Umas cartas de amor e revolucao Bom dia Nega, ivi aqui quem te escreves ¢ 0 Negu. TO te esereviando esta mi alcangar antes mesmo de mim (pelo menos é 0 que espero e matuto aqui no pensamento que tens o destino de ti clandestino), a custa de dois motivos importantes. O primeiro tu ja deve de ter consentimento. E isso mesmo que estais a imaginar neste teu intimo aflorado e bem conhecedor das regras do amor. & que bateu uma imensa e desmedida sordade de ti. O outro motivo é porque eu nao poderia ficar parado vendo toda esta multiddo de todos os tipos de gente nas ruas, ficar acomodado naquela cabana a esperar dias melhores. Ademai s, tu no meio da multiddo sorta é um perigo. Eu ti conhego bem e sei do que é capaz. Tenho medo do que possa fazer. Ainda mais que tu nesses iltimos tempos andou lendo muitas poesias. Hoje, ja faz dois dias que saiste de casa. Saiu sé pra comprar alguns tumates e um punhado de farinha pro armogo e, s6 agora me manda um bilhete dizendo “vemprarua, vé se traz uma diizia de flores brancas e um litro de vinagre, assinado, tua Nega”. Eu sem nada saber, liguei © radio para ouvir as noticias do que estava a se suceder e, nao deu outra. $6 ai comecei a entender o porqué de tua auséncia. J4 t6 aqui, meio ao povo. Feliz viu em ver todos na rua. As cores diversas enfeitam minhas pupilas quase inerédula: Em minhas mios trago o que me pediu o vinagre e uma dizia de flores brancas. $6 te peo que fique tranquila, pois, deixei a cadela jurema ¢ as crias todas bem resguardadas, molhei as prantas ¢ tranquei a porta ¢ a janela de nosso recito direitinho igual tu gosta. Ando a perguntar por ti. Recebo noticias vagas que esta meio a multidio. A tinica coisa que sei é que tu t4 toda embrulhada em uma bandeira do Brasil. Mesmo assim, sinto 0 teu cheiro e vou te encontrar sem demora. Te trago boas novas, este grito de dor, deu no radio, que jé chegou a se espalhar por todo 0 “prasilzio” de meu Deus. Até mesmo no exterior ja nos dio as mios a gritar junto com nés outros brasileiros e povos diversos. Além do vinagre e das flores brancas, tomei a liberdade de levar meu coragdo sem cessar € sem cansar batucando em esperangas.Espero logo-logo te encontrar meio aos nossos irmios. Vé se te protege das balas de borracha io a nos dar € dos lacrimogéneos que esses nossos outros irmaos, por instante abastardos, « como consolo neste momento de softimento por dias melhores e, que também servirao para eles as conquistas aqui alcancadas. Um cheiro em teu cangonte. Aqui é teu Negu que muito tem orgulho de Boa tarde Nega, aqui é 0 teu Negu de novo. Té meio preocupado. Nem pergunte 0 porqué de minha preocupagdo. Tenho Ansia em te encontrar meio ao povo revoluciondrio. Mas, até agora nada de te ver. Sabes muito bem que tenho citimes exagerado de ti, a custa do nosso amor de longas datas. Mesmo assim, meio a esse mudarél de gente, pode ter algum cabra ja de olho em tu. Agorinha a pouco perguntei pra um mogo que ia passando rente a mim, que tempo era esse. Tenho em mim que ele nao entendeu nédica de nada. Pois, virou pra mim com um semblante feio e respondeu, aparentando esta com raiva ou despeito (nao sei bem ao certo) e, disse “é tempo de revolugdo meu chapa. Tempo de mudanca. Esse pais tava dormindo em um sono profundo e agora acordou. O gigante acordou!!”