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Todo “para sempre” é provisório

Quando crianças, somos tomados pela alegria das incessantes descobertas. Nesse tempo, o deslumbramento nos
instiga a sondar e a conhecer, a tocar o não sabido, a explorar o incerto. Na medida em que vamos crescendo,
tomamos um caminho contrário. Cercamo-nos de certezas diversas na ilusão de que essa redoma nos deixará
seguros. Então passamos a desejar que o conhecido e amado se perpetue no tempo e no espaço, e nos fechamos para
o novo.

Passamos, assim, a escolher caminhos com a intenção de perenidade, firmamos compromissos com prazos a
perder de vista, desenhamos o nosso destino, celebramos contratos, juramos amores selados de eternidade.
Contudo, todo para sempre é provisório. Os planos, as metas, as juras eternas, eles são o cenário perfeito
para que a vida se mostre maior do que toda e qualquer previsão.

É que o verdadeiro viver só acontece no improviso. Ele acontece quando um “quase” nos resvala a alma.
Quando um “se” nos exaspera. Quando você olha um desconhecido e percebe que ele o observa e que os olhos
dele brilham. Quando você finalmente constata que a profissão dos seus sonhos não era tão a profissão dos
seus sonhos assim e que você pode criar alternativas. Ele acontece quando tudo transborda ou quando tudo
falta, e você sente que algo dentro de si se agiganta e que você pode ser maior do que é.

A vida não tem relógio de ponto. Não se apresenta de hora marcada. Ela não vem com manuais. Não tem
garantias. Mas é uma aventura a ser levada a sério, pois tudo só é enquanto não se esvair. E tudo se esvai de
nós, embora em nós ainda possa eternizar-se. O bonito é regressar às infâncias e ver, com a maturidade dos nossos
olhos já vividos, que existe beleza nesse caos. Perceber que existem flores e perfumes nesse tumulto. Saber que não
fomos feitos para o tédio, que não nascemos para ser mornos. Certamente se a beleza de ontem fosse eterna já não
encontraria o mesmo eco em nossas almas. Afinal, aquele que em nós viveu já não é vivo. Somos, a cada dia, a
nossa mais nova reinvenção.

Por Evgeny Atamanenko

1
INVICTO

William Ernest Henley

Da noite escura que me cobre,


Como uma cova de lado a lado,
Agradeço a todos os deuses
A minha alma invencível.

Nas garras ardis das circunstâncias,


Não titubeei e sequer chorei.
Sob os golpes do infortúnio
Minha cabeça sangra, ainda erguida.

Além deste vale de ira e lágrimas,


Assoma-se o horror das sombras,
E apesar dos anos ameaçadores,
Encontram-me sempre destemido.

Não importa quão estreita a passagem,


Quantas punições ainda sofrerei,
Sou o senhor do meu destino,
E o condutor da minha alma.

2
Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.


Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.


Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?


Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Os versos acima foram publicados originalmente no livro “Sentimento do Mundo”, Irmãos Pongetti – Rio de
Janeiro, 1940. Foram extraídos do livro “Nova Reunião”, José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1985, pág. 78.

3
“As mulheres secas”, por Joilson Kariri
As mulheres secas não se banham,
só lavam suas caras sujas nas águas dos olhos,
é pra isso que choram, se entristecem e choram.
E quando a noite desanoitece
e o sol vem queimar o mundo,
é hora de rezar as velhas preces
é hora de rezar em vão, de juntar mais mágoas
que é para se entristecer e dar mais águas
nos olhos que são cacimbas de beber.
As mulheres secas bebem lágrimas!
tentando fazer leite nas muchibas magras, ocas
e não vem leite que dê pra tantas bocas,
dos meninos magros, secos
que só sugam nesses peitos, suor e sal.
As mães secas vivem de encantar meninos,
são enganadoras e prometem o céu que não têm
o leite que não vem,a chuva, o mingau.
As mulheres secas, pra enganar, dão até de sorrir
e escondem deles as suas dores, seus cansaços
e chupando seus peitos secos, embalados em seus braços,
mais um menino morre, sem ela nem sentir.

(Texto Joilson Kariri e desenho de José Pádua)

Joilson Kariri é escritor. Publicou o livro “A noite do despejo” e prepara a publicação de outras obras.

4
Mulher da vida – Cora Coralina
Mulher da Vida, Minha irmã.

De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades
e carrega a carga pesada
dos mais torpes sinônimos,
apelidos e apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à-toa.

5
“O bairro da minha infância” – poema de Mia Couto
Não são as criaturas que morrem.
É o inverso:
só morrem as coisas.

As criaturas não morrem


porque a si mesmas se fazem.

E quem de si nasce
à eternidade se condena.

Uma poeira de túmulo


me sufoca o passado
sempre que visito o meu velho bairro.

A casa morreu
no lugar onde nasci:
a minha infância
não tem mais onde dormir.

