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} Silvio Gallo Deleuze & a Educagio 2edigio auténtica DestocameNtos. Deteuze & A Epucacdo. O que tes Deere a dier A ducag,enguanto campo de prodopio de aberes? Ou melhor, o que & possvl de sr alto sobre Bacagio, «patti Tatodorio dese Fra, Delere no foi am fio da dc le Delewee? Como afirmei na io, nio se dedicou a problemas relatives i educagio senio de forma muito marginal, na medlila em que sempre ganhou a vida como professor de Filosofia, de alguma mancira, tina cesses problemas de educagio em seu horizonte, Mas esse ho- rizonte foi mantido longquo; foi com outros problemas que De leuze se preocupou, foi de outros problemas que ele se cup. Nio tenho, pois, a pretensio de colocar na boca de Delew- ze coisas que ele no disse, nem de colo aque cle nio escreveu. O que pretendo desenvolver aqui & uma demonstragio da feeundidade do pensamento de Deleure para nos fazer pensar a educagio, para nos permitir pensar, de novo, a educagio, Nio se tta, portant, de apresent leuzeanas sobre problemas educacionais”. De verades ~ falsas verdad, dign-se de passagem — ¢ de cestezas ~ também falsas a doxografia educacional recente es eplets. Tints ‘verdes de initio, de propor exerccios de pensamento, exercicios je, pot sua vez, nos fagam pensar ainda mais. Fxercicins de pensamen- to que implicam um devi, um processo, um movimento. Pen- sar 2 educacio como acontecimento, como conjunto de Pretendo operat por damon. Tomar conecitos de Deleu- 2¢ ¢ desloc-los para 0 campo, para o plano de imanéncia que € a 3 CoUnAo“PaNSADORES EEDUCACAS™ ‘edueagio. Ou, em outras palavtas, destentorlizar concetos da ‘obra de Deleuze e de Deleuze & Guattad, para retetizoralzi- Jos no campo da edueacio. Penso que essa atividade pode ser bastante interessante © produtiva (em sentido deleuzeano), na medida em que esses conceitos passaim a ser disposcivos, agen- iamentos, intercessores para pensar os problemas educacio- nals, dispositivos para produzit diferengas e diferenciagies no plano educacional, nfo como novos modismos, ou repito, 0 antincio de novas verdades, que sempre nos paralisam, mas ‘como abertura de possibilidades, incitacio, incentive 4 eriacio. Operarei quatro deslocamentos: um exerecio de pensar a Fisfia da Bdwcpio na perspectiva cratva da filosofia posta pot Deleuze & Guataar; um exercicio de pensie uma Edwin me ner, a partic do conceito de “teratura menor” crindo por eles uma aplicagio do conceito de rive para pensar as questdes do curticulo e da onyanizacio edueacional; pos fim, uma discussio fem tomo das decorréncias ¢ implicagies daquilo que Deleuze chamou de “seceades de contr” para os problemas educacio- nals contemporineos. Esses deslocamentos nio tém pretensio algama de esgorar ‘8 temas, Sfo possibilidades em meio a muias outeas. So pos- sibilidades que me tém feito pensat ¢ que, espero, podem tam- ‘bém disparar © pensamento em alguns leitores. Deslocamento 1. A Filosofia da Educagio como criacio conceitual Na tradicio da filosofia da edueagio no Brasil tem sido comum entendé-la como uma “reflexio sobse os problemas educacionais”. Na visio de Deleuze, com a qual concordo, nada mais pobre e reducionista para a filosofia da educagio do que tomé-la como reflexio sobre a educacio. Vejamos a critica geral de Deleuze, facilmente extensivel i filosofia da ceducagao: Sempre que se est mama época pobre, a flosofa se rfugia ma teflexdo “sobre”. Se cla mestna nada ci, o que podeia fazer, Sendo refletic sobre? Endio rflete sobre o eterno, ot sabe & u peuevzeeAeDUCACsO bistérco, mas jd ado cansegue cla pipe fzer 0 movirnento, De ato, 0 que importa é reirar do fidsofoo drcito&reflexio “sobre”, O flésofo erador ele no érefesiva! Poderiamos incluir na lista citada: em épocas de pentiia para a filosofia, cla refugin-se na reflexdo sobre a educacio. ‘Mas refletir sobre a edueagio seria especifico da filosofia? Cada cedueador niio deve ele mesmo teflett sobre sua pritica educa. tiva? Indo além: cada educando nio deve também refletit $0: bre a edueacio sob a qual padece? F. mais longe ainda: nio deve cada individn de wm grupo social refletir sobre « eduea- lo que essa sociedade produ? Alguém podria objetar que embora a reflesio sobre a ceducagio nio sea especifiea da filosofia e que todos devam, de fio, dedicar-se a ea, quando 0 filisofo reflete sobre a educa Gio — € também sobre outros objetos ~ ele o faz de forma especial — por meio de uma reflesao radical, rigorosa e totali- zaace. Com Deleuze, esponderia que a reflesio pode, sim, ser tum faviumento da flosofia pata eri conecitos, sua tage pri- rmordial, mas isso nio significa que a reflexdo (éja ela de que forma for) seja especificamente filoséfiea, nem que a filosofia por isto se defina como essencialmente reflexiva, Pondo-nos a servigo da filosofia (da boa flosofia) © da educagao (da boa ‘educacio!), é necessrio, portanto, que combatamos a nogio de filosofia da educacio como reflexio sobre a ecucagio. Ela deve ser muito mais do que isso, ‘Mas uma outra perspectiva de Alosofia da edu mum entre nds: a de stuila como um dos fdaments da eda iv, Assim entendida, da filosofia da educagio se espera que forneca as bases sobre as quais um processo educativo deva se sustentar, E-o que fix a filosofia de edacasio para cumprir ta ‘arefi? Ora, em gor, parte em busca das eonceitos produzidos por flésofos ao longo da histris, para sobre eles erigie um " DELEUZE, Giles. Porpanir, Pas Les Eaions de Minit, 1990, 166 (oa eadogi brace Peter Pal Pelbar, Come Rio de Jane Ea 34, 1992, p 152, 8s couecho-PewsADORES AOUCACKO" saber edueacional. Qu entio procura resgatar 0 que os fil6sofos Jf pensaram sobre a Educacio, como subsidio para os dias de hoje. Seri proficua essa atividade? Ougamos a Deleuze. [Nilo fizemos nada de positivo, mas também mada no dominio ds exten da histria, quando nos contentamos