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Arbitrariedade e iconicidade Victoria Wilko Mario Eduardo Martelon Hé aproximadamente dois mil e quinhentos anos que estudiosos se dedicam investigar a linguagem e seus mistétios. Na base das indagacées iniciais esté a tentati de se compreender nao apenas a estrutura da linguagem, mas também a sua relag: com o mundo que ela simboliza ¢ com o funcionamento da mente humana. Jé-em Plarao, fildsofo grego, podemos encontrar reflexes sobre a linguager questdo central na época, nos didlogos conhecidos como Cratilo. Nesses didloge tomavam parte trés interlocutores — Critilo, Hermégenes ¢ Sécrates -, representanc cada qual um ponto de vista a respeito da denominacio ou designacio, isto « relacdo existente entre 0 nome, a idéia € a coisa. A indagagao central estava baseada na existéncia ou ndo da relagao « similaridade — ou, para usar um termo mais modermo, iconicidade -, entre a forn (0 cédigo lingtiistico) ¢ 0 sentido por ela expresso. Para Cratilo, a lingua € 0 espell do mundo, 0 que significa que existe uma relagao natural e, portanto, similar « icénica entre os elementos da lingua ¢ 0s seres por eles representados. Para Hermégent a lingua é arbitréria, isto é, convencional, pois entre o nome ¢ as idéias ou as coit designadas nao hé transparéncia ou similaridade. Sécrates, por sua vez, tem 0 pag de fazer a integracao entre os dois pontos de vista. Essas questdes em torno da oposigao entre arbitrariedade ¢ iconicidade do sig lingifstico percorrem as correntes lingiiisticasaté os dias de hoje. A nocao de arbitrarieda esté baseada no principio da convengao: nao hé nada no som da palavra que se relaciot de forma necesséria, & coisa que ela designa. Nao hd uma relagao natural, por exemp entre a construgao que utilizamos para nossa moradia e a palavra “casa’, até porque, « outras Iinguas, temos palavras com estruturas sonoras bastante diferentes para desigt esse mesmo significado: house, em inglés, ¢ maison, em francés, apenas para citar algum Por outro lado, a iconicidade do signo lingiifstico fandamenta-se na idéia de uma motivagao que se reflete na estrutura das palavras, indicando uma espécie de relagdo natural entre os elementos lingiiisticos ¢ os sentidos por eles expressos. Uma maneira facil de compreendermos essa relagdo icénica é pensarmos nas onomatopéias, palavras cuja estrutura sonora imita 0 som das coisas que designam: “cocorocé” (som do canto do galo), “tique-taque” (ruido de um relégio funcionando), entre outras. Nesses casos, h4 uma similaridade entre 0 som ¢ o sentido. A proposta naturalista ganhou forca através de pensadores que se interessaram pela origem das Iinguas e, de faro, foram propostas hipéteses de que a linguagem humana se desenvolveu a partir de sons, criados pelo homem, que imitavam os ruidos encontrados na natureza. Obviamente, propostas desse tipo, carecendo de qualquer base empirica, no tém merecido maior consideragao pelos lingiiistas modernos. No ambito especifico dos estudos da linguagem, é o lingiiista suigo Ferdinand de Saussure quem vai realizar na Europa, em fins do século xix ¢ inicio do século xx, a sintese dos conceitos da tradigdo cléssica ¢ moderna, inaugurando a lingiifstica como uma ciéncia que constituiria um ramo de uma ciéncia maior: a semiologia ou ética,! a ciéncia dos signos. Antes de falarmos das posigdes de Saussure acerca da questao da significagao, vejamos algumas informagdes sobre como a semiética semi tradicionalmente trata 0 problema, tomando como base as idéias de Peirce. Os estudos em semidtica Contemporaneo de Saussure, Charles Sanders Peirce, filésofo norte-americano, inaugurava na mesma época os estudos semiéticos, ou semiética, também conhecida como ciéncia dos signos. Sua semidtica nao se aplica apenas a filosofia, mas tem uma gia é um signo, o homem é um signo, ¢ o mundo esté permeado de signos. Segundo 0 fildsofo, toda realidade deve ser estudada sob 0 ponto de vis grande abrangéncia nos estudos da linguagem ¢ da comunicagao. Para ele, toda i semidtico. Peirce apresenta muitas ¢ diversificadas definig6es de signo, mas, resumidamente, poderiamos dizer que o signo (ou representamen) & uma coisa que representa outra — no caso, seu objeto — ou, conforme as palavras do fildsofo: “..] para que algo possa ser um Signo (expressio ou representamen), esse algo deve ‘representar’, (...] alguma outra coisa, chamada seu Objeto, apesar de ser talvez arbierdria a condigao segundo a qual um Signo deve ser algo distinto de seu objeto” (Peirce, 1999: 47). A nogao de signo implica que um elemento A, de natureza diversa, func como um representante de um elemento B, ou seja, A guia 0 comportamento dos ne individuos para um determinado fim de maneira semelhante a0 modo como um clemento B os direcionaria para aquele mesmo fim. Para uma melhor compreensio desse processo, podemos pensar em um motorista que, ao perceber uma placa indicativa de curva acentuada, compreende o petigo da situagao ¢ reduz a velocidade do veiculo. Isso quer dizer que a placa funciona como um signo, jé que 0 motorista reduziu a velocidade como teria feito diante da