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istéria do brasil shaw O HOMEM QUE ENCAROU 0 TIGRE-DENTES-DE-SABRE DAS PERIPECIAS PALEONTOLOGICO-FILOSOFICAS DE UM NATUR SE ISOLOU NO SERTAO DE Minas GERAIS NO SECULO XIX PARA DES PREGUICAS-GIGANTES E ENCONTROU O HoMEM DE Lacoa OU DAs TRISTES DESVENTURAS DE UM DINAMARQUES QUE INVESTIU LAVRA DE OURO FALIDA E ABANDONOU AS ESPERANCAS AO SE B) PELOS TORTUOSOS CORREDORES DA Justi¢a Do SEcuNno ‘por PETER MOON aior felino que ja existiu, o beriano, Dotados de um par de enormes caninos com até 30 eentimetros & forma de adaga, aqueles bichanos ultragratidos habitaram as Amé- ricas de norte a sul por 2 milhdes de anos, desaparecendo ha 10 mil anos. 0 que quase ninguém sabe & que esse famigerado persona- gem da Idade do Gelo era, origi- nalmente, brasileiro. Seus fosseis foram achados em 1841 em La- goa Santa (MG) pelo naturalista dinamarqués Peter Wilhelm Lund (1801-1880), que batizou a espé- Cie de Smilodon populator. Lund foi uma das figuras mais importantes das ei@neias naturais tanto da Europa quanto, © principalmente, do Brasil na primeira me- tade do século XIX. Um exemplo da sua im- portincia é 0 fato de nfo existir nenlum li- vro de Charles Darwin sem pelo menos uma 68 | Brasileiros Pen Waatei Lown (1801-1880): pinamargues DEE CORAGAO BRASILEIRO referéneia ais descobertas d tigre-dentes-de-sabre po- | qués perdido nos confins do do Bra- dia ultrapassar 05 400 qui- | sil. Hoje praticamente escpue os eu- Jos~100 quilosa mais que | ropeus, Lund é lembrado no um o maior gato vivo, o tigre si- | grupo de admiradores, entre bit — ‘logos, arquedlogos e histor falar na legiio de orate rais que cultuam sua meméria ha 130 anos. Ao lado de Aleijadinho e Tira- dentes, o naturalista € eomsiderado ‘um patriménio histérie de Minas. O maior feito de Peter Lund foi encontrar as ossadas huma- nas do chamado Homem de La- goa Santa, cidadezinha onde vi- veu Aqueles fosseis representam a primeira descoberta em nivel mundial de uma grande quan- tidade de restos humanos pré- histéricos. O achado deu-se 13 anos antes da deseoberta na Ale- manha do Homem de Neandertal, em 1856, evento que abrin os olhos da ciéneia para a possihilidade da existéneia de espécies huma~ nas extintas ~e para o surgimento do mito do “homem das cavernas”. Embora pouca gente tenha ouvido falar no Braslios | 69) do brasil povo de Lagoa Santa, seu rosto 6 conhecide dos brasileiros desde 1999, quando foi apre~ sentada a reconstituigio facial de Luzia, uma mulher que viveu ha 11.500 anos e 6 consi- derada a primeira brasileira. Luzia nao foi escavada por Lund. Seu esqueleto foi desen- terrado em 1975 por arquedlogos franceses que, a exemplo de tantos outros, investiga- ram e continuam investigando as cavernas ro que o dinamarqués revelou ao mundo. Os tra~ balhos atuais si liderados pelo biélogo da USP Walter Alves Neves. Ele é o responsével pela divulgagao do rosto de Luzia e autor do seu carinhoso apelido (ver box @ dir.). Wal- ter buscou inspirago em Luey, a fémea da espécie Australopithecus afarensis que viveu na Tanzéinia ha 3,5 milhdes de anos. Lucy é considerada a tataravé da humanidade. UM NATURALISTA PERDIDO NOS TROPICOS primeira visita de Lund ao Bra~ silaconteceu entre 1825 e 1829, quando morou em Niteréi e es- tudow a flora da Mata Atlan- tiea. De volta & Europa, obte- ve sen dontorado em filosofia natural, mas nao conseguin es- quecer o Brasil. Resolveu voltar. Desembareou no Rio de Janeiro em 