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26 Oba car — Wate Beans as quatro estdo cobertas de estétuas. De permeio, algumas Vigas ornadas, que, sobre vestigos de cor com vestigos dé 9, deixam que se devire "Jasto", ““Bruxelas” ou "*Mal- vina’. A esquerda, quando se entra, um homenzinho de ma. dita, uma espécie de mesire, de sobrecasaca, um chapéu. core na cabeya, Tem 0 brago esquerdo erguido de modo di- slitico, mas um pouco abaixo do cotovelo ele se qucbra;fal- tam também a mao dizeia eo pé esquerdo, Um prego atra- vessa o homem que olha fixo para o alto. Cains sidas, sim ples, comuns acompanham, justapostas, as paredes. Algu ‘mas trazem escrito Livowelte: a maioria, nada. Por meio de- las se pode trar as medidas da sala. Duss ou tres eaixasalém uma mulher altaneira em trae a rigor, braneo e ricamente ‘ornado, que deixa semidescobertos os stios soberbos. Sobre luma jungle forte, um pescoco todo de madeira. Labios cheios, rachados. Abaixo do cinto, doi furor. Um através do ‘9890 pubiano, outro mais fundo, 0 vestido rodado, que nao deixa entrever as pernas. Como el, todas a figuras a0 redor ‘srescem a partir de formas vagas, com poucos membros, Nao se relacionam bem com o chlo; eu apoio esta nas costs. En {te 0s bustoseestituas rachadas encontra-se uma totalmente colorda, preservada de todas as ntempéres: se ‘manto amarelo€ forrado de verde, suas vestes vermelhas de bbruadas em azul, seu chifre € amarelo, usa um baretefrigio {como se espreitasse, mantém a mao sabre os olhos — ‘Heimdall* E de novo uma figura feminina, mais adamada que a primeira. Uma peruea Luis XIV deixa car os cachos so- bre um corpete azul. Em vez de bragos, volutas. — Pensar no hhomem que as reuniu todas, que as reuniu a0 seu redor, que Dor terras e mares teria indagado por elas, certo de que 6 Janto dele clas achariam, s6 junto dlas ele acharia pa. NAO ‘era um amante das artes visuais; nio, era um viajante que bbuscava a sorte em terrs distantes, quando ainda era possivel ‘ché-a a terra natal, e, entdo, mais tarde montou seu lar junto das mais estragadas pela distncia e pela Viagem, Todas las com a face corroida por ligrimas salgades, os olhares de ‘avidades de madeira pulverizadas dirigidos para 0 alto, os ‘bragos — se ainda os hi — cruzados sobre o busto, suplican- tes. Quem s40? Tio incrivelmente desamparedas ¢revoltosas Dea a mitt i, 7) Ince inmate an — csias fas de Niobe do mar? Ou suas bacantes? Pois sto ‘tomadas de asalto sobre ristas mals branas qi as da Tr cia esto espancadas por garras mais selvagens que as das fe ‘as, 0 séquito de Artemis — eles, os galedes. S40 galedes, Es- {Wo na cimara dos galedes no Museu de Navegacao em Oslo. “Mas cxatamente no meio da cdmara se ergue sobre am est do uma roda de leme. Mesto aqui nao achardo esses viajan- tes nenhuma paz, ese deveria sair com eles de novo para as (ondas, que sdo elcrnas como o fogo do inferno? [DESEMPACOTANDO NINHA BIBLIOTECA ‘Um disco sobre o colesonador Estou desempacotando minha biblioteca. Sim, estou, Os livros, portanto, ainda ndo estGo nas estantes; 0 suave tdi dda ordem ainda nfo os envolve, Tampouco posso pasar 20 longo de suas fileiras para, na presenga de ouvintes amigos, tevistilos. Neda disso vocéstém de temer. Ao contrario, de vo pedir-thes que se transfiram comigo para a desordem de caixotes abertos & fore, para 0 ar cheio de pé de madeira, para. chio eoberto de paps rsgados, por entre a plas de volumes trazidos de novo a luz do dia apés uma escuridao de dei ano tame, aim de, ded int, compartir ‘comigo um pouco da disposigdo de esprito — certamente io clegiaca, mas, ants, tensa — que estes livros despertam ‘no auténtico colecionador. Pois quem Ihes fala é um dees e, ho fundo, esta felando 6 de si. Nao seria presungdo enume. rar-thes, prevalecendo-me