweck der Norm bel fahrlssigen Delton, em: Festc fr Callas, 173, 2 cimento se produziu um tisco permitido. Se, ao contrario, © condutor nao tivesse respeitado as regras de ultrapas-| sagem, € por causa disso tivesse produzido 0 acidente, entao, aquela conduta anti-regulamentar ja comportari um risco no permitido, cuja thaterializacéo fundamen} taria uma acao tipica de lesao corporal ou de homicidio. © critério do risco nfo permitido ‘aporta assim, pois, para o Ambito do injusto, a escala de ponderagao entre a intervencao estatal e a liberdade ci De um lado, 0 condutor produz, em ¢i um risco para a vida, @ satide e os bens materiais. Mas, por outra parte, caso se proibisse sua liberdade de deslocamento, restringir-se-fa demasiadamente a qualidade de vida do homem inoder- no. Apés uma reflexao destas consideragées, conelul-se, até certo ponto, que mediante,a observancia da medida assinalada legalmente pelos tegulamentos do trafego vidrio, predomina o interesse’pela liberdade individual de atuacao; que 0 risco criadd mais além desse limite Ct profbIdot = due See ° em _juridico_so-Imipulados,eorrespondentemente 20 cdusanie-coma arko-pica. Os planos legisiative € dogmanice tragam, portanto, um processo de ponderacao em dois niveis. O legislador s6 deve proteger bens juridicos e, em consequéncia, deixar intacta a liberdade de atuagao do cidadao. Por sua parte, o aplicador do Direito tampouco deve prote- ger os bens juridicos de uma maneira absoluta, sendo ‘unicamente frente as lesdes produzidas mediante riscos no permitidos. “eatagorla Tentrar aS TUBS penal no é, pois, a_| causacao do resultado ou a finalidade da agéo humana, como se Vinha acreditando por muito tempo, sen&o a realizacap de um _risco na itido, A causalidade é s6 uma Condigao necessdria, mas nao suficiente, do injusto penal. Inclusive, admite-se esta declaragdo sé 40 ‘Cus Rosin 1 pret de bes jus coma una do Dito Pes ® Carson tT { quando se reconhece uma causalidade na omissio: a0 contrério, esta categoria ficard restrita aos delitos de comisséo, A finalidade, a0. contrério, ¢ s6 um elemento do injusto doloso, e nao, assim, pura e simplesmente, do injusto. E isto vige unicamente ao equipar-se dolo @ finalidade, 0 que pode resultar duvidoso em alguns casos de dolo eventual. ‘Na medida em que se concebe 0 injusto como um menoscabo do bem jurfdico, mediante a realizagao de um risco nao permitido, se produz, por sua vez, um giro do ntico ao normativo, Causalidade e finalidade sto categorias do, ser, e as teorlas que nelas se baselam Somente podem explicar o que € um homicidio, um dano ou uma lesdo, desde esses postulados. Ao contré- Ho, a partir dé toricepcéo aqui desenvolvida, cada homi- cidio ~ s6 para ficarmos com este exemplo ~ pressupde, certamente, um substrato empitico. Mas a questéo de se uuma causacao da morte representa uma agao horicida um assunto que deverd devidir-se normativamente, Segundo a observancia ou a superacao do risco perm!- tido. ‘Uma normatizagio nao sé demonstra unicamente na fixago dos valores de portderagao do risco permiti- do, mas também em que a fealizacio do risco ndo petmitido nao representa iim a¢ontecimento meramente speride do fim de protecto da nonma.ce .dora do risco,permitide. Quahdo, por Sxemplo, alguém conduz seu sutornGvel com excesso de velocidade, mas logo a diminui até o nivel do permitido @, quando neste momento, sé de uma forma objetivar mente inevitdvel, atropela umd crianca que inesperada- mente sai detrés de tim automdvel e salta na frente, este fato constitui uma desgraca, mas de nenhuma maneira uma ago lesiva da integritiade dorporal, apesar do condutor ter excedido, anteriormente, 0 risco permitido. ecicoasic cee casein dade oe fi ‘Claus Rosin al Da mesma forma, sem a superacio do risco permitido, a» erianga nao teria sofrido 0 acidente. Com a observancla} permanente da velocidade permitida, o condutor, toda- Via, ndo teria chegado ao luge quando a crianga saltou na pista, ‘Arfinalidade de protecao que delimita a velocidade exclui uma imputago do resultado. O limite de veloc!