1833 para uma temporada de estudos que deveria durar trés anos. Ao lado do amigo prussiano Ludwig Riedel, que viria a se tornar diretor do Jardim Botanico do Rio, empreendeu uma viagem de dois anos em lombo de burro através da pro- vineia de Sio Paulo. Quando atingiram Goids, 6s dois cruzaram o So Francisco ¢ resolveram atravessar Minas para retornar ao Rio. Mas, ao passar por Curvelo, em outubro de 1834, Lund teve seu primeiro eontato com as cavernas do vale do Rio das Velhas, reple- tas de ossos de animais extintos. Aquilo mu- dou sua vida. O homem cheio de vigor e de curiosidade reconhecen imediatamente 0 po- tencial cientifico daqueles fésseis. Resolveu es- cavé-los, numa empreitada que acabou pro- Jongando sua estadia nos confins do Brasil por outra década, Entre 1835 e 1844, ele visitou corea de 800 grutas e abrigos rochosos, esca- vando 200 delas. O resultado foi uma colegio de 12 mil fésseis, num total de 149 espécies. 70. | Brasileiros Ele descreveu 82 espécies extintas, sendo a mais famosa 0 nosso tigre-dentes-de-sabre. A descoberta dos homens de Lagoa Santa ocorreu em 1843, quando uma grande estia~ gem esvazion a Lagoa do Sumidouro. Trata-se de um grande lago que, como o proprio nome indica, termina numa eaverna quase sempre submersa que escoa suas figuas para o lengol freético. O naturalista aproveitou a oportuni- dade para, entre 29 de agosto ¢ 10 de setem- bro, escavar todo o interior da gruta, Os sedi- mentos lodosos escondiam fésseis de animais extintos ao lado dos restos de pelo menos 30. individuos de varias idades, de reeém-nascidos até idosos. “Foi nessa mistura de espécies ex- tintas e ainda vivas que apareceram os restos enigmaticos lo cavalo (pré-histérico) e do ho- em, todos no mesmo estado de decomposigio, de modo a nfo deixar nenhuma diivida sobre a coexisténcia desses seres cujos restos foram enterrados juntos”, escreveu o dinamarqués. Em outras palavras, Lund encontrou evi- déncias da coexisténcia do ser humano com a megafauna extinta. A descoberta era extraor- dinaria. Para saber por que, o leitor precisa ter em mente que em 1843 Charles Darwin ain- da no havia publicado A Origem das Expé- cies (1859) e que, portanto, ainda nio exis- tia a teoria da evolugao. Antes de Darwin, era senso comum que todas as formas de vida surgiram no Génesis. O que se discutia era por que Deus teria se dado ao trabalho de des- truir a sua propria criaco, questio premen- te desde que comecaram a ser identificados ao redor do globo fésseis de animais extin- tos, como 0 mamute siberiano no século XVI o mastodonte americano no século XVIII. Na época de Lund, a resposta para essa ques- ‘io estava na teoria do catastrofismo, Seu autor, naturalista francés Georges Cuvier, explica- vva o desaparecimento das espécies pela ocor- réncia de diversas “revolugdes” na superficie terrestre (ele nunca uson o termo dikivio), que teriam dizimado por completo os seres vivos das regifes atingidas. Estas, por sua vez, teriam sido repovoadas por espécies de outros habitats, Lund era um diseipulo fervoroso de Cuvier. Seu sonho ainda nos tempos da Universidade de Copenhagne era empreender uma viagem pelo mundo para coletar espécimes e voltar & Euro- pa para estudé-los pelo resto da vida - exata- mente como Darwin fez. P, assim como Darwin, Lund possufa recursos para tanto. Seu pai era um rico comerciante que, ao morrer, deixou sua fortuna para os trés filhos. Enquanto Johan Christian e Henrik Ferdinand ficaram na