Mas eis que,


de um qualquer pátio,
me chegam silvestres risos
de meninos brincando.

Riem e soletram
as mesmas folias
com que já fui soberano
de castelos e quimeras.

Volto a tocar a parede fria


e sinto em mim o pulso
de quem para sempre vive. A morte
é o impossível abraço da água.

6
“Vi uma mãe chorar o filho morto a tiros” – por Nara Rúbia
Ribeiro

NINHO

Não gosto muito de saber


As verdades do mundo.
Prefiro inventar
Minhas próprias verdades.

Vezes raras
Vejo jornais.

Ontem vi uma mãe


Chorar o filho morto a tiros
Por animais que professam
Pertencer à espécie humana.

Ao descer do prédio,
Deparei-me com uma mãe beija-flor.
Ela construiu seu ninho
Em cima da minha garagem.

Quando me viu, colocou-se entre mim e o ninho,


Batia as asas, ameaçava atacar-me,
E retornava à proteção de seus ovos.

Cheguei a pensar comigo:


– Será que essa mãe viu o jornal da tarde?

Olhei bem para aquele ser minúsculo,


Dócil, frágil,
Que tentava afugentar-me a todo custo,
E disse: Fica em paz, Minha forma ainda é humana,
Mas meu coração é passarinho.

7
“Testamento da mulher suspensa” – poema de Mia Couto
Eis o que vos deixo:
um leve gosto
de renascer lembrada.

E um falso desejo de ser esquecida.

Que eu virei
buscar a espuma da onda
que ficou para sempre por quebrar.

Beleza não me bastou:


o que quis ser
foram cetins de fogo,
pétalas de cinza depois do abraço.

Nem flor invejei:


o que mais ilumina
vem de um oceano escuro.

Esperanças tive: todas naufragaram


ante cansaços e remorsos.
Procurei ilhas e mares:
só havia viagens,
travessias de água
nos olhos de quem amei.

Num mundo com remédios parcos


não clamei bravuras.
Injusto é viver
em perecível ser.

Menina,
aprendi a desenrolar tapetes
em rasos pátios voadores,

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varandas maiores que o mundo
onde o tempo à nossa mão vinha beber.

Meus pequenos dedos


rasgaram céus,
mas o ensejo era largo:
em mim secaram
lembranças de um mar antigo.

Assim,
tudo o que sou
já fui
na criança que sonhou ser tudo.

Meus lutos, sem emenda, carrego:


viuvez de mulher não vem de marido.

Vem do amor não mais sonhado.

Com a fragilidade de um riso


enfrentei ruínas e derrotas
e apenas a vida, calada, me calou.

Tudo falei com meus amantes.


Perante o amor, porém, não tive palavra.
O que da vida me restou:
pegadas alheias sob meus pés molhados.

Viver sabe quem ainda vai viver.

Deixo-me, mulher que quase foi,


à mulher que nunca fui

Mia Couto, no livro Tradutor de Chuvas.

9
“Quanto menos entendemos, mais julgamos.” – Mia Couto

As armadilhas de dentro

A nossa tentação é quase sempre maniqueísta. A visão simples que separa os “bons” dos “maus” é sempre a mais
imediata. Quanto menos entendemos, mais julgamos. A cilada maior é acreditarmos que as armadilhas estão sempre
fora de nós, num mundo que temos por cruel e desumano. Ora, por muito que nos custe, nós somos também esse
mundo. E as armadilhas que pensávamos exteriores residem profundamente dentro de nós. Quebrar as armadilhas do
mundo é, antes de mais, quebrar o mundo de armadilhas em que se converteu o nosso próprio olhar. Precisamos de
passar um programa antivírus pelo nosso hardware mental. Escolhi falar dessas ratoeiras interiores que nos
convertem em nómadas deambulando entre ecos e sombras.

A armadilha da realidade

Uma das primeiras armadilhas interiores é aquilo que chamamos de “realidade”. Falo, é claro, da ideia de realidade
que actua como a grande fiscalizadora do nosso pensamento. O maior desafio é sermos capazes de não ficar
aprisionados nesse recinto que uns chamam de “razão”, outros de “bom-senso”. A realidade é uma construção
social e é, frequentemente, demasiado real para ser verdadeira. Nós não temos sempre que a levar tão a sério.

Quando Ho Chi Minh saiu da prisão e lhe perguntaram como conseguiu escrever versos tão cheios de ternura
numa prisão tão desumana ele respondeu: “Eu desvalorizei as paredes”. Essa lição se converteu num lema da
minha conduta. Ho Chi Minh ensinou a si próprio a ler para além dos muros da prisão. Ensinar a ler é
sempre ensinar a transpor o imediato. É ensinar a escolher entre sentidos visíveis e invisíveis. É ensinar a
pensar no sentido original da palavra “pensar” que significava “curar” ou “tratar” um ferimento. Temos de repensar
o mundo no sentido terapêutico de o salvar de doenças de que padece. Uma das prescrições médicas é mantermos a
habilidade da transcendência, recusando ficar pelo que é imediatamente perceptível. Isso implica a aplicação de um
medicamento chamado inquietação crítica. Significa fazermos com a nossa vida quotidiana aquilo que fizemos neste
congresso que é deixar entrar a luz da poesia na casa do pensamento.

