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O que veremos no capitulo Ateoria do conhecimento é uma disciplina filo- s6fica que investiga as condigSes do conhecimento verdadeiro, Os filésofos da Antiguidade e da Idade Média inte- ressaram-se por questdes telativas ao conhecimento, embora ainda. nfo se tratasse propriamente de uma teoriado conhecimento como disciplina independente, Com excegao dos céticos, esses flésofos nfo colocaram em divide acapacidade humana de conhecer:eles expli- cavam como conhecemos. A critica do conhecimento s6 comegaria na Idade Moderna, com Descartes. ‘Veremos como surgiram as indagagdes sobre © tema entre os gregos, desde os pré-socraticos a Plato e Aristételes, cujas teorias influenciaram de ‘maneira vigorosa o pensamento medieval ®@ A filosofia pré-socratica Costuma’se dividir a filosofia grega em trés gran- des momentos, tendo como referéncia central a atu- ago de Sécrates, Distinguimos o periodo pré-socrd- tico, 0 socritico (ou cléssico) ¢ 0 period pds-soeritico (ouhelenistico). 0 perfodo pré-socritico estende-se pelos séculos Vile V1a.C, quandoos filésofos oriundos dascolOnias gregas como a Jénia (atual Turquia) e Magna Grécia (Gul daltatiae Siftia)iniciaram o processo de desliga- mento entre a flosofia eo pensamento mitico. Enquanto nos relatos miticos a natureza era explicada a partir da geragéo dos deuses, os il6sofos pré-socriticos investigavam essa origem de maneita racional. Para eles, o principio (a arkhé, em grego) néo se encontra na ordem do tempo mitico, mas trata-se de um princfpio te6rico, fundamento de todas as coisas, Relembramos que grande parte da obra dos primeiros filésofos foi perdida, deles nos restando apenas fragmentos e 0s comentétios feitos pelos filésofos posteriores. (rasa mas Outros fildsofos pré-socraticos foram citados.no capitulo3,"0 nascimento da flosofa’; no qual tam- bbém hd 0 mapa da Grécla Antiga com a localizaao da cidade de origem de cada um deles, Heraclito: tudo flui ‘Herdclito (544-484 a.C.) nasceu em Fifeso, naJonia. ‘Tal como seuss contempordneos, procura compreen- der 2 multiplicidade do real. Ao contrério deles, porém, ndo rejeita as contradigGes e quer aprender Unidade 3 cont arealidade na sua mudanga, no seu devir. Todas coisas mudam sem. cessar, € o que temos diante gi nés em dado momento é diferente do que foi pouco e do que seré depois: “Nunca nos banhamg duas vezes no mesmo rio’, pois na segunda ver nf somos 0s mesmos, e também as éguas mudaram, 4 Para Herdclito, 0 ser é o miltiplo, nao apenas 164 sentido de que hé uma multiplicidade de coisas, mas! por estar constitufdo de oposigées internas. O que’ mantém o fluxo do movimento no 60 simples apa- recer de novos seres, mas a luta dos contrétios, pois “a guerra 6 pai de todos, rei de todos”. £ da luta que; nasce a harmonia, como sintese dos contrétios. 0 | dinamismo de todas as coisas pode ser representado pela metAfora do fogo, expressdo visivel da instabi- lidade, simbolo da eterna agitagéo do devir:“o fogo eterno e vivo, que orase acendee orase apaga’. PARA SABER MAIS * | Costuima-se dizer que Heréclito teve a intulgao da | fogleadaltea que na seao 4 elaborda po Hegel e depois reformulada por Marx teoria ¢ materialism daltico. ® Parménides: o ser 6 imével + Parménides (c.540-c.470 a.C.) viveu em Bleia, cidade do sul da Magna Grécia. Sua teoria flos6- fica influenciou de modo decisivo 0 pensamento ocidental. Criticou a fllosofia heractitiana: ao “tudo lui" de Heréclito, contrap6s a imobilidade do ser. Para Parménides, é absurdo e impensével afirmar que uma coisa pode ser e no ser ao mesmo tempo. A contradigo op6e o principio segundo o qual ser € eo niio ser no € Parménides, a partir do principio estabelecido, conclu que o ser é tinico, imutivel,infinito e imével Entretanto, ndo hé como negara existéncia do movi- mento no mundo, pois as coisas nascem e morrem, mudam de lugar e se expdem em infinita multipli- cidade, Segundo Parménides, porém, o movimento existe apenas no mundo sensivel, e a percepao pelos sentidos é ius6ria, porque baseada na opinio (déxa, em grego), e, por isso mesmo, néo é confidvel. 86 0 mundo inteligiveléverdadeito, pois esté subme- tido ao principio que mais tarde Aristételes chamou de identidade e de nfo contradigao. a PARA SABER MAIS No perfodo clissico os filésofos — sobretudo Wi aristételes — tornam as idetas de Parménides para 16 fundamentar a construgio da metafsicae formu- laros principios da logica, Um deles 0 principio de ‘dentidade, segundo 0 qual A= A, ou sea, todo ser 4 éliguala i mesmo. Se quiser,consulte o capitulo, [- "éplea aristoteli ‘Uma das consequéncias da teoria de Parménides 6 aidentidade entre o ser e 0 pensar 20 pensarmos, pensamos algo que 6, ¢ no conseguimos pensar algo que no é, ‘Veremos adiante como Plato e Aristdteles tentam superar o pensamento de Heréclito Parménides. © Os sofistas: a arte de argumentar No periodo socrético ou cléssico (séculos Ve IV aC), 0 centro cultural deslocou-se das colénias paraa cidade de Atenas. Desse perfodo fazem parte Sécrates e seu discipulo Plato, que posteriormente foi mestre de Aristdteles. O século Va.C. é também conhecido como o século de Péricles, governante na época durea da cultura grege, quando a democritica Atenas desenvolveu intensa vida politica e artfs- tica. Os pensadores desse perfodo, embora ainda discutissem questées cosmolégicas, ampliaram os questionamentos para a antropologia, a moral ea politica, Também os sofistas so dessa época, pelos quais comegaremos. Os sofistas fazem parte da época cldssica alguns deles so interlocutores de Sécrates. Os mais famosos foram: Protégoras, de Abdera (485- 411 aC); Gérgias, de Ledncio, na Sicflia (485-380 1C)); Hippias, de Blis;e ainda Trastmaco, Prédico e Hipédamos, entre outros. Tal como ocorreu com os aré-socraticos, dos sofistas s6 nos restam fragmen- 0s de suas obras, reunidas nas doxografias, além de ‘eferéncias — muitas vezes tendenciosas — feitas 201 filésofos posteriores. eVemmorocia Sofista. Do grego sophés,"sbio",oumelhor, sor de sabedoria" Posteriormente 0 termo adqui- ‘uo sentido pejorative para denominar aquele que cemprega sofismas.cu seja,alguém que usa de racio- cinio capcioso, de mé-fé, com intengao de enganar. ‘Sdphisma significa “sutileza de sofista” Os sofistas foram sempre mal interpretados por causa das criticas de Sécrates, Plato e Aristételes. Sao muitos os motivos que levaram & visto detur- pada sobte 0s sofistas que. tradigio nos oferece. Em primeiro lugar, hé enorme diversidade tebrica entre 0s pensadores reunidos sob a designacao de sofista. ‘Talvez, 0 que possa identificd-los é 0 fato de serem considerados sébios e pedagogos. Vindos de todas as partes do mundo grego, ocupam-se de um ensino itinerante, sem se fixarem em nenhum lugar. O cons~ tante exercicio do pensar e a aceitagio de opiniées contraditérias, caracterfsticas dos sofistas, possivel- mente deviam-se & incessante circulagdo de ideias. Para escandalo de seus contempordneos, os sofis- tas costumavam cobrar pelas aulas, motivo pelo qual Sécrates os acusava de “prostituigdc". Cabe aqui ‘um reparo: na Grécia Antiga, a