aqui de uma aparente objetividade «realism, as pegas ou divisdes mais importantes de uma bi- blioteca, ou expor-thes a historia de sua formagio ov mesmo sua utldade para o escrito? Em todo easo, com as palavras Seguintes, tive em mira algo menos oculto, algo mais papel ‘Teno a intengdo de dar uma ideia sobre orelacionamento de uum colecionador com os seus pertences, uma idéia sobre a arte de colecionar mais do que sobre a colegdo em si, E intel ‘amente arbitririo que eu faa isso baseando-me na observa. «80 das diversas maneiras de adquirir livros, Este processo ou ‘Qualquer outro € apenas um digue contra amare de Agua viva de recordagdes que chega rolando na direyo de todo coleio- ns tras ier — Water Bejan nador ocupado com 0 que é seu. De fato, toda paixdo confi- ‘aa com um eaos, masa de colecionar com o das lembrangas. Contudo dire: mais ainda: 0 acaso ¢ © destino que tingem 0 passado diante de meus olhos se evidenciam simultaneamente na desordem habitual desses livros. Pols o que ¢ posse scndo lima desordem na qual o habito se acomodou de tal modo ‘que ela s6 pode aparecer como se fosse ordem? Vocts j oui ‘am falar de pessoas que adocceram com a perda de seus I ‘ros, de outras que neste oficio se tornaram criminosas. Nesse dominio, toda ordem é precisamente uma stuacto osiante beira 0 precipicio. “O-inico conhecimento cxalo. que ung existe” — disse Anatole France —“€0 do ano de publicarae {r3T€ 0 do formato dos livros". Na prtica, se hé uma contrapar “7 Kida da desordem de uma biblioteca, seria a orden des catdlogo, ‘Assim, a existncia do colecionador ¢ uma tensto dial tea entre os polos da ordem ¢ da desordem Naturalmente, sua exsténcia est sujlta a muitas outras coisas: a uma relagdo muito misteriosa com a propricdade, Sobre a qual.algumas palavras ainda devem ser ditas mals tar. de: a seguir: a uma relapio com as coisas que ndo pe em dex. tague 0 seu valor funcional ou utlitario, a sua serventia, mas {que as estuda e as ama como 0 paleo, como o cena de seu destino, © maior fascinio do colecionador & encerrar cada cca num circulo magico onde ela se fixa quando pasta por laa ultima excitardo —a excitardo da compre, Tatoo que Jembrado, pensado, conscientizad, torna-sealicerce, maldix 1a, pedestal, fecho de seus pertences, A epoca, a reuil0, a arte, o dono anterior — para o verdadero colevionador to- dos esses detaes se somam para formar uma enciclopédia mii, cuja quintesséncia € o destino de seu objeto. Aqui; Dortanto, neste campo restrito, pode-se presumir como’ os ‘grandes fisiognomonistas — e os colecionadores si0 08 fi siognomonistas do mundo dos objetas — se tornam interpre. {es do destino. Basta observar um colecionador manuseando 0s objetos em seu mosiruisio de vidro, Mal os segura em suas ‘mos, parece inspirado a olhar através deles para os seus pas. sados remotos. — Habent sua fata libel — talver esas pal vras tenham sido concebidas como uma declaravao gentcica Sobre livros, Assim, livros como A Divina Comedia ou A Et ‘ea, de Spinoza, ou 4 Origem das Espécies tm seu destin. © Iman do Pate 2» colecionador, porém, interpreta ese aforismo latino de outro ‘modo. Para cle nfo $6 livos, mas tambem seus exemplares ‘ém seu destino. E, neste sentido, o destino mais importante de todo exemplar € 0 encontro com ele, 0 colecionador, com sua propria cole;do. E nao estou exagerando: para ocoiecio- nnador auténtico a aquisivdo de um livro velho representa 0 seu renascimento. F justamente neste ponto se acha 0 cl ‘mento pueril que, no colecionadr, se interpeneira com o ele ‘mento senil.Criangas decretam a renovasdo da existéncia por tio de une patie centuplada «jas complcada, Para las colecionar € apenas um processo de renovagao; outros se Fam a pintura de objeto, oreorte de figuras e ainda a