Dina- ‘marca cuidando dos negécios da familia, Peter Wilhelm resolveu, em 1825, sair mundo afora. Quando, em 1834, ele se deparou com os fs- seis do vale do Rio das Velhas, identificou ali a oportunidade de uma vida, a chance de en- contrar subsidios para comprovar a teoria de Cuvier. Mas o que aconteceu foi exatamente o contrario, Ao longo das pesquisas, Lund foi per- dendo suas crencas no eatastrofismo. Quando, em 1843, encontrou as 30 ossadas humanas misturadas com as de animais extintos, foi 0 anho de agua fria que faltava. O ser humano havia convivido com a megafauna. Se Cuvier estivesse certo, nossa espécie teria desapare~ cido junto com as preguicas terrestres, aque- le dinamarqués jamais teria escavado caver- na alzuma e voeé nfo estaria lendo este artigo Anuneiar ao mundo a existéncia da raga de Lagoa Santa tinha tudo para se tornar | | | Busca PELO POVO DE LUZIA CONTINUA A TODO O VAPOR ya igo Wate Aes Neves, do su de iin de UP, logo Las Behave Pasa de nar i Pa de La goa Sam Buen dx ri Brasilia Cibo, 832,00) Eman eid prconkeeshin dLeiew dbs fas por rs cb wn capt suena da si da tor bru Tid cea, la om Peter Land Elf o eno erebera dike eae ei de Lago Sat coins bo Now Mun, que bra oss siti, le cv 2s pra Ceca dv ral Hii Ggifn Brae, sw i cade cour tae Waker Neves (oo inperinnd ot xn da cog Lam pena) gn agi tur Pusan tudaram agus rns asin como cats mi an ss deemed vers pm ds Amis En 189 ear hips de quexitin una pric igo inna pr a Ani «a armada por opel resp ara os os leans Os of ds Mae ola ima de 1 i anos aes testis de Lai iam eva Esto cd Be hcomeate mizai uede gem lis americas ue concen. obj das eaves de Neves © due do Lars de Estas Evo Hamas em Lag San ‘a remir wn nine suet de cris pra comprar esahipte- sesem sonbea de dvi, cléneia | historia do br Nese cer On cst Te Oeste Te oN eecr en) ere Wn ree Rares nero 70 |) Brasileiros auge da sua carreira, A deseoberta Ihe ga- rantiria fama e uma posig&o de destaque em qualquer museu da Europa. Apesar do tre- mendo potencial do achado, Lund varreu a noticia para haixo do tapete. Limitou-se a produzir um pequeno ensaio publieado em 1845 em dinamarqués e em franeds, ¢ no deu continuidade ao estudo dos esqueletos, © que fez em seguida foi ainda mais ry inacreditivel: aos 44 anos ¢ no auge das ener ia, ele jogou tudo para o alto. De uma hora para s outra eneerrou 0 trabalho nas cavernas. Doou suas coleedes para o rei Christian VII, da Dinamarea. Eneaixotou e despachou dezenas de basis para Copenhague. Venden seus eseravis & nunca mais botou os pés fora do pequeno Ar- raial de Lagoa Santa. Lé viveu uma vida pacata por 35 anos, até falecer em 1880, ans 79 anos. O MISTERIO DE UMA VIDA ‘unea se souhe ao certo quais, (os motivos que levaram Lund a interromper sua earreira. A ‘iniea pista se eneontra num curto parigrafo no meio de uma carta enviada em 10 de janeiro de 1845 para Johannes C.H. Reinhardt (1776-1845), seu antigo orientador. Nela Ié-se 0 seguinte: “0 trabatho nas cavernas esta no seu final, nao porque este néio me dé pra- ser nem falte material. Conheco al- gumas enormes cavernas de ossos que merecem ser escavadas, mas me {falta satide para tanto, assim como ‘um aprendiz bem instruido para me ajudar. Mas a razéo principal sao as consideniveis despesas, as quais no me vejo mais em condicdes dle arcar ‘através dos meus préprios meios.” Reinharde nunea chegou a ler a earta, Mor- reu antes de recebé-la. Como Lund jamais to- ‘cou no assunto.com sua familia e os amigos