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Fn onawease SODIST MWD ab HALO HOTS S _ Juan E. Diaz Bordenave 0 QUE E - t IUNICACAO 1997 ora brasiliense INDICE Be GOD aio F ac oncrnucings. ay opnisen hax onmnernayniers — O meio ambiente social da comunicagio. . . — Do grunhido ao satélite — Oatode comunicar .................. — E impossivel nao comunicar............ CW ISOS riparia PGs dacs cloacae - Os dois gumes da linguagem ............ — O poder da comunica¢ao e a comunicagaio POO IET, sianinnsergernar sori du denbenirn — IndicagGes para leitura ..............., Juan B, Diaz Bordenave A chamada “indastria cultural’, isto 6, a explo- ragdo comercial dos recursos da comunicacdo, tomou-se uma das mais atraentes inversdes de capital e, conseqiientemente, grandes corporagdes multinacionais passeram a ser proprictérias de redes de comunicacao ¢ de empresas que manufa- turam equipamentos para as mesmas. ‘A comunicagao elevou-se ao nivel de um dos grandes problemas politicos do mundo, até o ponto de obrigar a UNESCO a criar uma Comisséo de Estudo dos Problemas da Comunica¢ao, com 16 ‘membros, presidida por um ex-Prémio Nobel da Paz, bem como a preocuper-se com o estabelacimento de uma Nova Ordem Mundial da Informacao. Dentro de cada nagio, 0 controle da comuni cago adquiriu suma importéncia, visto que ela pode estabilizar ou desestabilizar governos. A UNESCO iniciou uma campanha mundial para conseguir que cada pats tenhe sua Politica Nacional de Comunicagao, provocando com isto 0 antago- nismo das associagdes internacionais de proprieté- rias de meios de comunicagao social. ‘Assim se deserwolveu a grande drvore da comu- nicagdo. Comecou com os grunhidos @ os gestos dos poucos homens recém-emergidos da animali- dade original, evoluiu @ se enriqueceu em seu contetido e em sous meios, ganhando cada vez maior permanéncia e alcance, aumentando sua ifludncia nas pessoas e, através delas, incidindo na cultura, na economia e na politica das nacies. O ATO DE COMUNICAR * © velho artesfo de Petrolina mostra a filho como se faz uma carranca de bars, © mening Pega um pouco de barro e tenta fazer o mesmo ‘que viu fazer. © menino pergunta, o velho respon- ‘de. O vatho corrige, aprova, mostra. Meses depois, Imenino leva pata a fia sus primeis trabalhos * A peea vai comegar no teatro lotado. O ator wilase no camarim. A cortina se levanta. | trés cena, 0s atores dialogam no palco, a ia pendente de suas palavras. O ator diz’ as was decoradas com tanta sinceridade senti- ‘como se fossem préprias. O corago do ‘se comove e algumas pessoas choram ia. A pega termina com o estrepitar dos © famoso locutor de radio 1¢ no microfone Juan B. Diez Bordenave as notfcias nacionais e internacionais. Concentra-s0 tanto no roteiro escrito, para nao pular palavras, que no lembra quo, nesse momento, mais de trés_mithdes de pessoas 0 estéo escutondo. As noticias que divulga, porém, afetam as vides de muitos ouvintes. © que hi de comum nestas trés situagdes: © artesio e seu filho, 0 ator e sua platéia, 0 locutor e seu publico? ‘© que hd de comum ¢ que todas as trés s30 ATOS DE COMUNICAGAO. 0 que 6, entZo, a comunicaro? Hd duas meneiras de definir 0 que é uma coisa enumerar os elementos de que esté camposta ou indicar para que serve. Pode-se definir o autombvel, por exemplo, dizendo que é um con: junto formado por motor, carrocaria e rodas. Mas seria ainda melhor defini-lo como um voiculo ‘autopropulsado que serve para transportar pessoas coisas de ur lugar a outro. E para que serve a comunicacéo? Serve para que as pessoas se relacionem entre si, transformando-se mutuamente € @ realidade que as rodeia ‘Sem 2 comunicaggo cada pessoa seria um mundo fechado em si mesmo. Pela comunicagio as pessoas ‘compartilham experiénciss, idéias © sentimentos. ‘Ao se relacionarem como seres