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neanocesee teontsomamabuaninseasewnaaccinnacasne ES DE LEITURA NOTA RICARDO CRISTOFARO nm A tecnologia na arte: da fotografia a realidade virtual de Edmond Couchot ura REVISTAPORTO ARTE. PORTO ALEGRE,N2I. I, JULNOV 2004 Podemos constatar que na iiltima década, um nimero significative de publicagdes disponibilizadas no mercado editorial brasileiro vers procurando abordar © crescente relacionamento entre o desenvolvimento tecnolégico e a pratica artistica. Estes estudos contribuem para adensar o debate e aprofundar uma ampla reflexéo sobre as mutacdes provocadas pelas novas tecnologias no processo de producio, reproducio e difuséo de ‘obras de arte. No livro A tecnologia na arte: da fotografia & realidade virtual de Edmond Couchot, lancado no Brasil em 2003, temos a oportunidade de uma leitura bastante singular deste assunto, centrada em uma andlise do proceso de autoratizacao das técnicas de produgio imagética desde 0 surgimento da perspectiva de projecio central renascentista até 0 advento e consolidagao da tecnologia numérica. Edmond Couchot é artista plastico, pioneiro no trabalho com tecnologias numéricas € professor emérito na Universidade Paris 8. J4 publicou mals de setenta artigos e dois livros sobre as relagées entre arte e tecnologia e, apesar de sua importincia como teérico de reconhecida trajetéria internacional, possuia apenas dois textos publicados no Brasil: “Da representacéo a simulagio” (in Imogem Méquina, PARENTE:1993) € "A arte pode ainda ser um relégio que adianta?" (in A arte no Século XXI, Domingues: 1997). Nestas produgées 0 autor faz importantes reflexdes acerca da morfogénese (maneira pela qual € produzida) e distribuigio (maneira pela qual € dada a ver) da imagem de sintese numérica e dos estatutos do artista, da obra e do espectador diante da arte envolvida com novas tecnologias. A tecnologia na arte: da fotografia & realidade virtual, foi cuidadosamente traduzido pala prof Sandra Rey, ¢ inaugura uma nova colegio no Programa Editorial do Programa de Pés-Graduagio em Artes Visuals da UFRGS, — a Colegio Interfaces — voltada para monografias de autores e traducées de obras importantes sobre temas relativos as linhas de pesquisa do Programa. Mas nao espere o leitor encontrar neste livro uma ccronologia histérica narrando fatos que relacionam artistas, estilos ¢ evolugio tecnolégica. Couchot surpreende ao refletir a partir de uma idéia singular, pautada na abordagem de acontecimentos artisticos que testemunharam “uma reagio, ou um deslocamento da ‘ordem preexistente, em relacio as perturbagoes provocadas pela evolugao das técnicas de producao imagética nos habitos perceptivos”. © ponto de partida do livro estrutura-se nas relagées que se estabelecem na atividade artistica entre a subjetividade perceptiva € os automatismos maquinicos, ‘onde ocorre uma espécie de jogo entre dois componentes do sujeito: um sujeito-EU e um sujeito-NOS. O sujeito-Eu traduz a expressao de uma subjetividade que nao se reduz ‘aos mecanismos técnicos e tecnolégicos nem ao habitus perceptivo, indicando uma subjetividade singular, mével e individual. © sujeito-NOS & modelado pela experiéncia tecnestésica e pelo automatismo maquinico, apontando para uma subjetividade impessoal, coletiva e vulnerdvel as transformagées tecnolégicas. Esta experiéncia tecnestésica que modela o sujeito-NOS surge quando o sujeito possuidor de um saber- RICARDO CRISTOFARO, 4 tecnalogla na arte: da fotografia J reakdade vtual de ctnond Couchot fazer controla e manipula técnicas através das quals vive uma experiéncia que transforma a sua percepgio do mundo. Esta experiéncia onde o sujeito-EU normalmente seria considerado ausente, para o autor, no espago da arte, os dois componentes do sujeito, EU e NOS nao cessam de se afrontar e negociar, tampouco de se deslocar e trocar de figuras. O sujeito-NOS afeta-se incessantemente pelo tecnicismo, e © sujeito-EU tenta resistir a esta afetacao redefinindo constantemente sua identidade. As idéias centrais de Couchot esto distribuidas em duas partes bem delineadas no livro. Na primeira, © autor enfatiza que a subjetividade