no Velho Mundo, o que ficou para a hist6ria foi a impressdo de que tudo nao passou de uma des- culpa efareapada.Afinal, ele era um homem rico. Se era yerdade que nio tinha recursos para prosezuir sua empreitada. como entio conseguin: passar 0 resto da vida num fim de mundo sem trabalhar, gastando seus dias en- te longas caminhadas, passeios a cavalo ¢ 0s ceuidados do seu jardim? Muito se especulou sobre as razdes que leva~ ram o naturalista a interromper suas pesquisa Na biografia que esereveu em 1882, seu disei~ puloe amigo IT. Reinhardt (o filho de Johannes CH, Reinhardt) apontou o isolamento eienttfi- coe a dureza do trabalho nas eavernas, muitas vezes em condigées insalubres ~ Lund era co- nhecido por sua satide frigil. Jo francés Hen- 1 Goreeis, diretor da Escola de Minas de Ouro Preto, escreveu em 1884 que a razio teria sido spiritual, decorréncia do isolamento no Bra- sil. Decorrido um século, a historiadora dina- marquesa Birgitte Holten adicionou na déeada de 1990 outro ponto de vista. Fla teve acesso & correspondéncia do naturalista, arquivada em Copenhague. Segundo Birgitte, muitas hipste- ses tm sido discutidas, “e 0 proprio Lund jo- gou combustivel ao fogo cam suas diversas es- cusas, polidas, divergentes e obstinadas”, afir- ma, “Suias preocupagdes com a saiide parecem totalmente exageradas, (..) mas por outro lado algumas das suas precaugées — como niio ir a0 Rio enquanto a cidade estivesse com surtos de febre amarela ~ eram a tinea coisa sensata a fazer (...) Sem co, como nao existem mais.” vida Lund era um exeéntri- Brasiires | 73 [etencia [historia do bras re A HERANCA DE UM NATURALISTA pequeno Arraial da Nossa Se nora de Saiide de Lagda Santa dos tempos de Lund no exis- te mais. A rua de terra batida com suas 60 casas simples de pau-a-pique agrupa- das na margem de um dos mais belos lagos da regitio deu lugar a um bairro residen- cial da periferia de Belo Horizonte, a 15 minutos de distineia do aeropor- to internacional de Confins. O nome do naturalista, no entanto, est em todo lugar. No centro da cidade, por exemplo, existe uma pracinha com um busto do dinamarqués ea frase “Aqui sim é bom para se viver”. Do outro lado da rua fica a Escola Municipal Dr. Lund, cons- ‘truida nos anos 1930 no local onde era a casa do cientista. A poueas qua- dras de distincia fica 0 cemitério Dr. Lund, uma. quadrinha de terreno mura~ do ¢ bem cuidado onde ele esta enterrado, ao lado de dois de seus assistentes, © pintor noruegués Peter Andreas Brandt e 0 alemao Wilhelm Behrens. Como Lund era lu- terano, nio podia ser enterrado em um cemi ‘ério catélico. Comprou o terreno no alto do morro com vista para a lagoa. La crescia um pequizeiro a sombra do qual ele costumava sentar para fumar seu eachimbo ¢ pensar na vida, Arvore de crescimento lento e vida longa, © pequizeiro continua li, firme e forte, Tipico da vegetagtio do cerrado, estende seus ramos por boa parte do pequeno cemitério. Assim como sua casa, seu jardim, scus livros Busto No cenmo pe Lacoa Santas LHOMENAGEN AO NATURALISTA e tudo o mais que Lund acumulou nos 45 anos em que vivew em Lagoa Santa desapareceram. 