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NO STOPPAGE IN TRANSITO NO DIREITO BRASILEIRO Havendo notoria mudanga de estado do comprador, que requer concerdata preven- tiva, pode o vendedor sustar a entrega da mercadoria ja expedida, mas ainda em via- gem, embora o concordatario a tenha re- vendido 4 vista dos conhecimentes. (Cod. Commercial ,arts. 113 e 198, e Cod. Civil, art. 1.131, harmonizados com o art. 138 m. IV da Lei de Fallencias). ANDES NA APPELLAGAO We 14.432 DN CHPITML PELO ADVOGADO NOE AZEVEDO SECCKO DE OBRAS D'«o » 3. PAULO ESTADO DE $. PAULO 1926 Ggregia Camara Civif A QUESTAO José de Vasconcellos & Cia., negociantes de Recife, ven- deram a Cajado, Cotrim & Cia. uma partida de 30.000 kilos de algodio. Em 13 de Agosto do anno passado (Doc. de fils. 106) os compradores requereram concordata preventiva, pro- pondo pagar apenas 50 % dos seus debitos, a longo prazo. No dia 14, A. Padilha Barros, que [éra o intermediario do negocio, e que moralmente respondia perante os vendedores pelo bom exito da transaccdo, para acautelar os seus interes- ses, e como gestor dle negocios, pediu ao M. Juiz da Lt Vara, perante o qual se processava a concordata, que mandasse jcar os administradores das Décas e da Alfandega de Santos para nfo entregarem a mercadoria aos concordatarios ou a qualquer pessoa que se apresentasse com o conheci- mento endossado pela firma Cajado, Cotrim & Cia. A merca- doria ainda estava em transito, e o vapor “Portugal”, que a conduzia, s6 conseguiu atracar uma semana depois. Os ven- dedores José de Vasconcellos & Cia. ratificaram logo depois (Fls. 7) os actos praticados pelo seu gestor de negocios. Wan Sale oete apmmcecenmm No Martor & Cia tele Wane coufia a relengé seule que erant legitinos senhe tea e pawatidores do algedie cufa posse e dominio linha adquinide de Cajado, Cotrim & Cias mediante transference dos documentos representatives da merentoria Demonst ames a sen razio dos reelatantes a fls, 2b ¢ segs Mo Juiz ne deapacho de (ls. 34 6 segs., opinon pela legitimidadle da telengdin, deapreznnde as allegagies dos suppostos Cerceiros adquirentes, am a fis, 48, desis- tindo de tal reenrse a fix. 50, para interporent o de appella- Nao se conformaram elles ¢ aggrava cio tomado por termo a fis. 51. A tls. 53 ver um despacho denegando a appellage por entender o magistrado que a retengio, no caso, era medida equivalente ao arresto, ¢ que, de acedrdo com o Reg. n. 737. devia caher aggrave ¢ ‘iv. D'esse despacho ag- gravaram os reclamantes. A Egregia Camara Criminal, pelo Accordam de ls. 74, mandou receber a appellagio somente no effeite devolutivo. E foi assim que 0 caso chegou ao conhecimento da illustrada turma julgadora. » appell Sustentamos, a fls. 63-68, que se trata de medida acau- telatoria, emanada de jurisdicgio graciosa e que nao compor- ta aggravo nem appellagio, Estavamos e estamos convenci- dos d'isto, mas esta soberanamente julgado que a decisio im- pugnada é definitiva, devendo ser discutida por este recurso. Mas discutida, ha de ser necessariamente confirmada, porque estd de inteiro accérdo com os ensinamentos do direito e 08 dictames da mais estricta Justica. Examinemos as razdes dos appellantes. PREDLIMINARM Aduem de incompetente a Jistiga local Mettem fa ween o art 60, lea dy deral, e¢ favem desse testo urtiga de 6. Gu qual como a ‘gregio Supreme “Prebunat lederal, Mas ta Corte Judi 2 Paulo em sttingiie FF juvigpradencia de (io inabalaveis sie os Accordams ¢ ciaria a case respeito, como os do sentido opposto, Ey uma questi de prince dla um dos Tribunaes se funda em arguinentos ‘respeitabilissimos, Mas hinguem pode negar que nesse assumpty a justiga local tem levado, ¢ precisa levar vantagens. Ainda que nao fossem con- vincentes, a mais nfo ser, as razGes fundadas na historia do famigerado texto legal, que presuppunha a diversidade de leis substantivas entre os Estados, coisa em boa hora afastada do pacto constitucional, ainda que a verdade juridica nao estivesse com o nosso Tribunal, a sua jurisprudencia tinha que ser acatada e seguida, porque representa verdadcira me- dida de salvagio publica. Mandar que um cidadao recorra 4 justica federal para fazer valer os seus direitos, é 0 mesmo que Ihe trancar as portas da justiga. As demandas perante aquelles juizes e tribunaes federaes, (que ficaram no singu- lar) j4 se contam entre os objectos de success’o avoenga.. Depois, é preciso notar-se que a allegagao de incompe- tencia os reclamantes sé a adduziram depois do pronuncia- mento contrario da justica local. Antes disso tinham vindo Muito pressurosos ao juizo da concordata, acceitando-o como bom e capaz de Ihes fazer justica. Sé depois que viram intei- ramente desmantellada a sua demanda originatissima é que se lembraram do art. 60, letra d, da Constituigio Federal. Hio de dizer que esta materia é de ordem publica, nao podendo ser derogada pelo accordo das partes. Mas qual o motivo de ordem publica? Dizem, os que ainda pugnam pela subsistencia do esque- cido texto, que o legislador constituinte quiz evitar que as —6— influencias locaes privassem de justiga os habitantes de ou- tros Estados. Ora, aqui no caso, somos nds, os habitantes de um Estado do Norte, que acceitamos a justiga local, e nos rimos da estulta idéa dos que a suppSem capaz de nos preju- dicar, pendendo para os nossos contrarios aqui da terra. De bom grado renegamos o favor da alta justica federal, con- fiando na protec¢3o dos juizes de Sio Paulo. Nés que nao