interdependentes, influenciam-se mutuamente e, juntas, modificam 4 realidade onde ostdo inseridas. De que elementos consta a comunicagio? Analisemos as trés situaeSes de comunicarao, acima. © 0 artesio ensina seu filho a fazer carrances de cerémica.. Compartilha com ele conhecimentos experiéncia, Ambos usam palavras, gestos, objetos e movimentos como meio’ para trocar suas perceposes e intencdes. O barro da terra ‘se transforma em uma nova realidade. Ao ‘mesmo tempo, o pai € 0 filho se modificam: © velho torna-se, mais que pai, mestr filho converte-se em arteséo. © etor € a platéia se comunicam: o ator diz suas palavras, faz sous gestos, caminha, pula, se ajoelha. A platéia, embora néo fale ‘com’ palavras, o faz com seu siléncio, suas lagrimas, seus aplausos. O ator ¢ 0 piblico so transformam: 0 ator sente-se mais seguro, mais bem compreendido, até mais querido, O ipiblico volta a rotina de sua propria vida com Movas percepgdes, novas perguntas, ds vezes ‘mais calmo, as vezes mais angustiado, A Fealidade social recebe 0 impacto do teatro: tle reflete sobre si mesma através do drama e da comédia representados no palco. 0 locutor de rédio se comunica com o seu Publico, Para manter a atencdo de seus Ouvintes enquanto tansmite os aconteci- _ mentos do dia, cle usa, além de suas palavras, 37 Juan B. Diaz Bordenave misica efeitos de som. Um complexo mecanismo tecnolégico — a emissora — leva suas palavras até milhdes de receptores, de ‘tal modo que as recebam simultaneamente. Embera 0: ouvintes no tenham condicées para dialogar com o locutor, como dialogam © artesGo e seu filho, tanto 0 locutor como ‘0s Ouvintes se transformam, mesmo que imperceptivelmente. E a realidade também se transforma por efeito da difusio das noticias. Quais, entfo, sfo os elementos comuns acs trés atos de comunicagéo? ‘© Primeiramente, nos trés casos temos uma realidade na qual a comunicacao se realiza ‘As pessoas no se comunicam num vazio, mos dentro de um ambiente, como parte de uma situapo, como momento de uma historia. artes e seu filho conversam em Petrolina, no sertio pernambuceno, num ambiente de classe pobro, de gente que vive do artesanato por geragdes, dentro de uma comunidace que tem ume histéria, uma trodicéo, uma cultura © uma esperanca. Tudo isto ~ 0 passado, 0 presente e 0 futuro — esté presente no-mais simples ato de comunicagio. A realidade influi sobre o comunicar e 0 comu- nicar influi sobre a realidade. ‘* Em segundo lugar, nos trés cosos hi pessoas que desejam partithar alguma coisa: conheci mentos, emogdes, informagies. Estes séo 0s interlocutores (os que talam ontro si). Num momento dado cada interlocutor é fonte de comunicagéo e noutro € receptor. As coisas que se dosaja compartilhar 6 outro elemento da comunicago, que chemaremos do_mensagem. Inicialmente, as mensagens vive apenas na mente (ou no ‘coragio) dos interlocutores. Mas, durante a comunicagéo, elas aparecem de modo a que possam ser ‘ouvidas, vistas e tocadas. © 0 quarto elemento viria entéo a ser @ forma ‘como @ mensagem se apresenta: at palavras, 0s gestos, 05 olhares, 0s movimentos do corpo. As formas que representam as idéias € as emogies chamam-se signas. Signo ¢ todo objeto perceptivel que de alguma maneira Femete a outro objeto, tome © lugar de outra coisa. Se pudéssemos influir diretamente nas mentes de outras pessoas no precisa- famos de signos para transmitir nossas idéies © emogées. Mas nem sempre podemos. Daf @ nocessidade de “‘significar” nosso mundo interior para poder compartithé-lo com os demais. Em geral, os signos formam con: juntos organizados chamados cécligos. A {ingua portuguesa, 0 cédigo Morse, os sinais de transito, 0 sistema Braile para cegos, 330 ‘conjuntos organizados de signos. “* O quinto elemento da comunicacéo seriam os Juan B, Diaz Bordenave meios que os interlocutores