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MEMORIA a Reintegragao, Restauro: os projectos de interven¢ao oem VQ igreja pré-romanica de Lourosa (1929-1934) Ew 1911 (ano da sua “descoberta’ e 1949 (data fem que se publicou o Boletim de re jure do wounétrea -—- Monumento), a Igreja de Sao Pedro de Lourosa con tou com cinco estudos monogréticos, outras tantas abordagens em obras de referéncia nacional e internacional, numerosos artigos nas paginas de duas das mais importantes revistas nacionais, dedicadas ao conhecimento e salvaguarda do patriménio, e, mais importante, trés distintos projectos de restauro. Em Portugal, na historia da investigacao histérico-artistica da primeira metade do século xx, poucos foram os monumentos que suscitaram tanto interesse € que congregaram tao grande numero de autores no seu estudo. Durante essas mais de trés décadas, verificou- -se uma dinamica cientifica sem precedentes, plena de hipoteses, discussbes e resultados, que contrasta flagranterente com as escassas paginas que 2 segunda metade do século xx consagrou & igreja (Figs. 1 € 2). Para este estado de coisas existiram razées objecti- vas, sendo a principal a relacSo afectiva que Marques Abreu estabeleceu com o monumento, ele proprio natu ral desta parte da Beira @, a0 que tudo indica, pioneiro ra “descot pacidade para congregar uma equipa de estudo da igreia. Gracas a0 seu envalvimento, composta por importantes nomes da Historia da Arte de entéc © a sua disponibllidade para dedicar largas paginas da segunda série da Mlustragdo Moderna 20 processo de restauro do conjunto, possuimos, hoje, uma visio bem diferente daquela que o tardio € definitive Boletim da Direccdo-Geral dos Edificios Monumentos Nacionais (DGEMN) nos fornece. Através das inidativas patrocinadas por Marques Abreu podemos seguir os passos essencials das hesitacées e polémi ‘as entio suscitadas, dos trabalhos preparatorios as sondagens arqueolégicas, dos projectos de restauro (@ seus fundamentos) aos motivos de discérdia que determinaram 0 afastamento pessoal entre os diversos agentes envolvidos MEMORIAM Em apenas quatro anos (1929-1932), a lustragao ‘Moderna publicou quinze artigos a respeito do restauro de Lourosa. Entre eles contam-se textos informativos acerca de descobertas efectuadas nas paredes e no solo, outros de interpretacao do monumento, a memoria {ustficativa do segundo projecto de restauro, que Jose Vilaca realizou, e numerosas cartas trocadas entre este ultimo e Manoel Gomez Moreno, Uma breve ana lise da informacéo entéo produzida prova a evidente complexidade do processo e a relevancia deste repo- Sit6rio, que se institui como fonte principal para qual- ‘quer estudo que tenha por objectivo o restauro desta igreja pré-romsnica’ plano “exemplar” de Marques Abreu Marques Abreu (1879-1958), pela sua condigao de 1nao-historiador, tem sido uma figura sstematicamente esquecida na historiografia artistica nacional durante a primeira metade do século Xx. No entanto, as suas actividades de fot6grafo e, principaimente, de editor (das revistas Arte e tlustragao Moderna, mas também da colecgdo “A Arte em Portugal” de outras obras, dlispersas, mas nem por isso de menor impacto, entre as quais se conta @ Arte romanica em Portugal, de Joaquim de Vasconcelos) conferem-the um estatuto cimeiro na historia da Historia da Arte, quer pela divul- gacdo de resultados de pesquisa ~ ¢ pela orientacao rmonoaratica de alguns estudos -, quer também pelo apoio &s intervencdes de restauro no nosso roménico do