. Suas palavras vibraram em meus ouvidos, assustando as borboletas. E olha que eu sé queria era saber que hora era aquela ja. No céu 0 sol esta pendendo numa quentura desmedida, até parece que ele est4 com raiva também. As minhas pernas? Essas nem se fala. Doloridinhas todas. Penso que é por causa da mA circulago do sangue. Também quanto tempo sem dar uma caminhada de pelo menos 200 metros? E, s6 hoje jé elas ja andaram quase por uma vida inteira, Mas, sei que é preciso continuar a caminhada, E pelo bem de nosso pais ¢ o teu também é claro! Talver tu tenha reccbido a outra missiva que te envici pela manha. $6 estranhei tu nao ter respondido nada. Nem um bilhetinho se quer para teu Negu confortar esse coragiio ansioso e agora revolucionario. Quem sabe ainda nao te aleangou as letras que te enviei pela manha? Assim mesmo nfo queria arriscar. Por isso estou te enviando esta outra. A tarde ta caindo de pressa. Agora mesmo teve um cabra que me disse a hora. Esse bem entendeu a minha pergunta a respeito do tempo. Por isso tinha eu estranhado o sol. Ja é mais de trés e meia da tarde. O litro de vinagre que me pediu jé est4 pela metade. Tive que dar um pouco para algumas indo. As flor s nao. Ainda estio intactas. Sao sé tuas. pessoas que estavam preciAcho lindo est4 cantoria toda... #vemprarua #vemprarua VEM!!! Meu coragdo esperangoso vai pisando o chao a cada passo dado. Caminhar s6 com as pernas 6 pouco para mim agora. f preciso caminha também com o coragio cheio de esperanga. Antes do cair da noite espero te encontrar pra juntos nés caminhamos juntinhos neste momento histérico. Um cheiro de teu Negu que é doido varrido por tie pelo teu chamego. Boa noite Nega, aqui é teu Negu. Vou logo te dizer que no t6 nada feliz. Até estive antes de te enviar esta missiva. A questo ¢ que esté ¢ a terceira que te envio s6 hoje. Acabo pensando que tu no reeebeu nenhuma das anteriores, pelo menos para servir de consolo a mim mesmo. Agora se tu recebeu e nao me enviou nem um bilhete, tem algo de errado entre nés. O certo é que o tempo passou e a minha preocupacio s6 faz é aumentar. TO preocupado, sem noticias tuas. Olhando aqui o tempo, vejo que a noite j4 despencou e, nada de eu te encontrar até agora. A tinica referéncia que tenho de ti, além de teu cheiro que cu vou sentir a distancias, é que tu est toda enrolada com uma imensa bandeira do Brasil sem o lema positivista na faixa branca “Ordem e Progresso”. Tudo aqui meio a multidao esta lindo. Mas, c4 entre nés, estou estranhando estes homens com umas mascaras brancas na cara. Faz parte 6? Eu prefiro ver todos com a cara A amostra. Cada frase hilariante e, olha que eu nem ‘Nega, estou a sorri muito é das frases nos cartazi trouxe o meu cartaz. Agora entendi que nao é s6 pelos RS 0,20 (centavos), que 0 povo veio pra rua. £ por muito mais que isso. 0 que também td gostando de ver so as pessoas no alto dos prédios, ou mesmo nas casas, cada qual com bandeira e lengéis brancos, postos nas portas e janelas. Os aplausos? Estes so muitos. Ainda conservo comigo a diizia de flores brancas que me pediu no bilhete. Porém, imploro que nao fique com raiva de mim a custa do litro de vinagre. Pois, este jé foi esvaziado devido a caréncia ¢ a urgéncia. Levo o litro vazio s6 para te comprovar que no estou a mentir. Do jeito que tu é arretada, se cu cogito jogar este litro vazio de vinagre no lixo antes de tu ver, 6 bem capaz de dizer que eu estava mentindo e, que néo trouxe nadica de nada de vinagre. Fique sossegada, a0 menos ele serviu para outras pessoas necessitadas ¢ foi usado a custa de boa causSe de tempo e tu me enviar algum bilhete antes de te encontrar, faga-me o obséquio de responder, caso tu saiba, o que é ser pacifico meio a isto tudo? Ser pacifico