propria curva perigo: Peirce estabelece uma complexa classificacao dos signos, agrupando-os em trés tricoromias: primeira, segunda ¢ terceira tricotomia. Vamos nos deter aqui apenas 3 segunda tricotomia, porque cla agrupa os principais elementos estudados no ambito da linguagem: 0 simbolo, 0 indice ¢ o icone. Osimbolo, de acordo com Peirce, refere-se a determinado objeto, representando- 0, com base em uma lei, habito ou convengao, estabelecendo uma relagao entre dois clementos. Para citar alguns exemplos, a cruz é0 simbolo do cristianismo, ¢ a balanga, 0 simbolo da justiga, Uma caracteristica importante do simbolo relaciona-se ao fato de que cle ¢ parcialmente motivado, ou seja, hé entre o simbolo ¢ contetido simbolizado alguns tragos relacionados. Assim, nao € & toa que 0 simbolo do cristianismo ¢ uma cruz, uma ver que foi nela que Cristo morreu, como também a balanga, representagio do equilibrio e da ponderacéo — boa imagem para simbolizar a justica. Ha uma diferenga fundamental entre 0 simbolo, de um lado, ¢ 0 indice ¢ 0 fcone, de outro, jd que nesses dois tiltimos hd um nivel ainda menor de arbitrariedade. No caso do indice, ocotre uma relagio de contigiiidade com a realidade exterior: a fumaca, por exemplo, é 0 indice do fogo, ¢ a presenga de nuvens negras, o indice de chuya iminente. Ou seja, hi nesses casos uma relago mais natural entre o indice ¢ 0 seu significado. Cabe lembrar que o indice, nao representa a coisa, mas é aferado pot presentando, portanto, ela. O icone,’ por sua vez, tem uma natureza imagistica, propricdades que se assemelham ao objeto a que se refere. A fotografia de um individuo por exemplo, é uma representagio icénica desse individuo, assim como o mapa de Rio de Janciro representa a cidade. Assim, um icone é qualquer coisa que seja utilizads para designar algo que the seja semelhante em algum aspecto como, por exemplo, « tinta vermelha usada em uma peca de teatro para representar sangue. E enorme a importincia da classificagio semidtica de Peirce nao apenas no: estudos da linguagem, mas em outros dominios: as artes, a literatura, a musica, ¢ cinema, a moda, a propaganda, a arquitetura ¢ a antropologia. Na lingiifstica, come veremos adiante, Saussure, um dos cientistas que langaram as bases dessa ciéncia propde a nogao de signo lingiiistico ¢ 0 caracteriza como um elemento de naturez: verbal que possui carter eminentemente arbitrario.’ Os estudos em lingUistica Ao pensar o fendmeno lingiiistico a partir de suas propriedades internas sobre o signo, reinterpretando 0 conceito d 10 cla Saussure abandona a dis arbitrariedade: desloca, para o interior do sistema lingiiistico, a dimensao d arbitrariedade direcionada as referéncias externas a lingua, Em outras palavras, Saussure evita 0 debate filoséfico que abarca a conexio entre 0 nome ¢ coisa que ele designa no mundo biossocial, optando por pensar a relagao entre o significante ¢ o significado, elementos constituintes do que ele convencionou chamar de signo lingiistico.’ Para Saussure, 0 signo lingiiistico passa a sero resultado da associagio — arbitréria — entre significante (imagem actistica) e significado (conceito). Aqui ¢ importante ressaltar que o significante nao é 0 som material, mas seu correlato psiquico, ou seja, uma estrutura sonora que reconhecemos a partir do conhecimento que temos de nossa lingua, relacionando-a, entio, aum determinado conceito, Do mesmo modo, o significado nao é 0 objeto real a que a palavra faz referencia, mas um conceito, ou seja, um elemento de natureza mental, Desse modo, tanto significante como significado sio caracterizados por Saussure como entidades psiquicas. Esses dois elementos constitutivos do signo lingiiistico apresentam entre si uma relagao arbitréria ou imotivada, ou seja, nao ha entre eles nenhum lago natural. Isso significa que, noato de nomeagao, a lingua nao se reduza um mero reflexo da realidade. Essa relagao se estabelece internamente ao sistema lingiifstico, na relagao do signo com outros signos. O esquema abaixo representa a nogio de signo com seus componentes: IFICANTE, SIGNO LING stIco Relagao Arbitréria N SIGNIFICADO. Oargumento mais forte a favor dessa visio estd no fato de que existem, em linguas diferentes, palavras com estruturas sonoras bastante distintas para designar a mesma idéia: 0 significado da palavra inglesa Anif?, por exemplo, corresponde ao do vocabulo portugues facaeao do vocébulo francés couteau e, como podemos notar, essas trés palavras sao bastante diferentes do ponto de vista de sua seqiiéncia sonora. Muitas vezes, em uma mesma lingua, temos palavras diferentes para designar 0 mesmo significado: é 0 caso, por um lado, das palavras “aipim”, “mandioca” ¢ “macaxeira”, e, por outro, dos termos “abébora” e “jerimum’”, apenas para citar alguns exemplos da lingua portuguesa. Além disso, uma mesma estrutura sonora pode designar sentidos inteiramente diferentes. Um exemplo disso ¢ 0 de banco, que pode designar, por exemplo, um tipo de estabelecimento destinado a operagdes financeiras, como em “Vou ao banco pegar dinheiro”, ou um tipo de assento estreito ¢ comprido, com ou sem encosto ¢ utilizado para descanso, como em “Sentamos no banco da praca”. Dados como esses constituem, segundo Saussure, um bom argumento de que 0 signo lingiiistico é arbitrario, Entretanto, ¢ importante registrar que o lingiiista sufco admire a possibilidade de uma arbitrariedade relativa, desde que possamos recuperar um conceito ¢ uma forma partir do signo lingiifstico: podemos, por exemplo, abstrair de “dezenove” a idéia de “dezena”, ou de “macieira”, o termo “maga”. ‘Tradicionalmente, as palavras nas quais hé uma arbitrariedade relativa sao caracterizadas como casos de motivagao. Podemos definir motivagao como a relagdo de necessidade estabelecida entre uma palavra e seu sentido ou, aproveitando a prépria estrutura do termo, como um fenémeno caracteristico de determinadas palavras que refletem um motivo para assumirem uma forma em vez de outra. E 0 caso de palavras onomatopaicas, como “miar”, que designa o som emitido pelo gato, ou de palavras como “apagador”, que, como o proprio nome sugere, designa 6 objeto utilizado para apagar 0 que esté no quadro-de-giz. Essas palavras, assim como ocorre com “macieira” ou “dezenove”, citadas anteriormente, si0 motivadas. A motivagao pode ter uma natureza sonora, residir nas caracteristicas morfoldgicas da palavra ou ainda estar fundamentada nos seus aspectos seminticos. Por isso, vamos ver separadamente os trés diferentes tipos distintos de motivagao: 1) Motivagao fonética A motivagdo fonética esta relacionada aos casos de onomatopéia, ou seja, a palavra cuja estrutura sonora apresenta uma semelhanga ou uma harmonia em relagio ao sentido que ela expressa. Sao exemplos de motivagio fonetica, portanto, “cocorocs”, “miar”, “cochichar”, * surat”, “tilintar”, entre muitas outras palavras. 2) Motivagao morfolégica A motivagao morfoldgica esta relacionada aos processos de formagio de palavras. Desse modo, “leiteiro”, por exemplo, constitui uma palavra motivada morfolo- gicamente, jé que ela pode set analisada a partir de seus elementos componentes: leit- (radical de “leite”) e -eiro (sufixo designativo de profissio ou ocupacio). As palavras compostas sao igualmente motivadas, jé que nao € 4 toa que o mével onde se guardam roupas ¢ 0 aparelho para reduzir a velocidade de queda dos corpos no ar sto chamados, respectivamente, de “guarda-roupa” ¢ “pira-quedas”. O principio adjacente a esse processo € 0 ato de utilizar elementos ja existences na lingua para se criar uma nova palavra, 0 que, alids, ocorre também no terceiro tipo de motivagao que analisaremos. 3) Motivacio semantica A motivagao semantica esté relacionada a processos analdgicos associados aos sentidos das palavras. E 0 que ocorre quando utilizamos o termo “brago” — originariamente designativo de parte do nosso corpo ~ na expresso “brago da cadeira” Hé at uma analogia que reflete a relagio de semelhanga entre 0 nosso brago ea parte da cadeira designada por essa palavra. Mais exemplos desse tipo podem ser vistos em outras catacreses,’ como “pé de mesa’, “cabega de prego”, “dentes da serra’, entre outro: Nao apenas as catacreses, mas as metéforas, de um modo geral, retratam a motivagéo semantica, j4 que constituem processos de transferéncia de dominios que refletem relagdes associativas feitas pelos usudrios da lingua. Quando dizemos, por exemplo, que “Jodo € 0 cabeca do grupo”, estamos utilizando a palavra “cabega” com valor correspondente ao de “Lider” ou “chefe”, analogia que se sustenta pelo fato de ser a cabega a parte do corpo que pensa ¢ que manda informagées para que as outras partes do corpo assumam suas fungées. Isso é uma metéfora. A “metonimia”, que se caracteriza por uma transferéncia no significado de uma palavra com base em uma relagdo objetiva entre o sentido primeiro eo sentido novo, ou seja, por uma relagao de contigitidade, também constitui um caso de motivagio. Eo que vemos em uma frase como “Pedro bebeu uma garrafa inteira sozinho”, que nao significa literalmente que Pedro bebeu uma garrafa, 0 que seria impossivel em fungio da estrutura concreta desse objeto, mas que ele bebeu o contetido da garrafa. Essa relacao de contigiiidade ou proximidade objetiva entre o continente e seu contetido é de cunho metonimico e certamente reflete uma motivacio de cardter semantico. Em muitos casos, a palavra é motivada tanto morfoldgica quanto seman- ticamente. Vemos isso em casos como o de “pé-de-pato”, por exemplo, que designa um tipo de calgado de borracha utilizado por nadadores ¢ mergulhadores. Nesse caso, temos, por um lado, uma palavra composta de elementos mais bisicos, jd existentes na lingua, e, por outro, uma relagéo de semelhanga entre 0 formato do objeto (e sua fungao) com o pé do animal chamado “pato”. E uma analogia semelhante & apresentada anteriormente, por exemplo, em “pé de mesa”. Outros exemplos de palavras motivadas morfoldgica ¢ sintaticamente sao “pé-de-cabra” (tipo de alavanca de ferro, semelhante a uma pata de cabra), “mata-cachorro” (parte da motocicleta que se coloca abaixo do guidom para proteger 0 motor), entre outras. Entretanto, cabe registrar que esses casos de motivacao sao considerados arbitrérios por Saussure ¢ seus seguidores. Em primeiro lugar porque sto formados por elementos jé exisrentes na lingua que sio arbitrérios. No caso da palavra “pé-de- pato”, embora expressao seja motivada, as palavras “pé” ¢ “pato” que a compoem sao individualmente arbitrérias, ou seja, ndo tém uma origem reconhecivel a partir de sua propria estrutura. Outro raciocinio normalmente utilizado para argumentar em favor do caréter arbitrario dessas palavras relaciona-se a casualidade de sua formagao. Um termo como, “apagador” tem um certo grau de arbitrariedade, ja que o falante, para designar o mesmo objeto, poderia se valer de outros elementos, formando palavras como, por exemplo, “limpador” ou “apagante”. Ou seja, embora utilizemos elementos jd existentes na lingua, nés escolhemos esses elementos de modo arbitrério. io arbitrdrias. Segundo a visio estruturalista, até mesmo as onomatopéias s Comparar onomatopéias em linguas diferentes fornece um bom argumentoa favor dessa posigao. O canto do galo é representado em portugués pelo vocibulo “cocorocs”, em inglés por cock-a-doodle-doo, em alemao por kikeriki, palavras nao tio iguais entre si. Para designar 0 som de volume baixo, o portugués criou a onomatopéia “sussurrar”, que corresponde a onomatopéia do inglés whisper ea do alemao fliistern. Ou seja, casos como esses sugerem que, mesmo com a imitagao do som caracteristica da onomatopéia, ha um nivel de arbitrariedade na formagao da estrutura sonora da palavra. Podemos concluir, entao, que as nogdes de arbitrariedade e de motiv: iconicidade) nao sao exclusivas, ou seja, nao constituem anténimos, mas antes visdes 10 (ou diferentes de um mesmo fendmeno. A nogio de arbitrariedade observa exclusivamente a relagao existente entre o som ¢ o sentido da palavra, j4 a nogao de motivagao ou iconicidade leva em conta o fato de o falante, de algum modo, fazer corresponder a forma da palavra com o significado que ela expressa. Com 0 advento da lingiiistica funcional ¢ dos principios tedricos que caracterizam a lingiiistica cognitiva, as questdes relativas & discussdo arbitrariedade/ iconicidade ganham novos contornos, jé que a lingua deixa de ser observada apenas como uma estrutura ¢ passa a ser analisada como 0 reflexo do comportamento de seus usudrios em situagées reais de comunicagao, postura metodoldégica que nao era adotada na lingii(stica estrutural. ‘A visio saussuriana, que foca apenas a relagdo entre um som e um sentido jé ncrdnico da lingua estitico por natureza, dé lugar'a uma concepgao mais dindmica, segundo a qual a linguagem funciona como um elemento criador de se a observar nao apenas a prontos no sistema significagao nos diferentes contextos de uso. Assim, passa palavra ou a frase, mas 0 texto, 0 qual reflete um conjunto complexo de atividades comunicativas, sociais ¢ cognitivas.® Nessa nova perspectiva, a linguagem, longe de ser um conhecimento fechado, como propée a visio saussuriana, constitui o reflexo de processos gerais de pensamento que os individuos elaboram ao criarem significados, adaptando-os a diferentes situagées de interagio com outros individuos. E interessante nos demorarmos tim pouco mais no aspecto dindmico que essa nova concepgio confere & linguagem. O uso da lingua nas situagdes reais de 0 sugere que estamos constantemente adaptando as estruturas lingiifsticas para se tornarem mais expressivas nos contextos em que as empregamos. Isso ocorre porque, por um lado, as formas muito freqiientes na lingua acabam perdendo seu grau de novidade, ou seja, sua expressividade. Por outro lado, o homem muda e, com ele, muda também o ambiente soc | que 0 cerca, Assim surgem novas tecnologias novas profissées ¢ novas relagdes sociais, 0 que faz com que os falantes busquerr novos meios de rotular esses novos conceitos. Mas essa dinamica das linguas nao se dé de qualquer maneira, ou seja, : criatividade que caracteriza 0 ato comunicativo nao ¢ movida por meros artificio arbitrarios de que os falantes langam mao porque acidentalmente lhes vieram & cabega Ao contratio, parece que esse proceso adaptativo é veiculado por determinado mecanismos bisicos que refletem a natureza de nossa inteligéncia e 0 modo como el regula nossa vida social. Isso sugere que hd muito mais motivagao ou iconicidade na linguas do que se poderia inicialmente imaginar. Assim, apés a criagao do elevador, por exemplo, a palavra mais comumente utilizada para designar 0 ato de apertar 0 botao para que o elevador chegue ao andar em que estamos foi o verbo “chamar”, Isso reflete uma analogia entre um processo comum no nosso dia-a-dia que é 0 ato de chamar uma determinada pessoa ¢ a a¢a0 de apertar 0 botao a fim de que o elevador venha até nés. Esse processo analégico, em que transferimos determinados dados de um dominio de significagao para outro se identifica com 0 que chamamos de metéfora. Foi principalmente com Lakoff ¢ Johnson (2002) que a metéfora — assim como a metonimia — passou a ser vista ndo como um mero recurso poético ou estético, como se pensava tradicionalmente, mas como um mecanismo que desempenha um papel central na definigao da nossa realidade cotidiana, ja que reflete 