Noroeste (que, na maior dos casos, a sua actvidade de fotbgrafo preparou e tormou dbvia a necessidade de se intern, © caso de Lourosa € paradigmatic quanto @ sua real importancia na investigacéo e intervencio no patrim6nio, durante a primeira metade do século. © restauro do monumento, a par de um relativamente ccomplexo proceso de estudo e de divulgacdo, assegu- ravarlhe a materiazacéo do seu ideal interventivo no patriménio, algo que o propria reclamava desde. pelo menos, 1914 (ano de uma célebre, embora de escasso @xito, exposicéo sobre Arte Romanica realizada no ‘Ateneu Comercial do Porto) Na actualidade, nao temos duvides em afirmar que, quanto ao restauro de Lourosa, Marques Abreu concebeu um programa integrado e interdisciplinar de ‘acco, exemplar e pioneiro para a época, que englobava estudo, restauro e diuulgacao do monumento e das opcées tomadas durante a intervencéo. ‘A identificaco da planta original continuava a ser © principal ponto de desconhecimento, depois de nao se terem confirmado as primeiras hipoteses planimetricas sugeridas na segunda década do século XX", Para este fim, Marques Abreu deslocou-se varias vezes a aldeia na companhia de José Pessanha, Manuel de Aguiar Barteiros © José Vilaca. Este ultimo, na posse de novos ddados sobre a cabeceira, executou um primeito projecto de intervencao, que deveria ser seguido por Baltazar de Castro (entio Ditector Regional dos Edificios e Monu- mentos do Norte}. Finalmente, depo's de restaurada 2 igreia, saria a publico uma monogratia final, onde ficariam registadas a histbria do edifcio, a sua relevancia artistica e as opgées adoptadas. Para melhor seguir este plano, Marques Abreu fez parte da comissao administrativa de obras, o que lhe garantia um elevado controlo sobre a marcha dos trabalhos. Circunstancias posteriores vieram inviabilizar 0 integral cumprimento deste programa. E se, hoje, podemos discutir se a monografia final (da autoria de Manuel de Aguiar Barreiros) teré sido uma intenc3o. desde a primeira hora’, ou se 2 sua estratégia se baseou num entendimento evidentemente empitico © prag- rmatico de como deveria ser 0 restauro monumental no nosso pals (como estamos em crer}, ndo parece restar muitas dividas acerca da existencia deste plano, cujo conteddo foi repetido € reforcado pelo proprio, numa "memoravel jomada” a igreja, ocorrida no pri rmeiro dia de Junho de 1930 Reconstituicao I: 0 primeiro projecto de José Vilaga (1929) Estamos muito mal informados a respelto do tra- balho e da personalidade de José Vilaga. A excepcao das palavras sistematicamente elogiosas com que & caracterizado na llustragéo Moderne’, sabemos que acompanhou Manuel de Aguiar Barreiros na sua iigressao pelo romanico da Ribeira Lima, assinando as, estampas (1922), e que se dedicou ao restauro da colegiada de Barcelos (1926), Quanto a Igreja de Lourosa, executou um projecto de restauro em Nover- bro de 1929, apos visita a0 local. Desse trabalho @ MEMORIA cipal da ori 12 possuimas alguns desenhos (Figs. 3 e 4) e as notas que José Pessanha deixou dessa deslocacao, ‘Assim, escavacoes na sacrista (absidiolo setentrional) haviam posto a descoberto dois vestigios de parede, uma no profongamento do muro exterior da iarela € outra na direccdo da dbside”. Estes elementos foram entendidos como o limite nascente da parede fundacional do absidiclo norte e, por arrastamento, do do lado sul, partindo do principio que estas duas dependéncias teriam igual configuracao. Paralelamente, logo & entrada da capela-mor, descobrira-se