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historias | arte | costumes Manifestacées artisticas e celebracées populares no Estado de Sao Paulo ic |imprensacficial ‘ Musica na terra paulista: da viola caipira a guitarra elétrica Alberto T. Ikeda B..s..- de maneira panoramica e historica as praticas Musicais em Sao Paulo, projetadas a partir das regioes interiora nas, possibilita-nos perceber um amplo leque de modalidades, que abrangem, entre outras a a musica dos primeiros ocupantes da regiao, 0s indios; b as realizagoes dos grupos negros trazidos na condicao de escravos, que muitos viajantes © memorialistas registraram genericamente como batuques: ¢ as musicas populares diversas, dos saraus das elites as seres. tas e bailes populare: d_ aquelas identificadas como folcloricas, das dancas, folguedos ¢ rituals tradicionais; ©, dependendo da localidade, a musica identificada como “erudita” ou “classica", dos con: Certos, € que podemos encontrar também nos antigos oficios religiosos. Clero, nao podemos deixar de mencionar as ban das € suas retretas, que marcaram e marcam ainda a vida de muitas cidades No caso da musica sacra (“cldssica"), podemos lembrar, por exemplo, das atividades do Frei Jesuino do Monte Carmelo (1764 1819), que nasceu na cidade de Santos ¢ atuou também em Itu. entre 0 final do século XVIII @ 0 inicio do século XIX. tendo pro: duzido importante obra musical sacra. E ainda de Manuel José Gomes (1792-1868), nascido em Santana de Parnaibe e que atuou sobretudo em Campinas, onde nasceu 0 seu filho famoso, Antonio Carlos Gomes (1836-1896). Manuel José Gomos alean cou renome como musica, tendo composto tambem varias pecas sacras e profanas. Claro que estes sao apenas alguns exemplos referenciais, pois nessas e noutras cidades antigas bem antes jé se realizavam oficios religiosos e- profanos, nos quais a musica de autores de formacao erudita sempre se fazia presente.’ Eles, Terra Paulista: histcras, arte, costumes oo incursionaram também pela musica popular. 0 proprio Carlos Gomes, que se notabilizou nacional e internacionalmente com as suas Operas - entre as quais “O Guarani”, que estreou com gran- de sucesso na Italia em 1870 -, compos modinhas, valsas, poleas, quadrithas, mazurcas e outros géneros populares. ‘A musica da Paulistania Nesse texto, porém, optamos por tratar sobretudo de uma modalidade especial da musica popular. Uma misica que se rela~ ciona 8 propria formacao historica de S80 Paulo, singuiarizando- de WuInU poulista. Nesse caso, quando buscamos alguma identi dade, sobretudo do interior, chegamos certamente a musica popular de tradicao oral, que tem na viola caipira o seu simbolo maior? Surgida na g@nese dessa formacao historica, a chamada musica caipira se expandiu por um amplo territorio por vezes designado como Paulistania - a érea ocupada pelos paulistas nos séculos XVI, XVI e XVIll e influenciada culturalmente por eles, que se esiende pelas regiGes Sudeste, Sul e Centro-Oeste @ abrange basicamente, alem de Sao Paulo, trechos dos atuais estados de Minas Gerais, Parana, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goids Com o tempo, a partir das expressdes culturais caipiras mais antigas, cada uma dessas regioes fol firmando processos cultu- ral musicais préprios, de multiplas influéncias. Nosse caso, pode- mos exemplificar com as regides mato-grossenses que cultivam o rasqueado culabano, de marcante influencia paraguaie, mas pre- servam ainda a danca do cururu, com cantoria de desafio, que bem tradicional de algumas localidades do interior paulista.* De fato, as duas regides partilharam uma mesma génese cultural ini- cial: as primeiras povoagdes do Centro-Oeste foram estabeleci- das por bandeirantes paulistas. ‘Assim, a musica caipira, em um primeiro momento, se fez a partir das praticas musicais aqui introduzidas pelos portugueses, de tradigao ibérica. Com o tempo, incorperou, em pequena es cala, tragos de musicalidades indigenas, e posteriormente rece- beu a influencia da musica de africanos e seus descendentes. Nao se imagine. porém, que essa formacaa cultural tenha ocor- rido de maneira simples e sempre harmoniosa, por meio das contribuicdes dos povos”. Claro, 0s contatos dos portugueses com 08 Indios e, posteriormente, com os escravos africanos se deram muitas vezes de forma traumatica, com lutas € processos de dominacao pela forca. Mesmo nas momentos pacificos os processos culturais a0 comumente frutos de trocas disputas socials, de tentativas de prevalecimento de Interesses uivetsu», de pessoas, grupos € classes socials, por suas formas de "ver 0 mundo" conduzir a partir delas a realidade social, Podemos 12 Terra Paulista: historias, arte, costumes 1 Tocador de viola na Festa do Divino Espirito Santo, em Mogt das Cruzes, 2002. Oriunda da tradi¢do portuguesa, a viola & um simbola da musica popular em que a oralidade tem papel fundamental exemplificar aqui com dois dos géneros musicais mais tradicio- nais da cultura caipira, o cururu (j4 mencionado) e 0 catira, que resultaram do processo de catequese que os jesuitas realizeram com 0s indigenas desde 0 século XVI. Os padres teriam utilizado algumas dances ja praticadas pelos nativos, adaptando-as para, por meio delas, incutir nos indios, principalmente a partir das criancas, 05 valores religiosos e de vida do catolicismo. Isso mpit- cou, a0 longo do tempo, no desaparecimento dos modos de vida, da lingua, das crencas, da imensa maioria dos tragos cultu rais dessas comunidades nativas, erpobrecendo, evidentemen- te, as variantes e riquezas prdprias dos grupos humanos. Quanto a questao da area de abrangéncia da cultura caipi- ra, ha de se lembrar, ainda, que a expansan da miisica dos pau: listas teve outras etapas além daquela inicial, decorrente da ocu- pacao do territorio, Com 0 desenvolvimento dos meios de comu nicacao de massa, no final da década de 1920, iniciaram-se as gravacSes de discos com a musica do interior paulista, rebatiza- da de musica sertaneja, que também passou a ser divulgada nas radios. Essa nova fase de expansao atingiu paulatinamente Outras regides, ate chegarmos as decades de 1970/1980, agora j4 com a