somos paulistas, admiramo-nos da inso- Jencia com que o advogado dos reclamantes trata um dos mais illustres e venerados juizes do Estado. Naturalmente entendeu que era coisa de sua casa... A RETENGAO E A DETENGAO MATERIAL DA COISA Procuram os appellantes metter a ridiculo o nosso pro- cesso de retencao. Dizem que sé péde reter quem detém materialmente a coisa e que a retencao exerce-se, mas nio se requer. JA discutimos este assumpto, ¢ suppomos que com algu- ma vantagem, pois nao demorou que apparecesse um Accor- dam unanime do Supremo Tribunal Federal, consagrando a doutrina que expendemos. Fundamentamos o pedido no art. 198 do Codigo Com- mercial : “Nao procede, porém, a obrigagao da entrega “da coisa vendida, antes de effectuado o paga- “mento do prego, si entre o acto da venda eo da “entrega, o comprador mudar notoriamente de “estado, e nao prestar fianga idonea do pagamento “nos prazos convencionados” A primeira coisa que precisavamos apurar era si a expe- digo da mercadoria e a entrega do conhecimento constituiam 0 acto da entrega de que fala o artigo transcripto. —7— Fomos ao maior dos nossos commercialistas. Encontra- mos em Carvalho de Mendonca o caso precisamente escla- ido: “O vendedor deve exercer o direito de re- “tengao antes do acto da entrega da coisa vendida, “As palavras “acto da entrega”, empregadas pelo “art. 198 do Codigo Commercial, referem-se 4 en- “trega real, ou melhor, 4 entrega ostensiva, mate~ “tial e effectiva. Assim, pois, nos casos de tradi- “gao symbolica, definidos nos ns. 2, 3 e 4 do Co- “digo Commercial, o vendedor conserva aquelle “direito, pois a mercadoria ainda nao esta entre- “gue Ora a remessa e acceitacio de factura e conhecimento estdo capituladas entre os ns. 3 e 4 do art. 200. Fomos encon- trar, decidindo hypothese precisamente igual, um Accordam da Relacgdo de Minas, ensinando que “Apezar de ter havido a tradigfo symbolica, “que tem a mesma efficacia que a effectiva quanto “aos riscos, nao péde ser impedido o direito de “retengio de mercadorias, consagrado pelo art. “198 do Codigo Commercial, e mantido pela lei “n. 859 de 16 de Agosto de 1902, art. 33. (‘“Fo- “rum”, vol. VIL, pag. 268-271). Vinha em nosso apoio o insigne Cunha Goncalves: “Diz-se real ou effectiva a tradicio quando “o comprador tem a disponibilidade physica da “coisa, ou mais claramente, tem as coisas nas “suas mos, em seu poder (Cod. Civil, art. 1569, 1* parte). Segundo Troplong, a palavra real, nao € sé opposta 4 fingida ou symbolica, mas signi- —8— “fica que a posse nao é ja duvidosa e equivoca “para com os terceiros. E’ esta a entrega propria- “mente dita, 4 qual os francezes chamam délie “vrance, para a distinguirem da tradigao virtual “ou livraison. E’ assim que a famosa Lei das Doze “Taboas, falando da coisa entregue, nao diz “res “tradita”, mas sim “res transdata”. A “transda “tio” nao se péde realisar sindo quando as partes “e a coisa estejam presentes, circumstancias que “se dispensam na tradic&o virtual (“DA COM- “PRA E VENDA”, vol. II, pag. 104). Si as partes nao estavam presentes mas bem distantes uma da outra, sendo necessatio o transporte pelo mar, ¢ bem claro que, na entrega feita por esse meio de tradi¢ao, temos a res tradita ¢ ndo a res transdata. Ha uma tradicio virtua ou symbolica, e nao entrega real, ostensiva e material. E’ ainda do mesmo escriptor portuguez este tépico: “A tradigdo diz-se virtual ou symbolica, “quando a cousa vendida nao esta presente, pot s¢ “achar em viagem, ou em poder de terceiro, ou “em armazem publico, ou, estando presente, st “faz por meio de documentos a ella referentes, ou “de uma simples contra-marca do comprador que “& 0 signal da sua propriedade. (Op. cit. pag. 107) O direito de reter mercadorias em viagem, que o vende- dor exerce em virtude da mudanga de estado do comprador, provém do instituto conhecido no direito inglez e norte ame- Ticano, pelo nome de “stoppage in transits Edward W. Spencer, no seu livro “A Manual of Com- mercial Law”, Ed. de 1920, estuda o assumpto nos §§ 866 ¢ segs. 5; he same fa them a had never felt Mee the buyer has become fe solvent OF was insolvent at the ime of the sale. ints right is said to been based upon the plain principle of natural justice, “that one man's goods should not be taken to pay another man's debt”. (Stoppage in transitu 1 in most respects analougous to ‘2 resumption of the vendor's Tien). § 867 — Who may stop. Not only a vendor strictly speaking has the right to stop the goods, but an agent who has himself paid or become responsible for the price of goods shipped to his principal, may stop them intransitu as against the principal, The matt | following conditions exist. to warrar oust ox . int the [inter is stopping the goods 1—The goods paid for; 1 : aoe, ™ust be in transit; They must be in posses: ee a third party; solvent Tust be in- must be un- ao Z gos — Retens : 5 retengao em . 