Você está na página 1de 50
SSHHHHSHSHOHHSHSOHOHOHOHSHOHSHOHSHSHHOHOHSHSHSHHSSHSOHHSHHOHHHOSSOHSHOHOEOCOESE © MISTERIO DE IRMA VAP Um Pavor-Barato de Charles LUDLAM Tradugdo: R. Athayde Nota: 'O Mistério de Irma vap’ 6 uma peca de tamanho inteiro feita de mu- dangas rapidas por dois atores que desempenham todos os papeis. Personagens: Lady Enid Montepico, Lord Edgar Montepico, Nicodemo Subdark, Jane Twisden, um intruso, Irma Vap. Toda a ago da pega se passa na sala-de-estar que é tambem biblioteca de ‘Mandapicos'’ , a propriedade dos Montepico perto de Hampstead Heath na Inglaterra entre as duas guerras. * Ato I. Cena 1. an © cenario 6 uma grande sala com Portas de vidro ao fundo que dao para um jardim, HA uma escrevaninha e uma cadeira. Uma lareira com um aparador e acima, na parede, fica um quadro representando Lady Irma em sua juventude. i Duas poltronas fundas ladeiam a lareira. HA sinais de que os Montepico, via- jaram: m§scaras africanas, um sarcéfago eg{pcio e um bionbo japonés pintado, ft 1 HA uma estante com livros encadernados em marroquim e portas para a direita| © para a esquerda. Ao iniciar,Nicodemo entra vindo do jardim pelas portas de vidro carregando uma césta. Sua perna esquerda é deformada e a sola do JANE: Ei, olha por onde anda! Voce est4 todo molhado! Nao vai pingar lama aqui! NICODEMO: £ chuva boa de Deus, minha filha. JANE: Chuva do diabo, isso sim! Vé-se um relampago e troveja. NICODEMO: Voce preferia a séca continuar? Voce devia 6 estar agradecida. E muito. sapato € aumentada com madeira. Jane est arrumando flores num vaso. | JANE: E para de bater com essa perna-de-pau. Voce vai acordar a Lady Enid NICODEMO: E nao foi pra salvar o Lord Edgar do lobo que eu fiquei mutilado nao? Ela devia ficar feliz de ouvir a minha perna de pau depois do que eu fiz por ele. SHHSHHSHHSHSHHHHSHHSHSHHHOHSSHSHSHSHHHSHSSHEHHOSHOHOSCHOHOSSHOOOSOECHHOESOS Be JANE: Isso foi hd muito tempo atras. A Lady Enid ndo sabe hada sobre isso. NICODEMO: Mas vai saber e nao vai demorar. JANE: E tem mais, Nicodemo. Eu nao quero nem ouvir falar de voce assustan- do a nova mulher do Lord Edgar com essas suas histérias de lobo, hein? Nem pensar! NICODEMO: Quanto mais cedo ela souber melhor. JANE: Shhh! Essa sua lingua ainda te cava a sepultura, Nicodemo. Tem coisa que @ bem melhor nao dizer. NICODEMO: Bah! Isso & uma aldeia livre ou ndo 6? JANE: Shhh! NICODEMO: £ ou nado &? JANE: Se o Lord Edgar te pega, falando assim voce vai ver se 6 ou se nao é. AL que voce fica livre mesmo: desempregado. NICODEMO: Nao, isso 6 livre demais pra mim. N&o esta mais aqui quem falou. JANE: Voce devia 6 apoiar o Lord Edgar. Ele agora vai precisar da gente mais do que nunca. NICODEMO: Por que agora mais do que nunca? Eu diria que o pior 34 passou. Ele finalmente aceitou o fato da Lady Irma descansar na sepultura. JANE: Nao fala assim. Eu nao suporto pensar nela enterrada. Ela tinha tan- to medo do escuro. NICODEMO: Ele j4 aceitou e voce tem que aceitar tambem. A vida comegou de novo pra ele. Ele ficou de luto um tempo mais do que respeitavel e agora escolheu uma nova Lady Montepico. JANE: Mas é isso, & justamente isso! Eu nfo acho que a Lady Enid seja a patroa certa pra Mandapicos. NICODEMO: E por gue nao? JANE: Ela 6 tao, tao... comum. Ela nunca que vai chegar ao nivel da Lady Irma. NICODEMO: Isso, minha néga, nao 6 nem pra mim nem pra voce decidir. JANE: Eu ndo consigo nem imaginar a idéia de obedecer drdens daquela ple- beia. NICODEMO: Calma, calma. Bu nfo quero voce falando desse jeito da Lady Enid. i } } | SOHHHHHHSHSHHHSHSHHHSHSHHHSHSHHHSHHOHHSHHSHOHSHOHSOHHSHOHOSENHSSHOSCOECHOCESOCESE KA ca 3 VANE: A Lady Irma tinha uma presenga forte e os modos dela eranimpecdveis. NICODEMO: Pra agradar um homem precisa mais do que modos de granfina. JANE: Eu imagino que um homem, um homem de verdade daria muito mais valor a um bom pedigri e a um bom ‘savoir faire' do’ que a qualquer outra coisa. NICODEMO: Se esse francés af quer dizer o que eu estou pensando vai 34 la- var a boca com sab&o. Olha af os dvos e o leite. JANE: E cadé a nata? NICODEMO: Eu desnatei. JANE: Outra vez? Puxa, voce & incorrigivel, hein? NICODEMO: Por que? JANE: O que que eu vou dizer ao Lord Edgar quando ele quizer nata no cha, hein? NICODEMO: Diz o que voce quizer. Relampago e trovoada. JANE: (Grita) Ahhl NICODEMO: Que é isso, n&o precisa se assustar. 0. Nicodemo t& aqui pra te proteger. (Tenta colocar um brago em volta ‘dela) JANE: (Evitando o abrago) Guarda a mao boba pra voce, t&? Voce cheira a ca- valo. NICODEMO: Se voce dormisse na cocheira ia feder a cavalo tambem, JANE: Olha a distancia, por favor. NICODEMO: Um dia, minha Janete, voce vai sorrir pra mim. JAN : E, quando o inferno congelar e um monte de diabinho ficar patinando no glo. NICODEMO: Se eu estivesse todo limpinho, de colarinho branco cheirando a rum Bacardy e Agua~de-cheiro voce mudava de idéia. JANE: Pode me tirar da sua cabega. Voce est abaixo de mime vai continuar. NICODEMO: Um dia voce vai querer ficar debaixo de mim. i JANE: Ugh! Como que voce ousa me falar desse jeito? Bu tive educagao. NICODEMO: Que educag&o voce teve? JANE: Li as obras completas de J.G. de Araiijo Jorge, 1i a Biblia Sagrada e uma porgéo de niimeros antigos daquele almanaque... ‘Ser Quase Mulher e Ser Feliz’. Ka: ar NICODEMO: Pois eu li ‘Suinicultura Mod&lo' de cabo a rabo tanbem. JANE: (Com desprézo) Hurmph! NICODEMO: Voce ndo tem por que levantar o nariz pra mim, senhorita. Nés so mos farinha do mesmo saco, JANE: Chega de fazer onda, 6...volta 14 pro seu chiqueiro antes que eu te diga umas. poucas e boas. NICODEMO: N&o saio daqui se voce no me der um beijo. JANE: Vai esperar até cair duro no chao. NICODEMO: (Corre atras dela pela sala) Me dA um beijinho que eu te mostro como eu j4 tou duro, ai. JANE: Sai de perto de mim, seu animal, com teus duplos gentidos. NICODENO: Duplos 0 que? Trovao; passos no andar de cima. JANE: Agora voce conseguiu. Acordou a Lady Enid. Vai embora rapido antes dela te pegar aqui dentro. NICODEMO: Pra que que ela est4 se levantando agora? J& & quase noite. JANE: Ela & assim mesmo, Dorme o dia todo e fica acordada de noite. NICODEMO: Essa gente da cidade & assim. 