presenca da televisdo. Nos anos seguintes, quase toda modificada, a musica historicamente lastreada em Sao Paulo tor- nou-se fendmeno nacional e internacional, com as "duplas ser- tanejas jovens”, como Chitéozinho e Xoror6, Christian e Ralf, Zezé Di Camargo e Luciano e tantas outras. Nao se fara aqui uma historia da musica em Sao Paulo, mas, sim, uma abordagem introdutéria, apontando alguns momentos nomes referenciais sobre assunto. A cultura e a musica caipiras No uso popular, © terme “caipira” firmou-se como adjetivo pelorativo, indicando sobretudo timidez, rudeza nos modos e ignorancia, que supostamente caracterizariam as pessoas das re- gides interioranas. Porém, nos trabalhos de historiadores, socié- logos, antropdlogos e outros cientistas sociais, a palavra 6 utiliza da para se referir 4 cultura tradicional paulista, cujo significado etimologico mais comumente aceito, originado nos idiomas da familia linguistica tupi-quarani," retere-se aos moradores das re- gides do interior. No presente texto, adotamos o termo no uso comum das ciéncias sociais, para se referir, no caso, a musica tra- dicional paulista, que muitos identificam como folclore. Essa musica se faz presente nos diversos momentos da vida das comunidades reconhecidas como caipiras, seja trabalho seja na vida doméstica. nas festas e no lazer. nas praticas rituais reli- giosas.* Conforme explica José de Souza Martins, a musica caipi- ra “se caracteriza estritamente por seu valor de utilidade, en- quanto meio necessario para efetivacao de certas relacoes sociais essenciais a0 ciclo do cotidiano do caipira".* Assim, ela cificil- mente é praticada apenas para a audicdo isolada, de forma auté- noma, como atividade puramente musical. Comumente aparece relacionada @ outras expressdes, sejam 05 ritos ieliyiusus, v baile, as dancas e os folguedos dramaticos,’ as atividades de trabalho e outras, Os momentos em que mais se podem ouvir essas musicas s80 05 do convivio coletivo, como as festas ciclicas anuais, na maioria de cunho devocional, em louvor aos santos, que envol- vem cidades inteiras e suas regides proximas, nas quais se apre- sentam 0s grupos de dancas e folguedos tradicionais e se can- tam nas capelas, igrejas, casas, sitios e procissdes. Entre as mais difundidas em Sao Paulo esto as festas do Divino e dos Santos Reis, as de Sao Benedito e/ou Nossa Senhora do Rosdrio e as fes- tas dos santos de junho (Santo Anténio, Sao Jogo e Sao Pedro). Comumente se podem encontrar nelas, dependendo da regido, manifestacéins cle folguedes dramaticos como a congada, o mocambique e 0 caiap6,’ e dangas como o catira ou catereté, 0 va “Terra Paulista: historias, ate, costumes 2. Folia dos Santos Reis, no Parque da Agua Branca, 1999. Da véspera do Natal até 0 dia da Festa dos Santos Reis, os devotes com trajes tipicos visitam as resi Ueniias caricaniu & (ocaniue seus instrumentos. 3. Tocador de marimba de um grupo de congada na Festa ce Sao Benedito, em Ilha Bela, 1999. 0s devotes fa: aSio Benedita em datas v acordo com 10 do esta ques, distribuicao d fandango, © jongo, o batuque (de umbigada), alguns tipos de samba (samba-de-bumbo e samba-lenco) e outras mais." Tam- bém se pratica muita musica nas festas mais particularizadas, nos sitios € casas, que mesmo assim sempre envolvem grande nume- ro de participantes da vizinhanca. € 0 caso da Festa de So Goncalo, bastante disseminada em Sao Paulo, que se da por meio de uma danca especifica, normalmente com cantoria, pal- meado e sapateado." No campo religioso nao se pode deixar de mencionar também, em algumas localidades, os cantos de reco- menda de alas, do periodo da Quaresma/Semana Santa, que se fazem para 0 “descanso das almas do purgatério”. Podemos lembrar ainda de praticas musicais nas atividades de trabalho grupal, como as cantorias de mutirao. Estas sc fazem @ partir de um costume antigo de labor comunitario (mutirao, puchirdo), para a realizacao de alguma tarefa que requer muitas pessoas (colher safra agricola, construir casa, rocar pasto e outras), a convite de um morador. A pratica consiste na forma- a0 de duplas, que, interrompendo por um momento o trabalho, cantam versos, normalmente quadras elaboradas no ato, numa especie de desatio entre as duplas. Completada a tareta propos- ta no dia, em geral se realiza uma festa noite adentro, sempre com repasto farto e comumente com cantorias e/ou dancas, que, conforme a regiao, podem ser 0 desafio do cururu © dancas como 0 catira, a cana-verde, a ciranda, a danca do caranguejo e outras." Naturalmente, também nas festas profanas, como o car- naval, tealizam-se manifestacoes que envalvem a miisica, acam- panhando diversos tipos de cortejos de blocos (cordéo-de- bichos, boizinho de carnaval)."* Cabe mencionar, ainda, os oficios 4 Festa do Divino, em Sao Luiz do Paraitinga, 2000. Realizada cinquenta dias apds @ Pascoa, a Festa do Divino repre: senta a vis3o do Espirito Santo, 50b a forma de uma pomba, pelos apostolos. Us nomens tardados fazem parte da celebracdo, que inclui dangas e musica, 5. Instrumento dos grupos de mocambique, em Olimpia, 1989. 0 pais é uma correii 508 sob os joelhos, jos grupos d religiosos de tradicao originalmente dos afrodescendentes, como ‘as ritos dos terreiros de Umbanda e Candomble. Podem ser representados, entre outras, pela Festa de Cosme e Damiao festa das criancas”, realizada no dia 27 de setembro e hoje em via omeniuia’ igualmente pela populacée catélica. Deve so destacar, tambem, que dancas ja mencionadas como 0 jongo, 0 batuque (de umbigada) e os sambas se relacionam aos grupos de origem africana, assim como, na vertente do catolicismo, as con- gadas e mocambiques tém presenca predominante nesse seq- mento étnico i) 6 Pequeno tambor dos grupos de mogambique, em Olimpia, 1989. O pequene tambor (a Par: tacao do Teno de Mo is Paul Santa Ifigenia, em Olimpia 7 Festa do Divino, em Sao Luiz do Paraitinga, 2000. Um muisico faz 0 acompanhamen- to para as cantorias do cortejo na Festa do Divino. Celebracées da meméria As festas sao, assim, pratices associativas fundamentais. $A0 ‘ocasides nas quais os individuos se encontram para as realiza- des comunitarias, que