decal- ‘comania e assim toda a gama de modos de apropriagaoinfan- Ui, desde o tocar atéo dar nome s coisas. Renovar 0 mundo velho — eis © impulso mais enraizado no colecionador a0 ‘Adquitir algo novo, ¢ por isso o colecionador de livros velhos «std mais préximo da fonte do colesionador que o iteressado em novas edigBes luxuosas. ‘Algumas palavras sobre como livros atravessam olimiar de uma colegao, sobre como se tornam propriedade do cole cionador, sobre'a historia de sua aquisigao, De todas as formas de obterlivos,escrev8-os éconside- rada a mais louvvel. Muitos de vocts hao de achar divert lembrar-se da grande colesao de livros que Watz, 0 profes. sorzinho pobre de Jean Paul, adquitiu com o tempo pelo ex- pediente de escrever, ele proprio, todas as obras cujos ttulos © interessavam em eatilogos de feiras de livros, j que nio ti ‘tha 0s meios de compré-os. Na verdade, os escitores na cs ‘revem porque sio pobres, mas porque estdo insatisfeitos ‘que poderiam comprar e que nao thes agradam. ‘Os meus leitores achardo esquisita essa opinido sobre o esr tor, mas tudo o que se diz do ponto de vista de um coleciona dor auténtico & esquisto. Dos modos costumelros de ada tir livros, o mais convenient seria tomar emprestado sem & subsequente devolugao. O sujeito que se destaca pela qua tidade de tivros que tomou emprestados — que & a quem ti samos aqui — mostra-se como um inveterado colecionador eres te ann pb fer com gue mato aoa ‘emprestado nem pelos ouvidos moucos que fez @ qualquct adveriéncia proveniente do mundo cotidiano da legalidade, ‘mas pelo fato de que nao Ié os livros. Se quiserem aereditar 20 ver hr — Water Bejan ra minha experiénca, saibam que frequentemente me devol- viam, em tempo oportuno, um livro emprestado sem que 0 livessem lid. Seria — voets ho de perguntar — uma carac- leristica do coleclonador nao ler livzos? Dirseia que € 4a maior das novidades. Mas nto, pois especalstas podem confirmar que € a coisa mals velha do mundo, e menciono aqui a resposta que Anatole France tinha na ponta da fine j2ua para dar ao flisteu que, apos ter admirado sua biblio- {eca, terminou com a pergunia obrigatria: — Eo senhor lea tudo iss0, Monsieur France? — Nem sequer a décima pat- {, Ou, por acaso, 0 senor usa diariamente sua porcelana de ‘Sivres? ‘Casualmente pus a prova oditeito& tal comportamento. Por anos @ fio — pelo menos durante o primeiro tergo de sua ‘exiséncia até hoje — minha biblioteca ndo consistu de mais de duas ou irs fleiras que eresciam anualmente cea de um centimetro apenas. Foi a sua fase marcial,em que nenbium lit ‘ro podis nela ingressar sem a confirmagdo de que eu olera. Assim, talvez, jamais teria chegado a possuir algo que, pelo tamanho, pudesse ser denominado biblioteca sem a inflagdo {que subilamente, mudou a énfase dos negocios, transforma Aolivros em objetos de valor ou, pelo menos, tornando-os di- fceis de obter. No minimo, foi assim que me pareceu na Suk sa. B, de fato, nos derradeiros momentos, fiz de la minhas trandes encomendas de livros e pude ainda assegurar obras insubstituiveis como Der blaue Reiter (O Cavalero azul) ¢ Sage von Tanaguil (Saga de Tanaguil), de Bachofen, que na- ‘quela epoca ainda podiam ser adquiridas dos editores. ‘Agora, dirdo voeés, depois de atravessar tants eruza imentos etransversais, deveriamos finelmente chegar larza sstrada da aquisicdo’ de livros representada pola compra. ‘ealment, uma estrada ara, mas nao muito cdmoda, O ato dde comprar do colesionador de livros tem muito pouco aver com o que, numa lvraria,efetua um estudante a cata de um livro-exto, ou um homem do mundo em busca de um presen te para sua dama, ou um caixeio-viajante a fim de passar 0 tempo em sua proxima viagem de trem. Minhas compras mais memoraveis ocorreram durante viagens, como