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A garota mais triste que já  

segurou um drink de Martini 


 
É  provável  que  esperamos,  muitas 
das  vezes,  que  os  momentos  especiais 
possam  ser  congelados  em  um  tanque 
cheio  de  memórias  realmente  incríveis. 
Como  se  a  vida  pudesse  ser  um  “sonho 
lúcido”  em  uma  espécie  de  coleção  de 
coisas  que  nos  marcaram  e,  portanto, 
queremos  sempre  por  perto, como um cão 
fiel que nos acompanha para todo lugar. 
Ao  mesmo  tempo,  uma  vida  assim 
não  é  necessariamente  “fiel”  a  uma 
hipotética  construção  de  fatos,  nomes  e 
lugares  sem  maiores  responsabilidades. 
Mesmo  porque,  o  que  faz  a  vida  é  a 
mistura  perigosa  entre  acaso,  conquista, 
decadência e renascimento.  
Passado,  presente  e  futuro  como 
figuras  em  um  livro  por  nós  editado  não 
parece  a  opção mais potente para, de fato, 
saborearmos o que é bom.  
É  nesse  contexto  que  faz  todo  o 
sentido  a  frase  do  melhor  amigo  do 
protagonista  de  ​Vanilla  Sky,​   interpretado 
por  Tom  Cruise:  “O  doce  só  é  mais  doce 
com  o  amargo.”  Ou  seja,  só  faz  sentido 
aquilo  que  encontra  seu  oposto  direto,  e 
nessas  oscilações  inscrevemos  nossas 
lembranças  e  fazemos  o  possível  para  ter 
de volta as melhores sensações da vida. 
No  filme,  tudo  se  torna  realmente 
assustador  no  momento  em  que  David 
entra  no  carro  de  sua  “amiga”,  Julianna, 
depois  de  passar  uma  noite  (sem  sexo) 
com  a  bela  Sofia,  por  quem  se  sentira 
atraído  profundamente.  Segue-se  uma 
pequena  corrida  que  mudará  para  sempre 
o destino de David. 
Sofia,  a  garota  que  se  torna  sua 
obsessão,  parece  estar  para  ele  como  um 
sintoma  em  meio  ao  trágico  acidente  no 
qual  se  envolveu  ao  aceitar  a  “carona”  de 
Julianna.  Esta  se  mostraria  um  tanto 
quanto  paranóica  demais,  ao  declarar  seu 
amor  por  quem,  até  aquele  momento,  era 
apenas um “ficante”, em acordo mútuo. 
Acontece  que,  após  se  sentir 
rechaçada  por  David,  Julianna  confessa 
que  o  amava.  Ela  deixa  claro  que  tudo  o 
que  viveram  era  muito  mais  do  que  havia 
sido  enunciado  entre  ambos.  Como  se  a 
cumplicidade  de  uma  noite  juntos  disesse 
mais do que a superficialidade ostenta. 
É  nesse  ponto  que  David  se  dá conta 
do  perigo  que  corria  tendo  Julianna  ao 
volante. No entanto, já era tarde demais… 
Além  de  todos  esses  detalhes,  o  que 
importa  nessa  história  é  o  dilema  entre 
sonho e realidade.  
O  que  você  faria  se  tivesse  a 
oportunidade  de  viver  o  sonho  da  tua 
vida,  ainda  que  em  um  estado  de 
“congelamento”?  Ser  um  Deus  do  próprio 
destino  e  controlar  tudo  a  sua  volta,  mas 
sem  poder,  de  fato,  experimentar todas as 
nuances  da  realidade  (contradições, 
desafios, decepções)? 
É  exatamente  nessa  linha  de 
pensamento  que  David  canta:  “​What  if 
God was one of us?​” 
Por  outro  lado,  nossas  existências 
estão  a  todo  momento  ameaçadas  pelas 
mais  variadas  catástrofes.  Talvez,  ao 
longo  de  uma  vida,  tenhamos  não  mais 
que  uma  dúzia  de  motivos  para  levantar 
da  cama  todos  os  dias.  Sem  falar  a 
incerteza  cruel  que  coloca  sobre  nossas 
cabeças  o  medo  e  o  infortúnio,  a  nos 
espreitar. 
Mas  não  podemos  desconsiderar  que 
esses  mesmos  dissabores  fazem  toda  a 
diferença  quando  algo  incrível  acontece. 
“O doce só é mais doce com o amargo.” 
David  é  um  privilegiado  porque, 
apesar  dos  perrengues  pelos  quais  passa, 
ele  pode  experimentar  o  sonho  acordado 
e,  ao  final,  fazer  a  escolha  de  sua  vida. 
Entre  o  real  e  o  imaginário  sua  vida  se 
encontrará  na  encruzilhada  final,  e  então 
saberemos qual a revelação valerá à pena. 
Na  hora  da  decisão,  a  “garota  dos 
teus  sonhos”  não  estará  ausente,  apesar 
de  ser  apenas  um  resíduo  da  memória  do 
teu  eu-digital,  congelado  segundo  as 
técnicas  de  uma  ciência  que  não  tarda. As 
promessas  da  criogenia  na  alucinada 
criação de Cameron Crow. 
É  nessa  hora  que  a  pergunta  mais 
importante  é  repetida  e  já  sabemos  a 
resposta:  “David,  o  que  é a felicidade para 
você?” 
 
 
G.D.S. 

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