3s ‘inicos registros existentes sio suas cartas. Apenas um par delas est no Brasil, mais es- pecificamente no Rio de Janeiro, na biblio- teca do Instituto Histérico e Geografico Brasileiro. A quase totalidade da sua cor- respondéneia, um enorme arquivo com mais de mil cartas, encontra-: namarea. Parte dela foi reu apés a morte do naturalista por seu fi- Iho adotivo, o brasileiro Neréo Ceei- lio dos Santos, que a enviou para J. Reinhardt. Este, por sua vez, reuniu as cartas enviadas por Lund aos seus familiares, assim como as enderecadas ao seu pai e a ele proprio. Catalogou tudo, mais de 7 mil pagi- nas manuseritas, e depo- sitou na Biblioteca Real de Gopenhague, onde a colegio ficou esquecida por mais de cem anos. Foi s6 em meados dos anos 1980 que os biblio- tecdrios comecaram a micro- filmar 05 itens da seco de manuscritos anti- 08. Foi quando a correspondéncia de Lund voltou it luz do dia. Descobriu-se que sew autor era um poliglota, Além do dinamarqués, do- minava 0 portugues, o francés, 0 alemio ¢ 0 inglés, Também conhecia latim, geego e arris- cava um italiano, Existem cartas em todos es- ses idiomas, porém a maior parte foi manus- crita na sua lingua natal, Mas nio num dina- ‘marqués como o atual, escrito no alfabeto lati- no, Nos tempos de Lund, ainda se escrevia em g6tico, um alfabeto medieval usado na Dina- marea até 1885. (0s povos escandinavos so todos vikings, 0s guerreiros que assolaram a Europa ha mil anos. Eles niio tinham eserita até serem eristianizn- dos por monges germanicos, que usaram o al- fabeto gético para colocar em letras 0s fone~ mas dlos diversos dialetos vikings. Vale dizer que o dinamarqués deriva de uma mistura de viking com alemio medieval Praticamente todo esse arquivo foi de- cifrado, lido e es 1990 por uns poucos historiado- res dinamarqueses, com des- taque para Birgitte Holten, do Instituto de Histéria da Universidade de Copenha- gue. Assim se soube que. bem antes do achado das ossadas do povo de Lagoa Santa, j4 havia comecado a desaparecer da mente do nosso naturalista a linha diviséria entre as espécies extintas ¢ as vivas, Antes dado na década de de encontrar os restos hu- manos, ele passou a acei- tar o fato de algumas es- pécies terem sobrevivido Escots Dr. Lun: consrnuins CONDE ERA A CASA DO DINAMARQUES catdstrofe euvierista, Afinal, uma coruja é uma coruja, um pred é um prea, ¢ um vead teiro 6 um veado-mateiro. Estejam eles vivos ou petrificados. A pesquisa de Birgitte, no entanto, nfo foi capaz de jogar novas luzes sobre as razdes que interromper 0 trabalho nas cavernas. Foi necessério aguardar um novo milénio. Ao autor desta reportagem coube descobrir algumas pistas fundamentais (ver box & pag. 77). A primeira delas estd relacionada & tal car- ta de 10 de janeiro de 1845, na «qual o naturalista confessou a0 seu antigo professor que talver tivesse de encerrar as escavagdes por falta de di- nheiro. Na lista em ordem cronolégiea da correspon- déneia, existe outra carta escrita naquele mesmo dia. Enderecada ao rei da Di- a, nela Lund doa- va suas colegées ao povo de fazer ami ma- levaram Lund a seu pa nima mengao a uma supos- ta falta de recursos. @ SURGE UM NOVO PERSONAGEM bora existe uma lista eronolig ca das cartas, a colegio nio esté agrupada dessa forma, Existem diversos félios, cada qual reu- | nindo um determinado conjun- to de documentos. Assim, ha um {fGlio com a correspondéneia tro- cada com a familia; outro com o3 Reinhardt (pai ¢ filho); um tereciro com perso- nagens diversos, entre amigos, colegas natura- listas na Europa, eomerciantes e livreiros no Rio de Janeiro; eum caderno de rascunhos cheio de rabiscos, abreviagdes, frases inseridas e outras riscadas, Era nele que Peter Lund redigia a pri- meira ver egundo momento, ele as corrigia. 