aristocracia tinha o privilégio da atividade intelectual, pois gozava do écio, ou seja, da disponibilidade de tempo, j4 que estava liberada do trabalho de subsisténcia, ocupa~ Gao dos escravos. No entanto, os sofistas geralmente pertenciam & classe média e, por ndo serem sufi- cientemente ricos para se darem ao luxo de filoso- far, faziam das aulas seu offcio. Se alguns sofistas de menor valor intelectual podiam ser chamados de “mercendrios do saber”, na verdade tratava-se de fato acidental que no se aplicava & maioria. No entanto, a imagem de certo modo caricatural da sofistica tem sido revista na tentativa de resga- tar sua verdadeira importancia. Desde que os sofis- tas foram reabilitados por Hegel no século XIX, 0 perfodo por eles iniciado passou a ser denominado Aufilarung grega, imitando a expresso alema que designa o Tiuminismo europeu do século XVIIL ® A sofistica e o ideal democratico Segundo Werner Jaeger, historiador da filosofia, 08 sofistas exerceram influéncia muito forte no seu ‘tempo, vinculando-se tradic&o edueativa dos poe- tas Homero e Hesfodo, Sua contribuigéo para a sis- tematizagao do ensino foi notvel, pela elaboragio de um curriculo de estudos: gramética (da qual so 08 iniciadores), retérica e dialética; na tradigao dos pitagéricos, desenvolveram a aritmética, a geome- tria, a astronomia e a miisica. Os sofistas elaboraram o ideal te6rico da demo- cracia, valorizada pelos comerciantes em ascen- séo, cujos interesses passaram a se contrapor aos oxografia.Do grego déxa,“opiniao’e graphein, Yescre- ver’. Compilagso das doutrinas dos filésofos,considerada (5 primeltos tegistros de uma historia da filosofia. A mais, farnosa éa de Didgenes Laérco (séc.Il da era cris) Abusea da vardade — Capitulo 13 a co da aristocracia rural. Nessas circunstdncias, a exi- géncia que os sofistas satisfazem na Grécia de seu tempo é de ordem essencialmente pratica, voltada ara vida, pois iniciavam os jovens na arte da reté- rica, instrumento indispensdvel para que os cida- Sos participassom da assombleia democréti Por deslumbratem seus alunos com o brilhan- tismo de sua retérica, foram duramente criticados pelos seguidores de Sécrates, que os acusavam de no se importarem com a verdade, pois, afeitos que eram arte de persuadir, reduziam seus discursos a opinies relativistas. Além disso, sabemos como Sécrates e Plato ndo tinham simpatia pela demo- ‘racia, por causa do risco da demagogia. GQacsam Para criticar os sofistas, Pato usavao concelto de Dhdrmakon,que significa 20 mesmo temporemé- dio"e'veneno"é eneno quando os sofstas usam a linguagem com eloquéncia para sedur ludenga- nat adulara assemblea sem se importa com aver dade. Quando a linguagem seria “remédio"? Se 08 sofistas foram acusados pelos seus detrato- res de pronunciar discursos vazios, essa fama deve-se 20 fato de que alguns deles deram excessiva aten- go ao aspecto formal da exposico e da defesa das ideias, E também porque em geral os sofistas esta- vam convencidos de que a persuasio 60 instrumento or exceléncia do cidadao na cidade democratica, ce 3 [i Sy Protagoras tepresentado em mosaico da sala de leitura principal da Biblioteca James Harmon Hoose, 2004, Unidade 3 © conhecimento Os melhores deles, no entanto, buscavam aperfeigoar os instrumentos da razdo, ou seja, a coeréncia.eo rigor da argumentagéo, Nao bastava dizer o que se conside- rava verdadeiro, era preciso demonstré-to pelo racio- cinio, Pode-se dizer que af se encontra o embriio da logice, mais tarde desenvolvida por Aristételes, Protdgoras, um dos mais importantes sofistas, dizia que “o homem é a medida de todas as coisas" Esse fragmento — entre 0s poucos conservados de seus escritos perdidos — pode ser entendido como a exaltagéo da capacidade humana de construir a ver- dade: 0 logos no mais é divino, mas decorre do exer- cicio técnico da razo humana, aquem cabe confron- tar as diversas concepgdes possiveis da verdade. {3 Socrates e o conceito Séerates (c:470-899.a.C.) nada deixou escrito. Suas ‘deias foram divulgadas por Xenofonte e Plato, dois de seus discipulos. Nos didlogos de Plato, Sécrates sempre figura como o principal interlocutor. Jé 0 comedidgrafo Arist6fanes o ridiculariza ao incluf-lo entre 08 sofistas. (ima sao vas Se quiser.consulteotpieo"Uim Flésofosno final da capitulo 1, onde ja discorremos sobre o método ea pensamento de Sécrates. Sécrates costumava conversar com todos, fos- sem velhos ou mogos, nobres ou escravos. A partir do pressuposto “s6 sei que nada sei”, que consiste justamente na sabedoria de reconhecer a prépria, ignorancia, inicia a busca do saber. Os métodos de indagagéo de Sécrates provocaram os poderosos do seu tempo, que o levaram ao tribunal sob a acusa- ‘¢40 de nao crer nos deuses da cidade e de corromper a mocidade. Por essa raziio foi condenado & morte. Qual é, porém, o *perigo’ de seu método? Ele comega pela fase “destrutiva’, a ironia, termo que em grego significa “perguntar, fingindo ignorar’ Diante do oponente, que se diz conhecedor de deter- minado assunto, Sécrates afirma inicialmente nada saber. Com hébeis perguntas, desmonta as certezas até que o outro reconhega a prépria ignordncia (ou desista da discussio). A segunda etapa do método, a maiéutica (em grego, ‘parto"), foi assim denominada em homena- gem sua me, que era parteira, Segundo Sécrates, enquanto ela fazia parto de corpos, ele “dava & luz” ideias novas. Apés destruir o saber meramente opinativo (a déxa), em didlogo com seu interlocutor, Y dave inicio & procura da defini¢do do conceito, de modo que o conhecimento safsse “de dentro’ de cada um. Esse processo esté bem ilustrado nos didé- logos de Plato, e é bom lembrar que, no final, nem sempre se chegava a uma conclusdo definitiva: sio ‘0s chamados didlogos aporéticos. Nas conversas, Sécrates privilegia as questées morais, por isso em muitos didlogos pergunta o que éacoragem, acovardia, apiedade, aamizade e assim por diante, Tomemos o exemplo da justiga: apés serem enumeradas as diversas express6es de justiga, Sécrates quer saber o que éa"justica em si’, o univer- sal que a representa, Desse modo, a filosofia nascente precisa inventar palavras novas ou usar as do coti- diano, dando-lhes sentido diferente. Sécrates utiliza o termo logos (na linguagem comum, “palavra’, “eon versa”), que passa. significar a razdo de algo, ou seja, aquilo que faz, com que a justica seja justica. No didlogo Lagues, ou Do valor, os generals Laques e Nicias sio convidados a discorrer sobre a importancia do ensino de esgrima na formagio dos jovens. Sécrates reorienta a discussdo aio inda~ gar arespeito de conceitos que antecedem essa dis- cussdo, ou seja, 0 que se entende por educagéo e, em seguida, sobre o que é virtude, Dentre as virtu- des, Sécrates escollie uma delas e indaga: “O que é a coragem?", Laques acha fécil responder: ‘Aquele que enfrenta o inimigo e ndo foge no campo de bata- Iha é 0 homem corajoso’. Sécrates dé exemplos de guerreiros cuja tética consiste em recuar e forgar 0 inimigo a uma posiedo desvantajosa, mas nem por isso deixam de ser corajosos. Cita outros tipos de ccoragem que ultrapassam os atos de guerra, como @ coragem dos marinheiros, dos que enfrentam a doenga ou os perigos da politica e dos que resistem aos impulsos das paixdes. Enfim, 0 que Sécrates rocura néo so exemplos de casos corajosos, mas © conceito de coragem.