en agar vyelhos conceitos exteeotpads como esqueletos destinados a inimidar toda eriagi, sem ver que os antigosSésofos, de que ‘Seampreso amo eis quest mpedros modes de zee: cles eriavam seus conceitos endo se eontentavam em limps, em raspar os oss0s, como 0 ertico ou o histodador de ‘nossa paca. Mesmo a istviada losofia interamentedesin- ‘eresante, seo se proper adespertar um conceto adoemect do, a elangilo numa nova cena, mesmo a prego de wokilo conn elemesma® Eu ousaria dizer, paraftascando: nada fatemos pela Edu «agio, se nos limitarmos a repeitvelhos conceitos fora de eon- texto, a raspar esses ossos como cies famintos.. Assit a flosofia da edueagio tomz-se algo totalmente desinteressante, cada vez mais despontecializada. A Bducagio, enquanto campo de saberes, aio raramente pode ser vista como uma arena de opinides. Um campo que podria primar pela muhiplicidade, jé que € atravessado trans- versalmente pela Filosofia, peas diversas ciéneias, pela arte, tem hiscoricamente buscadlo uma identidade Gnica, sob o argumen- to de tosnar-se cienifco, sucumbindo a esta vontade de verda- de, a este mito moderno, efiade pelo positivismo, Nesta terra caética que € o plas Falucagio, leads © povonda por meto- logos, socislogos, filésofos, psieslogos, historiadores, clen- tistas politicos, slém dos chamadlos “especiaisas em educagio", sgrassa a opiniZo, que se arvora em defensora contra 0 20s. Esto todos & procura de novidades, estio em busca da “identi- dade” da Educacio, Mas quanto mais prolifer a opiniio, dando a ilusdo de que se foge do caos, mas ele nos enreda e nos langa na dliregdo de um buraco negen, de onde jo seni possiel escapar. Thien, p10. buusuzee ncoveasho Pondo-nos a servigo da boa filosafia e da boa educasio, devemos buscar uma nova flosofia da educasio, e parece-me ‘que a inspiraeZo delewziana € bastante interessante. O flésofo da ceducagio deve ser um eriador de conceitos. Mas o que o diferen- a dos demais ildsofox? Absolutamente nada, a no ser seu mer glho no terrtirio da Fducacio, que nem todo filésofo pode 0 desejafizer. ‘Seo que importa érespatar oligo eriador (de testo, ica possbildade para que ee sea de fato lisofe), entio o flésofo da educacio deve ser aquele que cria conceitos e que instaura tum plano de imanéneia que corte o campo de saberes educa- cionais. Uma flosofia da educacio, nesta perspectiva, sei sultado de uma dupla instauracio, de um duplo corte: 0 rasgo 1 caos operado pela Filosofia & © rasyo no caos operado pela ‘edueagio. Ela sera resultante de um eruzamento de planos: pla ‘no de imanéncia da flosofia, plano de composicio da edluea- ‘lo enquanto arte, mélkiplos planos de prospeccio e de referéneia dla educacio enquanto cigncia(). (© que significa instaurar um plano de imanéncia que atta vesse transversalmente 0 campo educacional,criandlo eoncetos que digam respeito a ele? O filsofo da educagio deve ter int- miidade com os problemas educaciooais, sentie-se tocado por cles, sentilos na pee; iso nfo significa que ele eva necessatin mente ser intimo da doxografia educacional ~ 0 conjunto de opinides sobre educacio — jf que sua tarefa primeira & jusea mente combater tal doxografi, resgatando que Ini de consis- ‘éncia sem perder 0 infinito do platé Fdueacio,’ Sendo um hhabitance ou um vistante desse platd, conhecendo seu panori- ima, © filésofo esti apco a reagir aos problemas que ele suscita ‘Trata-se, enti, de apliar a eles, problemas educacionais, o ins- trumental filos6fico. Instaurar, inventar, erat... Um plano de imanéacia citcunserito pelos e eitcunseritor dos problemas cedueacionais; um personagem coneeitual compeometido com a 0 problem da lofi d de adi umaconssténcia sem ere oininito 0 «gal 0 posameaen meus [J DELEUZE « GUATTARI, op. cdlvcagio que caminhe por sus vias; concitos que esigni- fiquem tis problemas eos tomem em scontecimentos, que os fogam ganha consist Em ovtrs palavas, «trea do fiénofo ds educacio € a de pensaefiosoficamente quests colocadas plo plano de ina néncia que atravessatranseersalmenteo campo de saber em aque se costa edaga, Masque entendameos bem: 08 pro= blemas colocados porta plano de imanénci tendem ao infin to; les nfo etio circnscritos apenas & Educacio. Isto & os problemas de que ttn a filosofa, sucitados pela educasio, to sio exelasivamente edueaconss, mas muito mas abean setts; 56 ao fosse astm, reramos novamente a flosotia da cdvcagio como uma “reflxdo sobre a educa". Desta mt ce, 0 soto da edcagio é antes de qualque coisa, fio fo, am peosador um crador de concctos que do consséncia 4 acontecimentos no campo edicicional, sem pete infin de do caos no qual mergula, que € ese infrto o que perm te a crinvidade, que permite que concetos sempre novos postam brotr no plano de imanéncin Mas ao € dif perecher ue um al liso da edscagio ao seria i muito bem visto: fia, "pense ssc a indferenga eta todavia nfo € falso dizer que € um exertcio perigoso E somente quando os perigos se tomam evidenes que a ine renga cesta, mas cls permanecem freqientemente escondidos, pouco percepts, inerenes& empres”* Pensa filosoicamente a educago pode ser peigoso~ t- memos em conta 0 que a cragio de coneeiton pode dereer, 25 rntpicidades que podem ser colocades em jogo, a nteco- nexdes que podem scr produzidas ~ mas produ uma inf renga genenalizada, Nao ¢jstamente iso que enconramos em muitos anos? ior, em muitos colegssdocentes, rn mitos brroertas dos Srgios pilose prinadosligndos& educa, ¢ mesmo na socedade como um todo? Qual a importincia € tepercustio que publicages de flosofia da educapio tim ao Brasil hoje, mesmo no meio aadémien? peteuzea AcoucAcko / uments, portant, que busquemos urna flosfia da ed _saplo etna ¢ cxindors, us no spt inden. Eh eve ser erigoss, deve sero wm © 0 rma, F acest que core tos 0 risoo, que mergulhemos nessecaon povoado de opin dex Nas margens do Aqueronte, no podemoe tnbear, con