A armadilha da identidade

A mais perigosa armadilha é aquela que possui a aparência de uma ferramenta de emancipação. Uma dessas ciladas
é a ideia de que nós, seres humanos, possuímos uma identidade essencial: somos o que somos porque estamos
geneticamente programados. Ser-se mulher, homem, branco, negro, velho ou criança, ser-se doente ou infeliz,

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tudo isso surge como condição inscrita no ADN. Essas categorias parecem provir apenas da Natureza. A nossa
existência resultaria, assim, apenas de uma leitura de um código de bases e nucleótidos.

Esta biologização da identidade é uma capciosa armadilha. Simone de Beauvoir disse: a verdadeira natureza
humana é não ter natureza nenhuma. Com isso ela combatia a ideia estereotipada da identidade. Aquilo que
somos não é o simples cumprir de um destino programado nos cromossomas, mas a realização de um ser que
se constrói em trocas com os outros e com a realidade envolvente.

A imensa felicidade que a escrita me deu foi a de poder viajar por entre categorias existenciais. Na realidade,
de pouco vale a leitura se ela não nos fizer transitar de vidas. De pouco vale escrever ou ler se não nos
deixarmos dissolver por outras identidades e não reacordarmos em outros corpos, outras vozes.

A questão não é apenas do domínio de técnicas de decifração do alfabeto. Trata-se, sim, de possuirmos instrumentos
para sermos felizes. E o segredo é estar disponível para que outras lógicas nos habitem, é visitarmos e sermos
visitados por outras sensibilidades. É fácil sermos tolerantes com os que são diferentes. É um pouco mais difícil
sermos solidários com os outros. Difícil é sermos outros, difícil mesmo é sermos os outros.

A armadilha da hegemonia da escrita

Uma terceira armadilha é pensar que a sabedoria tem residência exclusiva no universo da escrita. É olhar a
oralidade como um sinal de menoridade. Com alguma condescendência, é usual pensar a oralidade como património
tradicional que deve ser preservado. O culto de uma sabedoria livresca pode contrariar o propósito da cultura e do
livro que é o da descoberta da alteridade.

Certa vez, um menino de rua em Maputo veio-me devolver um livro que ele vira nas mãos de uma estudante à saída
da escola. Notando a minha fotografia na capa, esse menino acreditou que a estudante me tinha roubado o livro. Me
comoveu esse menino que atravessou a cidade para me devolver algo que, no entender dele, me pertencia. Mas o
que ele me entregava era mais do que um objecto. Ele me entregava a inquietação profunda, a interrogação: a quem
pertence realmente um livro? Ele é nosso porque o adquirimos, sim. O livro deve ser objecto e mercadoria para
chegar às nossas mãos. Mas só somos donos desse objecto quando ele deixa de ser objecto e deixa de ser
mercadoria. O livro só cumpre o seu destino quando transitamos de leitores para produtores do texto, quando
tomamos posse dele como seus co-autores.

A mais importante linha divisória em Moçambique não é tanto a fronteira que separa analfabetos e
alfabetizados, mas a fronteira entre a lógica da escrita e a lógica da oralidade. A absoluta maioria dos 20
milhões de moçambicanos vive e funciona num tipo de racionalidade que tem pouco a ver com o universo urbano.
Mas em Moçambique, como no resto do mundo, a lógica da escrita instalou-se com absoluta hegemonia. Nesses

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casos, pressupostos filosóficos do mundo rural correm o risco de ser excluídos e extintos. Algumas das ideias que
venho defendendo nesta comunicação estão claramente presentes na epistemologia da ruralidade africana. A
concepção relacional da identidade, inscrita no provérbio: “Eu sou os outros”; a ideia de que a felicidade se alcança
não por domínio mas por harmonias; a ideia de um tempo circular; o sentimento de gerir o mundo em diálogo com
os mortos: todos estes conceitos constam da rica cosmogonia rural africana. É evidente que não se pode romantizar
esse mundo não urbanizado. Ele necessita de enfrentar o confronto com a modernidade. O desafio seria alfabetizar
sem que a riqueza da oralidade fosse eliminada. O desafio seria ensinar a escrita a conversar com a oralidade.