utilizam para levar, suas palavras ou seus gestos as outres pessoas. O artesio usa 0 barro, suas méos, sua voz, como meios para comunicar seus conhecimentos ao filho; 0 ator usa sua voz, 0 paleo, es luzes de ribalta, 2 maquilagem, a masica, as roupas especiais; 0 locutor emprega sua voz, 0 roteiro, 0 disco, a fita gravada, 2 ‘emissora de rédio em goral. Resumindo, os elementos bésicos da comuni- cacao sao: © a realidade ou situagao onde ela se realiza e sobre a qual tem um efeito transformador; 03 interlocutores que dela participam; (05 contelidos ou mensagens que elas compar- titham; # 08 signos que elas utilizam para representé.los; © 03 meios Gue empregam para transmiti-os. E importante assinalar que a prépria natureza ‘encarregou-se, durante 0 longo curso da evolucso de nossa espécie, de nos preparar para a comuni- cacao. Ela nos forneceu os 6rgios capazes de criar signos © também os drgfos que podem recebé-los e interpreté-los. ‘Assim, a boca humana é capaz de produzir itas combinagdes de sons, e 0 ouvido pode captar © distinguir milhares dessas combinagoes. O rosto, os olhos e as méos podem mover-se de mil maneiras para criar gestos expressivos, E os olhos podem captar esses movimentos, distinguilos ¢ 0 auc € Comunicayto combind-los. E por tras de tudo isso estd o cdrabro humano, computador de inti que Fecebe Os sons, os movimentos e as luzes, combina- 95 e, apelando 4 meméria de milhdes de expe- ‘igncias prévias, interpreta 0 que estes estimulos Tepresentam para a possoa. De posse dos elementos da comunicagéo, esta: ‘mos em condi¢des de analisar como funciona este ‘complexo processo. As fases do processo icamente impossivel dizer onde ‘onde termina 0 processo da comunicacao, Razes internas ou externas podem levar duas ‘Pessoas a se comunicarem. Embora a fase visivel da comunicacdo possa ser iniciada por uma delas, sua decisfo de comunicar pode ter sido provocada pela outra, ou por uma terceira pessoa, presente 9u ausente, ou por muitas causas coincidentes. Néo é Poss(vel, assim, enumerar as fases de uma eomunica¢do como se fossem partes de uma seqiiéncia linear @ ordenada, A comunicacgo, de fato, & um processo multifacético que ocorre #0 mesmo tempo em vdrios niveis — consciente, econ, inconsciente —, como parte imico processo da i Qualquer tentstve de ssh sh AL an que é Comunieugio 43 vital da comunicapgo é um exerci ‘embora possa ter utilidade didética ou explicativa. Contudo, podem ser mencionadas algumas fases que costumam participar do processo da comunicagao. As fases podem se dar em qualquer ordem, ou simultoneamente, ¢ podem até entrar fem conflito umas com as outras. Vejamos: © A pulsegéio vital: A dinémica interna de ‘qualquer pessoa est sempre pulsando, ferven- do, vibrando, como verdadeiro caldeirdo vital ‘onde se encontram em ebuligao pensementos, lembrangas, sentimentos, novas sensagdes © percepedes, desejos e necessicades. A pulsagio vital ocorre em todo corpo, mas seu centro € 0 cfrebro, O organismo humano compor- ‘tase, onto, como um sistema aberto em constante intera¢ao consigo mesmo e com 0 meio ambiente. © A interagao: A pulsegdo vital permanente no interior da pessoa consiste num precério equilforio dinémico que, para ser mantido, tem obrigatoriamente de se adaptar ao meio ambiente fisico e social que rodeia 0 organis mo, quer se acomodando a ele, quer tentando transformé-lo. Em outras palavras, a pessoa necesita entrar em interago com o meio ambiente. Ora, uma des maneires de interagir com © meio ambiente ¢ @ comunicacdo. ‘A pessoa emite e recebe mensagens por todos ‘0s. canais disponiveis: olhos, pele, mdos, \ingua, ouvido. Entretanto, a pessoa no emite tudo 0 que ela contém nem recebe tudo ‘0 que a ela vern do meio ambiente, De modo que outra fase do processo & a selecéo. © A selegdo: Deste caldvirio onde tervem