1 o © direitl ae er a posse pao pago €e. fae mercadorias ema a estado sendo transportadas par com os mes ria, como si . teleem sahido de suas maos, por the chegar a noticia de que Po omprador sc tornow Inse | Conte ou ja estava_insolvente wentecasiio da venda. Este di- veito tem por fundamento om principio de_justica natural — no de que nao se deve tirar os bens de um para pagar a divi- da de outro” A retencio em transito é uma especie de vol- ta do vendedor 4 sua prim § 867 — Quem péde reter. O direito de reter nao & pri- yativo do vendedor; mas um agente aue tenha pago ou se responsabilisado pelo pagamen- to dos transportes, pade reter as mercadorias em transito pela imnortaneia. A retencio 5 A Presuppde as se- ewintes condigées : —Os bens niio ta ma: devem es- 2) —Dev. wo: em estar em tran- 3) — Dev, em un farevem estar na nosse de 4 —O com insolvente, racer deve estar ‘a ¢ quan. ° i . que mais nos interes. — 10 — The transit ends when the carrier divests himself of the possession of the goods in the capacity of carrier in favor of the buyer or his agent, by an actual or constructive delivery of the goods. The difficulty seems to lic in determining what constitutes an actual our constructive delivery to the buyer or his agent. If the goods are delivered upon a dock or platform, and the buyer or his agent is given leave to take possession, which he does, the transit is at an end and the right of stoppage is gone, even though the car- tier consents to afterward store the goods on his dock or in his depot or warehouse, as agent or baille of the buyer. Termina o transito quando o transportador abre mao com pletamente da posse da merca- doria, na sua qualidade de transportador em beneficio do comprador ou seu agente, por uma entrega effectiva ou arti- ficial (symbolica). A dilfficulda- de esta em determinar o que constitue uma entrega real ou symbolica a0 comprador ou seu agente. Sia mercadoria é en- tregue em docas ou caes, € 0 comprador ou seu agenie se apresenta para tomar posse, ¢ de facto a toma (which he does), © transito esté termina. do, desapparecendo 0 direito de retengao, ainda que o tran: portador consinta depois em guardar a mercadoria em suas décas ou armazens como agen- te ou locatario do comprador. Assim fica bem patente que exercemos a retengio antes de haver terminado o transito. O vapor ainda nao tinha atra- cao quando pedimos fossem notificados os administradores das Décas e da Alfandega, intermediarios entre o transporta- dor e destinatario, para nao entregarem a estes a carga em questo. Feito o nosso requerimento no dia 14, foi cumprida a precatoria em Santos no dia seguinte. Nas suas razées affir- mam os appellantes ser falso que o vapor no dia 14 ainda néo houvesse atracado, Si quizessemos, poderiamos offerecer certidio da Alfan- dega provando que a descarga s6 se fez nos dias 19 e seguin- tes. Mas nio precisamos de mais documentos do que os for- necidos pelos appellantes. A fls, 19 esti a copia de uma carta que elles em II de Agosto dirigiram aos seus despachantes recommendando-lhes que n’aquelle mesmo dia 11 tratassem de desembaragar a mercadoria, “Prevenimo-lhes — escreviam elles — que esse —ll— vapor atracou em Santos, pelo que pedimos o obsequio de providenciar hoje mesmo a respeito, afim de evitar cahir a mesma em armazenagem”. S6 no dia 20 foi que os despachantes responderam pelo memorandum de fls. 16, communicando que o algodao estava retido. E’ inexplicavel essa demora, a menos que se nao admitta como verdade o que affirmamos, isto é, que o vapor 6 atracou em 19; houvesse elle antes atracado e os despa- chantes, solicitos como costumam ser, teriam providenciado immediatamente sobre o desembarago, cumprindo as recom- mendagoes dos appellantes. A este respeito preceitia a legislacio ingleza: “Subject to the provisions of this act, when “the buyer of goods become insolvent, the unpaid “seller who has parted whith the possession, of “the goods has the right of stopping them in tran- “situ, that is to say, he may resume possession of “the goods as long as they are in course of transit “and may retain them until payment or tender the “price”. . E interpretando este tépico escreveu-se em Accordam de appellagao n. 3.872, no Supremo Tribunal Federal: “Em transito sao considerados em direito os “generos que se acham em viagem, fora do alcance “do comprador ou de agente seu; ou antes os que “se encontram em mios de intermediarios, entre “os vendedores que nao mais possuem, e os com- “pradores, que ainda os niéo receberam” E esta decisio foi tomada em um caso de retencéo de mercadorias que se achavam n'uma das alfandegas do Norte do Paiz. Vem o julgado na “REVISTA FORENSE”, vol. XLV, pag. 27, e sera publicado conjunctamente com o de embargos no proximo numero de Fevereiro da “REVISTA DOS TRIBUNAES”. Fica d’este modo contestada a affirmagao dos appellantes de que si existisse em nosso direito o instituto do “stoppage in transitu”, nds tinhamos usado da faculdade de reter a mer- cadoria tardiamente, quando o transito ja havia terminado. Provado, e exuberantemente, que agimos em momento opportuno, vamos mostrar tamhem que ha em nosso direito o instituto da retengio de mercadorias em transito, como 0 ha em quasi todas as legislagdes, embora sem uma regula- mentacZo especial. DO “STOPPAGE IN TRANSITU” EM NOSSO DIREITO Dispoe o art. 113 do Codigo Commercial: “Variando o carregador a consigna¢ao dos “effeitos, o conductor ou commissario de trans- “porte € obrigado a cumprir a sua ordem, rece- “bendo-a antes de feita a entrega no logar do “destino” E' o direito de contra-ordens do Carregador reconhecido por todas as legislacdes. No contracto de transporte, “o direito do destinatario é um direito sujeito a termo, porque nao péde exercel-o prati- camente emquanto nao tenha decorrido o tempo necessario para que a coisa chegue ao logar do seu destino, e subordi- nado a condicéo, porque depende da circumstancia do remet- tente nao alterar a ronsignacdo durante a viagem, o que cons- titue um acontecimento incerto e futuro que péde