Não são só os livros que se lêem

Falamos em ler e pensamos apenas nos livros, nos textos escritos. O senso comum diz que lemos apenas
palavras. Mas a ideia de leitura aplica-se a um vasto universo. Nós lemos emoções nos rostos, lemos os sinais
climáticos nas nuvens, lemos o chão, lemos o Mundo, lemos a Vida. Tudo pode ser página. Depende apenas da
intenção de descoberta do nosso olhar. Queixamo-nos de que as pessoas não lêem livros. Mas o deficit de leitura é
muito mais geral. Não sabemos ler o mundo, não lemos os outros.

Vale a pena ler livros ou ler a Vida quando o acto de ler nos converte num sujeito de uma narrativa, isto é,
quando nos tornamos personagens. Mais do que saber ler, será que sabemos, ainda hoje, contar histórias? Ou
sabemos simplesmente escutar histórias onde nos parece reinar apenas silêncio?

Lembrei aqui o episódio do menino de rua porque tudo começa aí, na infância. A infância não é um tempo, não é
uma idade, uma colecção de memórias. A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos
disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar. Quase tudo se adquire nesse tempo em
que aprendemos o próprio sentimento do Tempo.

A verdade é que mantemos uma relação com a criança como se ela fosse uma menoridade, uma falta, um estado
precário. Mas a infância não é apenas um estágio para a maturidade. É uma janela que, fechada ou aberta,
permanece viva dentro de nós.

Recordo-me de que a guerra tinha deflagrado no meu país e o meu pai me levava a passear por antigas vias-férreas à
procura de minérios brilhantes que tombavam dos comboios. Em redor, havia um mundo que se desmoronava mas
ali estava um homem ensinando o seu filho a catar brilhos entre as poeiras do chão. Essa foi uma primeira lição de
poesia. Uma lição de leitura do chão que todos os dias pisava. Meu pai me sugeria uma espécie de intimidade entre o
chão e o olhar. E ali estava uma cura para uma ferida que eu não saberei nunca localizar em mim, uma espécie de
memória de alguém que viveu em mim e fechou atrás de si um cortinado de brumas.

Pois eu vivo praticando a lição de leitura do meu pai que promove o chão em página. E estou aplicando o
ensinamento de Ho Chi Minh que despromove a prisão em possibilidade de página. Deste modo aprendendo algo
que sei que nunca chegarei a saber.

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Enquanto escrevia o meu romance O último voo do flamingo viajei pelo litoral do sul de Moçambique à procura de
mitos e lendas sobre o mar. Mas tal não aconteceu. Dificilmente havia histórias ou lendas. O imaginário destes
povos pertencia invariavelmente à terra firme. Apesar de habitarem o litoral, os seus sonhos moravam longe do
oceano.

Aos poucos fui entendendo — aquelas zonas costeiras eram habitadas por gente que chegou recentemente à beira-
mar. São agricultores-pastores que foram sendo empurrados para o litoral. A sua cultura é a da imensidão da savana
interior. Em suas línguas não existem palavras próprias para designar barco. O pequeno barquinho toma o nome a
partir do inglês — bôte. O navio grande é chamado de xitimela xa mati (literalmente, “o comboio da água”). O
próprio oceano é chamado de “lugar grande”. Pescar diz-se “matar o peixe”. Deitar a rede é “peneirar a água”.

As armadilhas de pesca são construídas à semelhança daquelas usadas na caça. Os territórios de colecta de mariscos
na praia são parcelados e sujeitos a pousio, exactamente como se faz nos terrenos agrícolas. Ao contrário do que
sucede no centro e no norte de Moçambique, estes povos pescam sem serem pescadores. São lavradores que também
colhem no mar. O seu assunto continua sendo a semente e o fruto. Os seus sonhos moram em terra e os deuses
viajam pela chuva.

Nós estamos todos como esses povos que desconheciam a relação com o mar. O chamado “progresso” nos empurrou
para uma fronteira que é recente, e olhamos o horizonte como se fosse um abismo sem fim. Não sabemos dar nome
às coisas e não sabemos sonhar neste tempo que nos cabe como nosso. Os nossos deuses dificilmente têm moradia
no actual mundo.

Mas é exactamente nesse espaço de fronteira que estamos aprendendo a ser criaturas de fronteira, costureiros de
diferenças e viajantes de caminhos que atravessam não outras terras mas outras gentes. A poesia de Gullar deu mote
a este encontro. O poeta Gullar defende que a poesia tem por missão desafiar o impossível e dizer o indizível.
O que o poeta faz é mais do que dar nome às coisas. O que ele faz é converter as coisas em aparência pura. O que o
poeta faz é iluminar as coisas. Como nos versos com que encerro:

Toda coisa tem peso: uma noite em seu centro. O poema é uma coisa que não tem nada dentro,
a não ser o ressoar de uma imprecisa voz que não quer se apagar — essa voz somos nós.

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“Cansa ser, sentir dói”: a morta esperança de Fernando Pessoa
Cansa ser, sentir dói, pensar destruir.
Eu sou os outros, pensar destruir.
Alheia a nós, em nós e fora,
Rui a hora, e tudo nela rui.
Inutilmente a alma o chora.