as experiéncias da pessoa, seus conhecimentos e crengas, valores e atitudes, signos e capa dades, @ pessoa seleciona alguns elementos que deseja compartilhar com outras pessoas. As vezes esta selegdo ¢ provocada por estfmu- fos que vém de fora, outras vezes pela deciso da prépria pessoa de tornar consciente — para refletir sobre eles — alguns elementos de seu repertério. * A percepeio: No caso de estimulos que vém de fora, o homem “sente’’ a realidede que 0 rodeia por meio de seus sentidos — vista, ‘ouvido, olfato, tato © paladar —, @ assim percebe as palavras, gestos @ outros signos que Ihe so apresentados. A decoditicarso: Percebidos os signos, a pessoa tem que determinar o que eles repre- sentam, a que cédigo pertencem, Como o artesdo e seu filho pertencem ambos a mesma culture — a nordestina —, os signos que eles sam tém o mesmo significado para os dois. De fato, eles usam 0 mesmo cédigo: para falar, usam o idioma portugués (com suas VariagSes regionais e locais); para gesticular, sam 0s gestos que aprendoram de sous Juan B, Diaz Bordenare que & Comunicagéo antepassados. Ento, to logo 0 filho percebe ‘as palavras © 0s gestos de seu pai, ole os decodifica, isto 6, para cada signo, encontra, na sua meméria, um objeto ou idéia corres: pondente. A interpretacéo: As veres, enttetanto, mesmo que 0 filho decodifique as palavras e os gestos do pai, ndo entende claramente o sentido ou 0 significado da mensagam. O que ele entende ¢ diferente do que o pai pretendia que entendesse. “Pai, ndo estou entendendo (© que o senhor quer que eu faca.”” Além da decadificacdo, entéo, vem outra fase, a de interpretagdo, que consiste em compreender no apenas 0 que cada palavra significa, mas ‘© que a mensagem inteira pretende dizer. A intorpretagio exige que se coloque a mensagem em um contexto, que se @ compare com outros elementos do repertério ¢ com (© conhecimento que se tem das intencées do interlocutor. Qualquer pessoa, por exem- plo, pode decodificar as palavras ser-ou-ndo- ser-cssa-¢-o-questiio; porém, quantas pessoas interpretam 0 verdadeiro significado da frase: “Ser ou nfo ser, essa é a questo"? A incorporacdo: Se a mensagem é interpr tada de uma mancira tel que a pessoa ngo se considera ameacada em seu sistema de idéias, valores e sentimentos, a mensagem & facilmente incorporade ao repertério ou ecervo. A flexibilidade mental do receptor, sua mente aberta ou fechada, seu nivel de tensdo ou ansiedade, sua seguranca ou auto- confianga etc., intervém na aceitagZo ou rejeig¢so da _mensagem. As vezes a incorpo- ragdo & 6 parcial e uma parte da mensagem € rejeitada. * A reagdo: Os resultados da incorporagéo da mensagem na_dindmica mental propria do receptor podem ser claramente vis(veis, como quando a pessoa, considerando-se insultada pela mensagem, agride seu interlocutor. Mas, as vezes, a transformagdo provocada pela mensagem é puramente interna. Quando © ator no teatro consegue emocionar sua platéia, pode aparecer externamente pouca demonstragéo de que internamente ela esteja comovida, As fungdes da comunicagao O sistema de signos que o homem criou para sua wunicagéo nfo é um conjunto mecdnico de que se armam como um quebra-cabecas indo _normas de engenharia da linguagem. comunicagio ¢ um produto funcional da idade humana de expresséo e relaciona- . Por conseguinte, ela satisfaz uma série de Juan E. Diaz Bordenave que & Comunteagio 47 fung®es, entre as quais as que se sequer — Func&o instrumental: satisfazer necessidades materiais ou espirituais da pessoa. Exemplos: “Eu quero isto”, "Tenho fore”, “Estou caindo”, “Preciso um conselho seu”, “Ajude-me a resolver este problema”. Fungo informativa: apresentar nova infor: macao. Exemplos: “Tenho algo para te dizer”, “Aten. ‘eGo! O Conselho de Seguranga da ONU votou 1Ocontrat...". Fungo regulatori tamento de