0 Lord me disse que ela j4 foi até atriz. JANE: (Chocada) Atriz! uUgi Que repulsivo! NICODEMO: D4 o que pensar, uma atriz ao vivo aqui em Mandapicos! JANE: B degradante demais. Mas ela é a dona da casa e a gente vai ter que se ajustar. NICODEMO: Nao € isso que eu quiz dizer. Eu acho é que o patrao dessa vez se deu bem. JANE: Voces homens s&o todos iguais. Tao faceis de conquistar... (Ouvem-se passos) Eu tou ouvindo passos. Vai embora! NICODEMO: Deixa eu dar uma espiada nela. JANE: Ela € s6 uma mulher comum e néo precisa voce ficar af de botuca arre- galada. Pode voltar pro seu chiqueiro. NICODEMO: Eu tenho melhor companhia 14 do que em qualquer outro lugar de Mandapicos. VO2 DE LADY ENID: (Fora) Jane, voce estA falando com alguem? JANE: E s6 0 Nicodemo. Ele veio trazer os évos. LADY ENID: (Fora) Ele 34 foi? JANE: Foi sim, Lady Enid. LADY ENID: 0 sol j& se poz? JANE: Esta uma chuvarada, Lady Enid. Tem muito pouco 14 fora que possa ser chamado de sol. LADY ENID: Feche as cortinas e acenda a lareira. Bu vou descer 34 3. JANE: Ah meu deus, esse trabalho que ndo acaba nunca. (Fecha as cortinas na frente das portas de vidro eliminando a vista para o jardim. DA uma o- thada rapida 4 sua aparéncia no espélho; abana-se com o lengo; arruma o cabelo e o colarinho) LADY ENID: Ah, voce fez a sala ficar quente e alegre. Obrigada, Jane. JANE: Posso preparar uma boa chicara de cha pra senhora? LADY ENID: Se n&o for problema. JANE: (Severa) pra isso que eu estou aqui. LADY ENID: Lord Edgar estA por perto? JANE: Ele se levantou e saiu ao raiar do dia. LADY ENID: Saiu? Pra onde? JANE: Ele sempre monta de manhd. & costume dele. (A chaleira apita) ah, é a chaleira chamando. (Sai) LADY ENID: (Inspeciona a sala, quadro e livros. Olna pra fora pelas portas de vidro e vé o jardime a pradaria ao longe. Logo o quadro acima do apara- dor prendesua atengao. De pé diante do retrato ela o observa durante um tempo longo) JANE: (Volta com a louga pro cha) Como é que a senhora quer? LADY ENID: Como? JANE: 0 ch&, madame. LADY ENID: Puro. JANE: (Incrédula) Nem leite nem agucar? LADY ENID: Nao, puro mesmo. JANE: Esquisito. i LADY ENID: Esquisito por que? i i JANE: Um ch& ndo é 14 grande coisa sem acucar nem leite. LADY ENID: Eu vivo num eterno regime. Eo teatro, voce sabe. i JANE: Mas isso tudo ficou pra tras agora. kan K 6 LADY ENID: (Com um suspiro) £, eu suponho que ficou. Mas o habito ficou en- vaizado. Eu provavelmente vou recusar pio e batata até morrer. (Indicando © retrato) Quem é essa mulher? JANE: E a Lady Montepico... quer dizer, a peniltima Lady Montepico. LADY ENID: Ela era linda, néo? JANE: Nunca haverd outra que chegue aos pés...dpa, perddo, me desculpe, ma- dane. LADY ENID: Tudo bem, Jane. Voce gostava muito dela, certo? JANE: (Trazendo a chicara de ch4) Ela era feito uma parte de mim mesma, ma- dame. LADY ENID: Estou vendo. (Ela se senta e prova o cha, Tem uma aguda reagdo) Voce faz um cha forte, hein? JANE: (Indignada) Quando eu fago ché eu fago cha. Quando eu faco agua eu fago agua. LADY ENID: E Deus queira que voce nado faga os dois no mesmo bule, nao JANE: (Um tempo. Ela percebe que houve uma piada a suas custas) Hurmph! LADY ENID: Voce nJo gosta de mim, hein Jane? JANE: Eu n&o odeio a senhora.. LADY ENID: Espero que nao! Seria uma coisa horrivel, certo? Se voce me odi- asse a gente tendo que viver aqui juntas. JANE: £ verdade, seria mesmo. Mas eu disse que nao odeio. LADY ENID: Voce no me odeia mas voce tambem nao gosta de mim. JANE: Eu ndo estou acostumada com a senhora. Vou precisar acostumar. LADY ENID: (Ela tem um calafrio) Ui, senti um frio na espinha. Um gato pas-| sou na minha cova. JANE: Nao tem uma corrente de ar ai onde a senhora est4 sentada? LADY ENID: Tem um pouguinho sim. Talvez seja melhor voce fechar essas por- tas de vidro. JANE: O Nicodemo deixou essa porta aberta de novo? Eu j4 avisei pra ele uma vez, ou melhor, mil vezes, madame... Ué, nado é o patrao chegando al: LADY ENID: (Rapida) Onde? (Ela se levanta) & ele sim! (Se escondendo atras da cortina) Chega pra tras! Ndo deixa ele ver a gente. JANE: 0 que que ele esta carregando? Uma bragada de folhagem e ele t& ar- rastando alguma coisa atras dele. LADY ENID: Arrastando alguma coisa? SSCHSHHSSHHSHSHSHOHHHOHHHHHHHOHOHOHHOHHHEHOHOHHCOHOHSOOOOE OOS JAN + Parece um bicho grande. Sabe o que mais, eu tou achando que ele ma- tou 0 lobo. LADY ENID: (Nervosa) Lobo? JANE: O lobo que vive matando os carneirinhos. Bom, todo mundo vai dormir melhor sem aquele diabo uivando a noite toda. LADY ENID: Ele matou um lobo? JANE: Isso, e ainda trouxe a carcaga pra casa. LADY ENID: Mas ta morto? Ta morto mesmo? JANE: TA morto e no vai ficar mais morto do que isso. LADY ENID: De que lado que ele t& vindo? JANE: Ele t& pegando a aleia dos piracantos. LADY ENID: Ele j& fez isso antes. Mas ser& que vai pegar a pontezinha? JANE: Isso & que eu queria saber. Ta chegando perto... nio, ele virou... pegou o caminho mais comprido pelos arcos das trepadeiras, LADY ENID: Ent&o & porque ele ainda no esqueceu... JANE: Eu compreendo ele nao querer passar na pontezinha depois do que acon- teceu 14. LADY ENID: Aqui em Mandapicos voces ficam muito ligados aos mortos. JANE: Nada disso, s&o os mortos que ficam ligados na gente. Eles nao desis- tem, eles teimam em nao deixar a gente em paz. (Volta a si: abruptamente) Th, © patrao vai querer jantar. (Ao sair, se volta) Como que a senhora gos- ta do bife, madame? LADY ENID: Bem passado. JANE: Nada de carne vermelha? LADY ENID: Pra mim nao. JANE: Tai outra diferenga: a Lady Irma gostava do bife sangrento. (Sai) LADY ENID: (Volta-se bruscamente e examina o retrato) Nao me olha desse jeito, hein. Nao fui eu que tomei ele de voce. Voce sabe, alguem ia acabar Pegando © seu lugar mais cedo ou mais tarde. Por acaso fui eu. Eu sei como voce se sente vendo a gente aqui feliz bem debaixo do seu nariz... Sé que nao ha nada a fazer sobre isso, garotona. A vida continua. Entra Lord Edgar com uma bragada de folhagens e a carcacga do lobo. LORD EDGAR: Tempo ruim. SHHHSHSHSHSHSHHSSSHHSHSSHSHSHSOSHSHHOHSHSHOSHSHSHHOSHHSOCHHHSHOHEHHOHHHHCEEOS*S Ra- ee 8 LADY ENID: (Corre para ele e lhe aplica um beijo nos labios) Edgar, meu querido, voce voltou. LORD EDGAR: Por favor, Enid, nao na frente da... LADY ENID: Na frente de quem? Nao tem ninguem olhando. (pausa) A ndo ser que voce esteja se referindo a ela. (Aporita para o retrato) LORD EDGAR: £ meio esquisito mesmo. Beijar bem na frente dela. LADY ENID: Ela tem um ar vagamente sinistro. LORD EDGAR: Por favor, Enid. Bla estA morta. LADY ENID: Talvez porisso mesmo. LORD EDGAR: Vamos nao falar sobre ele, hum? LADY ENID: Isso, vamos nao falar. LORD EDGAR: Voce esta bastante confortavel? LADY ENID: Estou bastante sim. A Jane nio gosta de mim mas acho que vou conseguir conguista-la. LORD EDGAR: Espero que voce goste daqui. LADY ENID: Eu sinto que vou. Oh, Edgar, Edgar. LORD EDGAR: Oh Enid, Enia. LADY ENID: Edgar? LORD EDGAR: Enid? LADY ENID: (Com escripulos) Edgar. LORD EDGAR: (Ligeiramente repreensivo) Enid. LADY ENID: (Confiante) Edgar. LORD EDGAR: (Condescendente) Enid. LADY ENT + (Se aconchegando contra o peito dele, com um suspiro) Edgar, Edgar, Edgar. LORD EDGAR: (Confortador e confortavel) Enid, Enid, Enid. LADY ENID: (Apaixonadamente) Edgar! LORD EDGAR: (Excitado) Enid! LADY ENID: (Mais apaixonadamente) Edgar! LORD EDGAR: ( " “I ) Enia! LADY ENID: (Extatica) Edgar! LORD EDGAR: (Idem) Enid! LADY ENID: (Culminante) Edgar! ! LORD EDGAR: (Orgasticamente) Enid LADY LORD LADY LORD LADY LORD LADY LORD LADY LORD LADY LORD LADY LORD LADY ENID: (Cortejadora) Edgar. EDGAR: (Sonolento) Enid. ENID: Edgar? EDGAR: Enid. ENID: Tira o quadro. EDGAR: Eu n§o posso fazer isso. ENID: Por que nao? EDGAR: Eu nao consigo, eu nio posso. ENID: Faz tres anos que ela morreu. EDGAR: Eu sei, mas nao da... ENID: Vamos comegar de zero. Esquecer o passado. EDGAR: Eu n&o quero outra coisa, Enid, pode acreditar. ENID: A gente nunca vai se sentir em casa com ela olhando cada passo. EDGAR: Nao vai mesmo. ENID: Ent&o por que ndo guardar as coisas dela num bai em algum lugar ou entao fazer um altarzinho pra ela que voce possa visitar de vez em quan- do? Mas n&o a casa inteira. LORD LADY LORD ante LADY LORD LADY LORD LADY um ao outro. LORD LADY promessa pra ela? LORD EDGAR: Voce tem toda razdo. Claro, eu sei disso. Mas o negécio 6 que.. ENID: © que? EDGAR: Ela me fez prometer que eu manteria sempre uma chama acesa di- do tetrato dela. ENID: Ai, que bobagem. EDGAR: Tou te dizendo que ela me fez prometer. ENID: Sopra e apaga. EDGAI Eu nao posso quebrar minha palavra. ENID: Eu pensei que voce me pertencia agora. Que a gente se pertencia EDGAR: A gente se pertence, mas isso foi antes da gente se conhecer. ENID: O que que significa mais pra voce? 0 seu amor por mim ou a sua EDGAR: Enid, por favor. Ndo coloca a coisa assim. A. Be 19 LADY ENID: O que que significa mais, Edgar? Qual das duas coisas vai ser? ~EORD-BBGAR: Voce me ama? LORD EDGAR: Como voce pode duvidar? LADY ENID: Ent@o a escolha esta feita. Apaga a lemparina! LORD EDGAR: Sera que eu ouso? (Ele sopra e apaga a lamparina) LADY ENID: Viu? N&o aconteceu nada. LORD EDGAR: Esquisito a gente ter pensado que podia acontecer alguma coisa. Eles riem. LADY ENID: Agora, querido, quanto a’essa histéria de arrastar animais mor- tos pela sala: isso realmente tem que acabar. a LORD EDGAR: Estou vendo que voce est disposta a me modificar, hein? ~ LADY ENID: $6 um pouguinho. : LORD EDGAR: Eu vou dizer pro Nicodemo tomar conta disso. Por que voce nao vai se vestir pro jantar, hmm? LADY ENID: Otimo, estou faminta. LORD EDGAR: Nao demora. LADY ENID: Prometo que nao. Ath LORD EDGAL (Se dirige ao quadro) Perdéo, Ixma. Entra Nicodemo. NICODEMO: Onde est a nova patroa? LORD EDGAR: Mudando de roupa. Voce sabe como as mulheres démokam. NICODEMO: Ent&o o senhor afinal matou a fera, hein patréo? LORD EDGAR: Matei. Essa af tA fora de combate. NICODEMO: Mas e a fera de dentro? Tambem esta fora de combate? LORD EDGAR: TA descansando bem socegada no momento. £ o m&ximo que podemos esperar, nao acha? NICODEMO: © senhor € um homem de fibra, 14 isso é,Lord Edgar Montepico. LORD EDGAR: Nicodemo, tira as visceras e queima, viu? NICODEMO: O senhor nfo quer guardar a pele nao? LORD EDGAR: N&o, pode queimar tudo que é pele e pélo. NICODEMO: E as cinzas? 