um alicerce ue, de acordo com a interpretagdo entdo expressa, corresponderia A parede nascente da abside original" (© projecto entio realizado reduzia drasticamente ‘© espace interno da igreja, na medida em que suprimia grande parte da capela-mor, os absidiolos rectangu: lares e as dependéncias extremas da nave transversal (nidalmente proposta por Fessanha e Gomez Moren. Por outro lado, duas outras estruturas, de que, & altura, no havia quaisquer vestigios, foram ainda contem- pladas: um narthex e um mindsculo presbitério abo- badado a nascente da capela-mor. A incluséo destes dois espacos assentou em pressupostos claramente desadequades ao rigor “arqueolégico" com que os autores pensavam ter definido as restantes partes constituintes do templo. Sobre o presbiterio, apenas Luma vaga tradi oral assegurava “que a antiga capela- -tor era de exiguas dimens6es, e to baixa, que 0 celebrante, & elevacdo, quasi tocava com o célice na abébada”. E quanto a0 narthex a explicacéo para a sua existéncia revele-se ainda mais desconcertante: “nenhum elemento apareceu que justfique 0 projec- tado narthex. éste anexo, porém, ... compensaria, em certo modo, 0 espaco roubado a igreja pelo encur- tamento da nave"? © impacto espacial que esta proposta teria sobre ‘© monumento motivou uma série de dividas, e a con- clusao expressa por Manuel de Aguiar Bareiros a res- peito do trabalho de José Vilaca & concludente acerca da ideologia restauradora seguida: depois de uma viagem do arquitecto & Galza, onde teve oportunidade de observar alguns monumentos_pré-romanicos, Barreiros assegura que algumas caractersticas das igrejas galegas sa “auxiiares preciosos [..] numa perspectiva agradavel de futura reconstituicso"™. Foi precisamente essa perspectiva agradével de recensttuigdo que presidiu ao projecto de José Vilaca ‘Nas partes em que as sondagens arqueologicas se revelaram infrutiferas, optou-se por uma solu- «20 harmoniosa, claramente demonstrada na menor imensio do narthex em relacso 4s naves © maior aproximacéo daquele a0 imaginado presbiterio a nascente Reintegracdo: o projecto de Baltazar de Castro (1930-1932) © primeiro projecto de José Vilaca, que Marques ‘Abreu pretendeu tomar definitivo em Junho de 1930, fo! abandonado por Baltazar de Castro no Verdo desse ano. Alargadas as areas de sondagem ao exterior do monumento, verficou-se que as propostas de Vilaca se tinham baseado em conclusdes precipitadas ¢ os mio SOL uy te a oe alicerces que, em Novembro de 1929, haviam sido postos a descoberto correspondiam, afinal, aos m do transepto. Os trabalhos entéo efectuados nao lograram identificar quala) elemento "do presbiterio que o 57. Cénego Aguiar Barreiros imaginou"" © navas visitas de Baltazar de Castro e de José Pessanha haviam levado conclusto de que a cabeceira original era tripartida, escalonada e dotada de transepto saliente, Na posse destes novos dados, Baltazar de Castro chamou a si a conducdo de todo 0 processo, consu- mando-se, desta forma, uma das mais tes do trabalho da DGEMN durante as suas primelras ectivas verten. décadas: a de nao recorrer a pessoas exteriores & instituigdo, Muito se tem duvidado acerca da existéncia de um projecto da autoria do Director dos Esificios e Monumentos do Norte. £ conhecido 0 seu empirismo ‘como método de trabalho, o seu pragmatism, 0 habito de tracar com a bengala no po da obra a solucio a dar a determinado problema entretanto surgido. Numa das mais ctiticas passagens com que 3 tlustrag3o Moderna se referiu ao restauro de