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NEY FAYET JUNIOR ANDRE MACHADO MAYA (organizadores) CIENCIAS PENAIS E SOCIEDADE COMPLEXA II nis Porto Alegre / 2009 CRIMINOLOGIA E FEMINISMO NA CONTEMPORANEIDADE: FENDAS, DISCURSOS E SUBVERSOES POS-MODERNAS Carla Marrone Alimena™ José Antonio Gerzson Linck” 1 INTRODUCAO - DA CRIMINOLOGIA CRITICA AO FEMINISMO presente artigo aborda os caminhos abertos para o feminismo a partir de uma criminologia pés-moderna, buscando comparar as possibilidades emancipatérias de dois instrumentos: primeiramente 0 juridico, ferramenta sagrada’ ¢ tipicamente moderna de resolugdo de conflitos € combate politico; ¢ posteriormente, propde-se a aniilise de algumas fendas abertas pela fragmentagio discursiva contemporanea, sobretudo discursos profanos acerea da(s) identidade(s) feminina(s). O intuito nao € fazer qualquer comparaco valorativa acerca do que é Mestranda em Cigncias Criminais-PUCRS. Mestranda em Direito-UFRGS. ‘Membro do Instituto de Criminologia e Alteridade (ICA) Mestre em Cigneias Criminais-PUCRS. Professor de Direito Penal — Univer- sidade Dom Alberto, Membro do Instituto de Criminologia e Alteridade (ICA). Poderiamos citar aqui Mircea Eliade, Levis-strauss ou. Marcel Mauss,dentre outros, mas optamos por manter a palavra sagrado na indeterminagao, acreditan- do que a verticalidade do Juridico € tio Sbvia, tio ampla e tao facilmente detee- tiivel que conceitué-lairiatirara forga do argumento. 81 melhor para a luta politica da igualdade de género, sobretudo porque stio muitas as formas ¢ experiéncias juridicas de protegao da mulher e infindaveis os discursos nao institucionais. Por tudo isso, 0 texto pro- de apenas a comparacio especifica, local ¢ particular entre discursos observados no Juizado de Violéncia Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre (instrumento juridico institucionalizado) e discursos outros observados em fendmenos cotidianos, micro-politicos ¢ profanos de questionamentos do feminino, Os discursos punitives néo se superam, 0 que fica claro tanto na pratica juridica como nas falas profanas das teorias de todos os dias, pois Juizes continuam identificando personalidades voltadas para a prética de delitos (versio adulta do bicho-papfo) ¢ a midia costuma contribuir com belos contos de fada acerca do lobo mau (normalmente preto pobre) violentando Chapeuzinho, menina indefesa, bela e trabalhadora, normalmente representada em branco, por Sbvio. Uma altemativa poli- tico-criminal néo pode estar obcecada por retéricas, & preciso que a eficdcia seja plausivel, caso contritio apenas se reproduz, violéncia em cima de uma nova promessa, Partindo-se de tais premissas, estamos rememorando 0 conhecimento acerca das disfungdes entre o que o Siste- ‘ma Penal promete (fungdes declaradas) e o que é capaz de cumprir (fun- Ges reais)’. Sendo assim, iniciamos pela constatagdo (pressuposto) de Que o Direito Penal nao ¢ capaz de transformar a cultura nos moldes de seus projetos, pois invaridvelmente reproduz violéncias, alarma falsas solugdes e, logo aps, desconversa, encontrando novas ameagas para o futuro de nossos filhos, mudando 0 foco conforme for conveniente, O permanente tergiversar sugere que se permanega condenando desigualmente enquanto os instrumentos estatais so aparelhados para aumentar a criminalizagdo de todas as esferas sociais, diminuindo a cifta oculta ¢ tornando o sistema mais igualitério, sendo a esquerda punitiva mais um modelo exemplar de gestdo salvacionista (¢ moral, saliente-se)’ * ANDRADE, V. R. P. . A soberania patriarcal. O sistema de justiga criminal no tratamento da violéncia sexual contra a mulher. Segiiéncia, Florianépolis, v. 50, p. 71 102-102, 2005. p. 79. * AZEVEDO, Rodrigo G. Sistema Penal e Violéncia de Genero: anélise séciojuridica da Lei 11,340-06. Sociedade e Estado, Brasilia, v. 23, n.1, p.1 13+ 135, jan-abr. 2008. p. 114, Ou seja, a promessa do Sistema Penal provoca a sensagdo de que a felicidade viré no colo de um Estado Policial, tomando absurdo 0 que j cera paradoxal, ‘A magnitude do Direito Penal é insignificante perante