* ‘Aporético. Que diz respeito 8 aporia (do grege, potos,"pas- sagem, a “negacao’, portant, “impasse’,"incerteza"). 0s dialogos aporéticos nao tém continuldade porque 0 opo- nente se retira ou o debate nao avanca até uma solucio, sobretudo se o interlocutor esquiva-se do debate. Esgrimit.Praticara arte de esgrima; significa também dis- cutir debater. 0 mesmo ocorre com a palavra flarear, que significa “usar arma branca com destreza” ou "embelezar um texto’, ‘Aarte da esgrima, uum dos jogos que os gregos antigos aprendiam nos gindsios, é o assunto inicial do didlogo Laques, de Platéo. Sabemos que na esgrima os opositores se confrontam a fim de ver quem & mais habit para vencer a luta, Releia o itern sobre 08 sofistas e responda as questdes: a) Em que sentido esgrimir com palavras é indicativo das xiticas feitas por Socrates e Platao aos sofistas? »b) Reflita e posicione-se a respeito: Esse é um procedimento adequado para a discussio filoséfica? Esgrima nos Jogos Olimpicos de Atenas, Grécla (Hungria x Franca), 2004. © Consultar CHAU, Matilena. introdupao & histéra da flsofa: dos pré-socrdticos a Aristteles, Sto Paulo: Brasllnso, 1994. Nas pdginas 1462151 hé um esclarecedorresumo do didloge Jaques com a cexplicitagio do processo metodolégico de Sécrates, ‘A busca da verd Capitulo 13 ee © Platdo: o mundo das ideias Para melhor sintetizar ateoria do conhecimento de Plato, ecorremos ao livro VIl de A Republica, em queé relatada a famosa “alegoria da caverna”: pessoas esto acorrentadas desde a infaincia em uma caverna, de tal ‘modo que enxergam apenas.parede ao fundo, na qual sfo projetadas sombras, que eles pensam ser a reali- dade, Trata-se, entretanto, da sombra de marionetes, empunhadas por pessoas atrés de um muro, que tam- bbém esconde uma fogueira. Se um dos individuos con- seguisse se soltar das correntes para contemplar luz do dia os verdadeiros objetos, ao regressar & caverna seus antigos companheiros o tomariam por louco ¢ nfo acreditariam em suas palavras cr Plato (428.347 aC) era na ver- dade o apelido de Aristocles de ‘Atenas (talvez porque tivesse ‘ombros largos Ou © compo meio quadrado.., nascido de fami- lia aristocritica, Apos a conde nacio de Sécrates, seu mestre, Vlajou por varios lugares, tentou ‘em vio interferir no governo de Sanzlo, 506-510. Siracusa (Sicilia) e por fim retor- nou a Atenas, onde fundou a escola denominada ‘Academia. Seus didlogos — em que a maioria traz ‘Sécrates como Interlocutor principal — abrangem as varias dreas da filosofia nascente, por isso € 0 primeito flésofo sistematico do pensamento ociden- tal Sua influéncia fol sentida no helenisimo (neopla- ‘tonismo) ¢ adaptada & doutrina crista inicialmente por Agostinho de Hipona (354-430): Até hoje vigoram mmultas de suas Idelas sobre a relacao corpo-alma, a politica aistocratica ea crenga na superioridade do esplrito em detrimento dos sentido Vera Leltura complementar no final do capitulo, se | Unidade 3 O conhecimento A alegoria da caverna representa as etapas da educagio de um filésofo, ao sair do mundo das sombras (das aparéncias) para alcangar o conheci- mento verdadeiro. Apés essa experiéncia, ele deve voltar & caverna para orientar os demais e assumir © governo da cidade, Por isso a andlise da alegoria pode ser feita pelo menos de dois pontos de vista: + opalitico: com o xetorno do filésofo-politico que conhece a arte de governar; +e 0 epistemoldgico: quando o filésofo volta para despertar nos outros 0 conhecimento verdadeiro. (inca saaee was A valorizacio da filosofia como conhecimento superior leva Platdo @ Idealizacao do rei-filésofo: para o Estado ser bern governado, € preciso que “os fildsofos se tornem reis, ou que os reis se tor- nem flésofos". Consulte o capitulo 23, “A politica normativa’ Plato distingue dois tipos de conhecimento: © sensivel eo inteligivel, que se subdividem em outros Observando a iustrag da caverna, identities mos quatro formas da realidade: + as sombras: a aparéncia senstvel das coisas; -asmarionetes:arepresentagdo de animais, plan- tas etc,, ou seja, das préprias coisas sensiveis; + o exterior da caverna: a realidade das ideias; +0 Sol: a suprema ideia do bem, © muro representa a separagio de dois tipos de conhecimento: o sensivel (que corresponde as duas primeiras formas de realidade) e o inteligivel (as duas ultimas), © ilustraczo BPE representando aalegoria da i caverna,de Plato, 2001. Aascensio dialética imagens do sensivel (cikasia) realidades sensivels renga (pists) conhecimento matematico: raciocinio hipotético (didnoia) Giencia epistéme) ' conhecimento filosofico: intuigio intelectiva (adesis ® A dialética platénica A alegoria da caverna é a metéfora que serve de base para Plato expor a dialética dos graus do conhecimento, Sair das sombras para a visdo do Sol representa a passagem dos graus inferiores do conhe- cimento aos superiores: na teoria das ideias, Plato istingue 0 mundo sensivel, o dos fenémenos, do ‘mundo inteligivel,o das ideias. O mundo sensivel, percebido pelos sentidos, é © local da multiplicidade, do movimento: 6 ilusé- rio, pura sombra do verdadeiro mundo. Por exem- plo, mesmo que existam intimeras abelhas dos mais vatiados tipos, a ideia de abelha deve ser una, inu- tével, a verdadeira realidade. mundo inteligivel é alcancado pela dialética ascendente, que faré a elma elevar-se das coisas miiltiplas e mutéveis as ideias unas e imutéveis, As ideias gerais so hierarquizadas, e no topo delas estd a ideia do Bem, a mais alta em perfei- géo ea mais geral de todas — na alegoria, corres- ponde & metéfora do Sol. Os seres em geral nfo existem sendio enguanto participam do Bem. E 0 Bem supremo é também a Suprema Beleza: 0 Deus de Platao. Percebernos entiio que, acima do ilusério mundo sensfvel, hd as idetas gerais, as esséncias imutéveis, que atingimos pela contemplac&o e pela depura- ‘¢do dos enganos dos sentidos. Como as ideias sto a inica verdade, o mundo dos fendmenos 6 existe na medida em que participa do mundo das ideias, do qual é apenas sombra ou cépia.‘Irata-se da teo- ria daparticipagdo, mais tarde duramente criticada por Aristételes. Se lembrarmos 0 que foi dito a respeito dos pré- -soctéticos, podemos constatar que Plato pro- cura superar a oposigéo entre o pensamento de Herdclito, que afirma a mutabilidade essencial do ser, ¢ 0 de Parméntdes, para quem o ser é imével, Plato resolve o problema: 0 mundo das ideias se refere ao ser parmentdeo, eo mundo dos fenémenos a0 devir heraclitiano. 3 ‘Apesar da variedade de racas de cavalo, com porte e pelagens diferentes, para Plat3o um cavalo sé & cavalo ‘enquanto participa da "idela de cavalo em si. » Teoria da remini cia Como é possivel ultrapassar o mundo das apa- réncias ilusérias? Plato supée que o puro espfrito jéteria contemplado o mundo das ideias, mas tudo esquece quando se degrada ao se tornar prisioneiro do corpo, considerado o “ttimulo da alma’, Pela teo- ria da reminiscéncia, Plato explica como os sen- tidos so apenas ocasidéo para despertar na alma as lembrangas adormecidas. Em outras palavras, conhecer é lembrar. Diénola. € 0 raclocinio que opera por indugo e/ou dedugao, ou sea, por etapas Néesis.