De que serve? O que é que tem que servir?


Pálido esboço leve
Do sol de inverno sobre meu leito a sorrir…
Vago sussuro breve.

Das pequenas vozes com que a manhã acorda,


Da fútil promessa do dia,
Morta ao nascer, na ‘sperança longínqua e absurda
Em que a alma se fia.

Como às vezes num dia azul e manso


Como às vezes num dia azul e manso
No vivo verde da planície calma
Duma súbita nuvem o avanço
Palidamente as ervas escurece
Assim agora em minha pávida alma
Que súbito se evola e arrefece
A memória dos mortos aparece…

De aqui a pouco acaba o dia


De aqui a pouco acaba o dia.
Não fiz nada. Também, que coisa é que faria?
Fosse a que fosse, estava errada.

De aqui a pouco a noite vem.


Chega em vão. Para quem como eu só tem
Para o contar o coração.

E após a noite e irmos dormir


Torna o dia. Nada farei senão sentir.
Também que coisa é que faria?

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Não te quero senão porque te quero – Pablo Neruda

Não te quero senão porque te quero,


e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.

Não te quero senão porque te quero,


e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.

Talvez consumirá a luz de Janeiro,


seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo.

( Pablo Neruda )

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O amor segundo Neruda
Neruda foi muito além da escrita de vinte poemas de amor e canções desesperadas, de muito mais que versos de
capitão ou sonetos talhados em madeira… Neruda talhou o próprio amor.

Como é o amor do poeta que tantos poemas desvela, tantas poesias – umas (muitas!), de amor -, que o Sol, as
chuvas, os desânimos do mundo não impedem de prosseguir em seu labor? Como é o amor de quem ao amor não se
nega, de quem se dá e se entrega sabendo nele esse destino propenso tanto para a dor? É inevitável: “tu e eu
tínhamos que simplesmente amar-nos” (NERUDA, 2016, p. 10) É a si, e de si mesmo, anterior.

É o amor em que “quando antes de amar-te me esqueci de teus beijos/ meu coração ficou recordando tua
boca” (NERUDA, 2016, p. 13). Existe antes de existir, recorda antes do que recordar. É um amor que busca
lembrar os beijos não acontecidos, a boca ainda intocada, e que nessa lembrança mesma, nesse esforço se
descobre amor. Amor de manhãs, de auroras… Essa é a sua força. Uma força que escapa ao espaço-tempo,
que não se recorta, contorna, corta ou retém ou explica. É tão forte, tão humana e desumanamente forte que
não se contém, ou tampouco se sustém. É sempre presente – no antes, no agora, no depois (“por nosso amor
que não foi consumido/ continuará vivendo conosco a terra”), na coisa mais ínfima, no gesto (tosco, sem
propósito), no cabelo, no riso, no rosto; naquele rosto às vezes sem vida, pétreo, ruim, de ressaca, de cansaço,
de nojo.

O nojo! Nesse amor não existe nojo. Tudo é enlevo, tudo é sublime, tudo é amor. O amor é amor. E não pode
ser mais amor porque não pode ser além dele mesmo: amor. O que há além dele é o nada, e o tudo. Porque
esse nada, absoluto, robusto, completo, é total. Não há outra teleologia. Tudo é em função dele.

Áspero, rude, esse amor provoca dor, precipita fogos dolorosos, abre queimantes caminhos e feridas. Mas é também
o amor da recordação da vez que “foi como nunca e sempre” (NERUDA, 2016, p. 12), em que se vai onde não
espera nada e se acha tudo o que está esperando. É terno, silencioso, cúmplice: “juntos tu e eu, amor meu,
selamos o silêncio […] sustentamos a única e acossada ternura” (NERUDA, 2016, p. 17).

O amor de Neruda é o amor em que ela é tudo – seu abraço é o abraço do todo -, o amor em que se vê na vida do
outro, no que se ama, “todo o vivente” (NERUDA, 2016, p. 16); amor que roga que nada se transforme na
amada, nada mude, nada a toque “senão o sal do frio!” (NERUDA, 2016, p. 18); um amor em que “teus quadris
imponham na água/ uma medida nova de cisne ou de nenúfar/ e navegue tua estátua pelo cristal eterno” (NERUDA,
2016, p. 18); amor faminto, guloso dela, de tudo quanto nela existe – da boca, da voz, dos olhos, do riso… O
amor do poeta é uma metáfora, uma metáfora sem comparação – é maior do que tudo, a nada equiparável.