Lourosa, Marques ‘Abreu descontfiaabertamente da enistencia de ta plano, 30 mesmo tempo que condena violentamente 0 empitismo de Baltazar de Castro”. O projecto exist, mas 56 foi desenhado muito tardiamente, ja depois do arrangue definitivo das obras. Os documentos grat por siassinados tem a data de 1932 (Fig. 5), na melhor s hipéteses mais de ano € meio depois de aban: donado o plano de José Vilaga. E, como se pode MEMORIAM depreender das palavras de Marques Abreu, que era membro da comissao de obras, durante 1931 e parte de 1932, nunca Castro havia dado conhecimento de qualquer projecto, A acgio do Director dos Edlficios e Monumentos do Norte pautousse por dois principios fundamen: tals: de um lado, 2 reintegracio do monumento na sua Pureza orginal; de outro, a preparacao do edifcio para uso comunitario, tarefa que deveria decorrer no menor tempo possivel, tendo em conta 0 métado desconstru- tiva e posteriormente reconstrutive que caracteriza grande parte das empreitadas da DGEMN (Fig. 6), que tantas crticas mereceu @ Igreja, principal insttuigso lesada pela longa duracéo dos trabalhos. Uma breve andlse & sua extensa actividade no Norte do pais prova 5. lama. Proje fetazat de Casto, 1932 restau, estango a cabecirs @ MEMORIA Reconstituigao II: 0 segundo projecto de José Vilaca (1931) © caminho a seguir por Baltazar de Castro, trans rmtido oralmente ou jé em desenho, ndo "condizia [..] com a reafidade, tam abundantes @ de tal importan- ia foram os novos elementos que apareceram”™. Perante este facto, € também porque a comissio de obras desconhecia qual seria esse caminho, sendo a perspectiva imediata a de paralisacdo do estalero, Marques Abreu pediu @ José Vilaca que executasse lum novo projecto. Este, foi realizado com relativa rapidez, estando o primeiro estudo completo em Julho de 1931 e © plano definitiygem Setembro desse mesmo ano. Substancialmente diferente do contributo de 1928, Vilaca manteve genericamente a planta de Baltazar a de Castro, mas introduziu-the algumas inovagoes, em aspectos decoratives e volumétricas. O plano foi Publicado no ultimo numero de 1931 da llustracéo Moderna, acompanhado de uma e cativa’, facto que Ihe contere um estatuto impar no Memoria justifie =H restauro monumental no nosso pais, na medida em ‘ue foi colocado & disposicao da comunidade cienti- fica, que assim se pode pronunciar sobre ele antes do artanque definitive das obras. Este projecto pode considerar-se um exercicio de reconsttuigdo tdo discutivel quanto erudito. Com efeito, ds itn ‘que, mais que um restaurador de patriménio, Baltazar se, por um lado, se mantém aquela perspectiva agra- de Castro fol um gestor na area do restauro monu- _davel e harmoniosa das partes, que [4 caracterizava 0 mental, sendo frequente a transferéncia de verbas de plano de 1925", por outro leva-se o ideal estlstico a0 um monumento para outro, assim a marcha das obras _-méaximo da sua realizagao, fazendo depender a forma ote de algumas partes de outras obras pré-romanicas 0 exigisse peninsulares. Assim aconteceu com a eikonostasis Em Lourosa, aqueles principios estao claramente ‘expressos: definida a planta fundacional do edificio, a obra foi realizada no menor tempo possivel e teve 0 propésito de tornar o monumento stil para a comu- nidade. Em palavras de D. Joao de Castro, o trabalho ‘aracterizou-se por uma rejeiao “de certos preconceitos vulgares como de certos extremismos eruditos” (numa clara alusto & erudicio das tentativas reconstitutivas do segundo projecto de José Vilaca, que