€ a atvidade intelectual que resulta do conhecimento imediato, da intuigdo das esséncias principio, Dialtica, No sentido comum, é discussa0, dls- logo. Em flosofa, varia conforme ofildsofo (ver 0 Voeabuléro, no final delve). ‘Abusca da verdade Capitulo 13 a Hades — que entre os romanos se chamava Pluto — designa ao mesmo tempo o deus o mundo dos mortos, também conhecido por Infernos (ou “mundo inferior", por isso néo se confunde com o inferno cristo) e para Ta iam as almas apés a morte, Ea o mundo escuro das trevas, temido por todos. Hades fazia-se acompanhar por Cérbero, um cao de varias cabegas e cauda em forma de serpente, Guardiéo dos Infernos, acolhia com grande gentileza a entrada dos mortos, mas impedia com ferocidade a sua saida. Crone Sreneh Assim explica Plato no didlogo Ménon: ‘Aalma 6, pos, mortal; renasceu repetidas vezes na cexisténcia e contemplou todas as coisas existentes tanto na Terra como no Hades e por isso nao hé nada que ela nao conhegal Nao é de espantar que ela seja capaz de evocar & memériaa lembranca de objetos que viu anteriotmente, e que se relacionam tanto ‘com a virtude como com as outras coisas existentes. Toda a natureza, com efeito, € uma 36, é um todo ‘orgdnico,e 0 esprit ja viu todas as coisas; logo, nada impede que 20 nos lembrarmos de uma coisa — 0 {que n6s, homens, chamamos de "saber" — todas as. ‘ultras coisas acorram imediata e maquinalmente & nossa conscincia, [..] Pois sempre, toda investigacdo ce cienca sao apenas simples recordacio? A fala transcrita no texto ¢ de Sécrates, que con- ‘versa com Ménon. Para ilustrar a teoria da reminis- céncia, chama um escravo e Ihe pede que examine umas figuras sensfveis e, por meio de perguntas, 0 estimula a “lembrar-se” das ideias ea descobrir uma verdade geométrica. PLATAO. Ménon Eins Dilogos. 814, Rio de Janciro: Ballou, p. 8. Hiss’ | Unidade 3 Oconhecimento Escultura do século V representando Plutzo (Hades) e 0 cdo Cérbero. GJnoxum Podemos nao concordar na integra com ateoria da ieminiscéncia de Plato fas perguntamos se nao a acetarlainos em parte sob o seguinte aspecto: quando nos defrontamos com algo novo, sea um texto, uma imagem,.um relato;s6.0,compreen: decemos melhor se j4 tivermos um “pré-canhe- imentot do assunto. Por exemplo, uma pessoa ‘do consegulraenterider um texto extraido de um ‘ratado avangado de isica caso hunca ten estu- dao essa ciéncia antes, Voc8 saberia dar outros exemplos? @ Aristoteles: a metafisica Descie o momento em que a razao se separou do pensamento mitico, os ildsofos gregos criaram con- ceitos para instrumentalizé-la no esforgo de com- preensio do real. Entre as diversas contribuigées destaca-se a de Aristételes, pela elaboragio dos prinefpios da légica e dos conceitos que explicassem o ser em geral, érea da filosofia que hoje reconhece- mos como metaflsica. Embora sempre facamios refe- réncia A metafisica de Aristdteles, ele préprio usava a denominagéo filosofia primeira. (Dinksam mas © terto metafisca surglu no século | aC, quando ‘Andronico de Rodes, 30 classificar, as obras de ‘Aristételes, colocou a filsofia primeira apés as | obras de fsca: meta fica, ou sla, "depos da fica Posteriorments esse "depois puramente espacial fol entendidocomo'além' por tratardetemasque rans- cendema isica,queestaoalém das questdesrelativas |, soconhecimento do mundo sense ® A teoria do conhecimento A teoria do conhecimento aristotélica é exposta nas obras Metaffsica e Sobre a alma, Nesta dtima, 20 explicararelagio entre corpo (matéria)e alma (forma), Arist6teles define a alma como a forma, o ato, a perfei- Gao de um corpo. Também usa os conceitos metafis cos para distinguir 0 conhecimento sensivel do racio- nal e demonstrar como eles dependem um do outro, Os sentidos so a primeira fonte do conhecimento: sob esse aspecto, Aristételes critica a teoria da remi- niscéncia platénica. Para ele, a origem das ideias 6 explicada pela abstrago, pela qual o intelecto, par- tindo das imagens sensiveis das coisas particulares, labora os conceitos universais. Os primeiros princt- pplos da ciéncia sdo estabelecidos por percepcao ou por indugdo, que conduz. ao universal pela revistio de exemplos particulares, Depois, por dedugo, so extraidas conclusées por um proceso de raciocfnio que progride do universal para o particular. Pela sua teoria do conhecimento, Aristételes pretende chegar & verdade, que para cle consiste na adequagdo do conceito & coisa real. A filosofia primeira nao é primeira na ordem do conhecer — jé que partimos do conhecimento sen- sivel —, mas a que busca as causas mais universais, ¢,portanto, as mais distantes dos sentidos. Trata-se da parte nuclear da filosofia, na qual se estuda enquanto ser”, isto 6, 0 ser independentemente de suas determinag6es particulares. Eametafisica que forneceatodasas outras ciéncias fundamento comum, o objeto que elas investigam e 8 prinefpios dos quais dependem. Ou seja, todas as ciéncias referem-se continuamente ao ser ea diversos conceitos ligados diretamente a ele, como identidade, oposigao, diferenca, ginero, espécie, todo, parte, per- {eigdo, unidade, necessidade, possibilidade, realidade etc. No entanto, cabe & metafisica examinar esses con- cceitos, ao refletir sobre o ser e suas propriedades. » 0 conhecimento pelas causas Aristdteles define a ciéncia como conhecimento verdadeiro, conhecimento pelas causas, por meio do qual é possivel superar os enganos da opini&o e compreender a natureza da mudanca, do movi- mento, Para tanto, recusa a teoria das ideias de Plato e sua interpretagdo radical sobre a oposigéo entre mundo sensfvel e mundo inteligivel. Para entender a teoria aristotélica, vamos des- crever trés distingdes fundamentais realizadas pelo filésofo: substincia-esséncia-acidente; ato- -poténcia; forma-matéria, Esses conceitos, por sua vez, server para compreender a teoria das quatro causas. Substancia: esséncia e acidente Costuma-se dizer que Aristételes “tras. as ideias do céu a terra” porque, para rejeitar a teoria das fdeias de Plato, reunin o mundo senstvel e o intel afvel no conceito de substdncia: cada ser que existe 6 uma substéncia. A substancia é “aquilo que é em si mesms’, 0 suporte dos atributos. Esses atributos podem ser essenciais ou acidentais: + aesséncia é 0 atributo que convém a substan- ciade tal modo que, se Ihe faltasse, asubstancia néo seria o que é, +o acldente éo atributo que a substéncia pode ter ou ndo, sem deixar de ser 0 que é Aristoteles (984-322 2) nas- ‘ceuemstagira.na Maceddnia = porlsso, 85 vezes,recebe a designacio de estagita fm Atenas, desde os 17 anos, ‘Aristoteles » frequentou, a ‘Academia de Plato. A fide- lidade a0. meste foi entre: ‘ meada por citias que mais, Aristoteles de) tarde Justfcou: Sou amigo. Rafsel Sanzio, de Patzo,mas mais amigo da verdade’ Ap6s'a morte de Platdo, m 347 aC, vi- Jou por diversos lugares e fol preceptor do.jovem de 13 anos que sé tornaria Alexandie o Grande, da | Macedonia, De volta.a Atenas, fundoto Lieu, em 340 a, assim chamado por ser vizinho do templo de Apolo Licio Segundo alguns, Arstoteles es ds- |) scpulds eamintiavam pelo jardim do Lceu, po is0 | a filosofia aristotélica as vezes & designada como peripatética (do grego per, "a volta de", e patéo, *caminhar’). Ein meados da dade Média, seu pen: | Samento ressurgiu'com vigor, adaptado as teses | eligiosas. Apesar das crticas sofridas a:partir da Pasco wosTbcno Con Idade Moderna, permanece até hoje como referer cla, sobretudo nas areas de ldgica, metafisica, pal: tica e ética | Abuscadaverdade Capitulo 13 ea Por exemplo: a substéncia individual “esta pes- soa’ tem como caracteristicas essenciais 0s atri- butos da humanidade (Aristételes diria que a racionalidade 6 a esséncia do ser humano). Os aci- dentais so, entre outros, ser gordo, velho on belo, atributos que no mudam o ser humano na sua esséncia, Matéria e forma ‘Além dos conceitos de esséncia e acidente, Aristételes recorre &s nogées de matéria e forma. ‘Todo ser é constitufdo de matéria e forme, princi pios indissocidveis. + Matéria 6 o princfpio indeterminado de que mundo fisico & composto, é “aquilo de que é feito algo’. Trata-se da matéria indeterminada. Quando nos referimos & matéria conoreta, tra- ta-se de matéria segunda, + Forma é ‘aquilo que faz com que uma coisa seja o que &. Nesse sentido, a forma é geral (0 ue faz, com que todo animal ou vegetal sejam © que sao). ‘A forma é 0 principio inteligivel, a esséncia comum aos individuos da mesma espécie pela qual todos so 0 que so, enquanto a matéria é pura pas- sividade e contém a forma em poténcia, 0. movimento (devir) é explicado por meio das nogées de substancia e acidente, de matéria e forma. Para Aristételes, todo ser tende a tornar atual a forma que tem em si como poténcia, Por exemplo, a semente, quando enterrada, tende a se desenvolver e a se transformar no carvalho que 6 em poténcia. Poténcia e ato Ao explicitar os conceitos de matéria ¢ forma, é necessério recorrer aos de poténcia e ato, que expli- ‘cam como dois seres diferentes podem entrar em relagéio, atuando um sobre o outro. Entao: + Apoténeia 6 a capacidade de tornar-se alguma coisa, 6 aquilo que uma coisa poderd vir a sex. Para se atualizar, todo ser precisa sofrer a agéo de outro jé em ato. + O ato é a esséncia (a forma) da coisa tal como 6 aqui e agora. ‘Nao se trata de uma atualizagéo de uma vez por todas, porque cada ser continua em movimento, recebendo novas formas: os seres vivos nascem e morrem, o feto se transforma em crianga e, na sequéncia, em adolescente, jover, idoso, e assim por diante, ie Unidade 3 O-conhecimento ‘Amendoim brotande, Asemente, quando enterrada, tende 2 desenvolver-se ea transformar-se na arvore que é em poténcia.Portanto, todo ser tendea tomar atual a forma quetem em sicomo poténcia, (Syeanx shame mais ‘Ao afitmar que todo ser tem em poténcia a sua tesséncia, Arstoteles desenvolve a teoria essencia lista, que perdurou até 2 época contemporanea, Filésofos como Marx, Nietzsche e Sartre crticaram ‘quando aplicada para compreender o ser human. Para Marx, nao hd esséncla humana, porque o ser humane se produz pelo trabalho, conforme seu contexta histérico-soclal. Nietzsche recusou todos 10s modelos metafisicos para o mundo e para nos rmesmos. Para Sartre, apenas as colsas eos animals. s80"em-s!" enquanto o ser humano 6"para-s", por estar aberto & possiollidade de construirele proprio. sua existéncia, Recapitulando os conceitos aristotélicos: todo ser 6 uma substincia constitufda de matéria e forma; a matéria é poténcia, 0 que tende a ser; a forma é 0 ato, O movimento é, portanto, a forma atualizando amatéria, 6a passagem da poténcia ao ato, do pos sfvel ao real. oo, © conceito aristotélico de poténcia nao deve ser ‘confundido com forca:trata-se de uma potencial!- dade, a auséncia de perfeicdo em um ser que pode vira possulr essa perfei¢ao, Nesse sentido, até hoje ‘costumamos nos referir as potencialidades de cada lum de nés. Seguindo o crtério aristotélico,refita Quais sao suas potencialidades essenclais? E as acidentais? A teoria das quatro causas ‘As considerag6es anteriores tornam mais claro o principio de causalidade de acordo com Aristételes: “Tudo 0 que se move ¢ necessaria- mente movido por outro’, O devir consiste na ten- déncia que todo ser tem de realizar a forma que Ihe é propria, Hé quatro sentidos para causa: material, formal, eficiente e final Detalhe de Filosofia, afresco de Rafael Sanzio (1508). Ao lado do medathdo da Filosofia, anjos carregam tabuletas que Tembram a base da ciéncia aristotélica: + causarum cognitio (conhecimento pelas causas), A tradugéo para o latim e os anjos indicam a releitura de Aristételes levada a efeito pelos filésofos cristaos da Tdade Média, Por exemplo, numa estdtua: +a causa material é aquilo de que a coisa é faita (omérmore); + causa ¢ficiente é aquela que dé impulso 20 ‘movimento (0 escultor que a modele); + a causa formal & aquilo que a coisa tende a ser (a forma que a estétua adquire); + causa final é aquilo para o qual a coisa é feta (a finalidade de fazer a estdtua: a beleza, a gl6- Fia, a devogao religiosa etc), £Essas so as causas que explicam o movimento, ‘ue para Aristoteles é eterno. © Deus: Primeiro Motor Imével Toda a estrutura tedrica da filosofia aristotélica desemboca no divino, numa teologia. A descrigtio das relagSes entre as coisas leva ao reconhecimento da existéncia de um ser superior ¢ necesséio, ou seja, Deus, Porque, se as coisas slo contingentes — pois nao tém em si mesmas a razio de sua exis. téncia —, é preciso concluir que sao produzidas Por causas exteriores a elas. Ou seja, todo ser con- tingente foi produzido por outro ser, que também é contingente, e assim por diante, Para nfo ir ao infinito na sequéncia de causas, é preciso admitir uma primeira causa, por sua vez. incausada, um ser necessétio (e no contingente). (Gorn sane ans Paras gregos antigos, a mattria éeterna, portato Deus nao é criador. Segundo Aristételes, Delis: nao onhece nem ama os seres individualmente, Ele & pure pensamento que pensa asi mesmo, é"pensa- ‘mento de pensamento” Por isso a teologia aristo- télica é loséfica e nd religiosa. Esse Primeiro Motor Imével (por no ser movido por nenhum outro) é também um puro ato (sem nenhuma poténcia). Segundo Aristételes, Deus é Ato Puro, Ser Necessario, Causa Primeira de todo exis- tente, No entanto, como Deus pode mover, sendo imével? Porque Deus nio é 0 primeiro motor como causa eficiente, mas sim como causa final: Deus move por atragéo, ele tudo atrai, como “perfeigao’ que 6 > Critica de Aristételes aos antecessores Além da metafisica, Aristételes estabeleceu os principios da I6gica formal (ver capftulo 11, "Légica, aristotélica”). Com esses prinefpios ldgicos eos con- ceitos metafisicos, criticou o8 ldsofos que o antece- deram, sobretudo Herdclito, Parménides e Plato. Contra Heréclito, segundo o qual tudo estava em constante movimento, Aristételes demonstra que em toda transformagao hé algo que muda e algo que permanece. , pelo prine{pio de contradigo, que um ser nio pode ser endo ser aomesmo tempo, Domesmo modo critica Parménides, por ter afirmado que o ser 6 imével, reduzindo 0 movimento ao mundo sensivel. Igualmente, reeitou a teoria das ideias de Plato. Para Aristételes, se 0 conhecimento se faz. com conceitos universais, esses mesmos conceitos siio aplicados a cada coisa individual. Com isso, no é preciso justificar a imobilidade do ser (como Parménides) nem criar o mundo das esséncias imu- t4veis, como quis Plato, Abusca de Capitulo 13, Ea Gunamas No perfodo posterior & filosofia classica teve inicio © helenismo, marcado pela influéncia oriental. As principais expressées flos6ficas foram oestolcismo, ‘epicurismo eo ceticisma, Tratarernos dos dots pri- ‘melros no capitulo 20, "feorias éticas". Quanto a0 ceticismo, sugerimos consultaro capitulo 9,"Oque podemos conhecer?