outros. Exemplos: “Faga como eu the digo”, “Seré que tenho que repetir 2 mesma coise para vo um milhdo de vezes? Obedeca 2 lei” Fungo interacional: relacionar-se com outres controlar © compor: pessoas. Exemplos: “Vcd @ eu vamos tomar conta disso tudo”, “Eu amo voce”, —Fungéo de expressio pessoal: identificer e expressar 0 “eu”. Exemplos: “Sou contrério aos regimes de direita", "Eu amo a liberdade mas também. defendo a justiga social”. Fungo heuristica ou explicativa: explorar ‘© mundo dentro e fora da pessoa. Exemplos: “Pai, por que a lua muda de ‘tamanho?", "Como € que a crianga aprende a falar?" = Fungo imaginativa: criar um mundo préprio| de fantasia e beleza. Exemplos: “amos fazer de conta que... ", “Havia uma vez um rei...”, “O que eu faria se ganhasse na loteria esportiva?”. Outra funcdo da comunicacéo é indicar a qua dade de nossa participaco no ato de comunicaga que papéis tomamos e impomos aos outros, que desejos, sentimentos, atitudes, jufzos e expecta- ‘tivas trazemos a0 ato de comunicar. E @ comunicagao deve fazer tudo isto ao mesmo tempo, de maneira tal que 0 que se esté dizendo goincida com a forma com que se diz e com o ontexto social em que se fala. A comunicacSo nfo apresenta uma _pilha de signos e simbolos, Sendo um “discurso”, isto 6, uma obra de sentido de coeréncia que somente nds, homens, podemos nstruir. ‘As qualidades unicas da comunicagéo humane mse quando @ comparamos com a comu jo animal. Porque os animais também pos. signos, érgdos emissores e érodos receptores. (5 signos animais ndo foram criados delibe fae atbitrariamente como foram criados os 9 humanos, Aqueles formam parte automética equipamento genético da espécie. Como tais, Ago mudam nunca. O cachorro de Cledpetra ‘antigo Egito letia da mesma maneira e nas Juan B, Déaz Borderave que é Comunicagao mesmas circunstancias em que late hoje o cachorro de Elizabeth Taylor em Hollywood. Tampouco os animais inventam signos novos ou modificam © significado dos antigos. E que 08 signos dos animais parecem ser mais sinais que signos: eles indicam reagdes a estimulos presentes ou lembrados. Os animais se comunicam da_mesma manoira instintiva com a qual cons- troem seus ninhos, fogem dos perigos e copulam ‘para reproduzir sua espécie. Daf que a corunicagao animal carece do poten- cial de beleza e de paixdo que 0 homem coloca ‘em suas mensagens, Beethoven, surdo, com- pondo sua Sonata Patética para expressar a tormenta que rugia em sua alma desesperada, um fendmeno exclusivamente humano, Como 6 unicamente humana a despedida do Coronel Moscardé de seu filho refém, que seria fuzilado se 0 pai ndo entregasse o Alcdzar de Toledo, durante a Guerra Civil Espanhola: “Candido Cabello, chefe de milfcia em Toledo, telefonou 20 Coronel Moscardé dizendothe que se nio entregasse 0 Alcézar dentro de dez minutos, ele, Cabello, matarhe-ia 0 filho, Luis Moscard6, a quem havia capturade naquala manhé. ‘E para que veja que é verdede, ele proprio vai falarthe’, acrescentou Candido Cabello. Entdo Luis Moscardé disse ao telefone @ palavra ‘Papai’. ‘Que se passa, meu filho?’, Perguntou 0 Coronel. ‘Nada’, respondeu o ilho, “Eles dizem que me matardo se o Alcézar ndo se render’. ‘Se for verdade’, replicou o Coronel Moscardé, ‘encomenda 2 tua alma a Deus, grita ‘Vive Espanha’ e morre como um her6i. Adeus, meu filho, um derradeiro beijo.’ ‘Adeus, meu pai’, respondeu Luis, ‘um beij bem grande’. Candido Cabello voltou ao tele- fone e 0 Coronel Moscardé anunciou-the que ‘ndo precisava de prazo para decidir. ‘O Alcézar jamais se renderd’, declerou antes de desligar © telefone. Luis Moscardé foi morto a 23 Ge agosto.” (A Guerra Civil Espanhola, por Hugh Thomas, Editora Civilzecto Brasileira 1964, p. 244)” ‘que é Comunicapio 1 E IMPOSSIVEL NAO COMUNICAR E necessério compreender que @ comunicacao no inclui apenes aS mensagons que as pessoas trocam deliboradamente entre si. Além das mens {gens trocadas conscientemente, com efeito, muitas outras so trocadas sem querer, numa espécie paracomunicacao ou paralinguagern. oe eae an atavres faladas, os movimentot do corpo, a roupe que se veste, 03 olhares ea maneira de estroitar a mo do interlocutor, tudo tem algum significado, tudo comunica. Quer dizer ‘que, praticamente, ¢ imposstvel nfo comunicar. ‘Guando um pai diz para um de seus filhos: “Tenha cuidado com o martelo porque voc pode se machuear”, @ para outro filho diz: "Veja se nv faz as mesmas besteiras de sempre com (© marteloll”, embora seu propésito consciento seja 0 de advertir ambos sobre os perigos do martelo, as diferengas nas palavras _escolhidas ‘¢ no tom de voz usado com cada filho comunicam "uma mensagem seoundéria bastante clara: 0 pai ‘nao gosta igual mente dos dois filhos. AS vezes, até mesmo 0 siléncio comunica Quando uma pessoa deixa de responder as erguntas ou incitagSes de outra, ou quando trata de ignorar a sua presenca, seu’ siléncio é “mais eloaiiente que qualquer conjunto de palavras. ‘© marido, que 1é seu jornal sem admitir conversa ‘alguma enquanto almoca com sue mulher, comu nica a cla que esté mais interessado na leitura ue no didlogo. As vezes, 0 que @ palavra no comunica é trans- ido pelos olhos ou pelas mos. Os bons jogadores pOquer so to poucos porque so poucas as jas capazes de “blefar” sem que se note ‘seus olhos que esto blefando. Contrabandistas res so presos nas alfandegas porque seu vosismo, na iminéncia da revista, delata que introduzindo algo proibido. Uma ocasigo muito interessante para observer funcionamento da paracomunicacso séo os de polfticos na televisio. Parte dos portamentos observados slo evidentemente rados, como por exemplo uma atitude @ repousada, pare indicar segurenca e cia. Mas grande parte das manifestacdes iticas dos interlocutores, tais como olhares, ntos das mos, risadas, tiques nervosos, 2 Juan E, Diaz Bordenwe palidez ou rubor etc., so involuntérios ¢ até inconscientes. O telespectador, em todo caso, recebe tantas mensagens sobre os mesmos candi- datos como sobre os assuntos debatidos Isto nos leva a comentar o chamado “carisma'” de certas pessoas, entendendo por tal os efeitos que elas produzem sobre o piblico, sem que seja_possivel especificar precisamente as_queli dades que provocam esses efeitos. Carlos Lacerda, Juscelino Kubitscheck, Jénio Quadros, exerciam complexas influéncias sobre as massas, sendo dificil explicé-as através da mera anélise de suas qualidades. ‘A mesma coise acontece com os artistas popu ares. Arthur da Tévola, por exemplo, percebeu (© misterioso “carisma” comunicativo das grandes cantoras © atrizes brasileira ¢ oscreveu em O Globo: “Gal transmite ao ledo do ‘texto’, isto é, do que fala ¢ canta, uma série de outras mensagens de ‘alto poder comunicativo que se somam & sua figura de comunicaggo, modelando-a. Que mecanismos secretos explicario a relacdo da atriz Elizabeth Savalla com 0 povao? Ela ¢ boo atriz e moca bonita, mas hé centenas de outras boes atrizes e mogas bonites que néo estabe- lecem os mesmos mecanismos secretos de ‘comunicagao.” 10 que € Comunicagao Juan &, Diaz Bordenave que é Comunicagio 38 Arthur da Tévola comenta que esses mecanismos atuam em niveis mais fundos que os da percep¢ao consciente: “Eles excitam mecenismos quardados ‘e desconhecidos, dificeis de definir. Esto no territério da empatia, um lugar complexo, oculto, misterioso.” A cultura como comunicacao Se tudo na vida pode ser decodificado como signo — 0 penteado, a maneira de andar e de sentar-se, 0 bairro em que se mora, a igreja que se freqenta —, entéo a propria cultura de uma sociedede pode ser considerada como um vasto sistema de cédigos de comunicagao. Estes cédigos indicam os papéis