86 entao as passava io de todas as eartas. Ni ‘a limpo e as enviava. Bem no meio das centenas de pi das com garranchos muitas vezes ilegiveis ¢ tem wés diizias de cartas em portugués, envia~ das entre 1840 ¢ 1846. Sua leitura conta a Tria de um processo judicial que Lud moveu contra um certo engenheiro hringaro chamado Franz, Wisener von Morgenstern (1804-1878) ias borra~ Brasies | 75, | ciénela | histéria do brasil © motivo era a faléncia de uma lavra de ouro da qual Morgenstern era sécio ¢ Lund, seu fiador. Em 1839, 0 trabalho de Lund nas cavernas estava a todo 0 vapor. Jé imaginando seu futu- ro retorno & Europa, ele informou a familia seu plano de se fixar no sul da Franga, bem lon- ge do inverno escandinavo, Talvez. como for- ma de aumentar sua fortuna ou simplesmen- te para repor 0 que havia gastado nas esea- vagées, resolvew investir numa lavra de ouro no ribeiréo de Papafarinha, em Sabaré (MG) Na 6poca, 0s riscos da prospeccao de oure eram enfrentados por imigrantes europeus. Morgenstern era um deles. Nao se sabe quando cle desembarcou no Brasil. Sabe-se apenas que viveu em Minas entre 1839 e 1841, quan- do desaparecen sem dar noti- cia. Ressurgiria em 1845 na corte de Solano Lépez, onde projetou o palécio do ditador em Assungao, Em 1865,na Guerra do Paragnai, o hiingaro viria a receber a pa- tente de coronel de engenharia, respondendo pelas fortificagoes no Rio Paraguai. Esse personagem ins6lito de- sempenhou um papel decisive na vida de Lund. Em fevereito de 1840, Morgenstern e o brasilei- 10 Martiniano Pereira de Castro assinaram um eontrato no valor de 12 contos de réis para criar a Lavra de Papafarinha. Ficou acertado que Mar- tiniano feria seis meses para entrar com a sua metade do capital, enquanto Morgenstern con- ‘trataria um empréstimo para saldar a sua par- ‘te no investimento, 6 contos de réis empresta- dos de Peter Lund. Nosso naturalista nunca mais viw a cor des- se dinheiro, J4 no inicio de 1841, a mina nfo havia produzido uma tiniea pepita ¢ faliu. As cartas revelam que Lund se armou de paci- éncia para cobrar a divida, ao passo que Mor- genstern usou e abusou de subterfiigios para 76 | Brasileires A connesPoNpecaa: ML caRtas 7 MIL PAGINAS MANUSCRITAS postergar © pagamento. O naturalista contra- ‘ou os servigos de Quintiliano José da Silva, um procurador de Sabaré, para cobrar © hiingaro na Justica. Foi quando comegou a constatar na prépria pele que o respeito as leis e uma justi- a célere so coisa de pais protestante. A moro- sidade dos tribunais brasileiros néo tem nada de nova. E uma heranga dos tempos coloniais, como Lund péde comprovar. Nesse meio-tem- po, Morgenstern dew no pé. Assim se passaram cineo anos, os mais pro- dutivos da carreira do naturalista, O que nin- guém jamais soube & que, enquanto ele escava- va homens-fosseis, perdeu 0 processo. Foi con- denado a pagar as dividas do hiingaro e de seu sécio brasileiro, mais correcio e des- pesas. No caderno de rascunhos encon- ‘tram-se os cdleulos de Lund so- bre o valor com juros da divida de Morgenstern para com ele: 7 contos de réis e 886 mil-réis, ou RS 318 mil corrigidos mo- netariamente. Some-se isso aos 12 contos de réis da faléneia de Papafarinha ¢ temos um prejuizo atualizado que supe- ra.a casa dos RS 800 mil. E iuito dinheiro, mesmo para alguém rico. Lund, é claro, recorren do verodicto. Ape~ nas para ser surpreendido no fim dle 1844 com a deci- sio do procurador Quintilia- no de abandonar 0 caso. Ele havia sido escolhi- do presidente da Provincia de Minas