™ A filosofia medieval: razao e f6 A Idade Média compreende mil anos de hist6ria (do séc. Va0 XV). Apés a queda do Império Romano, formaram-se 0s novos reinos barbaros. Lentamente foi introduzida a ordem feudal, de natureza aristo- crética, em cujo topo da pirdmide encontravam-se os nobres e o clero, A lgreja Catdlica consolidou-se como forga espi- ritual e politica. A influéncie religiosa deveu-se a diversos motivos, A Igreja representava um ele~ mento agregador, numa época em que a Europa estava bastante fragmentada. Do ponto de vista cultural, atuou de maneira decisiva, pois a heranca greco-latina foi preservada nos mosteiros. Em um mundo em que nem os nobres sabiam ler, os monges eram os tinicos letzados, o que justifica a impregnacdo religiosa nos principios morais, pol ticos e juridicos da sociedade medieval. Como néo poderia deixar de set, a grande ques- to discutida pelos intelectuais da Idade Média era arelago entre razio e fé, entre filosofia e teologia, Destacaremos aqui duas tendéncias filoséficas: a patristica ea escoléstica. ® Patristica A patristica & a filosofia dos chamados Padres da Igroja, que teve infcio no perfodo de decadén- cia do Império Romano, quando o cristianismo se expandia, a partir do século II — portanto, ainda na Antiguidade. No esforgo de converter os pagtios, combater as heresias ¢justificara fé, aqueles religio- sos escreveram obras de apologética, para justificar o pensamento cristéo, Pagdo. Aquele que no fol batizado, No contexto, os religiosos chamavam pagios os fildsofos gregos, por terem vivido antes do cristianismo, Heresia, Doutrina que se opbe 20s dogmas da Igrela, Apologética. A apologia 6 um“dscurso para ustificar, defender ou war’. apologitica tina por objetivo jus- ‘tficarracionalmente-afé cist e defendé-a das heresas T i i ; i ' a urinura medieval, 300-1310, ica Unidade 3 Oconhecimento (Os monges copistas cumpriram uma fungao importante na Idade Média ao reproduzir ou traduzir as obras classicas. Os manuscritos, em letra gética, eram ornados com iluminuras — ilustragdes com figuras e arabescos. Cada capitulo geralmente comegava com uma capitular —a primeira letra — em tarnanho maior e ricamente ‘rabalhada. Tratava'se de uma arte e, como tal, exigia habilidade e talento, Pense nas bibliotecas medievais, situadas em abadias e conventos, e no tempo exigido para a produgo dos manuscritos. Quem decidia 0 que precisaria ser copiado? Que pessoas tinham acesso as obras? O que significou, no século XVI, a invengdo dos tipos méveis por Gutenberg, permitindo a divulgagéo mais répida de livros pela imprensa? 0 que mudou nos tempos atuais, com a ‘informagéo circulando pelas infovias da internet? Pesquise sobre a proporgao de pessoas que tém acesso a internet atualmente, Quais as consequéncias da excluséo digital, num mundo em que a informagéo esta cada ver mais digitalizada? Durante toda a Idade Média, a alianga entre fé e rezfio na verdade significava reconhecer a razio como auxiliar da fé e, portanto, a ela subordinada, Agostinho sintetiza essa tendéncia com a expressio “Credo ut intelliam’, que significa “Creio para que possa entender”, Os Padres recorreramn inicialmente & obra de Plotino (204-270), um neoplaténico. Adaptando 0 pensamento pagéo, realizaram uma grande sintese com a doutrina crista. O principal nome da patristica foi Agostinho (354-430), bispo de Hipona, cidade do norte da Africa, Agostinho retomou a dicotomia platé nica do “mundo senstvel e mundo das ideias", mas substitulu este tiltimo pelas ideias divinas. Segundo a teoria da iluminagdo, recebemos de Deus 0 conhecimento das verdades eternas: tal como o Sol, Deus ilumina a razdo e torna possivel © pensar correto. ‘Na primeira metade do perfodo medieval, conhecida como Alta Idade Média, foi enorme a influéncia dos Padres da Igreje. Varios pensadores de saber enciclopédico retomaram a cultura antiga, dando continuidade ao trabalho de adequago da heranga cléssica as verdades teolégicas. ® Escolastica ‘No segundo perfodo medieval, conhecido como Baixa Idade Média, ocorreram mudangas funda- mentais no campo da cultura jé a partir do século XL, sobretudo em razdo do renascimento urbano. Ameagas de ruptura da umidade da Igreja e here- sias anunciavam 0 novo tempo de contestagao e debates em que a razo buscava sua autonomia. Fundamental nesse processo foi a criagdo de int- meras universidades por toda a Europa, o que indi- cava o gosto pelo racional, e que se tornaram focos por exceléncia de fermentagio intelectual, A partir dessas mudangas, a escoldstica surgiu como nova expresséo da filosofia crist4, Nesse perfodo, persistiu a alianga entre razdo e f, em que a razio continua como “serva da teologia’. 0 principal representante da escoléstica foi Tomas de Aquino. Ns iss ie Do século X ao XIV fora fundadas mais de 80 universidades nna Europa, nas quais se estudava teologia, filosofia, medicina, direito, fisica, astronomia e matemética. Muitas construgdes daquela época existem até hoje, como o prédio da Universidade de Oxford, na Inglaterra, que data do século XM. Na América, devido ao longo periodo de colonizagao, as universidades surgitam apenas no século XIX: a primeira, em 1819, nos Estados Unidos. No Brasil, cursos superiores foram implantados no século XIX (médico-cinixgicos, em 1808; juridicos, em 1827; engenharia civil, eri 1874), mas a primeira universidade data de 1834, a Universidade de Séo Paulo (USP). Ainda assim, esta e as que se seguizam atendiam a um miimero restrito de alunos, até sua expansio, apenas na década de 1970. ‘Abusea da verdade Capitulo 13 ® Tomas de Aquino: apogeu da escolastica Durante a primeira metade da Idade Média, “Arist6teles era visto com desconfianga, ainda mais por- queestradugées feitas pelos 4rabes teriam interpreta~ ‘ges que 08 religiosos viam como perigosas para af. A pattir do século XIII — no perfodo do apogeu da.esco- dstica—,Tomés de Aquino (1225-1274), monge domi- nicano, utlizou tradugbes de Aristételes feitas direta~ ‘mente do grego. ua obra principal, a Suma teolégioa & ‘amais fecunda sintese da escoldstica, por isso mesmo conhecida como filosofia aristotélico-tomista. ‘Emboracontinuasse a valorizar a fé como instru- ‘mento de conhecimento, Tomés de Aquino nao des- considera a importdncia do “conhecimento natu- ral’. Se a razdo néio pode conhecer, por exemplo, a