- dade n&o Impede qué os automéveis possam rodar no momento e lugar do acidente com uma velocidade correta, © que, preferentemente, deveria prevenir-se s80 as possibilidades minimas de eVitagdo de um acidente,e a maior violencia do impacto ‘frente a uma eventisal olisao, do que o exeesso de.yelocidade que suporta estes casos, Mas, como ditos perigos nao concorrerain em meu exemplo, tem-se que:techacar a existéncia de uma lesdo corporal objetivamente tipica. Mas aqui no posso entrar im mais detalhes. Nao obstante, minhas breves indicagdes jé podem mostrar que a teoria da imputagio objetiva se encontra enlacatia diretamente com o principio da protecio de bens juridi- cos, ¢ que dita teoria fixa a media da protegao mediante um sutil conjunto de regras, racionalmente convincén- (es, circunseritas 20 social politicamente necessérias, Portanto. a teoria da ingputacio objetiva resulta a consti“ tuigZo do injusto penal muito. mats produtiva que-as categorias ontolgicas valorativamente cegas, como, efetivamente, séo a causalidade e a finalidade. ‘i ‘Alguma vez também poderia transladar-se direta- mente a dogmatica juridico-penal os resultados obtidos com a doutrina do bem juridico. Assim o expus em minha primeira conferéncia, no exemplo de que nao ¢ TT Oma exposigao resumida da tesa da imoutagdo objetiva pode verse em mma oa Set, Almere el, Toms 1618 fem es sar Capahota). (ide od. espanhots: Derecho penal, Pare oneal, Ten J Fund snevtos, La estructura db teria del dit, tra. | Conliedo ¢ De Vieento Remesa, 1997 i tizon Pela, Dine y Garcia fit gSPESLEELELeLgvESEELELES CSCS oeoeeeeeee SEE ‘bens juridicos como fencho do Direito Penal 43 missdo do Direito penal proteger 0s sujeitos responsé- veis frente as autolesdes conscientes de terceiros, provo- cadas por eles mesmos. Um paternalismo estatal com intervencao do Direito penal deveria ser admissivel sé no caso de falta de autonomia na pessoa do afetado,"* E “isso deveria vigorar também para a dogmatica juridico- penal. . © Supremo Tribunal Federal alem&o resolveu_o aso’ em que um policial, que sabla da inclinagdo suicida de sua nolva, deixou seu revélver carregado, sem precaver-se de que a arma ficava ao alcance desta: por causa disso, a mulher se deu um tiro com a arma. O fribunel absolveu, corretamente, 0 policial da acusagao Ide homicidio culposo. Isso se explica porque o tipo de lhomicidio nao compreende o impedimento de autole- Jsdes conscientes ¢ responsaveis. Neste sentido, nao ¢ possivel uma limputacao objetiva ao primeiro atuante. Em uma decisio™ posterior de grande repercussao, ‘o mesmo Tribunal, afastando-se de sua antiga jurispru- déncia, negou também um homicidio culposo por entre- ga de heroina, num caso em que o receptor faleceu por causa da droga. O Tribunal disse, na ementa, que: «as auto-colocagdes em perigo queridas e realizadas auto- responsavelmete nao fazem parte do tipo de lesdes, nem do homicfdio, sempre que o risco conscientemente assumido coincida com o petigo realizado. Quem s6 produz, facilita ou favorecé uma auto-colocacao em perigo, ndo se responsabiliza por um delito de lesdes ou Ge homicidio». Com isso, recorre-se diretamente a teoria da imputagio objetiva. Esta teoria determina que 2 imputacdo sempre hd de depender da realizagao’ do ‘2 Cte. minha confertncla «ple protecion de bienesjuriicos como tarea dst ‘Derecho penal?»,n. IV. 58 BGHSr 24, p. 242. 64 BGHSt 32, p. 262, Sobre esta decisto, vide mou comentério em: Newe Zeltser fe Serotec, 984, p. 41 44 ‘Claus Rots dye risco, de modo que o resultado sempre se situa dentro dos contornos ou limites do tipo. Isto nap-ceerreg0 caso de_uma_autolesio responsével porque ela néo suscita lesio alguma de bem juridico. Minha conclusio, portanto; é que o injusto penal pressupée uma leséo ou colotatao em perigo do bem Juridico, e que a teoria da impittagao objetiva estabelece ‘com detalhes, a partir de dito fundamento, o ambito do juridico penalmente proibido, mediante a pondera dos interesses pela protegdo e pela liberdade. Mas estas