tmedo de no conseguir volta do marco dos mortos. O mn do dow mets £ wu, qumco mcmntimnos& plato gener zade,Precamos do mergulho no cios, preiamos das gas do Aqueronte par, nels, encontrar criti, S6 ciando conectos, assumindo uma feigio verdacmcnte flosfiea€ aque a flosofia da educagio poder ter um fat promisson, 10 Bras oem ost aga qualquer. Deslocamento 2. Uma “educacao menor” Na bela obra que escreveram sobre Kafka, Deleuze ¢ Guat tari afirmaram que é preciso “escrever como um cio que fiz _seu burico, um rato que faz sua toca. E, para isso, encontrar “Seus pripros pontos de subdesenvolvimento, seu proprio pa- 2 toi, seu proprio terceiro mundo, su priprio descr". E se ‘nos pusermos a pensar em educar como um cit» que cava set Duraco, um rato que faz sua toea? No deserto de nossas escols, | ‘na soldio sem fim = mas superpovoada ~ de nossas salas de” | aula no stem, cada um dens ces erat cvaco noios V trracon? © fésofo ¢ cenit politic tio Antonio Nes gue trabalhou ¢ escreveu tanto com Deleuze quanto com Guattari, quando de seu exdio na Franga, tem afirmado que jé ni vive- ‘mos um tempo de peofets, mas um tempo de militanes a afiemagio € fits ao contexto dos movimentos soca e poli cos hoje, mis imporante do que anunciar fatto, parece ser produit covdianamente o presente, para posiiliar 0 futuro. Se deslocarmos tal iéia para o campo da edueagio, nio fea Gif falarmos num professor-peofeta, que, do alko de sua “DELBUZE, Gilles © GUATTARI, Fis, Kas — Per sn atra menr "Ko de Jancis Imag, 1977, p 28-29. 88 courcho -rowsanones aouenshor sabedoria diz aos outros o que deve ser feito. Mas, para além do professor-profeta, hoje deveriamos estar aos movendo como uma espécie de professormilitante, que, de seu prdiprio deser- to, de seu proprio terceiro mundo, opeea agbes de trinsforms- 0, por mufnimas que seam. “Hoje no hi mais prota capaz de falar do desero ede contaro gue sabe de um poro porvie, por consti, Sé hi litantes, ow Sci, pessous capazes de viver até limita miséia do mundo, de ‘entiearas noms formas de explonigio eofrimento, ede org- nat, a partir dessa formas, procesios delibertai, precisamen- ‘eporqu tim participa ata em radio sso A Buea do prota, | Scie dos grandes profetas do tipo Marx ov Lenin, est lta pssada por completo. Hoje, rest-aos apenas essa construgao ontolégica constiuiate “dire”, que cada um de nés deve vi- vendiar até limite [.}- Creio, poranta, que na época do pb modem © na medida que 0 tabalho material © o trabalho imateial jo se opdem, «figura do profeta ~ sea, a do Jmelecaal esti ulteapassaa porque chegos ser total cabamen- to; € €nesse momento que a mlitinca se toma fundamesta Precsamos de pessoas como aquele sindcalisas nort-americ ‘05 do comeco do seul, que peguvam um trem pars cst © que, nad estago aravessods, paravam para fondaruma eéula, ‘uma ela de la, Durante roa vagem, ees conseguiam tx. car suas utas, seus deseo, sas wtopins. Mas também precst- mos ser como Sio Francisco de Assis, ou ses, realmente pobes: pobres, porque € somente esse nivel de slidio que podemos sleaneato paradigma da exploragio hoje, que podemos eaptar- Thea chav. Trat-re de um parsdigma “biopoliieo", que atinge tanto o tabalho quanto a vida on as relages ence 3s pessoas. ‘Um grande recipient cheio de ftos cognitvoseonganizacionss, sons, politicos eafeivos.* Usando essa idéia de Negri, proponho que pensemos 0 que setia 0 projsor prota © 0 que set 0 profesor militate. No Jimbito da modemidade, parece-me que podemos dizer que 0 professor crtico, o professor consciente das suas relagSes so- ‘iis, de seu papel politico, agiia como um professor profeta. ‘Como alguém que, vislumbrando a possibilidade de um novo NEGRI, Antonin, Ei So Paso: Haminuts, 200, p. 25-24 acura Aeouencho mundo, fazia a entica do presente e procurava apresentar, endo, a parte da exten do presente, a possibilidade de um mundo now, ( professor-peofeta & alguém que anuacia as possibiidades,al- gud que mostra um mundo nove, Por outro lado, podemos pensar no professor mitante, Qual © sentido hoje desse professor militants, © que sera ele? Penso, «que seria no necessaiamente aquele que anuncia a possbiidade do novo, mas sim aquele que procuraviver as stages e dentro essa stuagies vivdas prada pase do novo, Nesse sent do, o professor seria aquele que procura viver a miséra de mun- do, e procura viver a miséra de seus alunos, seja cla qual miséia, Tos, porque necessariamente miséria no & apenas uma miséia ‘econémica; temos miséria social, temos miscra cultural, temos rmiséria ica, miséra de valores. Mesmo em situages em que os alunos nfo sio nem um pouco miseriveis do ponto de vista eco. émico, certamente cles experimentam uma sri le i professor militante seri aquele que, vivenda com os alunos 0 nivel de miséria que esses alunos viver, poder le denteo desse nivel de miséria, de dentro dessas possbilidades, buscar constrit coletivamente Essa é a chave da agio do miltante, Semypee urn ens colts. Talvez profeta seja mais aquele que anuncia do ponto de vista individual. Mas o miltante tem sempre ums agio coledvas 2 acio do miltante munce € uma agio isolada. Eto, o peofes- sof militante seria aquele que, vivendo as misétias dos alunos ou. 25 misérias da. siuacio social da qual ele pasticipa, procuraria, coletivamente set um vetor da produgio de superacio, de con digBes de superagio dessa miséria, ser um vetor de libertagio, de possibilidades de libertacio. Se o professor profeta é aquele que age individualmente para mobili multidoes, 0 professor rrlitante & aquele que age coletivamente, para tocar a cada um dos individuos Essa lua cosidiana de construsio de possibildades de liber ‘gio € uma Iuta que deve dar-e em diversosingulos ¢ em diversos niveis Ela deve darse no dngulo do cotidiano da sala de aula ela deve dar-se nas relagdes que o professor trava com seus colegas, ot courcho -rewsanonese