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Leandro Calbente Câmara
Resumo
O objetivo da presente comunicação é discutir as possibilidades analíticas do conceito de
governamentalidade para compreender as profundas transformações ocorridas na capitania de
São Paulo nos anos finais do Antigo Sistema Colonial e primeiros anos do Império brasileiro
independente. Este conceito, originalmente formulado pelo filósofo Michel Foucault,
possibilita a construção de uma reflexão acerca do poder na sua concretude, resgatando as
práticas que tornavam factível o exercício da governança sobre as populações locais. Assim,
esta perspectiva pode ser bastante útil para a compreensão de um período no qual a própria
natureza do governo passa por profundas transformações. Nesta comunicação, mais do que
lançar respostas definitivas, pretendo esboçar algumas idéias iniciais, discutir alguns
problemas e propor algumas questões a partir do conceito de governamentalidade.
Abstract
Le but de cette communication est d'examiner les possibilites analytiques du concept de
gouvernementalité pour comprendre les profondes transformations dans la capitainerie de São
Paulo dans les années finales de l'Ancien Système Colonial et de premières années de
l'Empire brésilien indépendant. Ce permet la construction d'une réflexion sur le pouvoir dans
sa concrétude, de récupérer les pratiques qui ont rendu possible l'exercice de la gouvernance
sur les populations locales. Ainsi, cette perspective peut être utile pour la compréhension
d'une période où la nature elle-même du gouvernement passe par de profonds changements.
Dans cette communication, plutôt que de lancer des réponses définitives, je tiens à souligner
quelques idées initiales, discuter quelques problèmes et proposer quelques questions à partir
du concept de gouvernementalité.
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Doutorando em História Econômica sob orientação da professora doutora Eni de Mesquita Samara no
Departamento de História da FFLCH-USP. Para contato com o autor: calbente@gmail.com
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Dever-se-ia tentar estudar o poder não a partir dos termos primitivos da relação,
mas a partir da própria relação na medida em que ela é que determina os elementos
sobre os quais incide: em vez de perguntar a sujeitos ideais o que puderam ceder de
si mesmos ou de seus poderes para deixar-se sujeitar, deve-se investigar como as
relações de sujeição podem fabricar sujeitos (FOUCAULT, 1999: 319)
Com esta palavra aludo a três coisas: o conjunto constituído pelas instituições,
procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta
forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por
forma principal de saber a economia política e por instrumento os dispositivos de
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Aqui, sigo a sugestão de Alfredo Veiga-Neto em estabelecer uma distinção entre a palavra governo, a
instituição concreta, e o ato de governar a si e a outrem. O autor sugere o conceito governamento, justificando de
maneira assaz convincente. Porém, prefiro utilizar o termo governança, de uso corrente, ainda que com outros
sentidos, na historiografia com a qual irei debater. Ademais, o termo governança é vernacular em nossa língua,
servindo bastante bem para marcar a diferença sublinhada. Cf. VEIGA-NETO, 2005: 79-85.
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Utilizei esta conceituação na minha dissertação de mestrado, por isso não irei retomá-la em detalhes aqui. Cf.
Câmara, 2008: 12-15.
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certa relação de poder? Que tipo de conduta e contraconduta eram produzidas? Que sujeitos
resultavam dessa governança?
O que é necessário, portanto, é restituir a governança luso-brasileira no quadro de uma
história da governamentalidade, conforme esboçada por Michel Foucault. Repensar certos
problemas segundo uma opacidade própria à historicidade, abandonar o Estado (e seu aparato
institucional) como a categoria que deve estruturar a pesquisa, abrindo caminho para os
dispositivos concretos que tornam factíveis o exercício da governança. Isso significa, acima
de tudo, situar o olhar nos interstícios do aparato político-administrativo, tentando recuperar
as práticas de saber-poder que abriam o campo de possibilidades deste aparato.
Bibliografia
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São Paulo: FFLCH-USP, 2008.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
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