Amar, para Neruda, “é uma viagem com água e com estrelas […], “um combate de relâmpagos/ e dois corpos por
um só mel derrotados” (NERUDA, 2016, p. 20). Anteriormente, antes de amar, nada era seu, não contava, nem
tinha nome: “tudo era dos outros e de ninguém”. Tudo era alheio, vazio, morto, até que “tua beleza e tua

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pobreza/ de dádivas encheram o outono” (NERUDA, 2016, p. 33). Amar transforma. Amar enche de vida.
Amar é feito de azuis (de azuis-celestes), de instantâneos, da supressão dos cinzentos do mundo. Amar é luz, é
fogo, é espuma.

O amor nerudiano é sobremaneira imagético, visual; tem atenção a cada detalhe, a cada parte dessa outra parte que é
o ser amado. E cada uma das partes, físicas, expressões e semblantes, lhe merece poesia.

Merecem poema o riso (“nega-me o pão, o ar,/ a luz, a primavera,/ mas nunca o teu riso,/ porque então
morreria”), os cabelos (“pesado, espesso e rumoroso,/ no ventaria do castelo/ o cabelo da amada/ é um lampadário
amarelo”), a voz (“Ah tu voz misteriosa que el amor tiñe y dobla/ en el atardecer resonante y muriendo!/ Así en
horas profundas sobre los campos/ he visto doblarse las espigas en la boca del viento”), as unhas, os dedos (“amo
teus dons puros […] tuas unhas oferecidas no sol de teus dedos”), a boca, os pés (“tua boca, teu pé, tua luz, tuas
penas/ foram o patrimônio da vida”), as mãos (“tus blancas manos, suaves como las uvas”), os olhos (“tienes ojos
profundos donde la noche alea”), todo o corpo: “Cuerpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos,/ te pareces al
mundo en tu actitud de entrega./ Mi cuerpo de labriego salvaje te socava/ y hace saltar al hijo del fondo de la tierra”.

Ambivalente – pois que de dois modos é a vida, ama-a e não a ama, ama-a “para recomeçar o infinito”, para
que não deseje amá-la nunca – é um amor sem início e sem fim, um amor de duas vidas: “Por isso te amo
quando não te amo/ e por isso te amo quando te amo”. Por isso, também, a quer e não quer: “Ya no la quiero,
es cierto, pero tal vez la quiero./ Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido// Porque en noches como esta la tuve
entre mis brazos,/ mi alma no se contenta con haberla perdido”.

O amor de Neruda é um amor sem término, um amor que “assim como não teve nascimento/ morte não tem,
é como um longo rio,/ só muda de terras e de lábios” (NERUDA, 2016, p. 108). É um amor de marinheiro – o
amor que o poeta ama -, pois os marinheiros “besan y se van./ Dejan una promesa./ No vuelven nunca más”. O amor
do poeta é “el amor que se reparte/ en besos, lecho y pan./ Amor que puede ser eterno/ y puede ser fugaz./ Amor que
quiere libertarse/ para volver a amar./ Amor divinizado que se acerca/ Amor divinizado que se va”; amor que sabe
que há horas de partir, amor de naufrágios.

É um amor-elogio, amor-galanteio, amor que necessita se firmar, e se firma, exatamente, por meio dos
questionamentos que se coloca e das cristalizações daí advindas. É, em simultâneo, sincero e insincero, verídico e
inverossímil. É demais. É largo, grosso, grande, opulento, e o contrário de tudo isso, porque a raiz de tudo, desse
amor, é o amor que o poeta sente pelo amor em si. Como escrevera Nietzsche, “em última análise, amam-se os
nossos desejos, e não o objeto desses desejos”. Neruda, sobretudo, ama amar. Neruda, sobretudo, ama a pulsão, a
libido, o fruir. Sobretudo, não concebe a vida sem amor.

Por isso, seu amor é um amor de manhãs, de “meio-dias”, de tardes e de noites. De manhã, é um amor
venturoso, inequívoco, inevitável, amor-perfeito, de fome e de sede dela; ao meio-dia, comedido, “porque o
amor não pode voar sem deter-se” (NERUDA, 2016, p. 43); à tarde, transparente, a razão e o amor, gêmeos,
se elevando como duas asas, renascido, doído: “trouxe o amor sua cauda de dores,/ seu longo raio estático de

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espinhos,/ e fechamos os olhos porque nada,/ para que nenhuma ferida nos separe” (NERUDA, 2016, p. 74);
“talvez não ser é ser sem que tu sejas” (NERUDA, 2016, p. 82); à noite, “amada, amarra teu coração ao meu/ e
que eles no sonho derrotem as trevas” (NERUDA, 2016, p. 95), que o amor continue vivo, que ela siga florescendo,
florida, “que cheires o amor do mar que amamos juntos/ e que sigas pisando a areia que pisamos” (NERUDA, 2016,
p. 105).