ou nao realisar-se” (Siburé, “COD. DE COMMERCIO ARGEN- TINO”, vol. HI pag. 271). — iv Nos seus “COMMENTARIOS AO CODIGO COM- MERCIAL PORTUGUEZ”, ensina Cunha Goncalves: “A viagem das mercadorias pode ser tambem “interrompida por contra-ordem do expedidor, “pois que este tem o direito illimitado de dispor “d'ellas em quanto tal direito nao passa ao desti- “natario. O expedidor, assim como péde retirar as “mercadorias antes de expedidas, péde tambem “fazel-as retrogradar depois de remettidas, e reti- “ral-as, suspender a viagem d’ellas, mudar o seu “destino ou destinatario, etc.” (CODIGO COMMERCIAL, voi. II pag. 430). Ea phrase do Codigo Portuguez ¢ inteiramente igual 4 nossa. Fala em variar a consignagao dos objectos em caminho. “O direito de dar contra-ordem, escreve mais adiante o professor portuguez, cuja importancia se salienta no caso de fallencia do comprador, que suscita a delicada questdo da reivindicagao da mercadoria em transito, péde ser exercido nao so pelo originario expedidor, mas tambem pelos que d'elle adquiriram a disponibilidade das coisas, ou seja pelas pessoas a quem a via foi transmittida (se era 4 ordem ou ao porta- dor), ficando estas sujeitas 4s mesmas obrigagdes do trans- mittente” No § 560 d'essa mesma obra estuda qual a natureza do direito do destinatario. Quando comega, e a que condicgées esta subordinado. Examina a theoria da cessio, sustentada na Allemanha por Goldschmidt, e defendida principalmente por Eger. Segundo esses escriptores, o direito do destinatario exigit do transportador a entrega das mercadorias seria pro- veniente de uma cessio feita pelo carregador. Opina, entretanto, o escriptor portuguez pela estipulagao em favor de terceiro. Entende que ha no contracto de trans- —-4H— porte uma convengdo entre o carregador e o transportador, em que se estipula que este se obriga a entregar a coisa ao destinatario. Mas nao intervindo este beneficiario no contra- cto, fica sempre © seu direito subordinado a vontade de quem estipulou a seu favor, isto é fica dependendo da faculdade de contra-ordem, que a lei assegura ao carregador, emquanto nao chegar o momento da exigibilidade da mercadoria no porto do destino, ou emquanto nio se realisar a condigao da entrega. O direito de contra-ordem desapparece com a entrega effectiva, ou desde o momento em que o destinatario faz uso do seu direito, exigindo a entrega da coisa, ja chegada ao porto do destino. Nao basta esta simples chegada. “E necessario que entre o destinatario e 0 “transportador se estabeleca uma relacao directa, “de sorte que este saiba que, d’ahi por diante, s6 “as ordens d'aquelle tem que obedecer. “O transportador, embora tenha enviado ao “destinatario o aviso da chegada da mercadoria, “pode ¢ deve ainda cumprir as ordens do expedi- “dor, si o destinatario nao veio entdo reclamar a “entrega, pois sé desde esta reclamagdo cessa “toda a ingerencia do expedidor, para renascer “sémente no caso de o destinatario recusar rece- “ber a coisa” (COM. AO CODIGO COMMER- CIAL, pag. 433). Tratando do direito de contra-ordem do expedidor, diz Navarrini que é um direito amplissimo que a lei, com deter- minadas cautelas, reconhece em todos os casos ao expedidor (art. 396 do Cod. Com., art. 96 ¢ art. 109 all. D) qualquer que seja a sua posicao juridica em face da mercadoria, quaes- quer que sejam as suas relagdes com o destinatario; tudo — 15 — isto, ji advertimos, escapa ao contracto de transporte em nada interessando ao transportador”. (DIRITTO COM- MERCIALE, vol. I, § 304). O que mais nos importa saber é até quando péde ser exercido esse direito. “Fino a quando il mittente potra sperimen- “tare tale suo diritto? Questo dei limiti é il punto “pia interessante. Come si disse, il trasporto ¢ un “contratto a favore di terzi, a favore del destina- “tario; dunque é questo che deve aver diritto, “nascente dal contratto a suo favore, verso il “vettore. Come si pud conciliare questo suo diritto “con quello del mittente di dar contr’ordini e¢ “quindi anche di cambiare destinatario? “Fino a qual punto prevale l'uno su Valtro? “La risposta é facile, e si desume chiaramente “dalle nostre leggi; il diritto del destinatario, se- “condo Ia intenzione dei contraenti ¢ un diritto “sottoposto a condizione ed a termine; ossia alla “condizione che il mittente non abbia dati contror- “dini inconciliabili col suo mantenimento, ed a ter- “mine, in quanto che é fissato il termine al di 1a “del quale soltanto, egli pud rendere privo di va- “Jore il diritto del mittente, in conflitto col suo. “.,..-Il termine, transcorso il quale il diritto “del destinatario pud prendere consistenza defini- “tiva, annullando il diritto del mittente, ¢ quello “in cui le cose transportate sono arrivate o avreb- “bero dovuto arrivare nel luogo di destinazione “(art. 407 do COD. COMM.). Basta allora che “intervenga un atto che ponga in rapporto giuri- “dico il destinatario col vettore, perché il diritto “del mittente cessi d’essere operativo, Ossia: basta “che il vettore consegni la lettera di vettura al “destinatario, e che questo non la rifiuti; basta “che il destinatario reclami la consegna di tal “documento o delle merci. (Op. cit. § 306). O termo, “transcorrido 0 qual” o direito do destinatario péde tomar consistencia definitiva annullando o direito de carregador, é aquelle em que as coisas transportadas chega- ram ou deviam ter chegado ao local do destino. BASTA ENTAO QUE INTERVENHA UM ACTO PONDO O DESTINATARIO EM RELAGAO JURIDICA