questées as esclarecerei a seguir na confrontacdo com as utras teorias do injusto. oy 2-0. ocaso do finalismo ae eee teen Inicio com a teoria da ago final, na verteptexaais ele © moderada, defendida por sett criador Hans logo desenvolvida, até nosso ‘dias, por seu discipiilo Hise Falo de um finalismo‘«moderaco» porque arn- bos os autores, apesar de qu¢.ao desvelor da ago Ihe conferem uma especial importancia para o injusto penal, baseado no objetivo final do autor, admitem um concei- to de bem juridico™ ~ embora rigo erftico com a legisla- (do ~ e, na mesma medida, consideram ao desvalor da ago e 20 desvalor do resultado (= leséo do bem juridi- {5 Em aue cltima verso, sun teorn se resume em: Das deutsche Strlicht 1 eh, 1980. {5 Aqui, fao remiss, principalmente ats de seus trabolos ms recontes Uichre Yon cer abjektiven Zurechnunge, em: Fsischrift fir Lenckoe 908, 9.119 Sse «Die aktuelle Diskussion Uber den Rechisyutsbegrife, em Festschrift lor Spinel, 2001, 9. 425 8: «Zum Unreelt des fabrlassigen De- ‘Wks ens Pestacril fir Lampe, 2008 . 515 3. 87 Che. Wetzel, coma na nota 6, p. 88: Hlsth, Pstschnit far Sines, como rv nota 7p. 486. {A protegio cle bens jridicns come fungae do Direko Penal 45 co) como pressuposto do injusto. Sustenta Welzel"* «missio do Direito penal é a protecéo de bens juridicos mediante a protegio dos valores ético-sociais da acdo», Certamente ele pensa que «mediante a seguranga dos valores ético-sociais elementares da ado» «a protecdo do bem jurfdico (é] garantida de maneira mais intensa ¢ forte que através da mera doutrina da protesao de bens». Entretanto, a grande importéncia que parece atribuir ao desvalor da acao 6 s6 aparente. Para Welzel, a proibigéo de determinadas ac6es finais ¢ sempre, 20 final e a0 cabo, s6 um meio para a finalidade de protecao de bens juridicos. Por sua vez, Hirscif® se inclina por um conceito de bem juridico de direito positivo «executavel e necessdrio» {portanto, alheio a uma critica da legisla- a0). Mas a escola de Welzel nao logra combinar o desva- lor da ado e,0 desvalor do resultado de um modo adequado, cord tampouco consegue explicar de modo entendivel a dimensao sotial do injusto mediante a restriggo da protecéo de berts juridicos a evitagio de riscos n&o permitidos. Nao obstante, Welzel j& havia percebido este problema no inicio; por isso tentou resol- vé-lo com ajuda do conceito da adequacdo social. Ja em seus «Estudos sobre o sistema do Direito penal>™ sublinhou que «todos os conceitos juridico-penais que constituem © tipo, inclusive os conhecldos [elementos} descritivos como “matar”, “lesionar”, “danificar”, entre outros, nao s&0 em absoluto les6es causais do bem juridico, senao... conceitos cujos contetidos de sentido resultam de sua fungiio no complexo social... Portanto,”® constitui uma 8 Wetzel, como na hota 6.5. 69 Wetzel, edrmo na nota 6p 4 10 irc, steel fir Spl como na note 7 p. 444 1 Wolz!, Zeitschrift fr de gesemte Stralechtswissenscha, vom 58.139, p. sa, 72 Welze, coma no nota F256. 46 Chous Raxin exposi¢ao equivocada do principio da doutrina tradicio- nal «e ter teduzido a ago tipiga a casos de produgéo causal ¢ deixado que 0 mundé do significado juridi- co-social recém comece com a pergunta pela antijurici- dade», Segundo esta exposicao, of’ casos que nao rednem nenhuma relevancia juridice, ném tampouco um risco nao permitido, teriam que ser excluidos do tipo por ser considerados socialmente adequados e, efetivamente, Welzel assim resolveu tais casos ihicialmente.” Ent&o $6 faltaria situar 0 conceito demasiado impreciso da ade quacao social dentro dos critériog estritos da imputacao abjetiva para poder harmonizar dentro de uma feoria moderna do injusto a relacdo te! s interesses pela protecio e pela liberdade. Cancio Melié® desmenté | com raaio, a tese de que e explicaria que, Jno momento «em que o primeiro homem utili- zou uma pedra como ferramenta», foi possivel. a partir desse féndmeno, «desenvolver a completa dou- trina final da agdo». Apenas se pode expressar de uma forma mais clara