0 que devo de fazer com as cinzas? LORD EDGAR: Pode espalhar pelos prados. NICODEMO: E deixo o vento levar os uivos? LORD EDGAR: Entéo joga a cinza na correnteza do moinho. NICODEMO: Depois dele? LORD EDGAR: Isso, depois do mofnho. E Nicodemo... NICODENO: Senhor? LORD EDGAR: Tira o quadro. NICODEMO: B 0 que que eu faco com ele? LORD EDGAR: Queima junto com 0 lobo. (Sai Subdark se aproxima do aparador.e tenta tirar o quadro. Entra Jane. JANE: © que que voce pensa que vai fazer, hein? NICODEMO: O patrao mandou tirar o quadro. JANE: Voce nao pode fazer isso! Voce néo pode tirar a Lady Irma! NICODEMO: Posso e vou. Sao érdens do patrao. JANE: Para! Pdra! Nao toque nesse retrato. Ahgh! A luz do altar apagada Oh céus, isso ndo pode ser. NICODEMO: Ndo € minha culpa. Quando eu entrei j4 estava assim. 0 Lord Edgar deve ter apagado. JANE: (Indicando a carcaga) E o que que & isso dai? NICODEMO: Voce tem olhos na cara pra ver. £ 0 lobo. 0 patrao matou o lobo. JANE: Ora viva! Sera possivel? NICODEMO: E motivo pra se celebrar. JANE: (Se aproxima da carcaga apreensivamente) Nao é celebracao o que vai acontecer essa noite, Nicodemo Subdark. Ele matou o lobo errado Blecaute. At 12 Ato I. Cena 2. Mesmo cenario. £ tarde da noite, a casa toda dorme. Jane esta revolvendo as Gltimas brasas da lareira. Lady Enid entra silenciosamente em seu robe- de-chambre. Ela fica bem atras de Jane, que esta de costas, e a observa. Jane, de repente, percebe sua presenga e se assusta e arfa. Isso assusta Lady Enid que arfa por sua vez. LADY ENID: Eu nado queria te assustar. JANE: Eu tambem nao queria assustar a senhora. Nao se deve chegar assim a- tras de uma pessoa. LADY ENID: Desculpe, Jane. Voce viveu aqui bastante tempo, certo? Foram 16 anos? JANE: 18, madame; eu vim pra servir a patroa quando ela casou; depois quan- do ela morreu o patrao me pediu pra ficar como governanta dele. Mas eu co- nhego ele de crianga. Eu fui criada no colégio Sion. LADY ENID: Mesmo? Um longo siléncio entre as duas. JANE: Ah, tudo mudou tanto desde ent& LADY ENT! : Voce deve ter visto muita alteragdo, eu imagino. JANE: Vi sim, e problemas tambem. LADY ENT Os Montepico sAo uma famflia muito antiga, nao? JANE: Nossa, se sGo. S&o do tempo do... do tempo da... eu ndo me lembro e- xatamente de quem. Mas eles descendem ha séculos... LADY ENID: 0 Lord Edgar me disse que 6 filho Gnico. ' JANE: £ sim, uma flor estranha no pau firme da arvore genealdgica. LADY ENID: Ele sempre gostou de cagar , mesmo em crianga? JANE: Nao, ele s6 tomou gésto quando a patroa faleceu.Th, mas isso’é uma | longa hist6ria. Eu nao quero aborrecer a senhora com essas coisas. LADY ENID: Ah, continua, Jane. Tudo sobre Lord Edgar me fascina. JANE: Onde que ele esta, hein? LADY ENID: Dormindo a sono solto. Jane, & um ato de caridade voce me con- tar um pouco da histéria da fam{lia. Eu sei que n3o vou conseguir dormir se for pra cama. Eu queria que voce fosse boazinha e ficasse mais um tempo aqui batendo esse papo comigo. SHSHHHHHSSHSHOHSHSHSHSHSHSHSHSSHSOHHHSHHSHHHHSHHSHOHHHHOHOHOCHESCOHOSOHOOES kA. 13 JANE: Ah, pois ndo, madame! Eu vou sé pegar minha costura que af eu fico o tempo que a senhora quizer. A sra. est& ouvindo esse vento? Ta uma noite do cdo 14 fora... Quer que ev faga um Toddy quentinho pra espantar 0 frio? LADY ENID: Se voce tambem tomar. JANE: Tomo... Eu gosto do meu Toddy e meu Toddy me gosta. Fla vai até a mesa, pega a costura e pega dois Toddys de uma panela que ela tinha posto sobre as brasas. D4 um para Lady Enid e se acomoda na ca- deira oposta § dela em frente ao fogo. : Ouvem-se uivos. LADY ENID: Esse vento! JANE: Isso nao € o vento nfo. E lobo. LADY ENID: Voce tem tido problemas com lobos ultimamente, nao é? JANE: Com lobos nao senhora. Com um lobo em particular, o Victor. LADY ENID: Victor? JANE: E, ele foi capturado e domesticado como se fosse cachorro. Mas 0 co- ragio dele & selvagem. Era o bichinho de estimagio da Lady Irma. LADY ENID: Como um cachorro. JANE: Maior que um cachorro; era t&o grande que o menino vivia no lombo de- je que nem cavalo. Mas o Victor nfo gostava dessa brincadeira no. Ele a- guentava por causa da Lady Irma, porque ele era dela. Felicidade pra ele era ficar estirado nos pés da Lady Irma com aquela lingua roxa enorme pen- \Gendo assim pra fora. 0 tempo todo que ela ficou gravida ele nao saiu um minuto do lado dela. 0 Lord Edgar fechou ele de fora quando chegou na hora do parto. E quando ele ouviu ela gemendo ele sé fazia uivar... LADY ENID: Lord Edgar me disse que teve um filho mas que morreu crianga ainda. JANE: Ah, & uma histéria-tragédia, madame. Mas o seu Toddy vai esfriar. Termina esse que eu faco outro pra senhora. TADY ENID: (Esvazia a chicara e passa~a para Jane) Ele faleceu de cachumba, certo? JANE: Cachumba? Quem disse isso? LADY ENID: Ninguem. Foi suposigSo minha, JANE: Bom, se o Lord Edgar disse pra sra. que foi cachumba & porque foi ca~ 9 OS OHOOO OHH HOHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHOHHHHHHHHHHHHHHCOOS* RY 4 chumba. & melhor deixar a coisa na cachumba mesmo. LADY ENID: Nao, ele nao me disse nada, mesmo. Cachumba foi s6 imaginagdo minha. JANE: Eu entendo dele nao querer entrar nesse assunto. Nao é facil. seu Toddy . LADY ENID: Obrigada. JANE: E umzénho pra mim... LADY ENID: Eu gostaria de saber a verdadeira histéria se voce ndo se impor. ta de contar. JANE: (0 Toddy solta sua lingua) Um belo dia de inverno 0 Victor mais o garoto sairam pela pradaria pra brincar na neve fresquinha que tinha acaba do de cair. $6 que o lobo voltou sem o garote. A gente esperou, a gente procurou. A gente ficou rouca de tanto chamar por ele. De noitinha achamos ele morto perto do moinho. Com a garganta dilacerada. LADY ENID: Que horror. JANE: 0 Lord Edgar quiz logo acabar com o Victor. Mas a Lady Irma lutou contra. Ela disse que nfo foi o Vivi que fez