COM O TRANSPORTADOR, PARA QUE 0 DIREITO DO EXPEDIDOR DEIXE DE TER EFFICACIA. Em outros termos: basta que o transportador entregue o conhe- cimento de transporte ao destinatario, e que este nio o recuse; basta que o destinatario RECLAME A ENTREGA de tal documento, on DAS MERCCADORIAS. Nao basta, portanto, a simples chegada ao ponto do des- tino. E’ indispensavel que venha o destinatario, nos termos do direito inglez e norte-americano, tomar posse ou receber a mercadoria. Enquanto nao se opera a tradigdo real e effectiva pelo recebimento da coisa, effectuado pelo destinatario, seus agen- tes ou prepostos, péde o vendedor ou expedidor exercer 0 direito de retengao. E’ 0 que ensina o acatadissimo Vivante, quando fala da “Tradizione delle merci spedite da una piazza ad un‘altra” ; “La specificazione, la tradizione e la verifica- “‘zione delle merci contrattate, tre atti che produ- “cono consequenze giuridiche distinte, sono di re- “gola simultanei, quando la consegna ha luogo tra “presenti. Ma nella vendita di merci spedite da “una piazza ad un’‘altra, questi atti si staccano “Tuno dal’altro e succedono in tempi e Juoghi di- “versi: la specificazione ha luogo, di regola, -We-— “quando la merce é consegnata allo speditore o al “vettore pel trasporto la verificazione ha luogo “quando la merce é giunta nei magazini del desti- “natario, la tradizione, ovverosia il transferimento “del possesso, ha luogo ora nel luogo di partenza, “ora durante il viaggio, ora nel Iuogo darrivo. “Per determinare ove abbia luogo questo tras- “ferimento, conviene tener presente che in questa “materia il diritto non aggiunge alcun clemento “proprio alla realtd delle cose, e che percid il “possesso deve entendersi trasferito solu nel luogo “e nel momento in cui la merce passa effettiva- “mente dalla disposizione dell-alienante, a quella “dell acquirente. Conseguentemente, supposto che il luogo e il tempo di questo trasferimento non “siano alterati dalla circolazione dei titoli rappre- “sentativi delle merce viaggianti, la vera dottrina “mette capo a queste due regole: a) “La tradizione avviene nell’atto stesso “della spedizione quando lo spedizioniere, il vettore “o il capitano nel ricevere la merce rappresentino destinatario e ne eseguiscano gli ordini, La tra- dizione é perfetta anche quando questi si sia “riservato la facolta di riscontrare il peso o la “qualita della merce dopo l’arrivo. b) “Tolti questi casi, fs tradizione, iniziata alla “partenza, non si compie che all’arrivo, quando la “merce é realmente in potere del destinata “Molti scrittori ebbero il torto di attribuire “all’atto con cui si fa la spedizione della merce la “virt di trasmetterne il possesso all’acquirente, “quasi ché costui acquistasse col spedizione il di- “ritto di disporne. Ma é facile dimostrarne ]’errore, “Per giustificare questa dottrina essi considera- “rono il vettore o il capitano come rappresentanti — 18 — “legali del destinatario, incaricati d’'apprendere il “possesso della merce per conto suo. MA PER “CONVINCERSI CHE QUESTA RAPPRE- “SENTANZA NON HA ALCUN FUNDAMEN- “TO, BASTA RICORDARE LE NUMEROSE “DISPOSIZIONI DELLA LEGGE CHE LI “SOTTOMETTONO RIGOROSAMENTE DU- “RANTE IL VIAGGIO AGLI ORDINI DELLO “SPEDITORE. ATTRIBUIRE AL DESTINA- “TARIO IL POSSE DELLE MERCI VIAG- “GIANTI, MENTRE CHI LE HA SPEDITE “pUdQ MEDIANTE NUOVE INSTRUZIONE “AL VETTORE OD AL CAPITANO FARLE “SCARICARE, PUO FARLE RITROCCEDERE, UO MUTARNE IL DESTINO A SUO PIA- “CERE, R UNA VERA IRONIA. “Non si pud raggionevolmente attribuire al “yettore o al capitano Vintenzione di tenere la “merce per conto del destinatario anche perché “essi non hanno con lui solitamente alcuna rela- “zione fari, alcun diritto, aleun obbligo, finché “dura il viaggio, e fondano tutta la lora fiducia “personale per la riscossione del prezzo di tra- “aporto sopra le speditore. “Quella spiegazione poteva avere un fonds “uento acta realta quando il trasporto era com- “yuite da carrettier! e da capitani di navi a vela, che vy wo in continui rapporti d'affari coi loro ienti; ma collattnale ordinamento dei trasporti “Joroviad maritimi che costituiscono una indus- “{yin autunoma e internazionale, non si pud certo “tomlare una seria presunzione giuridica sulle re- “lazione petsonali del vettore col destinatario”. COURATENTO DL DIRITO COMMERCIA- LE” vol TIL, §§ 319 e 320, pag. 109 e segs. da 4° Ed.). Alids esta ja era a ligdo dos antigos tratadistas italianos, como ensina Vidari. A tradigio consistente na expedigio da mercadoria, é uma tradigdo symbolica. “La tradizione ¢ reale ed effettiva, quando il “compratore ottiene ed ha fa fisica disponibilita “della merce. “EB simbolica o virtuale, quando egli, per “mezzo dell'uno o dellaltro di quei documenti, “di cui diremo pit sotto potra averne poi anche “la disponibilita fisica. “......] documenti per mezzo dei quali, pit di “solito, si effettiva la tradizione simbolica o vir- “tuale, sono la lettera di vettura e la polizza di “carico; vale a dire, quei titoli che, principalmente, “servono ai trasporti terrestri e maritime delle “merci, ed a cui si suole anche aggiungere la “fattura delle merci vendute e comparate”. “(“CORSO DI DIRITTO COMMERCIALE” 2* ed. — 1883 — §§ 2.033 e 2.035). E que essa tradigio symbolica, operada pela expedigio e documentos, nao impede que o carregador dé contra ordem ao transportador é reconhecido pelo grande professor da Uni- versidade de Pavia, em o n. 2.224 da mesma obra. “Dicevano di sopra che il mittente ha