0 modo como pensamos ou experienciamos na nossa vida didria. Ou seja, € da natureza essencial do nosso sistema conceptual compreender ¢ experienciar uma coisa em termos de outra. Segundo os autores, as metaforas estruturam tudo o que percebemos do mundo, € também 0 modo como nos relacionamos com outras pessoas, compartilhando um mesmo sistema conceptual, ou seja, adotando um mesmo conjunto de interpretagoes acerca da realidade que nos cerca. Dados referentes a diferentes linguas sugerem que a maior parte de nosso sistema conceptual é de natureza metafirica Um dos exemplos apresentados pelos autores de como isso se dé é 0 fato de que nos habituamos, por exemplo, a pensar em nossa mente (as vezes representada pela palavra “cabeca”) como um recipiente, ou seja, algo concreto capaz de conter alguma coisa dentro de si. Isso pode & primeira vista parecer muito estranho, mas, na verdade, essa metfora é altamente produtiva ¢ nao apenas no portugués. Frases como “Minha mente est cheia de idéias” ¢ “Nao consigo tirar esse filme da minha cabega” sé sio posstveis em fungao dessa metifora. claro que, de modo semelhante, dentro desse recipiente que representa de modo metaférico nossa mente colocam-se idéias, ou conhecimentos, os quais s20 normalmente metaforizados como objetos, como sugere a frase “Quem colocou essas idéias na sua cabega?”, entre muitas outras. Os processos metaféricos estao presentes nas Iinguas naturais de um modo getal e constituem, portanto, uma estratégia cognitiva que permite nosso pensamento navegar por conceitos abstratos. Mais do que isso, mecanismos desse tipo tém se mostrado fundamentais na criaggo de palavras para designar novos conceitos. Por isso ndo podem deixar de ser apresentados como fortes fatores motivadores da estrutura da lingua. Muitos trabalhos em funcionalismo procuram descrever 0 modo como as pessoas ao em uma adquirem rétulos para conceitos para os quais ainda nao ha designa determinada lingua, ou para os quais hd necessidade de uma nova designacio. Hé varias maneiras de se fazer i 0 ¢ algumas delas esto apresentadas a seguir: a) inventar uma nova palavra, criando, de modo intcitamente arbitrério, uma estructura sonora diferente; b) tomar emprestado de outros dialetos ou de outras lingus ©) criar palavras pelos processos associados ao fendmeno da motivacao. Ocorre que a opsio apresentada no item (a) ¢ dificilmente usada em fungio de sua pouca funcionalidade. A estratégia apresentada em (b) é muito comum, especialmente em casos em que a coisa designada provém de outro pais (“futebol”, proveniente de ‘football, esporte surgido na Inglaterra) ou de outra regido (“acarajé”, bolinho da culindria baiana). A opgao expressa em (c) é a mais produtiva das trés designada e, sobretudo, usar elementos que existem na lingua para forjar a nova palavra : imitar 0 som da coisa oferece menor custo cognitivo para o falante, que utiliza o que lhe esta disponivel, assim como para 0 ouvinte, que se vale de seu conhecimento desses elementos preexistentes na lingua para melhor inferir o significado da palavra nova. Esse processo reflete o principio, apresentado por Werner ¢ Kaplan (1963), chamado principio da exploracao de velhos meios para novas fingdes: conceitos concretos sao empregados para descrever fendmenos menos concretos ¢ mais dificeis de serem conceptualizados. Ouseja,entidades concretas, perceptiveis pelos nossossentidoscorporais €, portanto, mais claramente delineadas ¢ estruturadas, servem de base para a nossa compreensao de idéias abstratas, sensagées ¢, de um modo geral, experiéncias nao fisicas, que por sta natureza mental ou sensorial sio mais dificeis de serem conceptualizadas. Heine (1991) argumenta que esse proceso de extensio semintica apresenta certa regularidade € propoe uma escala que a indique: PESSOA > OBJETO > ATIVIDADE > ESPAG > TEMPO > QUALIDADE Os elementos dessa escala apresentam grau crescente de abstratividade constituem entidades prototipicas que representam dominios de conceptualizagéo E claro que essa escala deve ser importantes para a estruturacao de nossa experiénci: vista como um conjunto muito geral de dominios da experiéncia ¢ como um reflexo de tendéncias igualmente gerais. lingiifstico precise cumprir todo 0 caminho proposto na escala, apresentando cada sentido, partindo da PEssoA até chegar a QUALIDADE, mas sim que um dado relativo a qualquer desses dominios da trajetéria pode ser utilizado para expressar qualquet _ Sendo assim, devemos compreender essa trajetéria escalar Ou seja, nao devemos inferir que o clemento outra entidade a sua direit: como um grupo de extensdes semanticas bdsicas ¢ traté-la mais como um caminho padrao do que como um processo que nao admite excegdes. Estabelecido o aspecto generalizante dessa escala, falemos um pouco mais sobre cla, Ha trés coisas que precisamos ter sempre em mente. A primeira é que a relagae entre suas entidades é metaférica por natureza, ou seja, tende a haver uma transferéncie semantica de um elemento para 0 outro: metéfora objeto para espaco, espago pars tempo, entre outras. A segunda diz respeito ao fato de que essa escala se apresente irecional, partindo daquilo que é mais proximo ¢ mais definido para o ser ano, que é seu proprio corpo (PESsoA), para a designagao de elementos concretos do mundo real (08): 10) ¢ progredindo em diregao a expresso de categorias cada vex mais abstratas (ATIVIDADE, ESPAGO, TEMPO ¢ QUALIDADE). Essa unidirecionalidade deve ser entendida como uma forte tendéncia de os dados mais concretos serem utilizados para categorizar entidades mais vagas ¢ abstratas, ¢ nao 0 contritio.’ A terceira é que essa escala tem um cardter translingiiistico, ou seja, no se manifesta apenas no portugués, constituindo um fendmeno inerente as linguas naturais, 0 que, por hipétese, se explica pelo fato de ser ela o reflexo da atuacao de nossa capacidade cognitiva. Vejamos alguns exemplos de como essas trajetérias se dao em portugués, Palavras que indicam partes do corpo, como “brago”, por exemplo, podem passar a designar: a) um objeto, como em “brago da cadcira” (0 mesmo ocorre em “pé de mesa”, “dentes i b) uma atividade, como em “bragada” (0 mesmo ocorre em “pernada”, “mani- da serra”, “orelhao”, et pulagio”, etc.); ©) uma medida de espaco, como em “uma braca” (0 mesmo ocorre em “pé”, “pole- gada”, etc.);? d) uma qualidade, como em “Ele é meu brago direito” (0 mesmo ocorte em “pé-frio” [ jogador], etc zarado), “mao-aberta” [= esbanjador, gencroso], “perna-de-pau” [= mau Do mesmo modo, palavras que designam nogdes espaciais, como “atras”, por exemplo (“atrés da casa”), podem passar a designar: a) noges temporais, como em “duas horas atrds” (0 mesmo ocorre com os elementos originariamente espaciais “antes” e “depois”: “antes/depois da esquina” > “antes/depois da hora’, etc.); b) qualidades, como em “Suas idéias so atrasadas” (0 mesmo ocorre com “retardado”, “estar a frente de sua época”, etc.). Para frisar que essas relagdes nao existem apenas em lingua portuguesa, vejamos alguns casos de transferéncia de espago para tempo em algumas outras linguas. Em espanhol, temos después de la exquina (“depois da esquina’: valor espacial de después), a0 lado de dos arios después (“dois anos depois”: valor temporal de después). Em francés, temos apris le coin de la rue (“depois da esquina’: valor espacial de apris), ao lado de palavras como aprés-midi “Atarde" , ou seja, depois do meio-dia) e aprés-demain (“depois dle amanha”), que exemplificam 0 uso da palavra espacial aprés com valor temporal. O mesmo ocorre com o termo inglés afier: The hotel is located after third traffic light (*O hotel se localiza depois do tercciro sinal de transito”: valor espacial de after) coexiste com expresses do tipo the day afier (“o dia seguinte”: valor temporal de after). Desse modo, quando observamos a genese dos clementos lingiiisticos notamos que, para criar termos novos a fim de designar novos objetos ou novas formas de relagio social, o falante nao inventa uma palavra, criando, a partir do nada, uma estruturasonora diferente. Ao contrario, sua tendéncia é utilizar elementos jé existentes em sua lingua ou, pelo menos, pegar emprestado um termo de outra lingua ou dialeto. O que muitas vezes ocorre com as palavras aparentemente imotivadas ou arbitrarias, ou s ja, aquelas cujo sentido nao pode ser previsto a partir de sua estrutura, é que sua motivagao se perde com 0 tempo. A dinamica da comunicacao vai fazendo com que as palavras tenham sua estrutura ¢ seu sentido modificados, ¢ nesse processo ‘iéncia d: 0s falantes vao perdendo cor origens dos vocabulos ¢ das expressée: Alguns exemplos sao inter ntido. A palavra portuguesa “pensar”, ssantes Nese s que hoje designa 0 aro abstrato de organizar as idéias, provém do latim pensare, que significava basicamente “suspender”, “pesar”. A analogia entre 0 ato de pensar e 0 de pesar as informagées ow as idéias certamente nao ¢ estranha para nés, mas se perdeu no labirinto do tempo de modo que o falante atual utiliza © verbo “pensar” como uma forma nao motivada Casos como esses suigerem que a iconicidade, entendida como uma motivagao entre forma ¢ sentido, esté bastante pres mo os estudos nte nas linguas naturais. funcionalistas, contrariamente aos estudos formalistas, privilegiam a fungao sobre a forma, observando a lingua do ponto de vista do contexto lingiiistico ¢ da situagao extralingiiistica, 0 prine{pio de iconicidade tornou-se fundamental para a observacao ¢ interpretacao da relagao entre forma ¢ fungao ¢ para a concepgao de gramatica das lingua . Sendo assim, a iconicidade nao se manifesta apenas na relagao entre a forma € 0 sentido das palavras, mas também na estrutura da frase ou mesmo do texto. Bolinger (1977), considerado 0 precursor do funcionalismo norte mericano, foi um dos primeiros a repensar a nogio de iconicidade do ponto de vista da fungio comunicativa que cada forma desempenha. Ele postulou que a condigao natural da lingua € preservar uma forma para um sentido ¢ um sentido para uma forma. Isso vale também para a existéncia de mais de uma forma para indicar 0 mesmo sentido, que segundo 0 autor constitui uma situagio muito improvavel. Assim, “morrer”, “falecer”, “partir desta para melhor” e “bater as botas”, embora aparentemente