do artista pode ser percebida ‘como algo vinculado a uma técnica que, indistintamente, est vinculada ao conhecimento técnico e tecnolégico de uma época. E feita, eno, uma abordagem de determinados momentos na historia da arte que demonstram a utilizago de mecanismos de construgao ‘© automatizagio da imagem a partir de pesquisas e experimentacdes que se relaclonavam com questées da geometria, matematica, ética, fisica, qulmica e biologia. A producdo artistica é enfatizada no modo como se deixa permear por idéias e instrumentos metodolégicos, conceituais e formais provenientes da teoria das cores, teoria da percepcao, teoria da informagio e estruturalismo, ciéncias cognitivas, fenomenologia, cibernética, etc. O autor analisa 0 aparecimento da fotografia, do cinema, do rédio, das miias eletrénicas e da tecnologia numérica que assumem, neste caso, um papel decisivo ros processos de transformacao das experiéncias perceptivas. Neste viés, as experiéncias perceptivas propiciadas pelas novas tecnologias no period moderno - em grande parte vinculadas a um processo de aceleracao e desaceleracio do espago e do tempo-redefinem as automatizacées agregadas a arte, problematizando a dupla figura de um sujeito oscilante entre o EU eo NOS. A segunda parte do livro trata, especificamente, do envolvimento da tecnologia, numérica com a arte, suas caracteristicas topolégicas especificas e a constituicao de um meio situado a “meio-caminho entre o individual e 0 coletivo, 0 sujeito e a sociedade”, Couchot analisa a demarcagéo das posig6es do sujeito, do objeto e da imagem diante da arte envolvida com tecnologias numéricas, enfatizando a perturbacéo provocada nesta relacdo quanto 0 sujeito de desioca da posicéo de espectador, para participante e posteriormente co-autor da obra de arte. Tradicionalmente, © espectador vinha desempenhando um papel mais ou menos (embora nao totalmente) passivo diante da obra de arte, Isto 4, 0 trabalho de arte se constitula como um produto da subjetividade do artista, sendo algo com © qual ele se defrontava, e que era distinto dele préprio. Os trabalhos artisticos envolvides com a tecnologia numérica comesaram a se orientar para a eliminagdo dessa disténcia e a dar 20, espectador, dentro de um processo, uma capacidade crescente de percepcio, ago € transformagio. Criterioso, Couchot procura néo mensurar um hipotético impacto das tecnologias de sintese numérica sobre a arte contempordnea, preferindo tecer consideragées focadas REMISTAPORTOARTE PORTO ALEGRE, N.2, Vt, JJL/NOM2004 ra consciéncia dos artistas em relacéo as posturas a serem adotadas na produgio de uma arte tecnolégica dentro da sociedade. Esta abordagem sustenta que a arte tecnolégica Instaura-se quando o artista produz sua obra através da mediacéo de dispositivos maquinicos que materializam um conhecimento cientifico, corporificado nos préprios dispositivos. Deste modo, o substrato de contetidos cientificos € Ss DE LEITURA > tecnolégicos teria uma potencial dimensio na formacéo de modalidades de producio, < circulagio e percepgio das obras. Abordando a arte numérica o autor possibilta a efetiva percepgio de como 0 impacto dos automatismos na sociedade, desencadeiam transtornos nas relagdes delicadas de um sujeito-Nés que tende, no momento contemporaneo, mais 20 tecnicismo, e de um sujeito-Eu que esta sempre em busca de se reposicionar no decorrer dos sucessivos abalos que as novas tecnologias provocam no espaco da arte, Repleto de boas proposigées, o livro contribui com sugestées de respostas as questdes que esto no centro da atenc&o daqueles que tem sido movidos pelo desejo de compreensio do horizonte estético apontado pelas formas de expresso mais recentes, surgidas na articulagdo entre arte e tecnologia. BIBLIOGRAFIA COUCHOT, Edmond. A tecnologia na arte: da fotografia & realidade virtual; (tradugio Sandra Rey). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. (Colecio Interfaces) tr) CARDO CRISTOFARO é artista plist, professor do Departament de Artes da UFJ ~ Jui de Fora/MG e doutorando no Programa de Pés Graduao em Artes da UFRGS — Porta Alegre.

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