il diritto “di retirare le merci consegnate al vettore per il “transporto o di modificare le condizioni del con- “tratto, allor ché quelle non siano ancora state “messe in cammino per il trasporto. Qui vogliamo. “invece dire del caso che il contrordine del mit- “tente sia communicato al vettore quando gia le “merci si trovano in viaggio. “Poiché, tranne patto contrario, s’intende che “le merci viaggino per conto del mittente; é natu- “rale che egli, 0 chi ha causa da lui, possa disporne, “pur durante il cammino o per sospendere il tra- “sporto, o per richiamarle a sé o perché sieno “consegnate ad un destinatario diverso da quello “indicato nella Jettera di vettura, o per qualsivo- “glia altro scopo; ed é pur naturale che il vettore “debba obbedire agli ordine del mittente” Fica assim demonstrado, com a ligdo dos mestres mais acatados, que a expedicdo nao é tradic4o real que impega a retencdo. O direito de dar contra-ordem emquanto a merca- doria nao chega ao porto do destino ou emquanto nao é effectivamente entregue n’esse porto ao destinatario ou seus agentes, demonstra, com toda a evidencia, que por meio de contra-ordens ou de stoppage in transitu, pode o vendedor exercitar 0 seu direito de retengdo. A affirmacio dos appel- lantes fundados na autoridade do querido mestre Dr. Steidel e do acatado commercialista Dr. Paulo de Lacerda, de que 86 se pode reter aquillo que se detém physicamente, aquillo que o vendedor tem nas maos ou nos seus armazens, tal aflir- macio indica uma concepgo juridica demasiado simplicista. Seria restringir demais a accdo do homem, limitar a sua livre disposigdo somente as coisas que elle tem sob sua acgao directa. A complicagéo da vida social ¢ a construcgio das regras juridicas, ampliam extraordinariamente a accdo humana, dando ao individuo um poder de dominagao sobre coisas distantes, muito maior e mais effectivo do que 0 poder que tinham os homens primitivos sobre as suas armas, primeiros ubjectos sobre que se manifestou o direito de propriedade, —21— Bonelli discute si ha no caso retengSo ou reivindicacao. A venda considera-se perfeita e acabada, desde o mo- mento em que as partes manifestam o motuo consensu so- bre a coisa e quanto ao prego. . Desde esse momento teria passado a dominio pata o comprador, vindo difficultar a reivindicagéo, — porque o vendedor jé néo tem mais o dominio. Mas pouco nos im- porta saber si ha, nesses casos, uma reivindicagdo sui gene- ris ou simples retengo de coisa ja alheiada até que o adqui- rente pague o prego ou offereca garantia de pagamento. O que sabemos é que todas as legislagdes dao ao vendedor o direito de sustar a entrega quando, pela insolvencia do com- prador, veja em perigo o seu direito, pela impossibilidade da contra-prestacao, “Fino a che il contratto di vendita non sor- “geva pel compratore nessun diritto reale sulla “cosa prima della tradizione, le leggi non si oc- “cuparono di assicurare nelle vendite a distanza, “il diritto del venditore de impedire la consegna “delle cose in spedi. ione al compratore moroso; “esso era conseguenga naturale del diritto di “proprieta ancora inerente al venditore. Della “merce spedita il venditore non demeteva il pos- “sesso giuridico nemmeno fa dettenzione, fin- “ché il destinatario non aveva ricebuto, (v. lata- “mente Goldschmidt, Handlser, § 66). D’altronde “verso il fallimento del compratore era sufficiente “difesa la nullita della consegna fatta al decocti- “oni proximus, “TE questo era il caso, prima della co- “dificazione napoleonica, per tutte le legislazio- “ni, all'infuori della ingleze; la quale fa percio “Ja prima a preocuparsi di questa situazione; ed «2 apunto nel dititto consuetudinario inglese, che ‘GL cosi dette right of stoppage in transitu ebbe “origine. Poi una simile disposizione fu consa- “grata nel Cod. di commercio francese, a princi- “pio del seccolo (art. 577), e di li pass0 alle altre “Yegislazioni comprese quelle in cui la tradizone “continud ad essere estremo essenziale per il “Craspasse di proprieta, poiché anche in esse si “era introdotto di buonn’ora, per le ezigenze di “commercio, il principio, pure di diritto consue- “tudinario, che equivalesse a gli effetti della tra- “dizione reale, una tradizione simbolica, (specie “merce la trasmissione della polizza) ¢ il fatto “stesso della spedizione”’ (“COMMENTARIO “AL COD. DI COMMERCIO”, Vol. VUL, § 6722. ‘pag. 538). Assim vernos que, mesmo nos paizes em que a tradigao symbolica tem os Mesmos effeitos da tradigao real, quer s¢ conhecimentos ou pelo simples facto da faga por meio de nple ao vendedor privado do direito de reter expedigio, nao fic a mercadoria em transito. Entendem os appellantes que uma vez que @ mercado- tia tenha sido revendida sem fraude (o que nao se da no caso, j4 nao é mais possivel falar-se em retengio, porque a lei de fallencias no seu art. 138, n. IV, — prohibe a reivindi- cagao. Qs nossus commercialistas ainda nao interpretaram con- venientemente esse texto legal. O professor Spencer Vam- pré escreve, 4 pag. 399 do IIT vol. do seu “TRATADO ELE- MENTAR DE DIREITO COMMERCIAI.”: —23— “Desde o momento da expedigéo, nao tem “mais o vendedor a coisa sob o seu poder, e por- “tanto nao péde retel-a”. “Mas afim de garantil-o, permitte-lhe ‘a lei “reivindical-a, emquanto nao chegar ao poder do “fallido, seu agente ou mandatario, salvo si o fal- “lido, antes da fallencia, a revendera, sem fraude, “4 vista das facturas ou conhecimentos de trans- “portes, entregues, ou