soucAcho" no ambiente de trabalho, ela deve dar-se com as relagBes que 0 professor trava no seu ambiente socal, mais amplo, mais gerl,e dla deve dar-se também nas relagdes que o professor trava na Jura sndieal, Como produsie essa miltincia, que € a0 mesmo tempo ‘uma miltincia que se di em sala de aula, que se dé no local de trabalho, que se di na telagio com 0 sindicato, ou sea na rel fo da sua classe produzindo cultura, produzindo politica, pro- uzindo edueagio, ji que essa é nossa ferramenta? Em outros termos, a questio €: como pensar e produzir, nesse inicio de século XXT, uma educagio revolucionssa, por mais dod que isso posta parecer? Na obra Kafke ~ por ume lieratura mevor, Gilles Deleuze & Félix Guattari criaram 0 conceito de dsraturs menor, come dis- positivo para analsar a obta de Franz Kafka, Os eseritos do judeu rcheco sio apresentados como revolucionitios, por ope- rarem uma subversio da prOpria lingua alemi, da qual se apro- priou Kafka. Minha pretensio neste capitulo é a de promover tum exercicio de deslacamento conceitual: deslocne esse coneei- ‘0, opera com a nogio de uma ezazio menor, como dispositi- vo para pensarmos a educagio, sobretudo aquela que praticamos 10 Brasil em nossos das. Tnsistic nessa coisa meio fora de moda, de buscar um procesto educative comprometide com trans- Formagies no status que insstc nessa coisa de investie num pro- cesso educativo comprometide com a singularizagio, comprometide com valores libertiios. Em suima, buscar um evirDeleuze na educagio, “Uma literatura menor nio é a de uma lingua menor, mas tes a que uma minoria faz em uma lingua maios” Giles Deleuze « Félix Geattas definem a categoria ientanamenar, da qual se utilizam para estudar a obra de Kafka (um jucew tcheco que esereveu em alemio por causa da ocupasio alema 1 regifo), Literatura menor: subverter uma lingua, fazer com que ela seja 0 veiculo de desapregaga0 dela propria. Assim DELEUZE, Giles e GUATFARL, Fx Kafe op. ct 28 @ anuzee acovencho Os dois pensadores franceses colocam tris caractersticas| principais a serem observadas, para que possamos identficar tama obra come literatura menor. A primeira dessas earacte ritotalidade, esta em certo terrtito fisco, em eerta tradigio, ‘em certa cultura, Toda lingua é imancnte uma ealidade. A. literatura menor subvert ess realidad, clesinteya ese ral, nos arranca desse terstério, dessa tradigio, dessa caleura, Uma lite- ranura menor faz com que as sazesaflorem e Mutem, eseapando cesta tettovalidade forgada, Ela nos remete a buseas, a novos. cencontms © novas fagas. A literatura menor nos leva sempre ddtervitrializago da lingua Vola nga tem sa ter- _novos agenciamentos ‘Sua segunda caracterstca € a ramzaiv peice. NBO que uma literatura menor traga necessariamente um contetdo poli- fico expresso de forma direta, mas ela propria, pelo agencia mento que é, 36 pode ser politics. Sua exstineia & politica: sew ato de ser € antes de tudo um ato politico em esséncia, Uma lieratara maior, estabelecida, no € politica, necessariamente, Até pelo contrivio, pois comumente aparece-nos como um agent mento apoliico (como se isso fosse realmente possivel). \ liceratura maior no se esforga por estabelecer clos, caeias, agen- amentos, mas sim para desconectar os clos, para territorial 2ar-se-no sistema das tadigBes a qualquer prego ¢a toda forga Para a literatura menor, o prdptio ato de existe & um ato pol tieo, evolucionssio: um desafio a0 sistema instieudo. |A terceira caraceristica das literaturas menores & tlvex a mais difell de entender e para se identificar, em alguns casos, [Nas lteraruras menores, ado adquire um nal zt. Os valo- es deixar de pertencer ¢influenciaetnica e exclusivamente 20 artista, para tomar conta de toca uma comunidad. Uma obra de literatura menor nio fala por si mesma, mas fala por milha 15, por toda a coletividade. Os agenciamentos sio coletivos. Mesmo tm agenciamento singulae, frito de um eteritor, alo. pode set visto como individual, pois 0 um que ai se expressa faz paste do mits, ¢ 36 pode ser visto como um se for ident ficado também como parte do todo coletivo. Nao ha sujeitos 6 coLecho-peeanones a eDUEACho individusis, apenas agenciamentos colesvos sso é faclmente iden- tficvel literal e formaimente em ceras obms, mas fic dificultado «em cers outras, de cunho bastante introspeetvo, eat autobiogri- fica, No entanto, com uma leturaatenciosa conseguiremos perce ‘ber que a paixio da personagem (ou do naerador) por aquela arora de pele rosada (ou pelo homer de tez mostanda etc.) remetem par alm da singulavidade que parece se primeira visa, reme- tendo-se a todo um leque de problemas e inguietgses da eomuni- dade minoriiria da qual o singular asta fx pare Podemos dizer, attao de exemplo, que as primeitas obras literirias escritas no Brasil apés a colonizacio, por brasiletos, cram lteramura menor, pois fziam da lingss portuguesa (jé com um literatura maior estabelecida, tradicional) um uso novo, sob novos parimetros, na busea de uma nova literatura “com o cheiro de nossa terra”. A medida que o pais se torna “indepen: dente”, nossa lteratuen vai se desenvolvendo € acaba por se ‘tomar, ela também, uma lteranura maior, pois aquele uso novo que fizia do portugués deisa de ser inovador e vita radigio, Aparecem entio, pontihando nossa literatura com momentos de rara beleza, alguns “literatos menores”. Entre visios dles, poderfamos lembrar Lima Barreto, na cidade do Rio de Jancito do inicio do século XX, a atormentar nossa lterarara da “Aca- emia”. Preto, pobre ¢ homossextual, mais minoria que Lima & quase impossivel de se concebes Desloquemo-nos agora para o campo educacional. Como, cconceber uma “educagio maiot”, insttuida, ¢ uma “edueagio menor”, méguina de resistencia? A educagio maior & aquela dos planos decenais e das pol ticas pablicas de edueagio, dos parimetros e das diretsizes, aquela a