a estru- tura que garante a sua existéncia, das instituigdes policiais ao sistema prisional, passando pela reafirmaco dos conceitos prévios vigentes nas teorias de todos os dias, second codes que orientam a seletividade (controle social informal). A légica das representagdes vigente no sis- tema penal é, invariavelmente, permeada de essencialismos que mul- tiplicam ¢ reproduzem os esteredtipos sociais. Nao poderia ser dife- rente na luta das mulheres* contra os sistemas que produzem desigual- dades de poder, em que 0 moralismo penal vigente nao protege 4 mulher, mas mulheres selecionadas quanto a fatores como raga, classe, idade ¢ sexualidade, sem divida o fator feminino mais visivel para 0 Direito. A conduta sexual da mulher, tradicionalmente digna de tutela juridica pode ser aferida como honesta, ou seja, a mulher comprome- tida com 0 casamento e a reproducao legitima que mantém a unidade da classe burguesa no capitalismo’: Desta forma, o julgamento de um crime sexual ~ inclusive e espe cialmente o estupro ~ nao é uma arena onde se procede ao reconhe- cimento de uma violéncia e violagdo contra a liberdade sexual femini- na nem tampouco onde se julga um homem pelo seu ato. Trata-se de uma arena onde se julgam, simultaneamente, confrontados numa for- tissima correlagtio de forgas, a pessoa do autor € da vitima: 0 seu comportamento, a sua vida pregressa. E onde esté em jogo, para a mulher , a sua inteira reputagdo sexual que & — ao lado do status fa- rmiliar — uma varidvel tio decisiva para o reconhecimento da vitima- do sexual feminina quanto a varidvel status social 0 € para a cri- minalizago masculina. O que ocorre, pois, € que no campo da moral sexual o sistema penal promove, talvez mais do que em qualquer ‘outro, uma inversio de papéis ¢ do énus da prova. A vitima que acessa + Vide: SPELMAN, Elizabeth V. Inessential Woman: problems of exelusion in feminist thought. Boston: Beacon Press, 1988. ANDRADE, V. R. P. . Da domesticag20 da violencia doméstica: politizando 0 espago privado com a positividade constitueional. Discursos Sediciosos Crime Direito e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 4, p. 99-102, 1997. p. 101 83, © sistema requerendo 0 julgamento de uma conduta definida como crime ~ a agfo, regra geral, é de iniciativa privada — acaba por ver-se ela propria julgada pela visio masculina da lei, da policia e da justiga, incumbindo-Ihe provar que é uma vitima real, e nao simulada’, Os discursos feministas tm expressado justa e repetidamente preocupagio com as vitimas dos delitos de violéncia doméstica agresstio sexual, principalmente quanto a falta geral de atengdo que estes temas encontram na esfera pablica, sendo a disciplina crimino- légica 0 ponto nevralgico do presente debate. E importante salientar que nao existe uma tinica posigao feminista em nenhum (destes) tema(s). A primeira critica 4 criminologia foi oriunda dos discursos feministas radicais, ginecocéntricos, dos anos 60 ¢ 70. Desde 1980 até © presente, os discursos feministas se espraiaram em diversas posigdes genealégicas. Alguns se dedicaram a desconstruir 0 falocentrismo, outros a (des)essencializar a criminalidade da mulher (a referéncia feita as mulheres como possiveis autoras de delitos era, na eriminolo- gia clissica, limitada as prostitutas, sendo tal conduta equivalente a0 crime do homem’) ¢ outros a essencializar as mulheres como sujeito unificado de uma ordem social masculinizada, Kerry Carrington qués- tiona: O que ganha o estudo feminista do delito e do funcionamento do direito e da justiga penal ao encontrar-se com o pés-modernismo’? A invocagio de explicagdes sociais da criminalidade feminina como resultado de opressdes masculinas, desigualdades de género ou ao confinamento doméstico nao fizeram nada mais do que substituir um conjunto de reducionismos por outro, ou seja, buscar novas causas ¢ culpas para o fenémeno’. As explicagdes sobre as causas da violén- cia contra a mulher também podem ser lidas nesse sentido. Acontece que parte da demanda feminista pela punigo do homem no conflito doméstico ¢ uma politica criminal com base em dois pressupos- Ibidem, p. 99, FAYET JUNIOR, Ney. A Prostituigo: consideragdes socio-juridicas. In: FAYET JUNIOR, Ney (org). Ensaios Penais em homenagem ao professor Alberto Rufino Rodrigues de Sousa. Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2003, p. 624, CARRINGTON, Kerry. Op. Cit, p. 241 Ibidem, p. 242. 84 tos": a) uma visdo vitimizadora da mulher violentada; b) uma visdo protecionista do sistema penal, ambas idealizadas. Desconsidera-se, portanto, a violéncia como jogo relacional, resultado de complexas relagées afetivo-emocionais, nao circunscritas ao dmbito da heteros- sexualidade causal. Vera Regina Pereira Andrade sugere renunciar sempre que possivel ao retribucionismo e ao impacto pretensamente simbélico da punigao''. De qualquer modo, a arena juridica mais apropriada para a luta € a do Direito Constitucional porque, diferentemente do Direito Penal, que constitui o campo, por exceléncia, da negatividade, da repressividade (que utiliza a violencia institucional da pena em resposta a violéneia das condutas definidas como crime) ¢ que tem (re)colocado as mulhe- res na condigao de vitimas; 0 Direito Constitucional constitui um ‘campo de positividade, onde 0 homem e a mulher podem, enquanto sujeitos, reivindicar, positivamente, direitos”. Sistema de Justiga Criminal ¢ parte de uma ampla ordem de controle social, pois nao faz seu proceso de etiquetamento & margem ou contra os. processos gerais de etiquetamento que tem lugar seio do controle social informal, muito pelo contrério, visto que reproduz os cédigos ¢ juizos virtuais do senso comum teérico. O proprio patriar- cado, em desconstrugo no seio cultural'®, continua operando no controle formal. O argumento de que a policia deveria simplesmente fazer cumprir a lei no caso da agressio doméstica e demais violéncias contra a mulher ignora as particularidades ¢ a seletividade que caracteriza a forga policial fora e dentro da esfera doméstica. Nao & verdade que 0 género seja fator decisivo da conduta policial violenta ou da vitimizagio, pois muitos homens so mais vulneréveis que mutheres dependendo do contexto, seja esta violéncia policial ou nao institucional, Nao existem regras universais de cometimento de deli- tos. As verdades teleolégicas do feminismo como as derivadas da lei © ANDRADE, V. R. P. Da domesticagao... p. 100. Ibidem, p. 101. ANDRADE, V. R. P. A soberania patriareal.. . 79. Tbidem, p. 84 85 do patriarcado evitam discussdes genealdgicas mais profundas, pois quando a construgdo teérica da violéncia de género nao se encaita com os fatos, costumeiramente os fatos é que sdo sacrificados". Nio existe um tinico problema e uma imnica solugo, tampouco uma ‘inica mulher ¢ uma tinica violencia, este tipo de tomada de consciéncia Politica & precisamente o que esti sendo promovido pelos discursos feministas pés-modernos. As agdes politicas feministas so simplistas” quando exigem que o sistema de justiga penal imponba o imperio da lei sobre os homens, pois se baseia na difuundida idéia errénea de que 0 sistema de justiga penal realmente gasta a maioria dos seus recursos na investigagio de delitos graves. Nao existe ingenuidade e desconheci mento maior do que este, pois o grosso dos recursos do parco funcio- ramento cotidiano do sistema de justiga penal esti ditigido a adminis- ‘ago da marginalidade social. Um poueo mais de atengao ao funciona- ‘mento da justiga penal ¢ um pouco menos de dedicagio a postulados universais e discursos de senso comum tornaria a criminologia femi- nista_ um pouco mais relevante para um pouco mais de mulheres, no lugar de ser relevante para todas ¢ especifica para nenhuma"’, No caso da Lei Maria da Penha (Lei n. 11,340/06), por exemplo, © questionamento que o presente artigo prope nfo se refere & suposta desigualdade em manter-se uma vara judicial, ou procedimento especifico visando a protegao da mulher, visto que nao hé desigual- dade em tratar os desiguais desigualmente, buscando um equilibrio na vulnerabilidade de cada género'®, embora questionemos a possibilida- de de criar varas especiais para cada minoria. O que o presente artigo delimita como problema, neste tépico, & a relagio entre os clientes majoritérios dos Juizados de Violéncia Doméstica e Familiar contra a Mulher ¢ 0 contexto contemporineo de contengao e afastamento do refugo social, sobretudo a multiplicagio de violéncias discursivas insidiosas, capilares e micro-politicas. '\ CARRINGTON, Kerry. Op Cit, p. 248, "© Ibidem, p. 252. Tradugao live, © CAMPOS, Carmen Hein. Lei Maria da Penha: minima intervengio punitiva, maxima intervengao social. Revista Brasileira de Ciéncias Criminais, So Paulo, v. 73, p. 244-267. jul-ago 2008. 