remettidos pelo vendedor.” Em nota 4 1.8 alinea deste tépico, pde o escriptor esta Tesalva: “Salvo si puder, em tempo util, ordenar o re- “gresso da mercadoria expedida” (Cod. Com. art. “113).” De modo que o seu pensamento é este: “Desde o momento da expedicgéo, nao tem “mais o vendedor a coisa sob o seu poder, e, “portanto, nao péde retel-a, salvo si puder, em “tempo util, ordenar o regresso da mercadoria “expedida, nos termos do art. 113 do Codigo Com- “mercial.” Quer dizer, em resumo, que podendo o vendedor dar contra-ordens ao transportador, pode tambem reter, porque & contra- ordem cquivale 4 retencio: é o stoppage in tran- situ, consagrado pelo nosso direito. A prohibicéo de reivindicar, contida no art. 138 n. IV dz Lei n. 2.024, nado impede que se exerga o direito de re- tengo. Sao muito diversas as hypotheses em que se péde ma- nifestar a reivindicagéo de que fala esse texto, d’aquellas em que tem lugar o direito de retengao. E’ o que vamos examinar, tratando de estabelecer a) QUAES OS CONHECIMENTOS REPRESENTATIVOS DA MERCADORIA, CUJA TRANSFERENCIA EQUI- VALE A’ TRADICGAO DA PROPRIA COISA. Pensam os appellantes que, ao receberem o conhed- mento, receberam a propria mercadoria, Entendem que esse documento representa a propria carga; que a posse d'elle equivale 4 posse do algodio. Dao a esse papel a mesma funcgiio de uma letra de cambio. Equiparam-n’o a um titulo de ercdito representando obrigac’o antonoma. Julgam-se na mesma posigio do legitimo portador de uma cambial. Em direito constituendo é bem possivel que um dia ainda isso venha a acontecer. Ja o velho Silva Lisboa no seu “Direito Mercantil” assignalava a tendencia do direito ma- ritimo para transformar o conhecimento em verdadeira le- tra de cambio dos mares. Em excellente monographia sobre “I TITOLI DI TRADIZIONE NEL COMMERCIO MA- RITIMO INTERNAZONALE” Sghegi estuda a marcha evolutiva desse instituto de direito, mostrando que a tenden- cia é para a unificagdo das legislagdes dando ao conheci- mento a autonomia, liquidez e certeza de uma cambial. Mas é 0 mesmo autor quem reconhece que, apezar' dos esforgos de varias conferencias internacionaes, como as de Antuer- pia e Bruxellas, as regras de Haya, tomadas na reuniao de 1922, ainda nio satisfizeram esse desideratum. A razio de ser da resistencia tem facillima comprehensio. Si o liquidez, certeza € autonomia das obrigagées dos conhecimentos fa- cilitam extraordinariamente o commercio, permittindo a cir- culagio das mercadorias, trazem, todavia, gravissimas res- ponsabilidades para as companhia de navegagio. Terao de desapparecer desses documentos as cautelosas resalvas fei- tas pelos transportadores. Emittindo elles um documento representativo de obriga- ¢Go liquida e¢ certa de entregar mercadoria verificada, com peso, qualidade e valor especificados, nio poderdo mais ins- be srever nos conhecimentos as clausulas eurematicas — “‘que diz ser” € outras como a que é usada pela Companhia Na- tional de Navegacao Costeira, a transportadora do nosso algodio, em cujos conhecimentos vem a resalva: “Ignora-se 9 contetido, peso, medida e valor”. Documentos desta ordem s6 por euphemismo e muita vontade de progredir podem ser emparelhados com as letras Je cambio. Ja citamos a observagio de Cunha Goncalves sobre o assumpto, Elle, como todos os juristas, reconhece que a tvolugio do direito se faz no sentido de equiparar o conhe- simento 2 um titulo de credito. “Todavia, pondera elle, nao se deve consi- “derar o conhecimento um verdadeiro titulo de “credito, dando ao seu portador o direito literal “e autonomo de exigir a prestacio nelle mencio- “nada, podendo ser-lhe oppostos os vicios inheren- “tes a literalidade do titulo, e nfo os vicios e di- “reitos concernentes aos credores anteriores, se- “gundo a inexacta doutrina de Pipia. “Si assim fosse, nem o transportador podia “recusar a entrega das mercadorias, equivalentes “4s importancias dos fretes em divida, nem “vendedor poderia reivindicar a mereadoria cm “viagem, no caso de fallencia do comprador, nem “os credores fazer suspender a viagem em caso “de fallencia do vendedor.” (“DA COMPRA E “VENDA” pag. 190”). Tem o sabor da antiguidade, e a concisio imponente dos reinicolas, e o ensinamento do visconde de Cayri: “Por constante uso do commercio. fundado “sobre a necessidade de se favorecer 2 rapidey —2eg-— “da circulagdo, 0 conhecimento he hum papel ne- “gociavel, bem como a letra de cambio, com le. “gitimos endossos ‘do verdadeiro proprietario, “remettente ou consignatario, ou por acto sep. “ado feito perante tabelliao, ou por escripto pn- “yado; ficando, desde logo a carregacao, desde 0 “instante do transporte por conta e a risco do “cessionario; contanto que a cessio nao seja fe “ta por méra tradicao simulada, e dentro de trinta “dias da quebra do vendedor cedente, ou endos- “Sante, “He, porém, muito de advertir, que seme- “thantes cessdes, ou endossos de conhecimentos “s6 dio ao cessionario uma acgao directa para a “entrega da carregacao; “MAS NAO IMPORTAM HUMA TRADI- “DIGAO REAL E EFFECTIVA, NEM PRE: “JUDICAM AO PRIVILEGIO DO VENDE- “DOR PRIMITIVO, NAO PAGO DO PREQO “nem ao privilegio do que deu dinheiro a isto “sobre a carregagao, que lhe fica hypothecada “para seu embolso, nem aos direitos da mass¢ “dos credores, fallinda o cedente, dentro dos “trinta dias da cessdo, porque se presumem iti- “tos de malicia.” “DO CONTRARIO OS FALLIDOS DE “MA’ FE’ TERIAM MEIO FACIL DE ILLUDIR “AS SUAS OBRIGAGOES (L. III, T. XCI,§2¢ “Lei de 13 de novembro de 1756). (“DIREITO “MERCANTIL”, Ed. de Candido Mendes, vl. “II, pag. 672”). \inda nio estamos tratando da fraude havida na tran- suceio dos appellantes com os concordatarios, Mas desde ja convém notar que o negocio foi entabolado entre elles no dia 11 € concluido no dia 13, data em que os pretensos com- oradores assignaram as duplicatas, como se vé da carta de ils, 18. Deixamos para depois o exame d’alma dos appellantes. Tratamos agora sémente de estabelecer como postulado que a tradicio symbolica operada pela transferencia do co- ahecimento nao impede que o vendedor faca valer os seus direitos no caso de quebra ou de insolvencia do comprador. 