o esvaziamento de todo o mundo social do tipo objetivo; daf que tampouco ¢ estranho que a adequacao social tenha sido considerada,” a0 Jongo de dez anos, s6 como um fundamento da justifica- do e, que, depois de sua posterior recolocagéo dentro do tipo, no sistema de Welzel, nao tenha voltado a ter um papel importante. (O caso ndo usual, mas teoricamente expressivo, no qual alguém kenvia a outrem a um bosque em plena tormenta, com a esperanga de que este morra fulminado por um raio», é resolvido agora por Welzel do seguinte modo?" o tipo objetivo ~ reduzido & pura causalidade - se realizou, ndo obstante ao autor Ihe falta o dolo porque ele aportou sé uma esperanca ou um desejo, mas nenhu- ma vontade de realizagdo. Mas, na realidade, 0 tipo objetivo nao se realizou, como o mesmo Weizel o havia reconhecido Ha fase do finalismo social, quando recha- cava um homicfdio em virtude da adequagao social da conduta.” Aguile era mehds errado_que sua solucéo “posterior. Com uma fundamentacao correta, ha de subli- ‘nhar-se que o causante nig crioy nenbum risen unin: mente relevante e, por esta raz0, o resultado nao Ihe é Imputavel como ado homicida. 76 Wetzel, Um dls fae Handtungstetr, 1959, 9.2 77 Wtzet, Das deltsceStraficht. 4 ed. 1954, ot 98" ed. 1953, 78 Wetzel, como na nota 6, p66. 78 Wetzel como na nota 12, p. 617. K respeto, Cancio Melis. como na note Mp. 179s, Meee 48 ‘Claus Roxin Certamente, Welzel considerou 0 problema do risco permitido, mas sem voltar a tratd-lo dogmaticamente depois que ele havia reduzido 0 tipo objetivo 4 causali- dade, Deste modo, tomando como exemplo o tréfego viario - ao que também me referiino inicio para delinear os fundamentos da imputagdo objetiva - manifestou que: «o Direito penal brinda a protegao de bens, juridicos frente a possiveis lesdes, mas nO de um modo absoluts, posto que cada bem juridico deve integrar-se ativamen- te na vida social, ainda que por ésta via se exponha a Um perigo determinado (basta sé recordar a colocacao em perigo consideravel para a vida, nem sempre proibidd, no moderno tréfego vidriol)».# Esta é uma apretiagab correta, Mas sua tradugdo em conceitos jurfdicos’ teria sido possivel s6 com ajuda da teoria da imputagao objetiva, ainda desconhecida por, Welzel. Esses defeitos da tradigao,de Welzel subsistem ain- da no finalismo. Hirsch, o representante mais destacado desta corrente na atualidade, depois de ter rechagado completamente a teoria da imputacgo objetiva desde o principio.’ reconhece agora," em seus tiltimos traba- Ihos, que a dimensao de protétao dos bens juridicos nos delitos culposos se determina com acerto mediante dita concepgao, «No que se refere a relacao condicional entre ‘acdo e resultado no delito ctilposo, a teoria da imputa- do objetiva tem. um dmbito fundado de aplicacion, manifesta em seu mais recente estudo.® 0 Wetzel, como na n 6. pS AY jakous eseréve om sa cakribuigto «lfomerkungen zur objektiven Zurech. inunge, eon Pavel fr Hirsch, 1908, p. #3, que, para Hirsch, esta teora ¢ ‘fem parte incoreta e par demais supertictal> 42 Hirsch, Fests far Lanckoer, como na nota 7: Festschrift fr Lange com na nota 7 3 Hirsch, Festschrift i Lampe, coma na nota 7. p. 523 Seen estes ee cece eres eee ‘A proteco de bens juridicos como functe de Direlto Pon 49 ‘ Entretanto, Hirsch agora, como antes, ndo aceita a imputagdo objetiva nos delitos dolosos." O meneionado caso da tormenta», introduzido por Welzel, nao 0 resol- ve, agora, negando 0 dolo, senéo mediante a negagao de uma ago de tentativa.