designem © mesmo processo, nao sio empregados indiferentemente em situagoes distintas de comunicacao porque, na verdade, nao tém exatamente o mesmo valor: ninguém em sa consciéncia vai informar a um amigo a morte repentina trégica de sua mae dizendo “Sua mae bateu as botas’. Isso demonstra que nao ha nas linguas sinénimos verdadeiros, ou, nos termos de Bolinger, duas formas com a mesma fungao. Os elementos da lingua tm um histérico de usos, de modo que uma expressio como “bateu as botas” é normalmente empregada em situagdes de pouca seriedade, que envolvem normalmente um fator de ironia ou, pelo menos, de brincadeira. Por isso cla nao é empregada no contexto descrito anteriormente. No nivel da frase, essas questdes associadas a iconicidade também entram em jogo. Vejamos as duas frases a seguir: a. Eu ja vi esse filme. b. Esse filme eu ja vi. Essas duas frases, embora aparentemente tenham 0 mesmo valor semantico, sao diferentes do pronto de vista pragmatico, ou seja, de um modo geral, nao sao ditas nos mesmos contextos comunicativos. O exemplo ¢), em que o objeto direto “esse filme” esté anteposto ao verbo, reflete uma estrutura tipica de uma situagio em que a informagao por ele expressa € conhecida, ou seja, ja foi mencionada ante! iormente, Nao € raro inclusive que na continuidade do discurso esse elemento funcione como tépico ou assunto do qual se esta falando, aparecendo no inicio de varias oragdes em seqiiéncia. Quanto ao seu graut de informatividade, os elementos da lingua se apresentam de modo distinto em diferentes situagdes. O fato de um elemento constituir uma informagéo conhecida em um determinado contexto de comunicagio atribui a ele determinadas caracteristicas formais. No caso do exemplo anterior, 0 elemento vai para o inicio da frase, jd que constitui o tépico ou assunto sobre o qual se esté falando. Essa estrutura, portanto, nao se dé de forma casual ou arbierdria, mas é motivada pelo valor informacional que seus elementos apresentam no contexto de uso. Esse fendmeno é caracterizado por Givén (1990) como o subprincipio icénico da relagio entre ordem segiiencial e topicalidade (ver o capitulo “Funcionalismo”), que prevé uma conexio entre 0 tipo de informagio veiculada por um elemento da frase e a ordenagio que ele assume nessa frase. No que diz respeito & ordenagéo dos elementos, Givén (1990) demonstrou também que, em uma narrativa, a seqiiéncia de eventos nio se dé de forma casual ou arbitréria, mas é motivada pela seqiiéncia em que os fatos ocorreram na realidade. Desse modo, uma seqiiéncia como “Cheguei em casa, jantei, fui para cama ¢ dormi” reflete a ordenacao real dos fatos, no podendo, portanto, ser alterada, sob pena de se obter um outro sentido ou uma frase sem sentido. Essa relagao entre a ordem das oragdes no periodo e a seqiiéncia em que ocorreram na realidade corresponde ao que Given chama de subprincipio da ordenagio linear. Outro subprincipio icénico formulado por Givén (1990) ¢ chamado de subprin- cipio da quantidade, segundo 0 qual quanto maior a quantidade de informagao, maior sera a quantidade da forma, de tal modo que a estrutura de uma construgio gramatical indica aestrutura do conceito que ela expressa. Eo que ocorre no exemplo abaixo, retirado do corpus Discurso & Gramatica,"” que apresenta a repetigéo do verbo “todar”: Quando eu era pequen: que era... af eu amarrei .. eu ficava brincando com aqueles disquinho fiquei rodando... rodando... rodando af fiquei tonta... Ne que a informante ficou rodando ¢ a quantidade de material lingiifstico que ela utilizou para indicar isso: ela repete o verbo “rodar” (em “fiquei rodando... rodando... rodando...”). sse exemplo, a iconicidade se manifesta na relacao entre a quantidade de tempo Isso nao apenas traduz com realismo ¢ dinamismo a experiéncia vivida pela informante, como, sobretudo, reflete uma relacéo de motivacao entre o sentido (quantidade/tempo associados ao ato de rodar) ¢ a forma (a repetigao do verbo que expressa esse ato). Hi ainda mais um fenémeno relacionado a iconicidade, segundo Givén, que estd associado ao chamado subprincipio da proximidade. Segundo esse subprincipio, © que esta mais préximo no campo do sentido se mantém mais préximo na forma. Ou seja, 0 fato de as entidades estarem préximas funcional, conceptual ou cognitivamente motiva os falantes a colocarem os termos designativos dessas entidades préximos no nivel da frase. Esse talvez seja 0 subprincipio mais dificil de ser compreendido ¢ se refere, entre outras coisas, a uma tendéncia geral de manter os modificadores restritivos perto do seu nticleo nominal ¢ de colocar um sintagma nominal sob um contorno entoacional unificado. Isso explicaria, por exemplo, o fato de os adjetivos estarem sempre ao lado dos substantivos a que se referem, como, por exemplo, no sintagma nominal “calga curta”. Ao conceptualizarmos a entidade “calga”, automaticamente registramos seu tamanho, uma caracteristica inerente & calga que estamos querendo expressar. Se esses conceitos — a entidade e seu tamanho — estao préximos em nossa concep¢ao, nao ¢ estranho que, ao falarmos sobre eles, coloquemos