Ihes dao identidade, permitindo que se aintam integrantes de um grupo. Ao mesmo tempo, alas s30 0 momento de afirmacao e/ou confirmacao dos valores sociais, sagrados e profanos, importantes para a comunidade, assim co- mo 0 tempo do lazer, da criacdo, do gozo estético e do prazer liidico, que excedem a rotina do dia-a-dia. Existe um verdadeiro exercicio de coletivismo nesses momentos, pois as festas tradi- cionais, sob a responsabilidade de um festeiro ou um grupo deles, que se renova a cada ano, sempre envolvem muitas pes- soas, que nelas colaboram nas formas mais variadas (ajuda em dinheiro, realizaco de algum tipo de trabalho, auxilio na prepa- ragdo de comidas, doagéo de alimentos ou prendas, etc). Nessas ocasides a musica cumpre sempre papel fundamental, como uma ‘espécie de amalgama de fixacaa, preservacao e dinamizacao dos costumes. Assim. essas musicas. dancas e folauedos tradicionais. nao podem ser vistas apenas como apresentacdes artisticas, come espetdculos, pois para os seus praticantes elas sao bem mais do que isso. Elas constituem a fonte de guarda da meméria aietiva e ancestral e da reafirmacao dos valores dos lacos so: cialmente importantes, e muitas vezes sao praticas de puro teor religioso. Ennibora.a musica caipira esteja predominantemente relacio: nada a outras expresses, conforme ressaltado antes, alguns ri mos acabaram se fixando também de forma auténoma, como g8nero musical em si, predominantemente para a audicao, como. Terra Paulista historias, arte, costumes expresso musical popular de espetaculo (concerto), com autoria reconhecida e expressa, Entre eles se incluem: o cururu, o catira, 0 arrasta-ps (polca) @ 0 xotis (xote), que originalmente sao for mas dancadas, com cantorias muitas vezes de improviso;* a toada e a moda de viola,” generos apenas vocals, @, tinalmente, © pagode caipira, inicialmente um tipo de musica instrumental solista, de grande virtuosismo, executado na viola caipira’®, e que Passou @ ser apresentado também na versdo cantada. Esses generos estao relacionados com a fixacao da chamada musica sertaneja, a partir da década de 1930, quando a musica caipira passin a fazer parte do sistema de comunicacao massiva, por meio das gravagoes em discos e da divulgacao nas radios, inseri- da no processo de mercantilizacao da musica popular, em que ela se torna um produto de consumo, como expressao de musi- ca-espetaculo. Da musica caipira a musica sertaneja E importante lembrar que desde o final do século XIX se manifestava em Sao Paulo o interesse por temas regionais. A ini- ciativa coube ao escritor Valdomiro Silveira (1873-1941), nascido em Cachoeira Paulista, no Vale do Paraiba, que publicou em 104 0 canto ragionalista "Rabicho", considorado iniciador dos se movimento entre nés."*A partir def outros contos foram publi- cados, focalizando aspectos da vida “da roca”, Essa tematica se revelave para além da literatura, alcancando também expressoes como 0 teatro e as artes plasticas. Neste Ultimo caso, podemos lembrar das pinturas do ituano José Ferraz de Almeida Junior (1850-1899), retratando a vida rural interiorana, incluindo: *Cai- pira picando fumo" (1883), "Cozinha caipira” (1895), "Aper- tando o lombilho” (1895), “Violeiro” (1899) e outras® A “des- coberta” da musica tradicional paulista vem no bojo desse pro- cesso de valorizacao regional Historicamente, a musica caipira comecou a ser evidenciada no cenario cultural brasileiro a partir da capital paulista, sobretu do da década do 1910 om diante, tendo no escritor, produtor ¢ apresentador-humorista Cornélio Pires (1884-1958), nascido na cidade de Tiete, um dos divulgadores pioneiros. A partir de entao a cidade de Sao Paulo se tornou 0 centro catalisador e difusor dessa modalidade musical. Em 1910, Cornelio Pires apresentou- se no Colégio Mackenzie, em uma palestra sobre a cultura caipi- ra", fazendo-se acompanhar de uma dupla de violeiros do inte- rior, com numeros de canto e dancas. A partir de entao, passou a excursionar tambem por diversas cidades paulistas, retratando a Vida interiorana, sobretudo a rural, de forma humoristica, sempre 182 Terra Pauiste:histerias. arte, costumes com cantorias de violeiros e 0s “causos calpiras”. Entre apresen- tagdes artisticas, publicacdes de livro, colaboracoes em jormais, atividade como professor de gindstica € outras tantas, em 1929 ele organizou a Turma Caipira Cornelio Pires, composta de inu- incius viuleitus cantadores da regiae de Piracicabe.” No mésmo ano realizou as primeiras gravacoes de musica caipira em discos. Foram pagas por ele mesmo, uma vez que nenhuma gravadora se interessou pelo empreendimento, sem acreditar que discos com musicas desse tipo pudessem ter compradores. No entanto, a ii ciativa teve sucesso comercial e artistico e despertou logo o inte resse de concorrentes. Surgiu entao a Turma Caipira Victor, da Victor Talking Machine Company (RCA Victor), resultando na gra- vagao de cinco discos, langados ainda em 1929.7 A partir desse momento, a musica tradicional paulista come- cou a ser apresentada para alem das fronteiras da zona de influencia da cultura caipira, conforme explica J, R. Tinhoréo “Quando, porém, a Fabrica americana Victor redne um conjunto de musicos sob 0 nome de Turma Caipira Victor, a partir de outubro de 1929, a musica da area rural de Sao Paulo se transforma realmente em musica popular urbana, E assim, no die 25 de outubro de 1929, a expres- s#o moda de viola aparece pela primeira vez no selo de um disco comercial, langado ja agora para a veda nao apenas na regido centro-sul, mas em todo o Brasil; ..."* Sem demora, ja eram varias as gravadoras interessadas em comercializar musicas do repertorio caipira paulista (Columbia do Brasil, RCA Victor, Parlophon, Odeon). Elas langaram os seus pri- meiros artistas, entre os quais: Mariano (da Silva) e Cacula (José da Silva), Arlindo Sant’Anna, Ferrinho (Anténio do Silva), Zico Dias, @ Sorocabinha (Olegario José de Godoy), Mandi (Manuel Rodri- gues Lourenco*), Cobrinha (Victorio Angelo Cobra), Raul Torres (que integrou a famosa dupla Torres e Floréncio), Serrinna (Ante- nor Serra) e outros, que farmaram diferentes duplas entre eles e com outros musicos durante as suas carreiras.