Gerais ¢ estava de mudanea para Ouro Preto. O proces- so empacou de vez, No dia 9 de janeito de 1845, Lund enviow ‘uma carta para Quintiliano informando sua dis- ‘posigiio de se mudar para Sabard para acelerar 0 processo. No dia seguinte, 10 de janeiro, ele to- mou da pena para redigir duas cartas, uma para sen velho professor, na qual levantou a hipétese de encerrar os trabalhos por falta de dinheiro, A outra para o rei, doando suas colegies. re FE AssiM SE PASSARAM 163 ANOS ‘omo se sabe, 0 érgao mais sen- sivel do corpo humano ¢ 0 bol- so. Com Lund ni foi diferente. Tudo bem, ele ficou sem dinhei- ro, teve de vender seus dois es- A ceravos ¢ parou de pesquisar. Mas ainda assim seus irmios Ihe en- * Viaram recursos suficientes para que passasse de forma confortavel 0 resto da vida no Brasil. Por que nio voltou & Europa? ‘Talvex. fosse 0 medo do inverno escandinavo. Talvez tivesse receio de sua familia descobrir que cle havia perdido uma fortuna no Brasil. Ou, pior ainda, pode ser que temesse que o rei vviesse a saber que ele havia omitido deliberada- mente aquele “detalhe” quando resolveu doar suas coleges. O fato 6 que Lund nunea mais falou do assunto. Passadlos 163 anos desde o fim dos traba- Thos nas cavernas 128 anos desde a sua mor- te, sabe-se hoje que Lund nao havia inventado nenhuma desculpa esfarrapada. A falta de di- uheiro era a mais pura verdade. Um cientista brithante foi obrigado a interromper sua car- reira no seu ponto culminante por causa de um empréstimo sem garantias feito & pessoa crrada, Ou por umn investimento malfeito. Ou ainda por uma crenga ingénua na certeza da Justiga. Tanto faz qual seja a escolhida, as trés respostas resultam num mesmo destino: 0 di- nheiro acabou. E ponte final, A correspondéneia do sibio de Lagoa San- ta juntou pé por cem anos, apenas para ser redescoherta por historiadores dinamarque- ses que, contrariamente a tudo que se possa acreditar, no dispunham da dinica ferramenta necessiiria para elucidar o mistério da vida de Peter Wilhelm Lund. Nao bastava ser fluen- te em dinamarqués, Nao era preciso aprender gético, Como poderiam desconfiar que a so- lucdo estaria numas poueas paginas rabisca- das em portugi PIOR QUE TIGRE-DENTES-DE-SABRE £ APRENDER DINAMARQUES EM GOTICO jr Noon exoeucom vida de Pe- ania 120 anna Blea Ral de tabasco algo ene sles manuc- ‘er Vil Land em 208, quando po- CopenhaguE dei tomar vida de Land ts ica as tins Esso criti pr curva um te pra sua tee de doutrado ota da sua pesquis, xp, para qum esta Soren Kierkegaard, em histria daca. Ao visa as escavae Obi eu entender or qu odescobidor omar is da Dinanarea escrito set daoupe de Wale Nevesem Lagu asta, docgre-dete-dsbretnha prado deeca-- io primo-inmio de Pte Land. Mao coe elogo mine Luis Beeho- ar Como fn, Moon exolheu a atigecor- Foran cnc ano de tabula Peter Mion ‘en Pil,um i decertirnha do mars. respond Mas, par est, e prcso defender soa ee, em gos de 20708 Uai- ei quando o jonas omega a tomar co~ anes de mais ada dia wadusla. 0. ved de Sn Plo. Oars qu bi bcm creado tits, Feodotorndotevedeepnde dmarqaés cm Lucan lta mst nner de Bradlee, stbendo esas deaberas «do fin dos te —proesors paruanseanbém er gkico- revel em prin oats tae a evi balbsdecampo, qu pemaneca em sligo, para o gual no exis profesor Mas, por so- aa verdad ist por tis domi da nwa falar nbn de coloio demi carts wna interme uma “peta de Rowe”, vida de Peter Wie Land,

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