veremos de seguida) manteve sempre a preacupacao de “nunca sacrificar «aquilo que devia ter sido aquilo que devia sero”, ou seja, um temmplo evacador do passado, mas adaptado as condicdes do presente (Fig. 7), que Vilaca concebeu de acordo com o modelo \ripartido de San Miguel de Escalada, porém enrquecido com um registo superior. © arco triunfal também nao escapou @ esta perspectiva (Fig. 8), propondo-se a sua integracao num atfiz, conforme a solu E a janela nascente da capela-mor foi concebida para de Celanova, ter uma gelosia de cari asturiano. Com esta proposta, 2s diferencas entre os projectos de Baltazar de Castro @ de José Vilaga tornavam-se incompativels, nao obstante a concordancia entre ambos sobre a planta a seguir. Se, para o primeiro, os dados de proveniéncia arqueoldgica eram suficientes para, em tempo util e de forma pragmética, se proceder & intervencéo, para © segundo, 0 ideal estilistico era 0 principal valor, devendo subordinar-se toda e qualquer obra a uma idealizada pureza original, que o monumento poderia nunca ter tido. Radicalizadas, desta forma, as posi 62s, ambos procuraram validar cientificamente as suas opcées fora do circulo de discussao nacional Restauro Do estudo que José Vilaca apresentou em Julho de 1931 tiraram-se trés cépias. Duas foram entregues 3 DGEMN, 20 cuidado de Henrique Gomes da Silva \director-geral da instituigao) e Baltazar de Castro; a terceira foi enviada a Mancel Gémez Moreno, acompanhada de uma carta do autor convidando-o @ star Lourosa. Da correspondéincia trocada entre ambos (que a llustraca0 Moderna publicou), € notéria a Intengao de Gomez Moreno em tentar minimizar © impacto das solucbes inventivas de Vilaca. Assim, suprimiu-se @ sacristia (que o arquitecto pretendia anexar & nave lateral norte) € 0 arco em ferradura que ligava 0 templo a deslocada torre-campanério; alteou- 2 0 narthex (Figs. 9 10), abendonararm-se os pequenos ‘eximezes nas faces orientals do transepto e o alfiz a integrar 0 arco triunfal, em beneficio de uma passagem bem mais ampla (Fg. 11), entre muitos outros aspectos que poderiamos citar. Os argumentos que invoca para estas opgdes no poderiam ser mais claros: “aqui en pana no nos atrevemos a hacer grandes restituciones los edificios venerables, ante el peligro de que se ‘ergiverse itremediablemente el caracter del edifcio, aunque haya de dejarlo mutiado”: (Gomez Moreno introduz valores totalmente distintos que José Vilaga e Baltazar de Castro haviam tomado come pontos de partida: a historicidade do edificio e ificuldade de intervengao em edifcios pré-toménicos. Nestes, © modelo de Viollet-le-Duc nao era passivel de aplicar de forma sistematica, pela simples razdo de 10 existrem modelos estlstcas definitivos, uma uni dade de estilo, um arquétipo, que funcionasse como monumento-8ncora das opcodes dedutivas a tomar nos restauros. Em Espanha, um homem como Manoel Gémez Moreno, primeira teorizador da “Arte Mogérabe" (proposta estilstica que vingou durante gerecdes)e investigador “impregnadio de las novedades MEMORIAM 10. ado pineal 1s M@ MEMORIA 12. Cone tantersa a0 nl sig a dar as aneas ESCALA DE 4:10 ‘aportadas por los franceses"”, no debxou de manifestar a sua faceta boitiana no restauro e trasladagio da igreja de San Pedro de la Nave, © sua opcéo pelo minimo de intervencdo (como arqumento para os repa- (05 ao projecto de José Vilaga) prova essa mesma evo- luceo face aos anteriores pressupostos violletianos". ‘As sugestbes de Gémez Moreno foram praticamente todas integradas no projecto