* O habito de se cantar em duplas, inclusive, era uma tradicao herdada de Por- tugal, que vinha pelo menos desde a segunda metade do século XVIII, dos denominados “duetos” ou “modas a duo" ("modinhas a duo"), conforme aponta 0 estudioso Mozart de Araujo.” Nessa epoca inicial, a regiao compreendida pelo wiangulo entre as cidades de Piracicaba, Botucatu e Tieté foi o verdadei- fo centro difusor da musica caipira, onde nasceram muitas das suas figuras pionciras. Dai seguirom 9c outras duplas quo fica ram famosas, como Alvarenga (1912-1978) e Ranchinho (1913- 1991), formada em 1929, mas com notoriedade a partir de Terra Paulista: historias, ate, costumes 153 meados da década de 1930, e destacadamente Tonico (1919- 1994) e Tinoco (1920), que cantavam no interior, mas se nota- bilizaram sobretudo a partir da gravacao do primeiro disco ern 1944, ja residentes em Sao Paulo. Os irmaos Tonico e Tinoco tornaram-se verdadeiros icones da musica sertaneja. E preciso esclarecer que o interesse pelas “modas” caipiras ou sertanejas, nas primeiras décadas do século XX, nao estava restrito aos seus praticantes do interior, embora fosse essa regiéo da sua localizagéo mais dindmica. Mesmo compositores de vivéncia mais urbana também se dedicaram a esse tipo de repertério, entre eles a pianista Marcela Tupinamba,*! nascido em Tieté, e 0 cantor paulistano Paraguacu.” O préprio composi- tor Angelino de Oliveira (1888-1964), autor da célebre toada ‘Tristeza do Jeca” *Nestes versos tao singelo, minhe bela, meu amé. Pra mecé quero conta, 0 meu sofré a minha do, ...”, de 1918, considerado 0 “hino da mésica sertangja”, embora nasci- do em Itaporanga e tendo vivido em Botucatu, revelava predomi- nantemente um repertorio tipico da musica popular urbana. Em especial, algumas de suas cancoes de sabor serestairo (modi- nhas) lembram procedimentos composicionais de autores de cangbes de camara, de base erudita. Angelino teve formacdo musical com dominio tedrico, estudando violin, violao e che- gando a tocar trombone na Banda de Musica Sao Benedito, de Botucatu.® Assim. embora localizada em ragian intarinrana, esta € outras cidades mantinham também habitos musicais comuns da vivéncia dos maiores nucleos urbanos da época. A partir de entao, as musicas que na cultura tradicional comumente aconteciam integradas a outras atividades passaram a se constituir como realizagao especificamente artistico-musical, para a audicao isolada, embora, claro, em muitos momentos pudessem servir para a danca. Estabeleceram-se assim os gene- ros que se consagraram como musica sertaneja paulista, distinta das musicas de outras regides, sobretudo as do Nordeste, que tinham presenca no Rio de Janeiro e Sao Paulo desde a década de 1910 pelo menos. O termo sertangja era aplicado a musica regional nordestina, que chegava ao Rio de Janeiro com os miarantes. da mesma forma que as interioranas daquela regia eram usualmente chamados de sertanejos. Nesse caso temos os exemplos do cantor e poeta popular Catullo da Paixdo Cearense (1865-1946), nascido no Maranhao, que chegou ao Rio de Janeiro em 1880, e do violonista e compositor Jodo Pernambuco (1883-1947), nascido no interior pernambucano, que chegou a capital do pais por volta de 1902. Em parceria, os dois tiveram indineras masicas de sucesso, como a embolada “Caboca di Caxanga”, de 1913, e a toada "Luar do Serta”, de 1914, iden- tificadas entao como musica sertaneja. A nomenclatura passou 154 Terra Paulista: historias, art, costumes 8 Ocantor sertanejo Tinoco. ‘Mesmo apds a morte de seu par- ceira Tanico. em 1994. 0 cantar Tinoco continua se apresentando, preservando 3 musica caipira tradicional, também a ser aplicada ao repertorio caipira paulista quando este comecou a ser destacado em apresentagoes de palco e gravado. Assim, transformada em espeticulo artistico-popular de consumo, batizada como sertaneja, nao mais integrada nos va rios momentos da vida das comunidades caipiras, a musica toi sofrendo modificacoes @ incorporacdes que @ distanciaram cada vez mais de suas matrizes iniciais. Ao longo do tempo, foi se alterando na sua tematica, na forma (géneros), na instrumenta cao € nos modos de ser interpretada, tornando-se um produto acabado da industria do entretenimento Ritmos latino-americanos e a invasao dos caubdis Quanto aas generos (ritmos) da musica sertaneja, além da queles tradicionais e mais comuns, como © cururu, © catira, a toads e a moda de viola, referenciados nas duplas mais antigas, com acompanhemento da viola caipira e do violao, observa-se ao longo do tempo a assimilacao de outros ritmos, de diferentes localidades brasiieiras e estrangeiras. Podemos relembrat 0 caso da musica pantaneira, do Contro-Oosto; mais recentemente, tem sido bastante executado nos bailes 0 vanerao,%* do Rio Grande do Sul, Além disso, incorporaram-se ritmos estrangeiros, notadi mente a partir da década de 1940, Entre eles, na vertente latino- americana, estao a guarania, 0 chamamé ™ e a polca paraguaia (camumente identificada como rasqueado. no Sul. Centro-Oeste e Sudeste), do Paraguai, e os corridos e as rancheiras,” do Me xico, Da influéncia paraguaia, um dos marcos 6 a gravagao, em 1952, da guarania “India”, de José Assuncion Flores e Manuel Ortiz Guerrero, pela dupla Cascatinha e Inhana.