transeun- te. Propriedade e posse esto circunscritas a uma titica. Cole- cionadores s40 pessoas de instinto prético: quando conquis- tam uma cidade desconhecida, sua experiéncia thes mostra Iman So Pneto 21 gue a menor loja de antguidades pode ignificar uma fora ifs mais remota papsaria um ponte-chave, Quaras cela- Acs nd se revclarar pra mim nascaminhadas Que i co0- ‘ist de vost Por certo, apenas uma parcela das aquisies mais in- portant mo ean comra.Catlogs de Scnpetham un papel muito mas rlevane. B mesmo que { coleionador confess perfdtamentso veo encomendado elo catalog o exemplar serpre permanece uma sures © Eencomenda um pouco como ogo de azar Ao lado das do- iorona decepgde, ha achadosIeizes- Lembro-me, por ‘employ de'un ia fr encomendad wm iro com ist Stes colidas para minha colegio de livros intans 56 por {ue continhaconts de Albert badwig Grimm eer pubic dovem Grima, na Toringia. De Grima também procdia tt lv de fabuiasqueo mesmo Albert Ludwig Griztm pai Sera; com suse densa dstapos era, 0 exemplar ue co fossa, 0 Gnigo testers prserad dos primes taba thos de grande stradoralemdo Lyser, que vivera em Ham burg em meados do seo passado. Ora, minha eno para com a consondncla dos nome fora precisa. Aqui também ‘excobritrabalhos de Lyser,ou mais exatamente uma obra — Linas Marchenbuch (Contos de Lina), bra que permanecea dewconheida de todos or ses bibografose que merece na fri as aaa gu eta princi, qo ‘De modo algum a aqusgao de livros se resolve apenas com dnheto ou apenas om 9 conhesimeno de pio. Nem toes estes dos ftores junto bastam para estabelecmen- {o de uma verdadira ibloteca, que sempre contem, a0 mes- smo tempo, oineertivel eo inconfundive. Darr decatlopos deve possi stm das qualdades menso- ada, um faroapurado, Data, nomes de lugares, formals, anos anteriores, eneaderages, et: odes essay cosas de- ‘em ter um sgificado para, hao 36 como Tats lads Iidos, mas devem se harmonizar,, pela qualidade entens dade dese harmonia, © eomprador deve Ser apa de reo nhecer se um vo INeconvém ou 840. Un lab de coleio- nadores requercapacdades totalmente dsints. Para 0 ke ford cvsogoso gue deve conta eo livt0 estou ent eh pwopietirio anterior, se #prowedencia da cOpia eave dele ae Oras car — Water Rejom ‘minada. Quem pretende tomar parte de tm lelao deve con- ‘entrar a atengdo equitativamenteno livroe nos concorrentes, 6 acima de tudo, manter a cabega fria 0 bastante — 0 que, ‘nO entanto,raramente ocorte — para no ser arrastado pela Aisputa ¢ asim ndo se ver, por fim, enforcado por um prey alto num ponto em que ofereccu mais, antes para fazer frente a0 adversirio do que para adquirro livro em si. Entretanto, uma das lembrangas mais belas do colecionador & 0 momento fem que veio em socorro de um livro, para o qual, em vida, talvez jamais tivesse tide um pensamento, e muito menos ai ds 0 desejo de possuir,s6 porque estava a venda, abandona- ‘doe sozinho, e, com 6 mesmo fim do principe que em As mil ‘euma Noites compra uma bela excrava, ele 0 comprow para the dara liberdade. Pois para o colecionador a verdadita li berdade de todo livro & estar naiguma parte de suas estantes. ‘Ainda hoje Pele de Onagro, de Balzac, se destaca das longas filas de volumes franceses de minha biblioteca como 0 ‘monumento de minha experizncia mais emocionante em le kes. Aconteceu em 1915, no leildo Roman, organizado por Emil Hirsch, um dos maiores eonhecedores de livros e, a0 ‘mesmo tempo, um dos mais distintos vendedores. A edisio dde que se trata apareceu em 1838 em Patis, Place de fa Bour- se. Agora, quando tomo nas mos o exemplar, vejo nfo epe- ras seu nlimero na colo Ruman, mas também a etiqueta dda livraria na qual, hi moventa anos, © primeiro comprador © adquiru por cerea de 1/80 do prego atua: “Papetere I. Flan- neau’’ Bela €poca aquela em que edigBes de luxo como essa — pois suas gravuras de ago foram idealizadas pelo mals no- tvel desenhista francés erealizadas pelos maiores gravadores = podiam ser compradas numa papelaria. Mas quero é hes contar como adquinio ivro. Bu fora a loja de Emil fazer uma Inspepso previa © manuseara sem interesre ns 40 a $0 vol mes; $6 este volume despertou em mim 0 desejo ardente de me apossar dele para sempre. Chegou o dia do lilo. Por um acas0, de acordo com a ordem de apresentagt0 dos ites do Teilto, esse exemplar de Pele de Onagro foi precedido por luma Sequéncia completa de suas ilustragoesimpressas separa ‘damente em papel da China. Os proponentes estevam senta- ‘dosem torno de uma comprida mesa; quase a minha frente, 0 hhomem que, no primeito lance, concentrou em si todas os othares: 0 famoso colesionador de Munique, barde von Si nuns do Premens 2 molin. Ele estava interessado naquela seqéncia, mas tinba ‘concorrentes, Em suma, houve uma lutaacirrada,cujo resul tado fot 0 lance mais ato de todo o lelfo, um lance tuto acima de 3000 marcos. Ninguém pareca ter esperado quantia {io elevada e uma agitagdo passou por todos os presentes. Emil Hirsch permaneceu impévido e, fosse pura nao perder {tempo ou por outros motives, passou para o item seguinte sob a desatengao geral da assistencia. Deslarou 0 preyo ey ‘com o coragdo disparado e com a cara consciéncia de nto Poder competir com nenhium dos grandes colecionadores ali Dresentes, ofereci um pouco mais. Sem despertar a atengto de ninguém, 0 leloeiro passou pela formula de praxe — “nin szuém dé mais?”” — e pela tes batidas — a mim me parece- ram separadas por uma eternidade — e, por fi, adicionou a axa correspondente. Para um estudante como eu, & soma era ainda bastante elevada. A manha seguinte na casa de penho- es ja do faz parte dessa historia, eem vez disso prefito falar ide outro evento que poderia chamar o lado negativo dos le lees. Ocorreu em Berlim, no ano passado. O que estava em feria era, pela qualidade e pelo tema, uma miscelanea de le ‘os, entre 0s quais eram dignas de nota apenas umas obras ‘aras sobre ocultsmo e filosofia natural. Fiz oferta para alga ‘mas delas, mas, toda vez que me manifestava, percebi que um senhor numa das alas frontais parecia apenas ter esperado ‘minha oferta para cobr-ia com a sua. Depois qu 0 fato se re- petiu algumas vezes, perdi a esperanca de obter 0 livro que ‘mais me interessava naguele dia. Eram os raros Fragmente ‘aus dem Nachlasse eines jungen Physikers (Fragmentos da (Obra Pastuma de um Jovem Fisco), que Johann Wilhelm Ritter publicou em dois tomos em Heidelberg, no ano de 1810. A obra nunca foi reimpressa, mas consideroo preficio, no qual o autor-editor expe a historia da propria vida na forma de necroldgio para seu amigo andnimo supostamente falecido — que ndo @ ninguém senao ele mesmo —, como a mais importante amosira da prosa pessoal do Romantismo alemao. No momento em que o numero fol dito, tive uma inspiragao. Era bastante simples: j que minha oferta deveria, infalivelmente dar o item a0 outro sujeito, eu no deveria de ‘modo algum me manifestar. Dominei-me e permance cal do. O que tinha esperado, aconteceu: nenhum interesse, ne ‘hum lance, eo ivrovoliou a0 seu lugar. Julgueisensato de ae Ore hier — Water Bean xar passar mais alguns dias. De fato, quando apareci uma ‘semana depois, encontrelo livro na seeo de antiquatios, e 4 falta de interesse que demonstraram para com ele me {01 pro- veitosa na horada aquisgao ‘Quantas coisas alo retornam & meméria uma vez n0s e- ‘nhamos aproximado das montanhas de caixas para delas ex: trair os livros para a luz do dia, ou methor, da noite. Nada poderia realyar mais a operasdo de desempacotar do que adi ficuldade de conclut-ia. Eu comeyara ao