constiqigio e da Lei de Diterizes ¢ Bases da Educagio Na- ional, pensada e produzida pelas cabesas bem-pensantes a se vigo do poder. A edueagio maior & aquelainsiruda e que quet instituir-s, fazer-se presente, fizerse acontecer, A educagio imaior & aquela dos grandes mapas ¢ projetos. Uma educagio menor é um ato de revolta e de resistén- ia, Revolta contra os fluxos instiuidos, resisténcia as politicas peueuzea Acoueacho impostas; sala de aula como tincheirs, como a toca do rato, 0 bburaco do cio. Sala de aula como espaco a partir do qual rage mos nossas estratégias, estabelecemos nossa militinci, produ indo um presente e um futuro aquém ou para am de qualquer politica educacional. Uma edveagio menor é um ato de sing- Iasizagio e de miliinein. Se a educagio maior € produzida na macropolitica, nos abinetes, expressa nos documentos, a educagiio menor esti no imbito da micropoltica, na sala de aula, expeessa nas ages ¢0- tidianas de cada um. Retomando a metifona, « professor pto- Feta € 0 legslador, que enxerga um mando novo ¢ consteé les, planos edirerizes, para fazé-lo acontecer; 0 professor miliante, por sua vez, esti na sala de aula, agindo nas micro-telagBes €o- tidianas, construindo um mundo dentro do mundo, cavando trincheitas de desejo, Examinemos agora as es caracteristicas dla literatura me- ‘nor, deslocadas para uma educigio menor. A primeira earcteristen & da desert se na itera- turn € a lingua que se desterstoraiza, na educacao a desterttoria- lizaglo € dos processos educativos. As politias, os parimetros, 1s diretrzes da educagio maior esto sempre a nos dizer 0 que ‘ensinar, como ensinar, para quem ensinat, por quc ensinar. A ceducagio maior procura construir-se como uma imensa mi ‘quina de controle, uma miquina de subjetivacio, de peodgao, de individuos em série. Nao consigo aqui me livrar das Fortes imagens do filme Tbe Well, de Alan Parker, quando sob os ‘sons de Avofler bic inthe wall, do Pink Floyd, a escola inglesa € mostrada como uma imense méquina que transforma erian- 2s em bonecos sem face e que pouco a povco sie trturados nnum imenso moedor de came. Cada estudante é nada mais, nada menos, do que um outro tjolo ne muros ou uma outta cengrenagem na miquina. ‘Mas o principio da educagio maior como maquina de con- ‘role pressupde que 20 ensino correspond uma aprendizagem. ssa certeza evidente, porém, pode ser nlo tio certa assim. No filme de Parker, as exianeas se revoltam, quebram a miquina, 8s ‘courcho-rensanonss EOUCACKO" cantando os vers flonan dow md atone dn ed ‘mo thought control no dark sarcasm in the classroom) hey, teacher, five the ids alone! *O cxercicio do poder gera resisténcia, ja demonstrou Foucault; tenativa de controle pode Fair qulgaer contol Bo que Deleuze, num texto mais antigo, nos alerts em rela a spending Aprender vem a ser to-tomenteointemediiia entre ilo-sa- ber saber, a passage viva de wm ao oat, Pade-se dizer que aprender, afinal de conts,¢ uma tres infnita, mas esta 30 eta de ser eet parao lado das Gzeunstinias eda aguisiio, poses para fora du essincia sipostamente simples do saber come inatismo, elemento «prin ou mesmo lia reguladors E, Sal mente, aprendizagem esti antes de mais nad, do lado do rato ‘no bbirino, 20 paso que filsofo fora da eaverna consera somenteo resultado ~o saber ~ para dele extair 8 prineipios rranscendlenais? Aprender esti para 0 rato no labirinto, esti para 0 cio que escava seu buraco; esti para alguém que procura, mesmo que rio saiba 0 que e para alguém que encontra, mesmo que seja algo que no tenba sido procurado. E, neste aspecto, a aprendi- zagem coloca-se para além de qualquer controle, Nesta mesma ‘obra, Deleuze havia escrito pouco antes 0 seguinte: ) Nunca se sabe de antemio como alguém vai aprender ~ que mores tornam alguém bom em Latim, por meio de que encon {ros se € filsofo, em que dcionirios se aprende a pensar. Os limites das fculdades se encaisam uns 908 outros sob a forma ‘quebradadaquilo que tae tansmiteadiferenca. Nao hi méto do para encontrar tesouros nem para aprender, as um violento sdestramento, uma cul ou pais que petcorreinteixamente ‘edo 0 indviduo (am albino em que nasce 0 ao de sear na Seasbildade, um asco em que nasce a flan ingusgem, um acéalo em que nasce pensac no pensamento).O método € 0 incio desaber quem regula a colaborasio de todas as fcsldades, ‘spree | no mes ra a kad ae | poe, ea et em pet ° DELEUZE, Giles Djoraps «Repti opt, ps 27 66 pasvzeeAoueAcho além disso, le éa manifestagio de um senso comm ova ral- zagio de uma Cagiatie nate, pressupondo uma boa vontade ‘como uma “ecisio premediada" do peasador. Mas a ela é ‘movimento de aprender, a aventurs do involantario, encade- ando uma sensibilidade, uma mena, depois um pensamea to, com todas as violéacias e crucldades necesdvas,dizia Nicesche, justamente para “adestr um povo de pensado es", desea esp" (Ora, se a aprendizagem € algo que escapa, que foge 20 conizoe, resist € sempre possivel, Destetitorislizar os prinel- pios, as normas da edueagio maior, gerando possibiidades de aprendizado insuspeitadas naquele contexto, Ou, de dentro da iquina opor resistencia, quebrar os mecanismos, como ladistas pés-modemos, botande fogo na miquina de contol, eriando, nnovas possibilidades. A educa Drechas para, a parti do deserto e da miséria da sala de aula, fazer emergir possbilidades que escapem a qualyuer controle, ‘menor age exatamente nessas AAs titicas de uma educagio menor em relagio & educago ‘maior si0 muito parecidas com as titicas de grevistas uma Tbrica, Também agai se tata de impedir a proclugio: trata-se de impedir que 2 edveagio maioe, bem-pensacla © bem plane- jada, se instaur, se tonne conereta, Trata-se de opor resistencia, trata-se de procluvirdiferengas, Desterritorializa. Sempre. A segunda caractristia & nazi palin, Se tel edlace ‘Glo € um ato politico, no caso de uma edueagio menor