de Vilaca, que passou a definitivo em Setembro de 1931. Com efeito, & excepcao da eikonastasis, que neste ultimo plana se complexificou ainda mais (Fig. 12), tudo o resto fol adoptad, facto que revela bem a importancia que um homem como Gémez Moreno tinha no quadro da investigacdo e do restauro na Alta Idade Média peninsular, Mas nao fol, ainda, este o plana final adoptado no restauro, Tanto o sr. José Vilaca como a direccso desta revista estavam convencidos de que 2 colaboracao do grande sabio espanhol devia considerar-se defini- tiva", mas Baltazar de Castro “desprezou a valiosa documentagao que se Ihe oferecia € resolveu por-se fem contacto directo com 0 sr. Professor Gémez Moreno". Com efeito, por carta de 22 de Setembro desse ano, Jodo de Moura Coutinho convidava 0 professor espanhol a visitar Sao Frutuso de Montélios, Cujo restauro se debatia com problemas semelhantes ‘0s colocados por Lourosa. Em Outubro, Gémez Moreno escrevia a Vilaca dizendo que vria apenas na condi. de se encontrar com ele e com Marques Abreu. “Mas © st. Baltazar de Castro insist, socorreu-se de altas, Influéncias, foi a Madrid, consegulu ser apresentado 20 Mestre, instou e obteve do st. Professor [..] a promessa de vir a Portugal", £m Lourosa, companhia de Baltazar de Castro, Moura Coutinho, Alberto Feio, Vergilio Correia, Pedro Vitorino & Rui Serpa Pinto ~ mas nao na de Marques Abreu, Vilaca, (ou Aguiar Barreiros -, Gémez Moreno concluia pela falta de elementos que permitissem uma “reintegracdo integral”, como daria a conhecer Moura Coutinho em entrevista ao jornal A Vor" Estava assim aberto o caminho para o afastamento definitive de José Vilaca, em beneficio da actuagao de Baltazar de Castro. Em boa verdade, 0 que este dltimo efectuou nao se afastou muito do projecto definitive daquele, em grande parte ja expurgado de excessos pelas posigées criticas de Manoe! Gomez Moreno. Ainda assim, abandonou-se a teoria da eikonostasis, as solucées inventivas das janelas (Figs. 13 € 14) e, principalmente, a intenc3o de se montar um museu 1no narthex, realizagoes que, pata além de sobrecar- regarem 0 orgamento da obra, atrasariam ainda mais a sua condlusso, Por pouco significativas que nos possam parecer estas diferencas, elas contém um peso ideolégico relevante, que as coloca em campos opostos de estratégia restauradora, Vilaca propos uma recons- tituigdo integral a luz de um ideal estlistico n3o totalmente definido, Castro executaré uma reintegragao parcial, orientada pela operacionalidade que, no seu entendimento, deveria constituir uma intervencao de restauro. Tal opgao nao quer dizer que se distancie do modelo interventivo violletiano. Apesar de a "DGEMN nunca ter elaborado um corpe teérico, definindo principios concretos de intervenco em manumentas", da enorme autonomia de que desfrutau a frente dos MEMORIA Monumentos do Norte ter favorecido um entendimento ppragmatico e empirco do restauro monumental, a sua ‘aspiracSo era a reintegracio dos ediicos numa suposta ppureza original, mas nao sacrificada & necessidade de, fem tempo itil, tomd-los de novo operacionais. Reintegracéo, Reconstituicao e Restauro repr sentam, assim, trés estratégias distintas de acco © no verdadeiramente trés ideologias restauradoras em confronto, Provavelmente, sem ter dda proximidade para com a Carta de A de Castro seguiu uma linha de act 30 em parte b mas na dependéncia das ideias de Manoel Gomez Moreno, Unico agente em toda este proceso que tinha uma cons ia mais apurada no campo do restauro