* A musica se consagrau como “um classico” da musica sertaneja e a dupla foi uma das maiores representantes desse genero no Brasil. No que se refere a musica mexicana, poue-se imeticivrial a dupla Peuio Bento e Zé da Estrada,” que principalmente pela década de 1960 se consagrou como representante do estilo mexicano, assimilan- do até mesmo os trajes considerados tipicos daquele pais. Nesses casos, além da incorporacao dos ritmos musicais, ocorreu tam- bem a presenca de instrumentos de acompanhamento como a harpa. do Paraquai, e, do México, as bandas com instrumentos Ge sopra, conhecidas como Mariachis. Posteriormente, pelas décadas de 1960 e 1970, houve forte influancia norte-americana, da vertente do rock, por meio do movimento que no Brasil se denominou "Jovem guarda”, resul- tando na incorporacdo de instrumentos eletrificados como as guitarras, 0 contrabaixo e a bateria. A outra inspiracao marcan ly dessa epure fui @ dos filmes norte-americanos de caubéis, que atingiu muitas das duplas jovens da musica sertaneja que atua- ram nas décadas de 1970 a 1990, Uma dupla que incorporou de modo exemplar a influéncia norte-americana foi a de Léo Ca nhoto e Robertinho," pela década de 1970. Explica Waldenyr Caldas: “Eles se apossaram da figura do cauboi americano e, a0 mesmo tempo. do jovem que absorven toda a madernicade do meio urbano-industrial ...". Porém, esclarece o autor, a influén: cia dessa dupla nao se deu somente via filmes norte-americanos, mas também por meio dos filmes de bang-bang realizados na Italia, que faziam sucesso no Brasil por essa ¢poca.” Um outro exemplo da aproximacao entre o rock © a musica sertaneja é 0 do cantor paulistano Sergio Reis (1940), que iniciou carreira com cangoes romanticas musicas de rock ‘roll no final da decada de 1950, depois incorporou-se na tendéncia pop-rock romantica da "jovem guarda”, pela década de 1960, e a partir de meados da década de 1970 direcionou-se definitivamente para a musica sertaneja,”? aps 0 seu sucesso com a gravacao do cururu "O me nino da porteira”, em 1973. Sergio se distinguiu tambem por cantar individualmente, isto é, sem formar uma dupla. Posteriormente, pela década de 1990 sobretudo, houve novo momento de forte presenca norte-americana na musica sertaneja, dessa vez através da musica country e dos rodeios.” A figura cos caubdis passou a ser referencial, gerando comeércio altamente lucrativo, incluindo 0 modismo dos seus trajes: cha- peu texano, bota, calga jeans, camisa de corte proprio e cinto de fivela grance Esta ultima fase corresponde @ da consagragao dessa musi- ca, ainda identificada como sertaneja, como fendmeno de alcan- ce nacional e internacional. Pouicos aspectos se preservaram da epoca das primeiras gravagdes, praticamente restando somente © canto em duplas. Os irmaos Chitaozinho e Xororo “ retratam bem esse momento da transformacao dos cantores sertanejos em idolos de alcance nacional, movimentando negocios de milhares de délares. Vindos do Parana, de familia humilde, inicia ram a carreira apresentando-se em programas de radio. O pri meiro. disco oficial foi tancado em 1976, intitulado Galopeira.* m 1979 gravaram o disco 60 dias apaixonado, que recebeu 0 premio da gravadora pela venda de 150 mil copias. A dupla incorporava entao um imagindrio que unio a musice sertancja 8 muisica popular “moderna”, relacionada ao pop-rock nacional. A partir dal os sucessos se seguiram, O LP Amante amada, de 1981, vendeu 250 mil copias, € 0 seguinte, Somos apaixonados, de 1982, com a musica “Fio de Cabelo”, vendeu 1,5 milhao de cépias. Para coroar a ascensdo da dupla como Idolos nao s6 do publico sertanejo (mais interiorano), que j4 0 eram, mas da musi ca popular de massa no Brasil, em 1988 Chitdozinho e Choror6 apresentaram-se na famosa casa de espetdculos Palace (pos- eriormente DirecTV Music Hal), de Sao Paulo, até entao um 158 Tetra Paulsta: historias, arte, costumes 9 O cantor paulistano Sergio Reis Integrante da “joven quarda ‘nos anos 1960, Sérgio Reis tor nou-se um dos grandes nomes éa musica sertaneja a partic de 1973 Primeice articta do ginere.« tocer em radios FMs, trabalhou tambem como ator em filmes e novelas tolovisivas 10 Festa do Pedo Boiadeiro, em Barretos, 1998. A vista aérea do local onde se realiza a resta do Feao Boladeiro em Barretos mostra a dimensao que tem o evento. espaco aberto apenas para os artistas mais consagrados da ch mada MPB (Musica Popular Brasileira). O sucesso foi tanto que a temporada teve de ser ampliada."* A onda country A segunda metade da década de 1980 também foi de ade- $80 a0 estilo country norte-americano, que, fomentado por meio das festas do “peao de boiadeiro” ou “peao boiadeiro” (ro- deios),’ tornou-se uma verdadeira onda comercial nos anos 1990, envolvendo a musica“, a danga e os vestuarios", ‘As misicas sertanojas, sobretudo apés a década de 1960, sofreram modificacées ao sabor principalmente dos interesses ‘comerciais, que necessitam da reciclagem periddica de produtos {as misicas, no caso), para manter a dinamica do consumo Nesse caso podemos lembrar, por exemplo, que a onda country na musica sertaneja nada tem de “ se costuma dar a entender, mas ocorreu por um processo de tomento sobretudo comercial. O modismo country esta diret mente vinculado as feiras agropecuérias € aos rodeios, que 580 megaempreendimentos comerciais, promovidos as dezenas, a cada ano, em diversas localidades do interior, atingindo sobretu- do 0 segmento jovem da populacao. O que esta em jogo sao investimentos financeiros altissimos que necessitam de retorno, e que de fato dinamizam significativamente a economia de mui- tas cidades e diversos setores produtivos. Nesses eventos estao natural” ou “normal”, como envolvidos os interesses de prefeituras, gravadoras de CDs, radios, emissoras de televisao, revistas, jornais, industrias de con Feccao de roupas ¢ calcados. Interessam igualmente aos produ- tores de bebidas € alimentos, de cigarros, as empresas de turis. mo © transporte e, evidentemente, a propria “industria dos rodeios” (criadores de animais, produtores de solas ¢ outros implementos). Alcancam, também, a industria de implementos agricolas € veiculos automotores (automovels, caminhoes, utilita- rios, motocicletas, tratores, maquinas colheitadeiras, etc.) e ou- tros setores, como os dos fertilizantes, agrotoxicos e tantos mais ‘Ao sabor dostos intoresses 6 que ainda 3¢ mantém a denomina- cao “sertaneja", como marca de um produto (marketing) mesmo que essas musicas praticamente nada mais tenham a ver com a realidade ou a historia das regides identificadas como “sertao”, sobretudo na era da globalizacao Na décads de 1990, todos esses interesses e os holofotes da midia contribuiram para fazer das duplas “sertanejas” 0 mais importante segmento comercial da musica popular de massa no Brasil. Os cantores ainda se apresentam usualmente em duplas, mas a viola caipira ha muito foi descartada. Alem cisso, o reper torio predominante