esséncia de Deus, pode, no entanto, demonstrar sua existéncia:ou a criagdo divina do mundo. Uma des- sas provas é baseada na Metafisica de Aristételes, quando 0 movimento do mundo em tiltima instén~ cia é explicado por Deus, causa incausada. ‘Além disso, tal como Aristételes, para explicar © conhecimento, Aquino reconhece a participagéo dos sentidos e do intelecto: o conhecimento comega ‘pelo contato com as coisas concretas, passa pelos sentidos internos da fantasia ou imaginagio até a apreensdo de formas abstratas. Desse modo, 0 conhecimento processa um salto qualitative desde a.apreenséo da imagem, que ¢ concretae particular, até a elaboracéo da ideia, abstrata e universal. Dai em dianto, a influéncia de Aristételes tor- nou-se bastante forte, sobretudo pela agéo dos padres dominicanos e, mais tarde, dos jesuftas, que desde o Renascimento, e por varios séculos, empe- nharam-se na educagéo dos jovens. PARA SABER MINIS (© pensamento de Tomas de Aquino ressurgiu no século XIX por abra do papa Leao XIll. O neo- ‘tomisma representa 0 esforgo de restauracao da "ilosofiacrista” No Brasil, encontrou terreno fértl Desde a Colénis os jesuftas ensinavam o tomismo ,em 1908, fol fundada no Mosteiro de Sao Bento, ‘em Sto Paulo,a Faculdade Livre de Filosofiae Letras, ina qual ministraram aulas filésofos belgas segul- dores dessa tendéncia, ‘No entanto, se a recuperagio do aristotelismo revelou-se recurso fecundo no tempo de Tomds de ‘Aquino, no Renascimento e na Idade Moderna a escoléstica tornou-se entrave para a ciéncia. Basta lembrar a critica de Descartes e a luta de Galileu ia Unidatle 3 Oconhecimento contra 0 saber intransigente dos escolisticos, fis demais & astronomia e & fisica aristotélicas e, por- tanto, avessos ts novidades da ciéncia nascente. A questio dos universais 0 que sio os universais? 0 universal 6 0 conceito, a ideia, a esséncia comum a todas as coisas. Por exemplo, 0 conceito de ser humano, animal, casa, bola, cadeira, cfrculo, Desde o século XI até o XIV; uma polémica mar- cowas discusses sobre a questo das universais. Em outras palavras: os géneros e as espécies tém exis- ‘téncie separada dos objetos sensiveis? As espécies (como o cdo) ¢ 08 géneros (como os animais) teriam existéncia real? Seriam realidades, ideias ou apenas palavras? ‘As principals solugdes apresentadas sio: realismo, realismo moderado, nominalismo e conceptualismo, «Para os realistas, como Santo Anselmo (sé. 1) e Guilherme de Champeaux (sé. XII), uni- ersal tem realidade objetiva (so res, on seja, ‘coisa’). Essa posigo é claramente influenciada pola teoria das ideias de Platao. +0 realismo moderado é representado no século XII por Tomés de Aquino. Como aristo- télico, afirma que os universais s6 existem for- ‘malmente no espfrito, embora tenham funda- mento nas coisas. + Para os nominalistas, como Roscelino (séc. XI), ‘ universal é apenas o que é expresso em um nome. Ou seja, os universais so palavras, sem nenhuma realidade especffica correspondent. A tendéncia nominalista reapareceu com algurmas rmuangas diferentes no século XIV com o inglés Guilherme de Ockam, franciscano que repre- sentaa reagio & filosofia aristotélico-tomista, +A posigéo conceptnalista é intermediéria entre o realismo e o nominalismo e teve como principal defensor Pedro Abelardo (séc. XI), grande mestre da polémica, Para ele os univer- sais so conceitos, entidades mentais, que exis- tem somente no espirito, AAs divergéncias sobre os universais podem ser analisadas a partir das contradigdes e fissuras que se instalaram na compreensto mfstica do mundo ‘medieval. Sob esse aspecto, os realistas so 0s par tidarios da tradigio, e como tais valorizavam o uni- versal, a antoridade, a verdade eterna representada pela fé,Para os nominalistas,o individual é mais real ‘0 que indica o deslocamento do critério de verdade da fée da autoridade para a razio humana. Naquele momento histérico do final da Idade Média, o nomi nalismo representou o racionalismo burgués em oposigdo as forgas feudais que desejava superar. Christian slater (novieo Adso} Sean Connery (Guilherme de Baskerville) nna adaptac3o de Onome de rosa (1986), O nome da rosa, romance de Umberto Eco, conta a historia de um franciscano inglés, Guilherme de Baskerville, e seu discipulo, o novigo Adso, que chegam a um mosteiro dominicano na Itélia em 1327 para investigar alguns crimes. Guilherme 6 um filésofo e assim explica ao novigo: “Se tu vis alguma coisa de longe e nao entendes o que seja, contentarte-as em definita como um corpo extenso. Quando se aproximar de ti, defini-la-és como um animal, mesmo que néo saibas ainda se é um cavalo ou um asno. E por fim, quando estiver mais perto, poderds dizer que é um cavalo, mesmo que nao saibas ainda se Brunello ou Favello. E somente quando estiveres & distincia apropriada verds que é Brunello (ou esse cavalo e no outro, qualquer que seja o modo como decidas chamélo). E esse serd 0 conhecimento pleno, a intuigao do singular. [..] De modo que as ideias, que eu usava antes para figurarme um cavalo que ainda néo vira, exam puros signos, como eram signos da ideia de cavalo as pegadas sobre a neve: @ usamse signos e signos de signos apenas quando nos fazem falta as coisas’ Identifique a tendéncia na qual poderiamos incluir frei Guilherme a propésito da questo dos universais. (Siren sscens = instruments que nos prendem as aparéncias das TREK Sunes MAS coisas ou nos permitem conhecer aesséncia delas. A guestie dos universals ndo éum problema res- as divergéncias entre os fl6sofos dependiam da Huneeconlse storomtclstaysoconcuters ™eelta pela qual explicavam como se dé nosso acesso ao ser: se ele é reconhecido na imobilidade {ue as ideias no existem em si, pois s6 € possivel a conhecer algo pela experiéncia. Nas atuals flosofias parmenidea ou no eterno devir heraclitiano; se contemporaneas, como na filosofia da linguagem, 0. reais sdo as ideias platénicas ou se real é 0 conhe- que € posto em discussao é a relacio entre lingua cido por meio dos conceitos universais, aplicados a gem erea|idadé, cada coisa individual, como queria Aristételes. O mesmo ocorreu na Idade Média, consideradas as adaptagées introduzidas pela chamada “fildsofia SRevisando cristé’: a tradi¢do agostiniana foi influenciada pelo No infcio do capitulo vimos que os gregos dis neoplatonismo, enquanto a vertente tomista seguiu cutiram as fungGes dos sentidos e da razio como 08 passos de Aristoteles. HCO, Umberto. O nome da rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 198. p. 8, verdade Capitulo 13 @® Leitura complementar i) Alegoria da caverna Trata-se de um trecho do Livro Vil de & Reptiblica: no didlogo, as falas sao de Sécrates e Glauco, irmao de Plato, *Sécrates — Agora leva em conta nossa natureza, segundo tenha ou ndo recebido educagao e compara-a com o seguinte quadro: imagina uma caverna subter ranea, com uma entrada ampla, aberta & luz em toda a sua extensdo. L4 dentro, alguns homens se encontram, desde a infancia, amarrados pelas pernas e pelo pescoco de tal modo que permanecem iméveis e podem olhar téo somente para a frente, pois as amarras nao Ihes ermitem voltar a