4 autonomia dos conhecimentos é ainda muito relativa, e difficilmente se realisara a aspiragao dos juristas e commer- ciantes que pretendem equiparar esses documentos a papeis ile credito. Isto tratando dos conhecimentos de um modo geral, sem distinguir entre as suas tres diversas modalidades. Com effeito; os conhecimentos pédem ser nominativos, 4 ordem e ao portador. Estas duas ultimas especies sio as que mais se approximam dos titulos de credito de natureza cambiaria. O conhecimento nominativo é um titulo commum, cuja trans- ferencia estd sujeita 4 regra do art. 121 do Cod. Commercial, isto é, sujeita-se As formalidades do direito civil. E’ o que muito claramente se deduz do art. 587, 2. ali- nea do Codigo Commercial, assim redigido : “O conhecimento feito em forma regular “tem forga e é accionavel como escriptura pu- “blica. “Sendo passado A’ ORDEM, é transferivel “e negociavel por via de endosso.” Donde, 2 contrario senso, ensina Silva Costa que “si_o conhecimento é passado 4 pessoa de- “terminada, a transferencia da sua propriedade “ou posse faz-se pelos mcios ordinarios, servata — 28 — “juris forma — Codigo Commercial, art, 121, Lei “n. 79 de 26 de Agosto de 1892, arts. 2 e 3.” “(DIREITO COMMERCIAL MARITIMO”, “§ 365)”. De accérdo com os arts. 2 e 3 dessa lei, a cessio dos conhecimentos, subordinando-se 4 regra das obrigagdes con- trahidas por instrumento particular, deveria ser feita me- diante assignatura do cedente ¢ de duas testemunhas. S6 valeria contra tercciros desde 2 data do reconhecimento da firma, do registro ou da apresentagfio em juizo ou reparti- gées publicas. Veio depois 0 dec. n. 973 que criou o Registro de Ins- trumentos Particulares, derogando o art. 3.° quanto ao va lor do reconhecimento de firma, ¢ tornando obrigatorio 0 registro dos documentos para que possam valer erga omnes. © art. 2° da lei n. 79 foi mantido pelo art. 135 do Codigo Civil que exige a assignatura da parte e a subscripgio de duas testemunhas, | Os appellantes commetteram gravissima falta nao exhi- bindo, até agora, o conhecimento de que se dizem portadores- Mas, em muitas passagens dos autos, dizem que s€ trata de 4m conhecimento nominativo. E’ o que se vé, por exemplo, 4 fls. 97, onde elles dizem que a mercadoria “‘viajava cons gnada 4 pessoa determinada ¢ mediante CONHECIMENTO NOMINALMENTE PASSADO EM SEU FAVOR”. Diante desta declaragio, nfio podemos duvidar: Trata- #e, evidentemente, de conhecimento nominativo, ‘Ta, portanto, um documento que nfo pedia ser trans- fetido por endosso, e cuja cessio devia se fazer com as for- matidades de uma obrigagao civil, e que nao teria effeito diverso desta cessio. Si fossem os reclamantes legitimos cessionarios da obri- gacdo contida nesse documento, que a¢¢ao teriam, e contra quem poderiam exercital-a? —2— Poderiam exigir do transportador a entrega da merca- doria, si antes nao tivesse elle recebido contra ordem do carregador. Dada contra-ordem por meio da notificagio que fizemos aos administradores da Alfandega e das Docas, in- termediatios entre o transportador ¢ os destinatarios, fica- ram estes com 0 unico e exclusivo direito resultante do con- tracto que os liga ao carregador. Assim, os Ppretensos ter- ceiros adquirentes, portadores do conhecimento, ja niio po- dcriam mais accionar o transportador para obter a entrega do algodao. S6 thes restava accionar os cedentes, para que estes cumprissem a sua obrigacio. N. Barros & Cin. teriam contra Cajado Cotrim & Cia., SO” A ACGAO EX EMPTO; © estes moveriam igual processo contra os vendedores, que sustaram a entrega. E’ esta a cadeia logis entre todos os interessados, Parelham nesta questio, a das obrigagées nos dois contractos que se em- Em virtude do contracto de transporte, onde h: estipulago a favor de terceir: deria este, fosse Cajado, Cot: legitimo cessionario, exigir cois: uma ‘08, isto &, do destinatario, po- tim & Cia., ou N. Barros, seu do transportador a entrega da Mas esse direito cessou desde 0 momento da contra- ordem. Por effeito desta, o transportador ficou desligado de qualquer obrigacdo para com o destinatario. Quanto a este, desappareceu completamente o contracto de trans- Porte, Sé resta aos appellantes exigirem que Cajado, Co- trim & Cia, cumpram a sua Prestagcéo constante do con- tracto de compra ¢ venda, ficando a Cajado Cotrim salva a aegio contra os vendedores que impediram a entrega. © conhecimento deixou de ter qualquer funcgio e de ser accionavel, desde 0 momento da contra-ordem. S6 exis- tem actualmente dois contractos de compra ¢ venda a serem liquidados. O dos appellantes com Cajado, Cotrim & Cia. e 0 de Cajado Cotrim commnosco, dos absurdos a pretensko vr ise. root cxigit de Jose de Vasconcelos & Cia, dos appellantes vindo exigi

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