À noite, “tudo deixou de ser, menos teus olhos” (NERUDA, 2016, p. 106), nasce o medo e a certeza do fim, em que
o poeta “[morrerá] beijando [sua] louca boca fria,/ abraçando o cacho perdido de [seu] corpo,/ e buscando a luz de
[seus] olhos fechados.// E assim quando a terra receber nosso abraço/ iremos confundidos numa única norte/ a viver
para sempre de um beijo a eternidade” (NERUDA, 2016, p. 109).

O amor sobreviverá. A época em que ela o amou será por outra azul substituída, “e quando estiver recém-lavado o
mundo/ nascerão outros olhos na água/ e crescerá sem lágrimas o trigo” (NERUDA, 2016, p. 112).

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Conselhos de Vida – Fernando Pessoa

Faça o menos possível de confidências. Melhor não as fazer, mas, se fizer alguma, faça com que sejam falsas ou
vagas. Sonhe tão pouco quanto possível, excepto quando o objectivo directo do sonho seja um poema ou
produto literário. Estude e trabalhe. Tente e seja tão sóbrio quanto possível, antecipando a sobriedade do corpo
com a sobriedade do espírito. Seja agradável apenas para agradar, e não para abrir a sua mente ou discutir
abertamente com aqueles que estão presos à vida interior do espírito.

Cultive a concentração, tempere a vontade, torne-se uma força ao pensar de forma tão pessoal quanto
possível, que na realidade você é uma força. Considere quão poucos são os amigos reais que tem, porque
poucas pessoas estão aptas a serem amigas de alguém. Tente seduzir pelo conteúdo do seu silêncio. Aprenda a
ser expedito nas pequenas coisas, nas coisas usuais da vida mundana, da vida em casa, de maneira que elas não o
afastem de você. Organize a sua vida como um trabalho literário, tornando-a tão única quanto possível.

“E eu, tendo mais alma, tenho menos liberdade?”


“Ai de mim, ai, pobre de mim! Aqui estou, ó Deus, para entender que crime cometi contra Vós.
Mas, se nasci, eu já entendo o crime que cometi.
Aí está motivo suficiente para Vossa justiça, Vosso rigor, porque o crime maior do homem é ter nascido.
Para apurar meus cuidados, só queria saber que outros crimes cometi contra Vós além do crime de nascer. Não
nasceram outros também?
Pois, se os outros nasceram, que privilégios tiveram que eu jamais gozei?
Nasce uma ave e, embelezada por seus ricos enfeites, não passa de flor de plumas, ramalhete alado quando veloz
cortando salões aéreos, recusa piedade ao ninho que abandona em paz.
E eu, tendo mais instinto, tenho menos liberdade?

Nasce uma fera e, com a pele respingada de belas manchas, que lembram estrelas.
Logo, atrevida e feroz, a necessidade humana lhe ensina a crueldade, monstro de seu labirinto.
E eu, tendo mais alma, tenho menos liberdade?
Nasce um peixe, aborto de ovas e Iodo e, feito um barco de escamas sobre as ondas, ele gira, gira por toda parte,
exibindo a imensa habilidade que lhe dá um coração frio. E eu, tendo mais escolha, tenho menos liberdade?
Nasce um riacho, serpente prateada, que dentre flores surge de repente e de repente, entre flores se esconde onde
músico celebra a piedade das flores que lhe dão um campo aberto à sua fuga.
E eu, tendo mais vida, tenho menos liberdade?
Assim, assim chegando a esta paixão, um vulcão qual o Etna quisera arrancar do peito, pedaços do coração.
Que lei, justiça ou razão pôde recusar aos homens privilégio tão suave, exceção tão única que Deus deu a um cristal,
a um peixe, a uma fera e a uma ave?”

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“Aniversário”, belíssimo poema de Fernando Pessoa

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,


Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,


Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,


O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…
A que distância!…
(Nem o acho…)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,


Pondo grelado nas paredes…
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…


Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim…
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

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Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui…
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…

Pára, meu coração!


Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.

Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!…

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!…

&

A leitura o transforma em uma pessoa mais empática

Em 2013, cientistas da Universidade de Emory compararam os cérebros de leitores e não-leitores. Eles descobriram
que os leitores utilizam a imaginação para entender as emoções dos personagens dos livros que leem e, por isso, são
geralmente pessoas mais empáticas.

A leitura aumenta a capacidade de compreender como as outras pessoas se sentem. Essa empatia resulta em
uma habilidade fundamental para o desenvolvimento em diferentes áreas: as amizades, a família, os relacionamentos
e a capacidade para o trabalho.

O hábito da leitura melhora a memória

Diferentes estudos concluíram que a falta de uso da memória é uma das causas da sua perda. Por esta razão,
recomendamos algumas atividades como as palavras cruzadas, o sudoku e a leitura, para manter lubrificados os
circuitos da mente que são responsáveis pela memória.