cabeca. Num plano superior, atrds deles, arde um fogo a certa distancia, E entre 0 fogo e 65 prisioneiros eleva-se urn caminho ao longo do qual imagina que tenha sido construrdo um pequeno muro semelhante aos tabiques que os titetiteiros interpdern entre sieo pablico a fim de, por cima deles, fazer movi- mentar as marionetes, Glauco — Posso imaginar a cena. Sécrates — Imagina também homens que passam a0 longo desse pequueno muro carregando uma enorme variedade de objetos cuja altura ultrapassa a do muro: estétuas e figuras de animais feitas de pedra, madeira e outros materiais diversos. Entre esses carregadores hi, naturalmente, os que conversam entre si eos que cami- rnham silenciosamente. Glouco — Trata-se de um quadro estranho e de estra- nnhos prisioneiros. Sécrates — Eles so como nés. Acreditas que tais homens tenham visto de si mesmos e de seus compa- nnheiros outras coisas que ndo as sombras projetadas pelo fogo sobre: parede da caverna que se encontra diante deles? Glauco— Ora, como isso seria possive se foram obri- gados a manter imével a cabega durante toda a vida? Sécrates — E quanto aos objetos transportados 20 longo do muro, ndo veriam apenas suas sombras? Glauco — Certamente. Scrates — Mas, nessas condigbes, se pudessem con: versar uns com os outros, ndo supdes que julgariam estar se referindo a objetos reais ao mencionar o que veem diante de si? Glauco — Necessariamente. LJ Sécrates — imagina agora 0 que sentiriam se fos sem liberados de seus grilhdes e curados de sua igno- rancia, na hipétese de que thes acontecesse, muito naturalmente, o seguinte: se um deles fosse libertado eitura complementar Unidade 3 Lt FUME OF | ROBERTO ROSSELLINI & No filme Sdcrates, do cineasta italiano Roberto Rossellini ofildsofo circula por Atenas, conversando com transeunttes e discipulos, 1971 EDICAG ESPECIAL € subitamente forcado a se levantar, virar 0 pescoco, caminhar e enxergar a luz, sentiria dores intensas a0 fazer todos esses movimentos e, com a vista ofuscada, seria incapaz de enxergar 0s objetos cujas sombras ele via antes. Que responderia ele, na tua opiniao, se the fosse dito que o que via até ento eram apenas sombras, inanes e que, agora, achando-se mais préximo da rea- lidade, com os olhos voltados para objetos mais reais, possu‘a visio mais acurada? Quando, enfim, ao ser-Ihe mostrado cada um dos objetos que passavam, fosse ele obrigado, diante de tantas perguntas, a definir o que ram, ndo supdes que ele ficaria embaracado e conside- raria que 0 que contemplava antes era mais verdadero, do que 0s objetos que Ihe eram mostrados agora? Glauco — Muito mais verdadeiro. Socrates — E se ele fosse obrigado a fitar a propria luz, ndo acreditas que Ihe doeriam os olhos e que pro- curaria desviar o olhar, voltando-se para os objetos que podia observar, considerando-os, entao, realmente mais distintos do que aqueles que the sao mostrados? Glauco — Sim, Sécrates — Mas, se 0 afastassem dali a forga, obri- gando-o a galgar a subida aspera e abrupta e nao o dei- assem antes que tivesse sido arrastado & presenga do © proprio Sol, ndo crés que ele sofreriae se indignaria de ter sido arrastado desse modo? Nao crés que, uma vez diante da luz do dia, seus olhos ficariam ofuscados por ela, de modo a nao poder discernir nenhum dos seres considerados agora verdadeiros? Glauco — Nao poderia discerni-tos, pelo menos no primeiro momento. Sdcrates — Penso que ele precisaria habituar-se, a «fim de estar em condigdes de ver as coisas do alto de | ‘onde se encontrava. O que veria mais facilmente seriam, em primeiro lugar, as sombras; em seguida, as imagens dos homens e de outros seresrefletidas na dgua e, final- fp mente, os prOprios seres. Apds, ele contemplaria, mais | facimente, durante a noite, os objetosceestese 0 pro= © prio céu, ao elevaros olhos em direcdo a luz das estrelas {eda lua — vendo-o mais claramente do que ao Sol ou sua luz durante o dia, Glauco — Sem davida. Sécrates — Por fim, acredito, poderia enxergar 0 pré- prio Sol — nao apenas sua imagem refletida na agua ‘ou em outro lugar —, em seu lugar, podendo vé-lo contemplasto tal como €. Glauco — Necessariamente. Sécrates — Ap6s, passaria a tirar conclusdes sobre 0 Sol, compreendendo que ele produz as estagdes e os, anos; que governa o mundo das coisas visiveise se cons- titui, de certo modo, na causa de tudo o que ele e seus companheiros viam dentro da caverna. Glauco— € evidente que chegaria a estas conclusbes. (J Sdcrates — Reflete sobre o seguinte: se esse homem retornasse & cavema e fosse colocado no mesmo lugar de onde sara, no crés que seus olhos ficariam obscu- recidos pelas trevas como os de quem foge bruscamente da luz do Sol? Glauco — Sim, completamente. 2 SRST EES Sécrates — Ese Ihe fosse necessério reformular seu julzo sobre as sombras e competi com aqueles que li ermaneceram prisioneitos, no momento em que sua visdo esta gbliterada pelas trevas e antes que seus olhos 2 elas se adaptem — e esta adaptacao demandaria um certo tempo —-, nao acreditas que esse homem se pres- taria a jocosidade? Nao the diriam que, tendo safdo da caverna, a ela retornou cego e que nao valeria a pena fazer semelhante experi¢ncia? Eno matariam, se pudessem, a quem tentasse libert4-los e conduzi-los para a luz? Glauco— Certamente. ‘Socrates — € preciso aplicar inteiramente esse quadro a0 que foi dito anteriormente, isto & assimilando-se 0 mundo visivel & caverna e a luz do fogo aos raios solares. E se interpretares que a subida para 0 mundo que esta acima da caverna e a contemplacao das coisas existentes Id fora representam a ascenséo da alma em direcéo ao mundo inteligivel terés compreendido bem meus pen- ‘samentos, os quais desejas conhecer mas que s6 Deus sabe e sio ou ndo verdadeiros, As cosas se me afiguram do seguinte modo: na extremidade do mundo inteligvel encontra-se a ideia do Bem, que apenas pode ser con- templado, mas que nao se pode ver sem concluir que constitui a causa de tudo quanto ha de reto e de belo no mundo: no mundo visfvel, esta ideia gera a luze sua fonte soberana e, no mundo inteligivel, ela, soberana, dispensa a inteligéncia e a verdade, £ ela que se deve ter em mente para agir com sabedoria na vida privada ou piiblica Glauco — Concordo contigo, na medida em que con- sigo compreenderte PLATAO. A Republica (Livro Vi), Bras Universidade de Bras, 1985, p. 4651, Titerteiro. Ou titereiro, aquele que manejatiteres: ‘no contexto, marionetes. Inane. Desprovido de contetide, Obliterado. Apagado; no contexto, vista perturbada pela escurldao, Jocosidade. Comicidade, gracejo,o que provocariso. Questées Com base na leitura complementar, atenda as questées: ‘Qual é o significado da caverna e das pessoas amatradas pelas pernas e pelo pescogo? Conforme a dialética platénica, a que tipo de conhecimento corresponde esse estigio? ‘Identifique as outras trés etapas do conhecimento. ©) © que representa a metafora do Sol? O trecho “E néo matariam, se pudessem, a quem tentasse liberté-los e conduztlos para a luz?" é uma alusao & morte de Sécrates. Explique por qué. Leitracomplementar Unidade 3 AMI

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