monumental. Mas 0 proceso desconstrutivo, tivo, que foi sequido na « nas partes altas do corpo (Fig. 15) tou definitivamente do valor dado a historicidade, beceita, no lenquanto crtério analitico e operativo para o restauro de monumentos As criticas as opcdes de Baltazar de Castro nda tardaram em fazer-se sentir ¢ continuam ainds hoje, se bem que com uma exigéncia que, @ altura, a Historia da Arte no possuia. Se, na actualidade, lamentamos a enorme destruigdo dos anexos, a reconstrucéo inte gral do narthex e da cabeceira, a adulteracao radical da arquitectura em altura, ent muitos outros pontos encerrados pelo restauro, nao restam duvidas de que, das varias propostas surgidas entre 1929 e 1932, a que foi executada “temos de o afirmar em toda a verdade) foi a mais sdbria das que se propunham’ dmbas ests dota so anteriores b desocogSes que Vergo Corea Agosto de 1911) « O presente artigo pet rl © sua do que fo 0 eau ds lari ce Louross Ele est, em rand pst dora bled: FENN, Pave Amel ~ A ila preamdnca de So Pedra Dasertacto de Mesvado em Arte, Pasimomo € © prefaco que excreve para 2 obra de VASCONCTLS, Joaquim romania em Portugal. oro: Marques Abreu, 1918 pubs culos deste 0 ano antes € to da sua ideologs 0 velume wha » pubic para “chamr apenas a ater do publica ctriosa, a. dos Conse de Aree Arquclgi, Som exqecer 3 dos posers co on porque mackie! # acu &ma.or parte dos monumentos em questo" J8 ness stra, & Marques Abreu naa irmparava apenas a eetudo © a dulgao do noso patimani fra impescnve intend el, um “sono” acalenado po edo fotogao, como se fe refers LACEROA, Aaizo de ~ Arte romanca 1914) Concas de Arte Porto: Renascenca Portugues. 9p. 145145, qt vid & tomar fora anot ma tarde, Em 1930, em texto na M@MemorIA 158} _assinado, mas pleno de carga ideelénica (0 cuto dos Monumentos. lustacio Medora. N40, Porta: Marques Abreu. Fev. 1930, pp. 27-30), 1 preocupacoes de Marques Abreu adguren wn conteddo Merventvo, ua vez que, com a crag da OGEM, em Abi de 1929, verfcavarse finaimente a5 condicoes para se cesaurar 0 patriméni,tomando-se, desta forma, “0 culto por estas precosasreliquias do passado |.) numa] consoladera relic". * Antes dos ptjecos de José Vilage © de Baltazor de Castro exisivam tes propastas de rconstitucto planimétcs, da autria de Josqu de Vasconcelos (1911), Jose Pessanha (1916) e Manoe! Gomez Moreno (1919). Destas, somerte a primeta prestupunha uma cabeceia de compartment nico. Quer Pssanha, quer Gémez Mereno, vsvalzaram uma cabecea wieartda €escalonada, com transept salient, devendo- *Einteressantevericar que soem data bastante taal se az a grimeita menczo a um lira posterior a conciusdo do restr, “no qual se ard Luma andlise impaciaejusta& marcha dos estudos © wabalbos de restavrao™ (rea de Lourosa, Susi para a su restauragto.O projecto e Jost laa. lustacio Moderna. N* 53. Porto: Marques Abreu. Nov-Dez. 1931, p. 360). A pra escolha dos adletvas “imparcal* @ "justo", numa altura de profunda divergtnci entre Boazar de Castro a equipa de Marques Abreu, parece ser sintemstica quanto 2 uma IntencHo posterior do editor em dar a estampa aquela “clveslade de impressoes conseguida antes, no decarer e depois das obras de reconsituia0", como se refere BARREROS, Manuel de Aguiar ~ A igrja de Sto Peo de Louse, Porto: Maraues Abreu. 