depois de tudo o que aconteceu faz parte do processo? E porque cles nfo foram pacificos antes mesmo de comenter as suas transgressdes? Desejo nao te escrever mais nem uma carta por hoje. Além das pernas doloridas, agora os dedos também ja querem calejar de tanto te escrever. O que eu quero mesmo ¢ logo te encontrar. Te dar um longo abrago. Sentir teu cheiro bom. Entilo, até breve minha Nega, uma bicota de teu Negu. Bom dia Nega, jé bem deve saber que aqui tem t4 a escrever é o teu Negu. J4 nem atrevo a chamar mais o que estou sentindo neste momento de raiva ou mesmo preocupagio, isso a custa de tua auséncia e caladez. Neste instante, somado, la se vao trés dias longos dias sem te ver. £ inominavel este sentimento passadico, ou sei 14 o qué. Nem ao menos sei se é de fato um sentimento. Com esta quentura de sol que deu nesta manh@, ferve junto o meu pensar. J4 no sinto mais as pernas. Para escrever esta missiva, que é a quarta, os dedos esto quase a desfalecer. E sé estou a fazer, porque é a diltima de fato que te mando. Seu eu nao te encontrar desta ver, vou as delegacias ver se te encontrar por lé. Caso, nao te acho, irei aos necrotérios (cruz credo). 0 sol faz meus olhos fumegar, na Ansia de te ver o mais breviar de momento. J4 penso aqui com minha cachola, que a cadela jurema ¢ as nossas crias todas deve de té sentindo nossa falta. Lembra tu que nés nunca demoramos tanto fora de nosso recinto. Que 6 humilde, mas, é nosso. E lembra, que nem foi preciso nés precisar deste programa “Minha casa, minha vida”, Ainda bem, porque o nosso casebre 6 do nosso programa “nossa casa, nossa vida”, que nés conseguimos a custa destas invasdes de meu Deus. To logo te avisando antes que tu inventa uma zanga, as flores murcharam todas. Algumas até J perderam suas pétalas. Deve de ter caido no desespero na hora das correrias em que vinham aquelas bombas de enfeito moral. Jé o litro de vinagre vazio cu o deixei em uma dessas ruas ai quaisquer e, que tem um estranho nome de um desses personagens da histéria deste pats tio desigual. ‘Agora a pouco uma bala, que dizem que é de burracha, passou zunindo no pé de meu ouvido,mas atingiu um companheiro que vinha rente sangria sem fim. Tenho horror a sangue como tu bem sabe. Por isso, no fiquei para mim. Tu precisava de ter visto, uma comprovar a veracidade da bala, se era mesmo de burracha ou nao. Agora sim... vou te dar um cheiro daqueles.A madrugado foi de puro terror e frio. Muito lacrimogéneo... muita pimenta... muitas bombas que tem esse nome engragado que te falei agora a pouco... “efeito moral”. Espero em Deus pai que nada tenha ocorrido com tu. Sendo a coisa nfo vai prestar nao. Se ti ruim, vai ficar é pior. Minha Nega, o teu Negu nfo té bem nfo com sordade de tu. Tenho pra mim que estamos perto um do outro. Pois, posso sentir o teu cheiro de azeite de babacu com alecrim. Acho que 16 até te enxergando. Nem acredito que tu veio pra revolugio naquela saia que eu tanto amo te ver trajando. E nao é que é tu mesmo nega. TA linda enrolada nesta bandeira verde e amarelo, Que linda que tu ta nega. Tao revolucionéria. Sintese biogrdfica: Airton Souza 6 poeta, professor ¢ autor de alguns livros de poesias e, tem participacio em mais de 55 antologias literdrias. £ ainda membro da ALSSP — Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense, com sede em Maraba. Atualmente ¢ cronista na revista Foco Carajés no Jornal Opinio. J4 venceu alguns prémios literdrios. Publicou “Rua Displicente” e “Face dos Disfarces” pela Literacidade.