iso & ainda mais evidente, por tratarse de um empreendimento de revolts € de resistencia. Uma educagio menor evidencia a dupla, face do agenciamento: agenciamento maguinico de desejo do educador miltanteeagenciamento coleivo de enunciago, na re fo com os estudantes com o contesto social" Esse daplo agen- damento produz possblidads, potenciaiza o efeitos da miltineia. A ramifcagio politica da edueagio menos, 20 agi 90 seati= do de desterstoriaizar as diretizes politicas da educagio maior, é ‘que abre espaco para que 0 educador miltante posse exercer dem, p 270, a Vero ealao 9, 0 gue am ggasamen, de Kat op (18412, o couscho-rensanonstrovensho” suas ages, que se eircunserevem num aivel micropolitice, A cedueagio menor cria trincheiras a partir das quais se promove ‘uma politica do cotidiano, das relagdes ditetas entre os indivi duos, que por sua ve2 exereem efeitos sobre as macro-relagdes sotiais. Nio se trata, aqui, de buscar as grandes politicas que norteatio 0s atos cotidiznos, mas sim de empenhar-se nos atos cofidianos. Em lugar do grande estrategist, o pequeno “fa2- tudo” do div-a-dia, cavando seus buracos, minando os espa- 905, oferecendo resistencias. A edueagio menor & rizomitica, segmentada, fragmen- tisla, nfo esti preocupada com a instauragio de nenhuma falsa totalidade. Nao interessa 4 educagio menor criar mo- delos, propor ciminhos, impor solugdes. Nao se trata de buscar a complexidade de uma suposta unidade perdida. Nio se trata de buscar a integeagio dos saberes. Importa fazer ti- ‘oma, Viabilizar conexies e eonexdes; conexdes sempre n0- vas. Fazer rizoma com 0s alunos, viabilizar eizomas entre os alunos, fazer rizomas com projetos de outros professores. Man- ter os projetos aberos: “um rizoma no comeca nem conclu, le se encontta sempre no meio, entre as coisas, inter-ser,fuer- me Fazer a educagio menor como maquina de guerra, no ‘como aparelho de Estado. Pr fim, a ercezacutacrerstica € 0 nab ata, Na educa ‘menor todo ato aque um valor coletiva, © educador militate, a0 excolher sua stagio na escola, estar esolhendo para si e para todos agueles com os quasi erabalhar. Na educacio meno, nfo hia possibildade de ato soltros, isolados; toda aio implicars ‘muitos indviduos, Toda singulaiaaco sex, 20 mesmo tempo, sin- guarizacio coletiva, A educasio menor é um exercicio de produgio de multi plicidades. No preficio 4 edicio italiana de Mille Plates, De- leuze e Guatariescreveram 0 seguince: "= DELRUZE, Giese GUATTARI, Félix, Mi Plas. Sto Paul: Ed 34 1985, p 3. panne Acouencko [As mliplciades sio «prdpriarelidade, € no supdem ‘nenhama unidade, no entram em nenhura ttalidadee tm pouco remetem a um sueito, As subjcivages, as ttaizagBes, 438 unificagbes so, a0 contro, process que se precuzer © parecer nas multipiidades, O princpios carseteristcos das ‘mulpicidades conceinem a seus elementos, que so sing sass elas, que so dans aseusaconteimentos, que io ‘ead (gue dizer, indvioages sem sujeto) a seus espa- ‘or-tempos, que slo espagose tempos fae a sen modelo de relizagio, qve 0 gpa (por openico a0 model da devote}: seuplano de composigio, que consti plu (zonas de invensi- dade continua} 20s vetores que asatravessam que consttuem ertieegras de deteriora" A edueasio menor é uma apost: nas muliplcidades, que Fizomaticamente se conectam ¢ interconectam, gerindo novas rmuliplicidades. Assim, todo ato singular se coletivizae todo ato coletivo se singulariza, Num rizoma, as sinulaidads desenvol- vem dies que implicam zeae. Nao hi sujeitos, iio hi ob- jetos, aio hd ages centradas em um ow out hi projetos, acontecimentos, indviduagses sem sujeto. Todo projeto € co- letivo. Todo valor € coletivo. Todo fraeasso também. Ao assumir a militincia numa educacio menor, o fago em rome de um projeto coletvo, de um projeto que nio tem suei to, de um projeto que nio tem fim (tanto no sentido teleobbgico {quanto no sentido eseatol6gico} |Nio tenhamos, porém, a inoeéncia de pensar que o ativismo militate de uma educagio menor esti ahelo a rscos; i condi do sua obfa sobre Kafka, Deleuze e Guatari apontam para os perigos de qualquer lta minoriits: Que joie manent, ina contin x pont ou singular dae seam bem vase radoras, so ve comprecae confor- te a mancin como elas se agent ¢, pot st Wer oemam srqain. E sempre nas coaiges colts, mas cde minoda as contigs de itertuea de poies menor mesmo que ada tim de senha de descobrr xs mesmo sa ino nia, Se deseo imo (evando em cont pris dala minodi "don ‘courcho-rensA00nEstSOUCAGLO" receritorilizarse,refaze fotos, efazer o pode ea le eae também a “grande ltertar™. ‘Também no Ambito de uma edueagio menor corremos © risco da rererritoializagio, da reconsteugio da edueagio maiox s atos militantes podem ser cooptados, reinsridos no con- texto da miquina de controle, perdendo seu potencaliberiio. (Ou, na perspectiva de fuzer-se miquina, resutane dos agenca ‘mentos, a edacagio menor pode despotencializa-s, 0 permitie que se toene nova miquina de controle. A peemanéacia do po- tencial de uma educagio menor, a manutencio de sca cater ‘minortiio es relacionada com sua capacidade de nio se rea- der aos mecanismos de controle; é necessivi, uma vez mais, resistr. Resistr & cooptacio, esstr a ser incorporado; manter| acess a chama da revolta, manter em dia 0 orgalho da minori- dade", manter-se na miséxia e no deseeto, Educagio menor como meiguina de msn Educar com a firia a alegria de um eo que exva seu burico. Edacar eseavando 0 present, militando na miséxia do ‘mundo, de dentro de nosso priprio deserto, Fsse é um dos resultados possiveis de nosso enconteo com a fllosofia de De- Jeuze; essa € uma das possibilidades de um devir-Deleuze 1a educagao, Deslocamento 3. Rizoma e Educacao No ensino eontemporineo, sofemos da excessiva eom- partimentalzasio do saber. A organizacio curricular das discipl ‘nas.s coloca como realdades estanques, sem