lado a lado na frase os termos que os designam: aquele que indica sua esséncia como ser (0 substantivo) ¢ aquele que o individualiza em relagao a outros do mesmo tipo (0 adjetivo).. Essas questées que desenvolvemos neste capitulo nos mostram que as discuss6es que envolvem as nogoes de arbitrariedade ¢ iconicidade so bastante complexas ¢ esto longe de refletir um consenso entre os cientistas. Elas nao se limitam & realidade restrita arelacao entreo som co sentido das palavras, abrangendo questdes muito mais profundas, como De que forma o homem codifica o universo a sua volta? Qual a relagdo entre a mente humana ea linguagem, e entre esta ea cultura? E posstvel analisar a linguagem sem levarem conta os aspectos associados ao seu uso em situagées concretas de comunicagao? No curso da histéria dos estudos da linguagem, varias correntes trouxeram visGes diferentes acerca do assunto que, com o desenvolvimento das pesquisas, foram sendo ora abandonadas, jonadas auma ora retomadas. Este capitulo, portanto, trouxe algumas informagées rel antiga polémica, que por nao ter sido ainda solucionada de modo definitivo se apresenta como um tema fascinante aos olhos dos cientistas interessados em compreender 0 funcionamento da linguagem ¢ da cognicao humana. Exercicios 1) De que modo os dados apresentados abaixo podem constituir argumento favorivel 4 proposta de Saussure de que o signo ling € arbitririo? lua > [Pega de vestuério que se ajusta 3 mio glove -> }eaos dedos, funcionando como gant > |agasalho, adorno ou forma de higiene. 2) Durante a Copa do Mundo em 2002, quando o Brasil foi pentacampedo, foi publicada uma tirinha cujos personagens exclamavam: English: Go! Go! Brasil: Gol! Goll Pode-se dizer que este éum caso em queo principio de arbitrariedade esté em jogo? Justifiquesua resposta, 3) O fato de quea cor preta representa luto no ocidente pode ser caracterizado como um simbolo? Justfique. 4) Defina os trés casos de motivagio e apresente pelo menos um exemplo de cada um deles. 5) © uso da palavra “angtistia” apresentado a seguir pode constituir um caso de perda de motivagio conseqiiente do passar do tempo? Justifique sua resposta. A palavra “angiistia”, hoje designativa de um sentimento de ansiedade ou afligio intensa, provém do latim angustia, cujo sentido primeiro era mais concreto: “espago apertado”, “estreitera”, “desfiladeiro”. 6) Com base nos exemplos em portugués ¢ inglés que seguem, faga um comentétio acerca do carier translingiiistico da rel 4o entre a expressio de nogdes espaciais ¢ nogées temporais: a) Em portugués: ‘Minha casa fica logo depois da padaria. Cheguei em casa logo depois das sete horas. b) Em ingles: The hotel is located after third traffic light. ‘Two years after the 11 March 2004, terrorist attacks in Madrid, 7) A frase abaixo apresenta um recurso muito comum na fala coloquial de repetir uma palavra, muitas vezes um adjetivo, para intensificar o seu valor. Esse fenémeno pode ser explicado por algum dos trés subprincipios de iconicidade? Justifique sua resposta O filme é lindo, lindo, lindo. Notas ' Orermo “semiologia’ est relacionado 3 tradicZo saussuriana, constituindo uma tradugio do francés sémiolagie, Ji o termo “semidtica” (do inglés semiotics) esté associado ao trabalho desenvolvido nos Estados Unidos por Peirce. Termo proveniente do grego cikén, que significa “imagem” © Com a evolucao dos estudos lingiisticos ¢ 0 surgimento do funcionalismo ¢ da lingiifstica cognitiva (ver capitulos ‘uncionalismo” ¢ “Lingiiistica cognitiva’) na segunda metade da década de 1970, 0 papel da nosao de iconicidade na lingua voltou a ganhar destaque. Saussure evitou o termo “simbolo”, jé que este tem como caracteristica nao ser completamente arbitrério, “Catacresc” é um termo tradicionalmente empregado para designar um tipo de metifora j fossilizada na lingua e que representa, segundo alguns autores mais puristas, uma relagio de semelhanga abusiva, representada normalmente por casos como “cabesa de alfinete”, “embarcar no trem’, “aterrissarem alto mar", além dos apresentados neste texto. © terme cognitive esté associado aos aspectos do funcionamento da mente que permitem ao homem construir, armazenar e partilhar conhecimento. * A utilizagio de elementos de linguas antigas como o latim ou 0 grego clissico esti prevista nessa opsio. * Aslinguasexibem excegdes essa unidirecionalidade, como o caso da palavra abstrata “sono” que passa a designar um tipo de pio doce, um conceito concreto. Mas, em termos estatisticos, 0s casos de excesdo sio, de um modo geral, pouco expressivos. * “Braga”, que é um termo proveniente do latim bracchia, plural de bracchit (= brago),€ "pé” designam antigas unidades de medida de comprimento. O mesmo acorre com “polegada”, medida de comprimento aproximadamente igual a0 do comprimento da segunda falange do polegar. °° Conjunto deentrevistas gravadas por falantes do Rio de Janciro, de Niterdi, de Natal, de Juiz de Fora e do Rio Grande, “organizado por pesquisadores do Grupo de Estudos Discurso & Gramitica, formado por professores da Urn), da UrF eda ure.

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