aquilo. LADY ENID: E de repente no foi mesmo. JANE: Bom, com aquela garganta dilacerada o que mais que podia ter sido? Os dois brigaram muito por causa disso. Ele disse que ela gostava do lobo mais que do préprio filho. Mas eu acho que o que ela nao queria era perder os dois porque sem o Victor, a sra. sabe, ela ia ficar sem nada. Quando o patrao quiz dar um tiro nele a Lady Irma soltou ele nos prados e espantou ele jogando pedra e gritando ‘corre Vivi, corre e nao volta nunca mais!' Eu nao sei se o pobre do bicho entendeu porque até hoje ele ainda volta procurando a Lady Irma. LADY ENID: Pobre Victor. Pobre garoto. Pobre Irma. JANE: Pobre Lord Edgar. LADY ENID: £ verdade, pobre Lord Edgar! JANE: Agora, o mais estranho de tudo... LADY ENID: Sim? JANE: Neve fresca 6 que nem um mapa. EU mesma segui as pegadas. As pegadas Ra 15 do Victor viravam pro outro lado. Quem matou o garoto foi um lobo mas que deixou pegadas humanas na neve. LADY ENID: Humanas? Mas entdo o garoto foi assassinado? JANE: $6 que... isso ja entra no assunto de lobisomem. LADY ENID: Lobisomem? JANE: E gente que vira lobo de noite, sim senhora. LADY ENID: Mas isso & superstigao. JANE: £ supersticdc, além do que pode ser explicado, o reino em que a cién- cia & impotente. Claro que tudo acusava o Victor. 0 garoto caiu e ralou o joelho. Deixou o lobo querido lamber a ferida. 0 bicho sente o gésto de sar gue, fica excitado, pega a crianga e mete o dente no pescpcinho macio. £ u- ma explicagdo perfeitamente légica. Sd que tinha as pegadas na neve. Nao seria conveniente pra um lobisomem ter um lobo de verdade pra botar a cul- pa? LADY ENID: E voce néo mostrou pra ninguem? As pegadas? JANE: Ah, ninguem queria saber. Disseram que eram as minhas pegadas, que eu é que tinha andado na neve. Eu nao quiz insistir, madame, porque af iam acabar me mandando de volta pro Piauf. & dificil convencer as pessoas do Sobrenatural. A maioria nao consegue acreditar nem no natural, LADY ENID: Voce tem toda razdo. Mas aquelas pegadas... JANE: Eu queria ter elas aqui pra lhe provar. Mas onde andam as neves de outrora? E isso é que 6 0 grande Alibi do lobisomem: ninguem acredita que ele existe. Bom, madame, é melhor eu ir pra cama que o meu reumatismo t4 comegando a atacar de novo. LADY ENID: Deixa a luz acesa, Jane. Acho que eu vou ficar aqui lendo um pouco mais. JANE: Tem af um bom livro pra senhora. 0 tratado de mitologia egipcia do patrao. LADY ENID: Muito obrigada! JANE: Ndo fique acordada até muito tarde, madame. Eu vou fazer umas sardi- nhas com rins pro café que a sra. nao pode perder. LADY ENID: Jane, como era o nome do garoto? JANE: A sra. nao sabe? Era Victor tambem, Boa-noite, Lady Enid. (Sai) SHSSSHSHSSHSHOSHSHSHSHSHSSHSHSHSSSHSHSHOHSHSHSSSHSSHHSHHHOHSHSHSHOHSEOSHCEHEEHSOS RA. = 16 LADY ENID (Senta-se na cadeira de costas para as portas de vidro e 18. A sombra do Intruso 6 vista através da cortina de organdy iluminada esporadi camente pelos relampagos. Uma m&o esquelética busca a maganeta. Bate com a unha no vidro) © que... que é isso? £ real ou ilusdo? Meu deus, o que foi isso? De repente um dos vidros da porta estala em pedagos. A mao esquelética pe- netra pelas cortinas e gira a maganeta. Entra uma figura esquelética lenta: mente. Um raio de luz incide sobre a cara macilenta que fixa o olhar em Lady Enid) LADY ENID: Quem € voce? 0 que que voce quer aqui? © relégio bate uma hora. 0 Intruso emite uma espécie de assobio. LADY ENID: 0 que que voce quer? Oh meu deus, ‘0 que que voce quer de mim? Bla tenta correr para a porta mas o Intruso a agarra pelos longos cabelos que ele enrola em seus dedos ossudos arrastando-a de volta em diregGo ao aparador. Ela pega as rosas do vaso e enfia os espi thos no dlho dele. 0 In- truso geme soltando-a e logo corre atras dela pela sala. Ela enfia-lhe a tesoura de costura de Jane. © Intruso cambaleia e cai para fora pela porta do lado direito. Ela cruza para o lado da lareira e tenta’se controlar Suspira aliviada. 0 Intruso volta, tapa sua boca com a mao e a arrasta até a porta que ele tranca e volta para o lado das portas de vidro onde, de berro em berro estrangulado, ela tem o pescogo exposto e mordido por dentes que sdo como presas. Segue-se 0 rufdo hediondo da chupada. Lady Enid emite um grito muito fino feito no fundo da garganta puxando o ar. Ouvem-se pas- sos de alguem que corre. LORD EDGAR: (Fora 4 direita) Voce ouviu um grito, Jane? JANE: (Fora & direita) Ouvi sim. Onde foi? LORD EDGAR: (Fora) Sabe deus onde foi. Parecia t&o perto mas tao longe. Eu me levantei e me vesti logo que eu ouv: JANE: (Fora, sem pausa) TA tudo quieto agora. LORD EDGAR: (Fora) £, mas se eu néo estava sonhando houve um grito. JANE: Impossivel a gente sonhar isso junto. LORD EDGAR: Onde esta Lady Enid? JANE: N&o esta com o senhor? SOSHSSHSSSSOHSHSSHOSHSHSHSSHOSHSHSHOHHHOSHOOHOSHHOOHHSSHHSHSOSCHHOEESHES kas ~ 17 Lady Enid emite um outro grito muito fino. LORD EDGAR: Olha s6, outra vez. Vamos explorar a casa! Vamos explorar a casa.’ De onde é que veio, voce sabe? Lady Enid grita de novo como antes. LORD EDGAR: Meu deus! Tai outra vez! Ble tenta abrir a porta da direita mas no consegue. LORD EDGAR: Enid! Enid! voce t& ai? Pala pelo amor de deus! Fala! A gente tem que forgar essa porta. Eles batem na porta. LORD EDGAR: Pega a picareta. JANE: Onde é que ta? LORD EDGAR: No porao. Corre! Corre! Rapido! Enid! Oh Eni JANE: T& aqui. (Eles forcam a porta e despencam na sala) NICODEMO: (Fora, no jardim) Lady Enid! Lady Enid! Santo deus, nao! Lady Enid: (Entra Nicodemo carregando o corpo desfalecido de Lady Enid. Sees longos cabelos cobrem o rosto. Varias gotas de sangue mancham seu robe-de- chambre) Socorro! Ajudem-nos! Oh céus, deus nos acuda! (Ele conduz o corpo Para fora pela porta da direita) Pra onde diabo que eu tou indo com ela, pro alem? LORD EDGAR: (Segue-os) O que que &? 