interconexioalguma, “ DELEUZE, Gills © GUATTARI, Fas. Kes op. ce, 128. "Impossvel io lmbra aqui do le Min Rip, de Spieler, basa ‘num blo conto de Philip Dick. Nam mundo onde os cies so pevstos pos prasormais o fut Zum Hao predeterminada, Mar nem 0 pee ‘ecco ass i sempee wan “eat da minora” que moses umn ‘to flax, uma outs possibikade. A educago menor cone ext tente em spostr nee selatrior de minor, sponta na posabiidade (Ge frags panuzee aeovercko Tide, 24 7 paeuzee acoucacto De fato, numa obra posterior, os autores reafiemaram a intimidade exétiea do funcionamento cerebral, cada vex mais posta s claras pela ciéncia contemporines: Os prsdigmas aborzados do och lio haga gras svar es, sistemas, acenteads, reds de aumatos finitos,esados ‘adds, Sem dvds, este ctos est escando pelo esforgo das facltages geradors de opiio, sob a ago dos hibits ou dos _meeloe de secogniio; mat ele se torn tanto as sense, se ‘comsiderarmos, a0 conti, process eriadones eas ifseagses ‘qu implicam, Ea individu, no exo de coisas cere, & ‘tanto mais ncional quanto lo tem por vatkivels 36 pps Els, que sss no des de morrr sem renowarse, fazen- dodo cérebro um canst de pequens mortos que coca em ‘bea mote incessine. Ela ape para um pencil que xe auaiza scm dvida nas lignes determines qe decor ds pereep- hes, mas, mais anda, ao Live efito qu varia seyudo a cago oe conecitos, das sensagies ou das Fungi mesma.” Dee fato, quando ingressamos num nove palo, aquele mar cado pelas teenologias da midia e da informisiea, novas pers- pectivas comegar a se apresentas, embor ainda curvadas pelas bbromas da anterior®. Uma primeica manifestagio foi com a woes, ciéacin que jé nfo pode ser inserida no contexto da dis ciplinatizacio clssiea e que rompe com as “yavetas” de visios arquivos, surgindo na interseegio de viios campos, como 4 Biologia, a Geografi, a Ciéncia Politica, a Sociologia « mesmo 4 Filosofia. Parece-me que, para pensar essa nova vealdade, & necessiria a introdugio de um outro paradigm de conheci ‘mento, de uma nova imagem do pensamento; em suma, de algo que nos permita, de nove, pensas, para além da Fosilza- so imposta pelo paradigma arbdreo e pela consegjiente arbor rizagio de nosso pensamento. DELEUZE, Giese GUATTARI, Fs Ope loot op ep 27627. lim se enti cad, Pierre Lévy aborda a eludes da Flosoi, que surge com a tecnologia desc, com 0 Mito, conecimento que mara ' plo anterior, oda aide; os propos eres planicos, aos pe rmsd a linac decry, recorrem forma do dy & 2 UD tego do palo antesoe 75 cotcho-rensanones Ducacker Na introdugio a obra Capiatine o Schyplinies mile plavace Deleuze © Gusti apresentam a nogio de sigma Os autores ‘sto tratando da questio do livro e procutam conteapor wma jimagem tizomitea a0 paradigma corrente, que vé o lio como uma naiz “a devore & a imagem do mundo ou melhor, a rai é a Jimagem da drvore-mundo”.* A perspectva arborea remete& uni dade: livro € resultado de uma rawifiaio que, em ima instin- cia, pertence sempre ao mesma. Usam a metifora matemitica do fractal aguilo que se assemelha a uma multplcidade revela-s, 20 ser melhor analisade, como o resultado de uma reproducio 420 infinito de uma mesma tniea forma. O sizoma, por outeo Jado, remete:nos para a multiplcidade. A metifora do rizoma subvere a ordem di metifora ar brea, tomando como imagem aquele ipo de caule radicifor- me de alguns vegeris, formado por uma miriade de pequenas rizes emaranhadas em meio a pequenos bulbos armazenaticios, ‘colocando em questio a relagio intioseca entre as witas reas do saber, representadas ead uma delas pelas iniimeras linhas fibrosas de um rizoma, que se entrelagam ¢ se engalfinham for- ‘mando um eonjunto complexe no qual os elementos remetem nccessatiamente uns aos outros € mesmo para fora do proprio conjunto, Diferente da éevore, a imagem do rizoma no se presta ‘nem a una hierarquizagio nem a ser tomada como paradigms, pois nunca hi wm rizoma, mas sizomas; oa mesma medida em que o paradigma, fechado, paralisa 0 pensamento, o rizoma, sempre aberto, faz proliferar pensamentos. ( rizome & rexido por seis principios bisicos:* 1. Pring de omen: qualquer ponto de wn tzoma pode ex/ estar conectado a qualquer outro; no paradigma arbérco, 5 relagBes entre pontos precisum ser sempre mediatizadas jobedecendo a uma determina hieranguiae segundo uma “ordem intinseea”. ® DELEUZE, Giles © GUATTARI, Fé Mik Plana op. cit, 1 > CE. Mit Plain, p. 13-2 % paieuzee acoucacko bi, Prinpio de intoregoncidade: dado que qualquer eonexto & possive,o sizoma rege-e pela heterogeneidade; enquanto ‘que, na frvore, a hierarquia das relagdes leva a uma ho- rmogeneizagio das mesmas, no rizoma iso nfo acontece . Pricpio de mulipliidade 0 sizoma & sempre multiplici- dade que nio pode ser rede: re é uma multiplicidade de elementos que pode set “reduzida” ao set completo ¢ tnico drvore. O mesmo unidade; uma devo no acontece com 9 sizoma, que mio possui uma uni- _dade que sitva de pivé para uma objetivacio/subjeti= ‘vacior 0 izoma nfo € sujeto nem objeto, mas miltiplo. > “As malipidades iain ar rnd iplcidades arborescents®. Prado de pa eigen, 0 vzane nt presmipSd qualquer processo de significagio, de hieraruizagto. Embora seja estatifieado por linha, send, assim, ter storalizado, organizado ete, exté sempre sujeto is & _sbas de fuga que apontam para novas e insuspeitas GzejBex Embom se consina mum mya, como vete- ‘mos a seguir, 0 tizoma é sempre um rascunho, um der, ‘uma cartografia a ser tragada sempre © novamente, & cada instante. . Prinipi de carta: © sizoma pode ser mapeado, ear tografado, ¢ tal exrtogratia nos mostra que ele possui entradas miliplas, isto €, 0 tizoma pode ser acessado de infinitos pontos, podendo dai remeter a quaisquer ou ‘os pontos em seu terrério.J4 0 paradigma arbores- ccente remete a0 mesmo porque “toda a lgiea da dewore € uma légien da e6pia, da reproducio”.