apropriados e ‘oportunos, o que é tabu e o que € sagrado. Exemplos de nossa cultura incluem 0s seguintes: — Quando um homem e uma mulher se casam colocam anéis, se possivel de ouro, em certos dedos de mo, O nome dos anéis ¢ “alianga”” pois eles comunicam 20s demais que estas pessoas jé ngo estéo mais livres e sem com promisso. = Na mesa onde a familia faz suas reteigées, 0 pai sempre ocupa a cabeceira. Seu lugar na _mesa comunica sua posi¢o de autoridade. bs —Enquanto 0s empregados séo obrigados a chegar a seus lugares de trabalho as 8h em ponto, 0 chefe chega a 9h ou 10h da manhé. Isto a todos a diferenea de ierarquia. —No Natal, costuma-se dar presentes 905 parentes ¢ amigos. O valor do presente, em geral, comunica 0 grau de importéncia que © doador atribui ao presenteado. — Até ha pouco tempo, os parentes costumavam vestir-se de preto quando morria um membro da familia, e a cultura estipulava um prazo para a vidva, os irmgos etc. manterem o luto. — A maneira de manejar os talheres nas refeiges no é assunto de escolha individual; ela comunica imediatamente a classe social 2 que pertence 2 pessoa. — As empregadas domésticas so obrigades a vostir uniformes para ndo serem confundidas com os membros da famiftia. —€ considerado de mau gosto chegar pontual- mente a uma recepgéo. Os convidados pon- tuais correm 0 risco de encontrar os anfi- trides ainda no banheiro ou terminando dese vestir. = Expressamos nossos.sentimentos patriéticos Por meio de simbolos que incluem a bandeira, © hino nacional, os vultos histéricos, as efemérides ou datas significativas. 56 Juen E, Diaz Bordenave que & Comunteayio 37 = As flores so base para diversas mensagens codificadas: a rosa vermelha, o buqué de ‘orquideas, a coroa no funeral. Esta lista, longa porém incompleta, demonstra que 2 cultura funciona pela comunicagdo. Seria impossfvel para uma pessoa viver no seio de uma cultura sem eprender a usar seus cbdigos de comu- nicaggo, E também seria impossivel para ela no se comunicar. A comunicacao transcultural O fato de que cada culture tenha seus préprios eOdigos de comunicaggo torna bastante difcil @ comunicacio entre cultures diferentes, Na experiéncia de missionérios, exploradores, matas € técnicos de organismos internacionais, existem numerosos exemplos de confusdes devidas a uma decodificagéo erreda dos cédigos locais. Alguns exemplos: — Um missionétio que ensinou a rezar 0 "Eu, pecador” a criancas africanas, estranhou-se das_gargalhadas provocadas pelos golpes no peito que no Ocidente catélico acompanham a parte que diz “minha culpa, minha grande culpa”. Ocorre que em certes culturas afri- canas ‘bater no peito significe “Eu estou zombando de voos” — Um técnico internacional chileno, visitando © Bresil pela primeira vez, procurou um copo nto banheiro do ‘hotel @ 30 acho. Como em espanhol a palavra para copo 6 “vaso”, ele telefonou pera a portaria dizendo: “Em ‘meu banheiro nao hd vaso.” “Ndo é posstvel!”, responderam na receprao. “Tem de haver um vaso em seu, banheiro!! Serd que estd quebrado?” “Nao — exclamou o chileno — aqui no ha vaso e estou procisando escovar 0s dentest”” —Arroter ruidosamente ands a3 refeiges ¢ considerado de péssima educaego nas cultures ocidentais. Mas nas orientais 0 hospede que néo arrota esté "'significando” que néo gostou des comides que ihe foram servidas, ou que elas ndo foram suficientes para deixd- lo satisfeito, =A distancia fisice que se deve guardar entre 3S pessoas varia nas diferentes cultures. Algumas valorizam a proximidade, o contato fisico, 0 abrago, o beijo. Outres preferem que seja_mantida uma prudente distincia entre | as pessoas e decodificam a aproximagdo “excessiva’” como mostra de vulgaridede € classe baixa. = Querendo ser amdvel com estudantes africa- nos _recém-chegados, 0 professor norte- americano falou para