0 que que aconteceu? Quem te fez isso? NICODEMO: (Voltando) Quem ou o que? Eu vi alguma coisa se mexendo no prado. LORD EDGAR: Alguma coisa? Que tipo de alguma coisa? NICODEMO: Um craénio de cachorro. Corpo de cachorro. Os olhos fosforecentes me olhando feito vela de defunto, ai, de cortar o coragio. De repente algo com uma cara horrenda aparece na janela, dA um urro pavoro- so de arrebentar os ouvidos e ri aos trancos contra o madeirame da porta. NICODEMO: (Ele rosna muito roucamente) Ta 14! TA 14 el A ‘coisa’ emite uma gargalhada aguda como um som de maquina eletronica. LORD EDGAR: Deus nos ajuda NICODEMO: Seja o que for eu vou atras dele, ah vou! LORD EDGAR: Nao! Nao! Nao vai! NICODEMO: Eu tenho que ir! Eu vou! Ka 18 LORD EDGAR: Sem revdlver nao! Nao seja maluco! NICODEMO: Quem quizer que me acompanhe... Eu seguirei esse vulto maléito! (Sai) LORD EDGAR: Me espera, seu doido! (Pega um revélver pendurado na parede) NICODEMO: (Fora) TA 14! Bu tou vendo ele! TA acompanhando a parede e en- trando no jardim das cerejeiras. LORD EDGAR: Ta escuro 14 fora. Nem sinal da lua. Ouvem-se rufdos bestiais como que de luta e depois uns poucos gritos agoni- ados. As portas se escancaram'e uma,perna humana, a que pertencia a Nicode- mo, & jogada para dentro. LORD EDGAR: Ora bolas! (Corre para fora e & ouvido gritando) pra que lado? Cadé 0 bicho? NICODEMO: (Fora) Aqui. Socorro! Me ajuda! Ouvem-se tiros 14 fora. JANE: (Enfia a cabega pela porta da direita) Sera que foi tiro 0 que eu ou- vi? LADY ENID: (Fora) Jane! Jane! JANE: Sim, Lady Enid! TADY ENID: Vem c&! Tou precisando de voce. Tou com medo de ficar sé. ANE: Tou indo e vou levar a lamparina daquele fantasma pra iluminar sua agonia. £ a maldig&o dos Dréidas, no minimo. Maldigao dos Faraés! (Ela tira a cabega) Passos e 0 som de alguma coisa sendo arrastada. NICODEMO: (Entra pelas portas de vidro) Eu v. Eu toquei ele. Eu lutei com ele. Era frio e pegajoso feito cadaver. Nao pode ser humano. HORD EDGAR: (Entra por debaixo do brago de Nicodemo) Nao pode ser humano? Mas claro que nao. Voce disse que era um cachorro. NICODEMO: Uma hora parecia um lobo, outra hora parecia mulher! Arrancou a minha perna e comegou a roer... LORD EDGAR: Pela madrugada! Nao pode ser! NICODEMO: Se no fosse de madeira ele tinha comido ela. LORD EDGAR: Nao! SHHOHSHSHSHSHSHSHSHSHSSHSHSHSHSHOHSSHOHSHSHSHSHSHHSHHSSHSHSHSHSHSSHSHHOHHSHSHOHHHOEEOOS kA, > 19 NICODEMO: Sim! Sim! Hiena desgragada! Roedor de cadaver! E todo o tempo fieava fazendo um barulhos horriveis com aquelas chupadas. Chupou até a medula dos meus ossos. Ainda tou sentindo agora. Ele t& muito perto. Cama Ge noiva, cama de erianca. Cama.da morte! La vem ela, palida vampira, os olhos de ressaca, asas de morcego ensanguentando o mar! Boca com boca pro beijo fatidico! 0 iho em mim pra me fulminar. Senti a pegonha da fada me~ donha! UVivos 14 fora. LORD EDGAR: Que foi isso? NICODEMO: S6 um lobo. LORD EDGAR: Ndo! E o Victor! O victor voltando pra me assombrar! (Vai sair) Me d& essa pistola af. Dessa vez eu pego ele! (aparece uma pele na porta) Olha 14! T4 14 ele! Dessa vez ele nao escapa. NICODEMO: (Agarrando a perna de Lora Edgar) N&o! Nao! Nao tem jeito, meu Lord! Um lamento incisivo & ouvido no vento. FORD EDGAR: Solta a minha perna. Maldita assombrag&o, vou mandar sua alma Pro inferno! (Sai) NICODEMO: N& Nao! E a Irma, Irma Vap! Uma fantasma com hAlito de cinza, sézinha, chorando na chuva! Ouvem-se tiros, sons de correria e wivos 1a fora. JANE: (Entra precipitadamente) Que que é essa gritaria? voces vio acordar os mortos! NICODEMO: £ © patrdo de novo... foi a caga. JANE: £ lobo outra vez? NICODEMO: Dessa vez ele tem certeza que é 0 Victor. JANE: 0 Victor? NICODEMO: Foi ele que disse! JANE: Entdo ndo fica af sé arregalando as botucas! vai atraés dele! Tenta ajudar pelo menos! NICODEMO: Essa & que nao. Nem pensar! Tem alguma coisa nesse descampado que chega a gelar o sangue. JANE: Seu mariquinhas. Se voce ndo vai ajudar ele, vou eu. Acho que nio foi 56 @ perna que o bicho te arrancou. A sua masculinidade, 6, ja era... pa. ‘— 20 Ela pega um revélver pendurado na parede. NICODEMO: Nao vai brincar com arma de fogo no, senhorita. Isso af é coisa de homem, viu? (Eles lutam pelo revélver JANE: Me solta! Me solta!.Sai da frente, diabo. 0 Lord Edgar tA precisando de mim. © revGlver detona e a bala atinge o quadro. 0 quadro sangra. NICODEMO: Olha s6 0 que voce fez. Me aA isso aqui. (Arranca o revolver da mao dela e sai na mesma direg&o que Lord Edgar’ JANE: (Grita para ele) Pra 14 do canal do moinho, nos prados. Do outro la- do! Do outro lado! Pega o atalho pelo jardim das cerejeiras. Corre. corre, Nicodem Corre! LADY ENID: (Entra lentamente) Cad@ Lord Rdgar? JANE: Foi passear no bosque. Ele acha que viu o Victor LADY ENID: 0 garoto ou o lobo? JANE: Os dois. Blecaute. fea. 21 Ato T. Cena 3. LORD EDGAR: Enid, querida, voce podia me dizer como que isso aconteceu? LADY ENID: A Jane e eu ficamos até tarde, ela me regalando com histérias de Mandapicos, seu passado, suas lendas etc e tal. Quando a hora ja estava bem avangada eu me preparei pra ir pra cama como de costume. Quando eu ter minei meu ritual de beleza eu fui direto pro nosso quarto conjugal e desco bri voce dormindo debaixo de um livro. Af eu me esgueirei na cama do seu lado. Mas nao consegui dormir, levantei