* O rizoma, pporém, enquanto mapa, possui sempre regides insus- pitas, uma siqueza geogrifica pautada numa légiea do devi, da exploragio, da descoberta de novas facets weap > Bde, 2, ” ‘coutcho-rensanonesecoveAchor Le) ynedenioreon ES ee es eS Coe ee ee eee ee pe emneperns saber passa a ser uma fininaldade © coshecimento nio é nem uma fotma, nem una fore, mas uma fini: “eu fanciono”. O sujctaapresentase agora como tum “ject”, ponquc esta dos elementos uj enrateistica prin ‘Spal a citing, o discemimnto limites constantes, varie, Fangs, todos esses functivor ou prospectos que formam 05 teams da proporigi centifia2” © sizoma rompe, assim, cory a hierarguizagio — tanto n0 aspecto do pode e da importings, quanto no aspocto das prio- tides na eiculao ~ que € ppra do paradigma acbéceo. No rizoma so miliplas as linhas de fuga poranto mvipis as possbilidades de conexdes, aproximagdes, cones, pereeppes ec, Ao romper com essa hieraeguia estanque, © soma pede, Porém, uma nova forma de tinsito possivel por entre seus ind eros “devires"; podemos encontei-la na toner A nogio de tansversadade foi desenvolvida sinda no prin- ipio dos anos sesenta por Félix Gusta, ao eatar das ques- ‘es ligadas a terapéutica institucional, propondo que ela substicusse a nogio de tansferci ‘Transversaldade em oposigio uma verialdade que encontramos, por exemplo, nas desc Bes feitas pelo organograma de ma estruura pail (che fs, subehefesete.); ® DELEUZE/GUATTARI, 1992p. 275 7 paruzea acoucacko hospital, no pavilbio dos agitados, ou, edos, so, uma cea stuago de fat em que as cous eas pessoas ajctem-se como podem na situagio em que se en- Podemos asim, tomar a nogio de trinsversaldad e aples- Ja A imagem sizomitica do saber: cla seri a mats ca mobilida- de por entre os iames do rizoma, abandonanxlo os vetialismos _ horizontalismos que seriam insufcientes part uma abranggncia de visio de todo 0 “hosizonre de eventos” possbilitade por um [As propostas de intercisciplinaridade postas hoje sobte a ‘mesa apontam, ao contesto de uma perspectiva arborescente, pparaintegragdes Jorigaaie rerzas entre as virias ciéncas; numa pperspectiva rizomtica, podemos apontar parm uma /snwral dade entze as virias é2eas do sabe, integeando-as, seni em sua ‘wtalidade, pelo menos de forma muito mais abrangente, pos bilitando conexdes inimaginiveis por meio doy paradigm ar- _borescente, Assumir a transversalidade &transtar pelo teritério ‘do saber como as sinapses viajam pelos neurdnios, uma _aparentemente catia que constedi seu(s)sentido(s) fem que desenvalvemos sun equagio fact ‘Nessa perspectiva, podemos afirmar que « proposta ints isciplnar, em todos 05 seus matizs, aponta para uma tentativa de slobalzesde, este cinone do neoliberalsmo, remetendo a0 Uno, a0 Mesmo, tentando costurar 0 incoscurivel de uma frag- mentagio histtica dos saberes. A transverse tizomitica por sua vee, aponta para o reconbecimento da pulverizacio, da _ukiplcizagio, para aatengio as diferengas ei diterenciago,cons- ‘indo possiveis winsios pela muliplicidade dos saberes, sem procurar integri-os artfcialmente, mas estabelecendo policom- preenséis infinias Para « educagio, as implicagdes so profundas. A aplica- 0 do conceito de rizoma na organizacio curricular da escola 5 GUATEARI, 1985, p 9398 ~ CoLEeKo“reeaDonEs eDUCACKO" Signiesa uma evlugio no process cdncaciona pois sibs Shuia um acesso arquivo estanque a0 conhecimento que poderia, ao mx, er nena pos rinsos ertess © horizons de uma io interdsipinar que oss capa de ven cer tvs a eit, mi sem conseuie venice, de ft, 4 comparinentaizacio, por um acesso wansveral que eleva 20 innio a8 possildads de nso por ente os tabere,O aces tansvereal significa 0 fim da compartinentlizagio, pois as “paves” setiam aberas econhecendo a malic. de das teas do conheciment, tte de postr todo ¢ plgue tte por ene eas (© mixino pose! par cui, no conten do padi sma chorea, se a ego de uma gba aprente— « fall ~ dos contetdoscuteulares. No comtexo tomate, dsiando de lado est iuto do Todo, a edcasio podera Possibiliar a cada alino um acesso difeenciado is eas do saber dese particular interes Inn gif, dao, 0 des paecimento da escola como conhecemon, pois erompeia com todas os hicrarpzagiese disparage, tnt no spect epittemolgico quanto no poica Mas posbitaca «sel. so de um proceso eccacional muito mais ondizete com txigéncias dx contempormeiade 2 Como pensar wm eurticulo transversal e rizomitien? Em primeico lugar, seria necessitio deixar de lado qual- {quer pretenso cientifica da pedagogia. Como sera possivel con- trolar, prever, quantficar os diferentes cortes transversais no apa dos saberes? O processo educative passart a set uma ‘eteregénee, para utilizar um termo de Deleuze © Guattari uma ‘produgio singular a partir de makiplos referenciais, da qual nic ‘hd sequer como vislumbrar, de antemio, o resultado. Em segundo lugar, seria necessio deisar de lado qualquer pretensio massficante da pedagogia. O processo educative se- fia necessariamente singular, voltdo para a formagio de uma subjetividade autnoma, completamente distinta daguela resul- tante do processo de subjetivacio de massa que hoje vemos como resultante das diferentes pedagogias em exerccio, 80 Em tereeto lugar, seria necessirioabsndona a pretensio a0 uno, de compreender © real como uma unidace muhifacetada, ‘mas ainda assim unidade, A perspectiva inteciscplinar ressente- sede que na dscipinarizacio ca-se numa fragmentagio, ¢ busca recuperar a unidade perdida, Uma educasio rizomitica, por sa _vez,abre-se part a mulkiplicidade para uma realidad fragmenta «dae milipl, sem a necessidade mitca de rocuperse uma ligagio, uma unidade perdida. Os campos de saberes sio tomados como, absolutamente aberwos; com horizontes, mas sem fonteins, per- mitindo exinsios inustados einsuspeitados, Pensar uma educagio e um currculo nao-

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