consiste de cancoes e baladas romanticas outros ritmos mais dancaveis com acentos pop-rock-country, bem distanciados das origens da musica sertaneja A musica sertaneja “de raiz" e os violeiros Alem das vertentes da musica caipira e da sertaneja ja apre- sentadas, que singularizam Sao Paulo ea regiao de sua influen cia histrica no cenario da musica brasileira, € preciso enfocar ainida uirla ould, que tem sido Genominaga ‘musica raiz” ou “musica de raiz". Esse segmento se dinamizou nas decadas de 1980/1990, no mesmo periodo da ascensao e massificacao da miisica sertaneja comercial, aigada a condicao de fenomeno na cional, Podemos dizer que a “musica de raiz” constitui uma ver- tente da MPB™ voltada para os padroes considerados autenticos da musica caipira, que esta se configurando desde a década de 1970. Na verdade, essa corrente vem desde 0 inicio do século XX, quando compositores de vivencia urbana e muitas vezes de formacao mais intelectualizada se interessaram pela composicao modelada nas musicas regionais tradicionais, como € 0 caso do Ja citado compositor Marcelo Tupinambé e outros Um nome de presenca obrigatoria nessa corrente € 0 da can- tore paulistana Inezita Darroso (1925), apreseritadura du Pruyia ma “Viola, Minha Viola”, da TV Cultura, de Saq Paulo, que esta no er desde 1980. O programa se volta para os artistas conside- rados “de raiz", da musica sertaneja paulista e de outras regioes do Brasil, incluindo a apresentacao de grupos idertificados como folcloricos, de masica e danca. A carreira de Inezita como atriz, cantora e instrumentista vem desde a década de 1950, tendo no fe-pertorio pegas reconhecidas como MPD, sambes e musicas de tradigao oral de varias localidades brasileiras. Suas atividades ainda contemplam realizagoes como produtora e radialista, pro: fessora, pesquisadora e palestrante de folciore Como trabalho autoral, nessa linhagem a criagao musical se da a partir day matrizes tradiclonais.” A referencia mais conheci da dessa corrente 6 0 compositor Renato Teixeira (1945), apos 0 sucesso que obteve com a gravagao, em 1977, da sua cancao" "Romaria’, na voz da cantora Flis Regina (1945-1982). Renato nasceu em Santos e morou em Taubaté, no Vale do Paraiba vivenciando ali a cultura caipira, Em 1967 transferiu-se para Sao Paulo e comecou a participar de festivais de musica popular da época, quando obteve reconhecimento como compositor. Com o sucesso de “Romario”, passou a sor uma referéncia para a musi ca de inspiracao regional paulista, identificada entaéo como musica de raiz”, que a distinguia das musicas sertanejas que aleancavam as grandes massas. Outro nome expressive dessa vertente ¢ 0 de Rolando Boldrin (1936), compositor, ator, apre sentador e contador de "causos” caipiras, nascido em Sao Joa: quim da Barra. Boldrin atuava desde o final da déecada de 1950 como ator e se fez conhecido na musica sobretudo a partir de 1112 Rolando Boldrin e Zica Bergami, compositora de “Lampiao de gas” com Inezita Barroso. Representantes da denominada musica "de raiz”, eantores, atores, instrumentistas e compositores, yauliavai Fania ¢ metoriedade hos eanais de talevisao do pals 4 partir da década de 1980. 1974, quando gravou o primeiro disco, Mas obteve grande reco- nhecimento a partir de 1981, ao se tornar apresentador do pro: grama “Som Brasil”, da TY Globo." O movimento identificado como musica sertaneia “de raiz inclui cantores solistas (nao mais em duplas), conjuntos musicais ("bandas") e instrumentistas solistas, tendo na viola caipira 0 seu simbolo maximo. Dele participaram nao so autores paulistas, mas tambem mineiros e mato-grossenses, confluindo em Sao Paulo, @ maneira do que ocorrera historicamente. No caso de Mato Grosso do Sul, um dos destaques é 0 violeira/cantor/com- positor Almir Sater (1956), nascido em Campo Grande. Sua car- reira nacional firmou-se a partir de Sao Paulo. Apos gravar o pri- meiro CD, em 1981, foi reconhecido como grande divulgador da mulsica pantaneira" no Brasil. 0 movimento revelou tambem um numero significativo de excelentes instrumentistas da viola caipira, incluindo, entre tantos: os mineitos Roberto Correa, Ivan Vilela, Braz da Viola e Chico Lobo, e os paulistas Paulo Freir Mazinho Quevedo e Passoca (Marco Antonio Vilalba). Entre 0s instrumentistas Geve-se incluir um pioneira anteces: sor, que é 0 mingiro Renato Andrade (1932), de formacao erudi ta como violinista e que, mudando de instrumento, para a viola caipira, desde @ década de 1970 vem atuando como compositor € instrumentista-concertista. Tambem deve-se registrar a revela- a0 ¢ adogdo do “mestre" violeiro, também artesdo de rabece € viola caipira, 0 mineiro Zé Coco do Riachao (1912-1998). “Des. coberto” pelo também mineiro e compositor-violeiro Téo Aze- vedo (1943), Ze Coco do Riachao teve o seu primeiro CD lanca do em 1980, praticamente aos 70 anos, e passou a ser uma espécie de violeiro-simbolo para os instrumentistas jovens."* Na mesma perspectiva de “adotados” deve-se incluir a dupla minei- ra dos irmaos Pena Branca e Xavantinho®, radicados em Sao Paulo desde a década de 1960 e com reconhecimento a partir de 1980, entre outros motivos pelo fato de cantarem a maneira das duplas mais antigas. Aqui e preciso registrar tambem a existen- cia de alguns conjuntos musicais ("bandas"), como os grupos Paranga e Rio Acima, respectivamente de Sao Luiz do Paraitin- ga ¢ Paraibuna, no Vale do Paraiba, com atuagéo desde a déca da de 1980 Nessa vertente das “bandas”, sobretudo pelo final da déca da de 1990, deve-se mencionar a configuracao de um movimen- to musical paulista um tanto diferente do que se comentou até © momento. Surgiram grupos também voltados para as “raizes", mas, a0 mesmo tempo, interessados na "modernizagao”, reali- zanco trabalho autoral (composicao de musicas) e ainda gravan- do rapertorio tradicional, na perspectiva das “releituras”, quo marcaram as nossas artes em geral nessa decada. Pode-se dizer 180 Terra Paulsta: historias, ate, costumes 13 O instrumentista da viola caipira, Paulo Freire. (O paulista Pauio Freire iniciou-se na viola com "sou Manslim’, co: nhecido violeiro de Taboca, Minas Co Atualmonte, eontribul