1934, 9p. 14-15. Todavia,¢ tendo em considragp6 0 grande incremanto de Marques Abreu no extuso monogrifco dos nossos menumentos,ndo # de exchir ‘ue tal intengo fosse um pojeto abracada desde o primero momenta “Neste di, Alfredo Magahaes, Henrique Gomes da Sia, Baltazar de Casto, Manuel de Aguiar Bares, Jose Vila e uma extensa commtva deslocaramse 3 Lourosa, onde owiram um emocionado discus de Marques Abreu. Nel, © fotéorafo dssertu longamente a respeto da historia da descoberta da igri eds uhimas deservohvimentas,retimande os pasios dads o€& resizagio de um ‘projecto de rextourags0, Por enquentoprovsrio, mas apds esta vita se tornard defi, send execvtado pelo st. Oretor dos Monumertos Nacionas do Norte™ (arcu, Marques ~ Exposicaohistorca, Op. cit, Jun. 1930, p. 143. AACR, Manuel de Aguiar ~ Arqutecta Jae Ving, scragdo Moderna LAX. Porto: Marques Abreu, Fev. 1930, p. 30, chamathe “artist expermentedo |. observa reflecdo |. reconsituiderconscente™ "PESANHA, Jost — A igre dé LouIosa, fstrarso Moderna. N° 40, Porto: Marques Abreu. Fv. 1930, pp. 32-33. "idem, bidem, pp. 33-34 "= BaRReROs, Manuel de Aguiar - Uma viagem de estudo,lustagto Moderna. M° 42. Rota: Marques Abreu, Jun. 1930, pp. 94-95 late de Lowrosa. 0 estado dos trabaos de restaurago, Mustagso Moderna. N= 47. Porto: Marques Abreu. Nov. 1930, p. 203. "gra de Louse. Ainda 2 sia do st. Professor Gomez Moreno, Ecarecmento oportuno. fustagde Moderna, N55, Porto: Marques Abreu, Nar-Abr. 1932, p12: "e coma, na fla deta projeta, 2 estauraao havea de ser feta 2 cilulo 2 ta, ou teriam de 50 paaliar 3s obras CASTRO, D. Joo de —Igrja Matiz de Lourosa | ~ antes da restauraao, lrja Mati de Lous, Boletin do OcEMN. N55, Lisboa: Niistrio as Obras Poblcas. 1949, p. 22 A.caminho de Louross. © restau do vetusto monuments. lstrardo Modema. N° $2. Porto: Marques Abreu. Set-Out. 1931, p. 343. Nao sabvemos, ao certo, a que elementos se refereo autor desta not. A part do seguro project de Jost Vilage, todavia, equacicnames teem sido as numerosas pecas de jarlas, aximezes e, especialmente, da ekonostas, Por out lado, também as questes da ara de alguas Sependincias (to cuidadosamentetatedas na menograia de Agua Barrer, de 1934) parecem ter feito parte deste “noves elementos” entetanto identifiados. Sto varios os pontos onde essa opcdo se maniesta: no narthex, desconhecendo-se a sua altura Exacta, optou-se por uma solo “bem ‘roporcionads elegant, e ..] em relaco com 0 conjunto” (VLAGA, José ~ Meméria justficatva de projeto de restaracao da aria de Seda de Louros lustracso Modema. N° $3. Port: Marques Abreu. Now.De2. 1931, p. 362), fazendo-r, asim, depender a atura do ante corpo ocidertal da do cabecea,pacela de que também nao se estava ra posse dos pontos de tua anginal; no irr, 2 dstibUGHO da uz fo efectuada de forma 3 “nto exagerar @ sua abundinda, manterdo, coma era de uso, luz discrete e dstibuide misticamente”. Ea ita contnuaria pea exstecia de degraus a separar 0 corpo do transer0, et. "© Carta de Manoel Gomez Morene a José Viaga,eatada de 2 de Agosto de 1931, publica em iustragso Medemma. N° 55. Porto: Marques bre, Marr, 1932, p. 416. " Rueea BLANCO, Javier ~ La resauracion de ls arquitectra de la Ata Edad Media. La intvvencion en ls arguitectura preremanicaasturan. Oviedo: Universidad de Ovedo. 1997, p.61 "Nao estamos inteiramenteinforrados a respeto de tore resteuradora de Gomez Morena. A cago por que optames no caso de Louesa parece sugerir uma inflvécia de Camilo Bote, para quem a hstrcidade do eifcio ea um valor essencil a preserar. Por outa lado, e na fata de dadosconcretos,@ certo que chegau a proor solutes iqualmente discus como a austncia de portas no narthex ov 0 rebabamento da tore

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