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Mestre em Construção, C. M. Lisboa, Docente ISEL.
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Investigadora Auxiliar LNEC.
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Professor Associado IST.
Resumo: As eflorescências constituem um dos mais fre- as interiores, integradas na gaiola Pombalina, e eram cons-
quentes tipos de patologia que afectam os revestimentos tituídos por uma estrutura de madeira formando rectân-
estucados dos edifícios antigos. Se muitas vezes se trata gulos e cruzes de Santo André preenchidos por alvena-
de uma anomalia facilmente eliminável, outras os seus ria. Os tabiques constituíam as paredes de compartimen-
efeitos são fortemente nefastos podendo causar a des- tação secundárias, assentavam nos pavimentos ou nas
truição de elementos estucados que constituem verda- paredes e conferiam um acréscimo de ductilidade ao
deiras obras de arte. O artigo começa por referir, de for- edifício. Eram em geral formados por tábuas ao alto e
ma abreviada, os principais suportes que servem de base fasquias horizontais. Precedendo a aplicação do estuque,
às superfícies estucadas e a composição do revestimento era executada uma camada de regularização constituída
estucado tradicional. Caracteriza-se depois a sintomato- por um reboco tradicional de cal e areia. Este revesti-
logia, mecanismos de formação e efeitos das eflorescên- mento tinha por finalidade estabilizar e homogeneizar
cias nos estuques antigos. os paramentos das paredes, respectivamente do ponto
de vista geométrico e de absorção de água. Os tabiques,
1. Introdução e por vezes os frontais, eram fasquiados, facilitando a
aderência do revestimento ao seu suporte.
O actual estado de desenvolvimento do país indicia que
se atingiu uma época em que se deve atender de forma Nos tectos, o revestimento estucado era em geral execu-
consistente e verídica à problemática da conservação do tado sob arcos de alvenaria, como por exemplo sob os
património histórico edificado, preservando para as ge- vãos exteriores, ou sob vigamento de madeira com fas-
rações futuras o que foi legado pelos nossos antepassa- quias. Nesta situação, que era a mais comum, o tecto fi-
dos. Pretende-se neste contexto dar um contributo para cava sob o vigamento do pavimento do piso superior ou
a manutenção e salvaguarda dos elementos estucados era colocado no chamado vigamento de esteira, desligado
dos edifícios construídos até ao início dos anos 40 do sé- do piso superior. Na solução solidária com o piso supe-
culo XX, pela análise de causas e efeitos originados pelas rior, o fasquiado era pregado directamente sob o viga-
eflorescências. Os estuques destes edifícios, e nomeada- mento, seguindo-se a aplicação do revestimento estuca-
mente os seus suportes, os materiais utilizados no pro- do. A estrutura, desligada do piso superior formando
cesso construtivo e as superfícies pintadas, encerram um uma caixa-de-ar, surgia nos edifícios de construção mais
conjunto de características comuns que possibilitam ou cuidada. As fasquias, pregadas na direcção perpendicu-
favorecem o aparecimento de eflorescências. A actual lar ao vigamento, tinham secção rectangular ou trape-
teoria da conservação preconiza a manutenção dos ele- zoidal, facilitando mais estas últimas a aderência da ar-
mentos antigos existentes e o recurso a intervenções rea- gamassa ao suporte.
lizadas, sempre que possível, com carácter limitado. Se,
no caso de reconhecidas obras de arte estucadas, tal prin- 3. Revestimento estucado
cípio é facilmente compreendido, quando o revestimen-
to estucado é mais comum, as intervenções alargadas Apesar do número e características das camadas ser va-
são mais frequentes e surgem muitas vezes eflorescên- riável, o revestimento estucado das paredes e tectos era
cias originadas por materiais impróprios, tradicionais ou em geral composto por: reboco, uma argamassa de cal
não, como a seguir se refere e se ilustra na figura 3. aérea; esboço, uma argamassa de cal, gesso escuro e
areia de esboço, numa espessura de 3 a 5 mm; estuque,
2. Suportes estucados uma pasta ou argamassa de gesso e cal aérea, com cerca
de 3 mm de espessura. A fim de alterar o tempo de pre-
Os estuques eram utilizados em todo o tipo de edifica- sa, a dureza ou a resistência à humidade do estuque, po-
ções, desde os comuns prédios de rendimento dos centros dia ser adicionada uma vasta gama de produtos de ori-
urbanos aos mais ricos palacetes, igrejas ou conventos. gem mineral ou animal. São exemplos alguns sais, apesar
As paredes, em geral de alvenaria, eram formadas por dos seus efeitos nefastos, colas e gelatinas de origem ani-
pedras e tijolo cerâmico, sendo muitas vezes utilizado mal, açúcar, glicerina, caseína, serradura ou pó de tijolo.
material de enchimento diverso, como sejam pequenas O reboco de enchimento das paredes, assente sobre a al-
pedras, cacos de tijolo, argila ou terra vegetal no interior, venaria ou sobre fasquias com espessura de 10 a 15 mm
a fazer a ligação entre panos de blocos razoavelmente [12], era constituído por uma argamassa de cal apagada,
aparelhados. Esta camada interior é em geral fonte de ao traço volumétrico entre 1:1,5 e 1:3 [7]. Nos tectos, o
movimentos de sais, caso esteja em contacto com qual- traço utilizado era mais rico e o enchimento tinha uma
quer tipo de humidade: do solo, pluvial ou qualquer ou- espessura de até 1 cm fora da face inferior do fasquiado.
tra causa. Com a construção Pombalina, torna-se obriga- O esboço mais comum era formado por gesso, cal em
tório o recurso à estrutura de madeira no interior da al- pasta e areia ao traço 1:2:1, com de retardadores de pre-
venaria. Os frontais eram as principais paredes divisóri- sa. O estuque podia obter-se de uma mistura de cal aé-
rea, gesso e areia muito fina ou pó de pedra ao traço passa com o hidróxido de cálcio na reacção da cal viva
3:1:1 a 1:1:0 e um retardador de presa [2]. com a água, que, ao reagir com algum metal, desprende
hidrogénio e forma um sal [9]. Os sais são essencialmen-
4. Eflorescências te iónicos e, como tal, cristalinos. Para um sal se poder
precipitar numa solução aquosa, tem de haver matéria
Os elementos estucados constituem naturalmente estru- para formar a ligação do catião ao anião respectivo, e a
turas de elevada porosidade aberta e higroscopicidade e temperatura e pressão têm de ser superiores a determi-
grande variabilidade de propriedades, em virtude não nados valores, constantes para cada tipo de composto
só de grande variação nas dosagens dos seus componen- formado.
tes, como do vasto número de aditivos que eram utiliza-
dos. Apesar de o gesso ser pouco solúvel em água (2,41
g/l) [3], a acção intensa e contínua da humidade pode
servir de veículo a diversas agressões de natureza física
ou química, nomeadamente movimentos de sais solú-
veis. Um revestimento estucado que esteja em contacto
com humidade resulta, em geral, irreversivelmente man-
chado e inicia um processo de deterioração que será tan-
to mais rápido quanto mais poroso for o material.
6. Referências