*® de uma acao punivel radica no nao reconhe- cimento da norma, entdo o mesmo poderia ser subscrit pelos partidérios da doutrina monista-subjetiva do in- Justo, Por isso, a chegada a esta concluséo € para Sancl- ‘netti,i% em relagio & doutrina subjetivista do injusto, «uma simples troca de nome sem a minima variagio de contetido». : Mas Jakobs tem percebido, com clareza, a dificulda- de que se levanta neste ponto para a consisténcia’dle sua concep¢io. Ele tenta evitar est dificuldade afirmarido que a desautorizacao da vigéncia da norma, a que conforma o fato punivel, exige uma «objetivago» no sentido de uma «significnciam suficiente. O «nao reco- nhecimento da vigéncia da norma» requer «como acon- tecimento comunicativo, sempte uma objetivagao...».' Por isso é necessdrio «um fats de significancia para a infragdio da norma»,' daf que em relagdo ao acontéci- mento tentado «o fato consumado tem forgosamente mais significagio», devido a lésao do bem. «Por que essa circunstancia sera precisamente irrelevante para o injus- to, considerando-se que 0 injusto apresenta um aspecto externo, nao tem sido fundamentado até agoran. Caso esta concepedo possa ser harmonizada com 0 ponto de partida de Jakobs, segundo o qual a protegio de bens juridicos deve ser substituida mediante a protegao 705 Sunset, Subetve Unresegrndung und Ractit vm Versuch, ome na nota 31. p. 22. a 106 Jakobs, como na nota 45. p. 35. 101 jos, cbmo na nota 3. p 6/72 cos como fungao do Direito Penal 57 [A rote de bens je da vigencia da norma, parece-me duvidoso. Natural- mente, é correto que uma desautorizacao da norma como algo puramente interno deve ser irrelevante; todo (0 mais seria um Direito penal do animo. Um desvalor da acdo pode ser em si uma objetivacao que valha como um injusto completo, caso seja concedido s6 como infracéo da norma. Mus como num caso normal de fatos consu- mados $6 uma «leséo fimputdvel] do bem» adquire a condigéo de um «acontécimento significante para a infragio da norma», 0 injusto se funda realmente numa lesdo do bem juuridico, Por esta razao, a tese de Jakobs, em virtude da qual o Direito penal protegeria a «vigéncia da normas, e nao «bens juridicos», encerra mais um proble- ma terminolégico. O desapatecimento da lesao do bem juridico, que nos delitos cohsumados seria possivel sé numa forma muito artificial, mediante uma alteragio de sentido da lesdo por uma condicao de significancia da infragdo da norma, retoma em Jekobs vigéncia de uma forma expres- siva na explicagao da tentativa. Para ele, o «fundamento da punicdo da tentativa» tadiea na «evidencla de uma infragdo da normay,"® «Como 0 elite ... nao 6 basica- mente uma causacdo de lesdes de bens, senao uma lesio da vigncia da norma, mesmo assim a tentativa de delito no se deve compreender primariamente sobre a base de uma colocagab em perigo de bens, sen&o através da leséo da vigencia da norma», tal como o entende Ja- ‘obs, para quem, ademas, «o fandamento de puni¢ao da tentativa ... [é] 0 mesmio que o da consumacdo». Entio, tentativa e consumacdo significam igualmente «um ataque perfeito contra a vigencla da norma».'!° 108 Jakobs, como na note 39, 25/21. 109 fokobs, como na nota 38, 25/15. 110 Jakobs, como na nota 38, p. 25/17, saree erence cece sees eee eee 58 ‘Chaus Roxin YL Esta concepgdo parece subjetivista quando é olhada desde minha posico baseada-na lesdo do bem juridico como nucleo do injusto. Para mim, o fundamento de puniggo da tentativa se encontra na colocagéo em petigo do bem juridico.'"! Desta forma, a classificacao legal entre 0 castigo de uma consumagao plena, 0 castigo atenuado da tentative e a impunidade dos atos prepara- térios. compreendem-se numa so escala, de acordo com a medida do injusto,’enquanto isto nao seria explicdvel corretamente segundo a colocacao de um injusto unico. Quando Jakobs concebe 4 tentativa como uma-ein- fragio manifesta da norma ‘e proxima ao tipos."? a exigéncia adicional de uma proximidade ao tipo esté baseada nos fatos. A proxitidade ao tipo nao indica outra coisa que um perigo grave para o bem jutidico protegido que transcende a, mera expressividade da infragdo da norma, Desta maneira, percebe neste lugar uma oscilagéo entre uma flindamentacao subjetiva € objetiva que ja se fez visivel no delito consumado, Com o principio, aqui defendide de uma colocagao em perigo para o bem juridico - em uma forma de lesio menor do mesmo -, pode-se explicar também a tentativa iniddnea. Geralmente, esta forma de tentativa é também perigosa - com base numa valoragao obrigatoriamente ex ante.'