par ra perpetuar a musica ce viola com seu trabalho come pesquisa dor e violonista que essas “bandas” constituiram um movimento com tracos pro: prios, um neocaipirismo musical de renovagao. Caracterizaram-se, entre outros aspectos, pela mistura de ritmos e de instrumentos, envolvendo a viola caipira acustica e elétrica. com a guitarra e o contrabaixo elétrico (por vezes a san- fona) e ainda a bateria, alem de outros instrumentos, revelando, novamente, uma forte influéncia sobretudo do rock, © até do funk, do rap e outros padroes. Entre esses grupos podemos citar Mercado de Peixe, de Bauru, surgido em 1996; Fulanos de Tal, de Ria Claro, formado em 1997; e Matuto Moderno, da capital, ini- ciado em 1999. Este ultimo revela no proprio nome um dos prin- cipios desse corrente musical, a tentativa de compatibilizagao cn tre 0 tradicional e 0 moderno.” E interessante observar que dessa gerac4o de jovens envol- vides com a musica caipira muitos tem formacdo universitaria (até mesmo em cursos de musica) e atingem também um circui- to de puiblico mais intelectualizado, Pode-se identificar al prati- camente um movimento “universitario” de mtisica sertaneja, fa- to que os distingue bem no trabalho de criacéo musical, tanto em relacao aos artistas sertangjos pioneiros quanto aos comer- cializados "sertanejos jovens”, voltados para as grandes massas. Multos desses musicos “de raiz” lancam os seus CDs de forma independente ou por selos de pequenas gravadoras Consideragées finais Desde a década de 1980, adentrando os anos iniciais de 2000, uma pessoa que visite as cidades paulistas fora da regiao da capital pode ter a impressao de que a musica popular do inte rior se festringe aos cantores sertanejos ("jovens’), tamanha ¢ a massiticagao. Mas e Importante lembrar, conforme demuristta do, que estes representam apenas uma das suas vertentes. Se a pessoa alhar com um pouco mais de calma, poderd perceber que tanto a musica tradicional caipira quanto a serteneja mais anti- ga. agora identificadas como *raiz", continuam a ter seus espa- cos de preservacao e divulgacao, mesmo diante da chamada "“modernizacao”, E notorio que os modos musicais caipiras, tra- dicionais, sofreram poucas mudangas no tempo, embora, € claro, estejam sujoitos as transformacoes dialeticas inerentes aos fatos sociais. Eles se preservaram integrados a vida e aos costumes das comunidades, com fungoes € sentidos bem diversos das musicas comerciais, conforme ja apontado. No entanto, a vertente que se cunhou como sertaneja, inserida no sistema da comunicacao € do entretenimento de massa, com as musicas transformadas om produtos comerciais, passou por grandes mudancas. Assim, ‘Terra Pauleta: historias, ate, costumes 161 quando se comparam as suas gravagées pioneiras, de 1929 ¢ da década de 1930, e 0 que se realiza nas décadas de 1990/2000 pelas duplas sertanejas "modernas”, nota-se que elas na maio- tia das vezes tém muito pouco em comum. tanto nos temas quanto nos géneros (ritmos), na instrumentagéo e em outros aspectos, De qualquer modo, todas as vertentes se revelam funda: mentalmente como fenomeno paulista e da regiao de sua influéncia histrica. Tal fato se confirma na propria procedencia dos seus protagonistas, desde os primeiros cantadores caipiras Ua 1eyiau Ue Plracivaba acidus pata se apresernat na capital, rio inicio do século XX, passando pelos “artistas” sertanejos pionei 05, até as duplas sertanejas mais recentes, das cangoes de massa, © 0s cultores das “raizes”. Em sua grande maioria, eles sA0 mineiros, paranaenses, goianos, mato-grossenses, sul-mato- grossenses e, evidentemente, paulistas € ate paulistanos, cujas vivéncias Ou memorias se fundam na chamada cultura caipira. 162 Terra Paulista: historias, arte, costumes | Notes 1 Ver DUPRAT, Regs. Garimpo musical. $40 Paulo: Novas Metas, 1985, pp. 53-72 2. Embora seja um dos simbolos principais da mosina hracilaica 2 viola ¢ um legado de Portu- gal, onde o instrumento tam bem tem popularidade, sobre- tudo na musica de tracicao oral 3 Rasqueado culabeno - genero imyisiral (ritmo) em eompasso ternario (ou binario compos- to}, derivado da pola para quai, Muitas vezes ¢ identifi- cada como rancheira € valsea do, Por sua vez, o cururu ¢ uma especie de cantoria de fesafio no interior de S80 Paulo, com acompanhamento de violas e violdes, Na origem, alom da cantaria, exectitava-se uma darea de roda, em sent do anti-horario. Atualmente ‘nao se pratica mais a danga no Estado de Sao Paulo, que, no ‘entanto, ¢ preservada no Mato Grosso ¢ Mato Grosso do Sul 4 Ver: NEPOMUCENO, Rosa, Mu: sica caipira: da roca a0 rodeio, Sao Paulo: Ed. 34, 1999, p. 56, 5 0. antropologo Carlos. Rodri- ques Brandao expoe: "Hoje em dia nao ha no Estado de Sto Paulo mais do que alguns bol- soos de vida e de cultura oe caipiras,..", in: BRANDAO, Car os R. Os caipiras de Sao Paulo, $a0 Pauio: Brasilense. 1983, p. 92 (Colegao Tudo @ Historie) Para se ter uma ideia das locs- lidades e tipos de Festas, ritos, dangas 2 folguedos tradicionsls ino estado, podem ser consul- tados: PELLEGRINI FILHO, Ame- Nico, Folciore Paulista: calennda~ fio & docunentario, 28 ed. S80 Paulo: Cortez/Secretaria de Es- taco da Cultura, 1985; MAIR. Thereza © MAIA, Tom. Vale do Paraiba: festes populares, his toria e folclore. Guarulhos, SP Centro Educacional Objetivo! Fundacao Nacional do. Tropel rismo/SESC/Grupo Papel Si- mao, 1989; MACEDO, Toni: nnho. *Mapa Cultural Paulsta” In; D. O, Leitura {Ano 17, 1° 6 out./1999), p.p. 4-8; além de outros titulos da Bibliogratia 6 MARTINS, Jose ce Souza. Ce- pitaiismo e tradicionalismo: ‘studios sobre as contradicoes da sociedade agraria no Brasil S40 Paulo: Pioneira, 1975, p. 112. O autor expde ainda, na p. 113, que “a musica caipira @ meio [para os fins diversos mencionados|, enquante que ‘a musica sertangja ¢ fim em 3} mesma, destinada a0 consumo ‘ou inserida no mercado ce consumo” 7 Folguedos éramatices ~ tam- bem denominados dangas-dra- maticas, danga-cortejo ou Fok uedos populares, sto grupos de cantoria e danga, normal- mente em forma de cortejo- de-tue, que realizam também aiguimia especie de dramatiza~ 80 (teatralizacao), ou, quan- do perderam este aspecto, ainda preservam, simbolica~ mente, personagens como reis, rainhas, ete 8 A Festa do Divino corresponde a Festa de Pentecostes, no calendario catdlico, em que se ‘comemora a descida co tsp! Fito Santo aos apéstolos, 50 dias aps a Pascoa, Popular- mente. 