melo-da, ¢ jd era meis-noite antes que tivesse aberto camiaho até as itimas caixas. Bis que agora, por fim, eairam em minhas mios dois ‘volumes encadernados com papelto desbotado: dois élbuns de figurinhas que minha me colou quando crianga e que het- dei. Sdo as sementes de uma coleydo de livros infantis que sing ole ie connie anda qu ose to me jardim. — Nao ha nenhiuma biblioteca viva que ni abrigue, fm forma delivro, um nimero de craturas das regides fron: teirgas. Nao precisam ser dlbuns de colar ou de familia, nem ‘eadernos de autdgrafos ou textos religiosos: muita pessous se afeigoam a folhetos ¢ prospectos,outras a facsimiles de ma- nuscritos ou cépias datilografadas de livos impossvels de ‘char; e, com certeza, revistas podem compor ae orlas pris ‘maticas de uma biblioteca, Mas voltando aqucles albu hheranga €4 maneira mais pertinente de formar uma biblite- «a. Pois a attude do colecionador em relagdo aos ses pertene ‘es provém do sentimeato de responsabilidade do dono em Teagdo a sua posse, E, portanto, no sentido mais elevad a attude do herdeio. Assim, a transmissibilidade de uma eolee ‘fo &a qualidade que sempre consttuira seu trago mais {into, Safbam que tenho plena conscigncia de quanto es velagao que fago do mundo mental contido no ato de har vai reforgar para muitos de vocés a conviegdo de que palxao & coisa do passado ea desconfianga contra 6 tipo nano do colecionador. Longe de mim a pretensto de los, Mas s6 haveria uma coisa a notar: 0 fendmeno 40 ‘ionar perde seu sentido & medida que perde seu agente mmo que colecdes piblicas sejam menos censurivels lado social e mas uis pelo seu lado clentifico do que; ticulares, 05 objetos stém sua razdo de ser nestas, ‘que esti chegando ao fim 0 tipo de que falo aqui e quel senio um pouco ex afjeio. Mas como diz Hegel: *$6) maze: de Prema 2s ‘scuridio € que a coruja de Minerva inicia seu v6o". $6 ‘quando extinto € que o colecionador sera compreendido, ‘Agora, em frente da tia calxa semi-esvaziada, hi ‘muito jf passou da meia-noite. Afloram em mim pensamsen, tos diversos dos que acabei de relatar. Nao so pensamenton, slo imagens, lembrangas. Lembrancas das cidades nas quais acheitantas coisas: Riga, Napoles, Munique, Danzigue, Mos. ou, Florenga, Baslia, Paris. Lembrangas das sas luxuosas de Rosenthal em Munique, da Stockaurm em Danzigue onde ‘Morou o falecido Hans Rhaue, do subsolo mofeno chao livros de Sussengut, Berlim Norte; embrancas dos restos {de eses vos feavam, da mish Toca de estudane en ‘Munique, do meu quarto ém Bern, da solidao de Isetwald & ‘margem do lago de Brienz,e por fim do meu quarto de cian. donde se originaram apenas quatro ou cinco dos muitos afhares de livros que comesam a se empilhar a meu redor, ‘Bem-aventurado o colecionador! Bem-aventurade © homer Brivado! De ninguém se esperou menos do que dele, e nin. ‘subi sentiu mais bem-estar do que aquele que pode prosse- ‘tir sua existncia desacreditada sob a mascara spitzwegula. 1a Pols dentro dele se domiciiaram epiritos OU genie, thos que fazem com que para o colesionador — e me rents? ™ ‘aqui ao colecionador auténtico, como deve ser —a posse seja VP amas intima relarto que se pode ir com as coisas: nto que ‘las estejam vivas dentro dele; &ele que vive dentro dels E, sim, etal diante de vocés uma de suas moradas, que tem li loncome tHolos, agora, como convém, ee vai desaparece. © caRATER pestauTIVo ‘Ao fazer uma retrospectiva de sua vida, alguém poderia Mir areconhecer que quase todos os vinculos mals prtendos sla padcceu partram de pessoas sobre cujo eardler des. ivohavia unanimidade de opiniao. Um dia, talvez casual. ie, cle vria de encontroa esse fato,e quanto mais volen. Fi Sines 08.48, pines de mates Hi chimera “Ose Bes

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