de novo e desci. Como ainda tinha mas poucas brasas queimando eu ordenei a Jane que deixasse a luz acesa quando fosse dormir, a Jane obedeceu. Ai eu sentei nessa cadeira e comecei a ler o seu tratado sobre "Licantropia e as Dinastias Egipcias'. Estava choviscando como voce bem se lembra. Depois virou chuva de granizo. AL eu fiquei lendo e escutando o barulho do granizo batendo na janela, na porta. Bu tava naquele capitulo dos sacerdotes no Egito aperfeicoando a arte da mumificagéo até o ponto em que a princesa Pev Amri foi preservada num esta: do de animagao suspensa e foi chamada de ‘Aquela Que Dorme'... LORD EDGAR: E que um dia acordara. LADY ENID: £ isso ai! Aquela Que Dorme e Um Dia Acordaré. E como a tumba dela foi quardada por Anubis, o deus com cabeca de chacal. E que a tumba dela nunca foi achada. LORD EDGAR: £ o que se acredita geralmente. LADY ENID: Ai de repente o barulho na janela chamou minha atengdo porque © granizo j4 tinha parado mas o barulho continuou. A vidraga se estilhacou. Eu me virei. Eu estava bem aqui. Se n&o me engano eu gritei. Mas eu nao conseguia fugir! Eu nao conseguia fugir! Ele me agarrou pelo cabelo e af... Eu n§o posso continuar! Eu nao posso te contar! LORD EDGAR: Parece que voce machucou o pescogo, hein? Tem uma ferida aqui. LADY ENID: Ferida Eu tou me sentindo tao fraca. Tao mole. Como se eu tivesse perdido todo o meu sangue. LORD EDGAR: Voce nao perdeu tanto sangue assim néo. $6 tinha umas cinco go- tinhas de sangue no seu robe-de-chambre. B melhor voce dormir agora. LADY ENID: Nem pensar! Dormir nfo! Eu nunca mais vou dormir! 0 meu sono morreu! Morreu! Ele matou o meu sono. Nao tenho coragem de ficar sézinha dormindo. Ndo me deixa sézinha pelo amor de deus. Nunca mais me deixe sé- fea. 22 zinha. Porque © meu sono morreu. Meu sono morreu. (Ja fora) Quem assassi- nou o meu sono? LORD EDGAR: (Acompanhando Lady Enid até a porta) A Jane fica com voce, que rida. (Ele bota a cabega através da porta e fala com a Jane que esta fora) ‘Toma conta dela, Jane. JANE: (Voz fora) Calma, Lady Enid. Ta tudo bem. A gente chega 14. LORD EDGAR: Isso, Stimo, Jane. Entra Nicodemo pela porta do jardim. NICODEMA: A Lady est viva? LORD EDGAR: Ela est4 fraca e vai dormir muito. (Ele suspira) NICODEMO: © senhor esta suspirando. £ 0 pavor apertando 0 coragdo, s6 pode ser. LORD EDGAR: Shhh, ela pode ouvir. NICODEMO: Lord Edgar, olha sé o retrato. LORD EDGAR: Ué, isso & sangue, nao? NICODEMO: O senhor deve meditar se é ou nao. LORD EDGAR: Nao, nao. Bu gostaria mas tenho medo... NICODEMO: De que? LORD EDGAR: De contar certas coisas pra todos voces. Mas aqui nfo, nem ago- Ya... amanha. NICODEMO: 0 dia j4 esta comegando a raiar. LORD EDGAR: Eu vou ficar de pé até amanhecer. voce vai pegar a pélvora e a munigao. E por favor carrega as pistolas. NICODEMO: Quer dizer que est tudo bem com a Lady Enid. LORD EDGAR: Tudo bem, mas a cabeca ficou meio perturbada. NICODEMO: E a fraqueza, sé pode ser. LORD EDGAR: Mas por que essa fraqueza? Ela estava forte e bem faz poucas horas. Aquéla cér de saiide e juventude na bochecha. Sera possivel a pessoa definhar da noite pro dia assim? Nicodemo, senta af. Voce sabe que eu nao sou supersticioso. NICODEMO: Claro que o senhor no é. LORD EDGAR: E no entanto eu nunca fiquei tao confundido como eu estou com essas ocorréncias dessa noite. NICODEMO: E entao... eA 23 LORD EDGAR: Eu tou com uma suspeita horrorosa, de assustar mesmo, que eu nem tenho coragem de contar pra ninguem porque vao rir e debochar na minha cara. NICODEMO: Estou louco pra saber o que é. LORD EDGAR: Nicodemo, voce vai jurar que nao repete pra ninguem essa hipé- tese horrivel que eu vou sugerir, NICODEMO: Juro sim senhor. LORD EDGAR: Nicodemo, voce 34 ouviu falar naguela pavorosa superstig&o que é extremamente forte em certos paises, segundo a qual hd seres que nunca morrem? NICODEMO: Que nunca morrem? LORD EDGAR: Em outras palavras, voce j4 ouviu falar em... de um tipo de... Ah meu deus do céu! Eu nao posso dizer essa palavra que voce préprio falou no faz tres horas. Seré que eu ouso? Ser que eu ouso? NICODEMO: Vampiro? LORD EDGAR: Falou e disse. Falou e disse. Nosferato. Agora voce vai me ju- rar de novo que voce nunca vai repetir isso pra ninguem. NICODEMO: Pode ficar socegado que eu nao digo. Longe de mim querer manter acesa uma supersticao que eu preferia muito, preferia muito mesmo, refutar. LORD EDGAR: Entdo deixa eu te contar o medo pior que eu tenho, Nicodemo. NICODEMO: Pode dizer, Lord Edgar. LORD EDGAR: Eu tou achando que o vampiro... & um de nés. NICODEMO: (Faz um gemido de angiistia dos mais sofisticados) um de nés? Oh céus! Oh céus! Nao devemos.ceder logo a tal hipdtese tao pavorosa, pelo amor de deus! LORD EDGAR: Nicodemo, em quinze dias eu embarco pro Cairo; 14 eu vou orga- nizar uma expedicio a Geza e certas rufnas num{dias no sul. NICODEMO: O senhor vai levar a Lady? LORD EDGAR: Nao, eu tenho medo que no estado mental em que ela esta a via- gem seria demais. Eu vou tomar providéncias pra que ela fique num sanatério de repouso. Voce tom@ conta de Mandapicos até eu voltar. Eu acho que o de- serto egipcio guarda algum segrédo. Alguma coisa me chama pra 14. Eu hei de achar uma resposta entre as piramides e as mimias sagradas. Pelo menos lon- ge dela eu sei que eu vou estar. DPOOSSOHSHSHSHSHSSHSSSSHHSHSHSSSHHSHHSSHSHSHSSHSHSSSHSOHSSHHHSHHSSHSHSSHHCEECES Va 24 NICODEMO: Longe da Lady Enid? LORD EDGAR: Nao, longe da Lady Irma. Porque, Nicodemo, é ela que eu acho que conseguiu manter a vida se banqueteando com sangue humano. NICODEMO: Ai, nao diga, patrao! LORD EDGAR: A Irma nao suportava a idéia da morte; da decrepitide. Ela sem pre se consolava com os estudos sobre reincarnacao, espiritismo e princi- palmente mimias antigas. Com o tempo aquilo virou uma obggecdo. Até no pré prio leito de morte ela jurou que iria voltar. NICODENO: E o senhor acha que ela volta? LORD EDGAR: Ndo sei. Mas eu quase chego a desejar que sim. Seria bom tro- car umas palavras com ela. NICODEMO: Dizem que queimando uma carta’ de amor de alguem que morreu ao cantar do galo no dia de Santo Anténio que a pessoa volta e pode ser vista 86 um pouguinho. LORD EDGAR: Mais supersticao. NICODEM : E possivel. & provavel. Mas depois de uma noite dessas eu j4 nem sei mais o que 6 verdade e o qué & imaginagao. (Ouve-se cantar o galo) Tai o galo. Ja vem raiando d dia. Os espfritos danados j4 se vio pras suas camas de vermes de medo que o dia venha olhar suas vergonhas. LORD EDGAR: (Estupefato) Nicodemo, voce sabe o seu Shakespeare, hein?! NICODEMO: Uma citagaozinha néo faz mal a ninguem, (Sai) © galo canta outra vez. LORD EDGAR: E a segunda vez que o galo canta. (Tira do bolso cartas amar- xadas.com uma fita) As cartas da Irma. Claro que é ridfculo... mas que mal pode fazer? £ melhor eu me livrar delas mesmo. (Ble cita) ‘Em toda parte do mundo numa coisa eu acredito Acabar com amor velho Pro novo crescer bonito! (Ble queima as cartas. 0 galo canta. Uma cabega de mulher irrompe através do quadro.e~ grita: Irma!) Cortina. Ato IIT. Cena 1, ke Varios lugares no Egito. Ford EDGAR: Ah, o Egito, £ exatamente o que eu imaginava! Eu estou com o Pressentimento de que vamos achar a sepultura intacta no vale de Biban-el- Mollok . ALCAZAR: Que Osiris o ouga! Lord EDGAR: & certamente permitido invoca-lo diante da antiga Didspolis Magna. Mas 34 temos falhado tanto. Os cagadores de tesouros sempre chegam antes. ALCAZAR: Oltimamente o trabalho tem sido duplamente dificil com os grupos Politicos querendo parar o fluxo de antiguidades saindo do pafs. Esses ban- didos armados usamesse alto propésito moral pra se apoderarem de todo e qualquer tesouro. E isso depois que os escavadores gastaram um tempo enorme © una fortuna pra desenterrar os preciosos objetos de cuja existéncia e pa- radeiro essa gentalha & completamente ignorante. Lord EDGAR: Se apenas pudéssemos encontrar uma tuba virgem que pudésse desvendar para nés seus virgens segrédos! ALCAZAR: Eu posso lhe poupar algumas decepgées relativas a lugares vazios porque sei que seu contefido j4 foi removido e vendido por bom préco ha mui- to fempo. Acredito poder conduzi-lo a uma esfinge nunca descoberta pelas miseraveis hienazinhas que cisiham de ficar arranhando as tumbas. Lord EDGAR: A idéia me fascina. Mas para escavar uma sepultura ainda fecha- da, para ndo falar na dificuldade de localiza-la, requereria uma mio de o- bra e habilidades planejamentares quase iguais &s que os Faraés empregaram para fecha-la. ALCAZAR: Posso cologar & sua disposi¢io cem intrépidos felas (pedes) que, estimulados poffr umd oferenda e bastante chicote de couro de bifalo, cavari- am as entranhas. da terra até com as unhas, Podemos tenta-los a trazer 3 luz alguma @8finge enterrada, desobstruir um templo, abrir uma tumba... Lord EDGAR: (Sorri duvidosamente) Hmmm. ALCAZAR: Eu estou vendo que o senhor ndo 6 um mero turista e que as curio- sidades comuns n&o teriam o menor charme para o senhor. Porisso vou lhe mos- trar uma tumba que escapou aos cagadores de tesouro e de-cuja:dxisténcia | 56 eu sei. 6 um prémio que estava guardando para alg@em realmente merece- dor. | Ra- nedorel. ? ord EDGAR: E pelo qual voce vai me fazer pagar uma soma xis. ALCAZAR: Nao vou negar que eu quero ganhar dinheiro. Bu desenterro faraés para vender a quem quizer. Faraés esto ficando cada vez mais escassos. © artigo esta em demanda e nao & mais manufaturado. Lord EDGAR: Bom, nada de rodeios. Quanto voce quer? ALCAZAR: Por uma tumba que nenhuma mao humana perturbou desde que os sacer- dotes rolaram as rochas na entrada ha tres mil anos, seria demais pedir mi: guinéug 2 Lord EDGAR: Mil guinéw§ 2! ALCAZAR: Uma bagatela. Afinal de contas a tumba pode conter pepitas de ou- ro, colares de pérolas e diamantes, brincos de granada, selos de safira, antigos idolos de metais preciosos, o dinheiro da época, sé isso j4 obteriz un 6timo prego. Lord EDGAR: (aparte) Grande espertalhao! Ele sabe muito bem que tais coisas munca so encontradas em sepulcros egipcios. ALCAZAR: Muito bem, o Lorde considera a barganha conveniente? Lord EDGAR: Sim, digamos mil guin&§S.Se a sepultura nunca foi tocada e na- da, nem uma finica pedra, foi deslocada pelas alavancas dos escavadores; ¢ sob a condigao de que possamos remover o contefido todo. ALCAZAR: Fechado, eu aceito. 0 lorde pode arriscaia nota e o ouro sem medo. Parece que suas preces foram atendidas. Lord EDGAR: Talvez nos estejamos regozijando cedo ‘demais e teremos a mesma decepgao de Belzoni quando pensou que era o primeiro a entrar na tumba de Menepha Seti. Depois de passar um labirinto de corredores, cmaras e arma~ dilhas, sé encontrou um sarcéfago vazio com a tampa quebrada porque os. ca~ gadores de tesouro j4 tinham penetrado a tumba real minando as pedras por outras diregées. ALCAZAR: Ah no! Essa tunba é longe demais para que essas malditas ¥Ef AS, tenham chegado aqui. Bu vivi muitos anos no vale dos reis e meus olhos se tornaram tao penetrantes quanto os do falcio sagrado pousado no friso dos templos. Ha anos que eu nem seguer olho na dirego certa por medo de desper- tar a suspeita dos violadores de tumbas. Por aqui, meu lorde.(Zles saem)

Você também pode gostar