eles: “Aparecam alguma 38 Juan B, Diaz Bordenave que é Comunicapao vez para janter em minha casa.” Na semana seguinte 09 africanos chegarem para jantar. Na sua cultura, um convite é sempre tomado a sério, quando, na norte-americana, deve ser codificedo apenas como uma mostra de simpatia. Na China, a cor que expressa luto é a cor branca, e ndo a preta como na América Latina. © significado da morte varia também segundo as culturas. Na cultura ocidental a morte é 0 méximo inimigo que se deve evitar por todos os meios. No Japio, entre as pessoas roligiosas, a morte pelo Imperador ou pela Patria era considerada a maior gloria ‘que um homem poderia desejar. Para indicer a altura de uma pessoa, de um animal ou de ume coisa, em Costa Rica © no México, usam-se gestos feitos com a mo, diferentes para cada caso. No Brasil, @ altura de pessoas, animais e coisas sem distingo indica-se colocando a mo na posiggo hori- zontal, palmas para baixo. Usar para pessoas ‘© gosto reservado para animais ou coisas 6 considerado ofensivo no México e na Costa Rica. Enquanto nos paises catélicos os homens devem tirar 0 chapéu para entrer_numa igreja, em Israel e nos templos israclitas os homens devem cobrir 2 cabeca pare serem admitides, As diferengas transculturais na decoditicagao dos signos ilustram muito claramente © cardter arbitrério dos signos criados pelo homem. Com efeito, cada cultura cria seus préprios signos ¢ Ihes atribui seus préprios significados. Para que (08 signos comuniquem, deve haver uma convengao ou acordo entre as partes. E isto é precisamente © papel da cultura ao estabelecer satis codigos. A metacomunicagio Da mesma maneira que é impossivel ndo comu- nicar — porque tudo na vida comunica —, a pessoa que comunica em geral necessita dar a seus inter locutores uma idéia sobre como ela deseja que sua mensagem seja decodificada e interpretaca Isto se chama metacomunicacéo, isto é: comu- nicagdo sobre @ comunicagao. A metacomunicago pode ser verbal ou ngo- verbal, isto é, feita quer com palavras, quer com gestos, olhares, tom de voz etc. ‘AS nossas conversas esto compostas por uma @ que 6 0 que quoremos dizer © por outra fe que & uma indicagdo de como queremos f entendidos. Exemplos: ="Olhe. € dificil colocar isto em patavras, mas 0 que eu quero dizer é 0 seguinte —"Escuta. Por favor néo tome como uma Juan E, Diaz Bordenave que ¢ Comunicagiio a ofensa, mas eu queria te dizer .. — “Quero que vocé preste muita atengo porque © que eu vou falar 6 muito sério...”" — “Por favor, no me interprete mal. Nao estou inuando que todos vocés sejam ...” Esquera © que falei, ou nao estava falando asirio... = "Veja bem, isto pessoal, mas — "0 negécio 6 0 seguinte Usamos também outros truques para metaco- municar. A nossa maneira de olhar, ou deixar de ‘olhar, a outra pessoa traduz sentimentos de sinceridade, superioridade, complexo de culpa, interesse em continuar 2 conversa, curiosidade, desejos de uma boa “fofoca”, ou suprema ind ferenca. Metacomunica a nossa propria maneira de intervir no didlogo: se monopolizo a conversa estou comunicando que néo concedo acs demais, © direito de participar igualmente na conversa; se interrompo constantemente meu interlocutor, estou Ihe indicando que ou estou por demais interessado no que ele fala ou ngo dou importancia @ seus argumentos. ‘A proximidade ou distancia dos interlocutores influi sobre a interpretago que eles dardo mensagens. Quanto maior a proximidade, 6 mais provaval que a interpretaco tenha que ser menos abjetiva e fria e mais subjetiva e pessoal. Outras vezes, porém, a aproximago excessiva revela uma ameaga, visto que a viola¢do do espaco pessoal de um dos interlocutores pelo outro € claro indicio, de que pode ocorrer uma agressio fisica ou pelo ‘menos psicol6gica.

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