0 Divino Espirito Santo ¢ representado por uma pon- ba branca. Treta-so do uma das festas mais tragicionais do Brasil e de vortugal, A Festa dos Santos Reis, no dia 6 de Ferra Pouista: nitonas, ate, costures Janero, homenageia os Reis ‘Magos Baltazar, Gaspar ¢ Bel chior, A ela estao relacionadas ‘as Folias de Reis, que sae gru- pos que representam “a visita dos Reis Magos ao Menino Deus”, Portando uma bande’ ra alusiva e nstrumentos mus ais, 05 dovotos fazom visita goes nas casas, normalmente entre 24 de dezembro e 0 de Janeiro. em meio a cantorias € rituals de louvagao. Normel: mente, pedem ajuda para a realizacao da festa comunits- fia. $40 Benedito @ santo ne- gro, de grande devocao popu lar. Nasceu ne Sicilia, Italia (1526-1589), filho de. africa~ nos, del ser consideraco pa drooiro dos negros. As datas das comemoragdes variam s2- ‘gundo a tradigao de cada loca- lidede. £ Santo Antonio, Sto ‘Joao e Sao Pedro sa0 comemo- rados, respectivamente, nos dias 13, 28 e 29 Ge Junie. Seus festejos estao entre os mals disseminados no Brasil Congada - folguedo dramatico ‘ou danca-cortejo realizado so: Dretudo por possoas das co munidades afro-brasitetas, em Gevocao principainrte Sav Benedito @ Nossa Senhora do Rosario, Na maioria, as conga- ‘das ou congos S40 grupos de danca-cortgjo, existindo, po: rom, alguns que realizam re presentacaes de lutas entre Guyer siveis, 1eportendo-se 6 Africa, ou, as vezes, encenan- do 0s antigos compates encre estos e mouros. Mecambi- que - danga-corteo, de bas- toes, em duas filas, lideradas por um Mestre (ou Capitao) © tin Contra-Mestre. Intogrado na maioria das vores por ne- gros, € comum no Vale do Paraiba pauiista e sul de Minas Gerais. Alem dos instrumantos musicais (sanfona, violas, vio- lees, cavaquinhoa ¢ ceixas) todes 03 componentes usam guizos (paias) presos. abaixo dos joelhos, Sous membros partiIham com os das conga: das a devocdo por Sto Beneci- to e Nossa Senhora do Rosario. © c2iape, por aus vos, nao tom origem africana Trata-se de um folgueda composto ae um ‘grupo de pessoas, em geral homens, que se trajam imitan- do os indios, portando arcos flechas € alguns insttumentos musicals, ne maioria de por cussa0. Apresentam-se na for- ma de uma danca-cortejo, rea- lizando dramatizacoes. 10 Fandango - no interior de S30 Paulo 0 fandango refere-se a alguns tipos de dancas de grpo, contradas no sapotoo do. No trecho meridional do litoral peulisia designa o baile comum, embora se executem aiguns ritmos proprios e tradi- sionals, No Sul do Brasil trata se de um conjunto de varias danas longo - danga do ro da, com solistas no centro, praticada por membros das comunidades negras de algu- mas localidades do Vale do Paraiba paulista, do Estado do Rio de Janeito, alem de cida- des do Fspirita Santo © de Minas Gerais. E realizada sem data especifica, mas comu: mente se danca na época das festas juninas e tambem nas festas de 13 de maio, come morando @ Abolicao da Escra Natura, Ratiguie (de vimbigada) danca praticada por mem- bros das comunidades negras a8 13 4 da regiao de Piracicaba, Tieta e Capivari, que tem na umbiga- da (batida dos vontres dos dangarinos) 0 seu elemento eareuyafivy piipal. A um= bigada tambem caractenza ‘outras dancas de tradicao afri- ana, entre as quais 0 samba, © coco do Nordeste, 0 carimbo do Paré 6.0 tambor-de-crioula do Maranhao. Samba-de-bum- by = sainberteryo - sain cal- pita - designagoes de tipos antigos de samba paulista, que tinham no bumbo 0 seu instru- mento mais destacado. tra praticado por membros de comunidades negras em varias localidades, Luni Santeria du Paraiba, Campinas, Itu, Pira- pora do Bom Jesus, Atibaia, Franco da Rocha ¢ outras. Ainda esta presente em Pira pora do Bom Jesus, Santana do Parnaiba e Maua, dentro do movimento de pes veyau folclorica, Nascido em Portugal, Sao Gon- ‘alo (c, 1187-1259) ¢ padroero dos violeiros do Brasil e um dos santos de maior clevocao popu larradicional, A danca-de-sao goreale ¢ feta sempre para par ‘gamento de promessa. © pesquisacor ‘oninho Mace- do registra esse tipo de ritual nas localidades de Capela do Alto, Cassia dos Coguiciras, Ri- belrdo Grande ¢ Santo Anto- rio da Alegria, CF. MACEDO, “Mapa Cultural Paulista’. Op. it. 9.7 No Vale do Paraiba ¢ comum ums outra modalidade de can. Loria de desafio. de influencia mineira: 0 calango. Cana verde, ciranda, donca do catanguejo, dancas tradicio. nis de coreografia simples, no ‘orra Paulista: historias, art, eastumes 5 6 W geral de rada, de origem por. tuguesa, que se realizam nas festas populares Cordao-de-bichos - cortejo de varios bichos confeccionedos de atmacoes de bambu ou outros. materials. que casts. mam se apresantar na epara do carnaval. Boizinho de car- naval - tipo de brincadeire do (Ua carnavalesca, em que se ‘conrecciona 0 dorso de um boi. com cabeca e chiftes, mavimentado por uma pessoa embairo. Atrasta-pé - nome generico que se dé 20s bailes populares ©M_vérias regioes do Brasl, ‘Como genero especitica, ¢ a designacao popular dada prin- Cipalmente polca, que dana de pares surgida na re- giao ca Boemia, Tchecoslovt- quia, e que comecou a ser co: nhecida no Rio de Janero em Imieados do seculo AIX, trazica Por companhias de teatro, Tambem € conhecida como limpa-banco. £ 0 ritmo mas ‘comum utiizado pera se dan- Gar a quadrilta caipira. nes festas juninas, Xots (rote) € ume verivado de scnottsn, danga de provavel origem francesa, introcuzida no Brasil em meados do seculo XIX por artistas de companhias ce tea- tro. Adaptou-se como danga popular por todo o pats, tenda yleride: Gurayracaa no No deste e no Sul Na cuttura caipra, @ moda de viola € uma forma de musica Vocal recitada, uma maneira ‘miusicada de contar uma histe ria. Comumente, ela. entre um versu © uutiu, serve pata @ rea lizagao do catira, que ¢ denca de paimeado e sapateado

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