! Mas, caso um ordenamento castigue, desde o principio, uma tentativa néo perigosa, como efetiva- mente ocorre, ainda que numa forma restrita, com 0 Codigo penal alemao,'" isto ja é uma anomalia que néo Ti che, a respotto detathadamente Roxin, Strate. Agemeiner Tet tomo U. 2003, $29.1. 958 12 jakobs, como na nota 28, 25/28 113 préxima nest sentide Hitech, «Untaugllchor Versuch tnd Tatstrafrechts, ‘em Festschrit fr xn, 2001. p71. 11 Artgos 22,22, parte 3 do Codigo penal alemio ‘A protege de bens juridieos come Fungo do Direite Penal 59 se harmoniza com o principio de protegaio de bens juridicos; por isto se exige sua abolicao. De outra parte, a questéo de o injusto juridico-pe- nal ser uma lesdo de um bem juridico ou nao, repercute no problema do denominado conhecimento especial.! Jakobs'#* traz. 0 caso de «um estudante de biologia, que. trabalhando como gargom, descobre uma fruta veneno- sa, gracas a seus conhecimentos adquiridos em seus estudos, mas apesar disso serve a salada». O estudante cometeu um hothicidio doloso quando o cliente morre apés comer a salada? Caso se fixe a misao do Direito penal na protecdo de bens juridicos, entao nao havera duivida alguma a respeito:!"? 0 estudante, ao servir a salada envenenada, criou um risco mortal para a vida do cliente que tamtlém se realizou no resultado. Frente a isso, Jekobs admite um ataque a vigéncia da norma que, para ele, é decisive sé quando alguém infringe as exigéncias da funcdo social no qual atua. Considerando que o estudante de biologia atua como garcom, nao neckssita incluir seu conhecimento de estu- dante nessa atividade, de maneira que para esta concep- cao ndo se produz um homicidiio. Mas esta solug’o nao me parece convihcente.'"® O Direito penal considera a proteggo da vida humana como uma de suas tarefas prinefpais, e 0 comprovam os correspondentes tipos penais. Esta protecdo se réstringe certamente mediante a Justificagao e as regras de imputagio, mas coneretizan- 115 4 respetto 4 fundamental Jakobs, {Ttervorstllung und objektive Zureeh- unge, em: Gadichensscrit for Armia Kavinann. 1989, p. 270; Creeo, «Das Suljeleive an cer objektiven Zurechnting = aber das “Problemy” des Soader- ‘wlssonse, om: Zeltschrife fr dle gacamee Stralecusissenscian 9 publicarse em 2005, ‘4 18 Jakobs, como a nota 58, p. 278 1UT Assim também 0 v8 Jakobs, come na nba $6, 2.273. 18 Ur debate pormeiorlzado com os argitmentos de Jakobs no € possivel agul. Entratanto, disso se oncarrege detidamente Greco, como na nota 56, 60 Carus Roxin do-se de uma forma social mente razodvel. Nao fica claro que interesse poderia existir para que um homicidio doloso ecorride de um modo absurdo, mas facilmente evitavel, nao possa alcangar semelhante qualificacao. 5 - Conclusao Com isto, finalizo minha;segunda conferéncia. Mi} nha conclusdo é que a protecio' de bens juridicos n&b's6} governa a tarefa politico-criminal do Direito penal, mas| também a sistemética da tecria do injusto. O Direito penal protege, no marco do aldance de seus tipos penais, 05 bens juridicos frente aos riscos nao permitidos. Por| Isso, a protegao de bens juridicus e a teoria da imputagao| objetiva séo componentes irrenuncidveis num proceso social de ponderacio da matétla correspondente a prbi- bicao. Outras teorias do injusto, as que concebem a imputagdo objetiva como uma teoria errénea, ou que limitam o injusto ao desvalor da aco, ou que renunciam categoricamente a protecio de bens juridicos, deveriam estar dispostas a fazer concessées como as que realizo em minha concepgao aqui exposta; a0 contrérlo, serdo, em muitos aspetos, insuficientes. A protect dé bens juridlens como fungdo do Direto Penal 61 Bibliografia AMELUNG. Reehtsgiterschute und Sehute der Gesellschat, 1972. ‘APPEL, Verfassung und Strate 1998. ARMIN KAUFMANN. «*Objektive Zurechnung” beim Vorsatade- Iikt?s, em: Festschrit lar Jescheck. 1889. tomo !. CANCIO MELIA. eFinale Handlungslehre und objektive Zurech- nung, em: Golidammer's Archiv flr Strafrecht, 1995. 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