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“A leitura torna o homem completo; a conversa, ágil, e o escrever, preciso”.
-Sir Francis Bacon-

A leitura nos ajuda a lembrar os eventos que ocorrem, a situação das pessoas, os conflitos que conhecemos através
dos livros e a vida dos personagens que o autor mostra em cada livro ou texto. Esta maneira de lembrar reforça a
nossa inteligência.

A leitura ajuda a reduzir o estresse

Com base em estudos realizados pelo Dr. Lewis Davis, a leitura reduz os níveis de estresse em 68% e nos relaxa
através da diminuição da frequência cardíaca. Apenas seis minutos de leitura por dia são suficientes para reduzir
significativamente o estresse.

Quando lemos a nossa mente nos transporta para outro lugar. Então, se tivermos um dia ruim no trabalho, por
exemplo, a leitura nos ajudará a relaxar. Nos desligamos dos problemas e conseguimos desfrutar um bom tempo sem
pensar em outra coisa.

A leitura reduz o risco de Alzheimer

Com relação à perda de memória, encontramos a doença de Alzheimer. Diversas pesquisas demonstraram que a
leitura é uma boa ferramenta para reduzir o risco da doença de Alzheimer, uma vez que ela estimula o
funcionamento do cérebro, a conexão e o aumento dos circuitos cerebrais.

Em 2001 vários pesquisadores demonstraram que as pessoas mais velhas que leem ou realizam exercícios mentais
regularmente são menos propensas a desenvolverem esta doença. Portanto, pratique este simples hábito todos os dias
e coloque o seu cérebro para se exercitar.

Você aprenderá a ser um melhor orador e escritor

A leitura nos permite ser melhores oradores, porque através da leitura podemos adquirir um bom vocabulário e
aprender palavras novas. Esse aprendizado nos ajudará a escrever melhor e a falar com mais fluência, utilizando a
linguagem para o que queremos expressar.

Uma pessoa que lê não só viveu várias vidas através dos personagens das histórias que leu, mas também tem
muitos assuntos para conversar, uma grande capacidade de ouvir o outro e observar o mundo
cuidadosamente.

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Desfrutará e viverá muitas vidas

Com a leitura você pode desfrutar de uma vida de aventuras na Amazônia, de um rei num país imaginário ou um
orangotango na selva. Cada página vai inundar a sua alma, permitindo-lhe apreciar todas as situações
enquanto lê. A leitura é um prazer, não é algo caro e é muito acessível.

Além disso, você não viverá somente vidas no presente, mas também passadas ou no futuro. Um livro nos permite
viajar no tempo e saber como eram os nossos ancestrais ou divagar sobre como seremos no futuro. Ler é sonhar
acordado e abrir os olhos para milhares de realidades diferentes.

“Ler um bom livro é um diálogo constante: o livro fala e a alma responde”.


-André Maurois-

&

Vivo mais porque vivo maior


di tão pouco à vida e esse mesmo pouco a vida me negou. Uma réstia de parte do sol, um campo, um bocado de
sossego com um bocado de pão, não me pesar muito o conhecer que existo, e não exigir nada dos outros nem
exigirem eles nada de mim. Isto mesmo me foi negado, como quem nega a esmola não por falta de boa alma, mas
para não ter que desabotoar o casaco.

Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se
a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se
de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho
inútil, à esperança sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto pela minha consciência dele. Vivo
mais porque vivo maior. Sinto na minha pessoa uma força religiosa, uma espécie de oração, uma semelhança de
clamor. Mas a reação contra mim desce-me da inteligência…

Vejo-me no quarto andar alto da Rua dos Douradores, assisto-me com sono; olho, sobre o papel meio escrito, a vida
vã sem beleza e o cigarro barato que a expender estendo sobre o mata-borrão velho. Aqui eu, neste quarto
andar, a interpelar a vida!, a dizer o que as almas sentem!, a fazer prosa como os génios e os célebres! Aqui, eu,
assim!…

Do “Livro do Desassossego”
Assinado pelo heterônimo de Fernando Pessoa: Bernardo Soares

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“Minha mãe”, por Vinícius de Moraes
Minha Mãe

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo


Tenho medo da vida, minha mãe.
Canta a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doido ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.
Nina o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.

Repousa a luz amiga dos teus olhos


Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à dor que me espera eternamente
Para ir embora. Expulsa a angústia imensa
Do meu ser que não quer e que não pode
Dá-me um beijo na fonte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.

Aninha-me em teu colo como outrora


Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.
Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão. que o estudo adormeceu
Tuas irmãs pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.
Dorme, meu filho, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo


Me apavora a renúncia. Dize que eu fique
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama

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Que eu estou com muito medo, minha mãe.

&

“Casamento” poema declamado por Adélia Prado

>>>>>>> Adélia Prado

Há mulheres que dizem:


Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Texto extraído do livro “Adélia Prado – Poesia Reunida”,


Ed. Siciliano – São Paulo, 1991, pág. 252.

No vídeo abaixo, Adélia interpreta este belo poema.

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