86 Evidente que, em virtude das penas destes delitos, a criminali- zagio nem sempre resulta na violencia do cércere, mas na reprodugdo dos cédigos subterraneos do discurso punitive contemporiineo (salien- tamos que 0 rito penal ja & pena, faticamente), bem como em um timido, mas erescente processo de invengo de causas psi para o ho- mem fracassado ter como se des-culpar. Nao poderia ser diferente, ja que na ficgdo juridica © mundo 6 justo ¢ sempre ha culpa, visto que as promessas de salvacdo partem da idéia de causa, Nao se trata de de- fender a impunidade da violéncia doméstica, mas relembrar que 0 sistema penal nunca conseguiu exterminar impunidade nenhuma, por- tanto o célculo politico deve medir a ineficacia preventiva com a efi- cécia violenta das instituigdes de controle ¢ seus discursos. Embora resultado do campo ainda nao seja definitivo'’, a enorme disparidade entre classes verificada a priori deve dizer alguma coisa. O que quer esta mulher pobre que vai até os juizados? O que recebe ela com esta protecao? O que efetivamente esti sendo protegido? 2 BREVE LEITURA DE DISCURSOS NO JVDFM - PORTO ALEGRE" E O CONTEXTO CONTEMPORANEO: AGRESSORES OU FRACASSADOS? 2.1 Quanto aos clientes ‘A primeira impressdio sempre é um olhar, que ao longo dos dias acostumou-se a ver roupas surradas, chinelos de dedo e criangas en- trando na sala de audiéncia. Os clientes do Juizado so moradores de reas pobres da cidade de Porto Alegre, marginalizadas, como Restin- ga, Vila Safira, Rubem Berta, Vila Cruzeiro e Jardim Planalto. Sao empregadas domésticas, cozinheiras, segurangas, pintores, biscateiros, entre ouiras profissdes que tem poucos ou nenhum requisito quanto a escolaridade, Nao raro so analfabetos ou semi-alfabetizados, como se "7 Foram assistidas cento e uma audiéncias no IVDFM de Porto Alegre, entre 0 periodo de margo a maio de 2009, Cabe referir que a pesquisa de campo continua em andamento, ' Juizado de Violéncia Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre 87 vé na fala de Joao (os nomes foram trocados para preservar a iden- tidade dos casais), olhando em sua volta, buscando visualizar todos que estavam na sala: Desculpa vocés ai que eu nao sei conversar! Tenho sé a segunda série. Sou meio burro. Neste contexto, os clientes do Juizado nao compreendem a dife- renga entre o Juizado e as Varas de Familia, ou seja, no compreen- dem 0 procedimento pelo qual esto passando e no entendem para qué serve (¢ quando serve) uma medida protetiva, 2.2 Quanto ao discurso dos clientes As audiéncias iniciam, de regra, pelo questionamento da Juiza acerca da situagao da mulher, que passa a contar sua historia muitas vezes com a participagdo do suposto agressor. Nao houve relatos (nenhum rela- to!) de violéncia gratuita praticada contra as mulheres, mas de uma vio- encia praticada pelo casal (de regra niio sto casados no papel), um com 0 outro, sendo dificil, por exemplo, saber quem praticou a primeira injéria (Clara: Ele me chama de vagabunda! Adriano: E ela me chama de corno!). Quando perguntadas sobre seus objetivos (uma vez que elas nao sabem as conseqiiéncias do procedimento e nio entendem 0 que é renun- ciar, pergunta-se 0 que elas pretendem, as mulheres respondem, de regra, que querem a separagao ou a manutengdo do vineulo (Joana: A gente se acertou, eu vim sé pra “tirar”), is vezes sob condigées relacionadas & mudanga de comportamento dos parceiros (Marlene: Quando ele néo bebe, nao fem homem melhor no mundo!). Nao € raro que elas manifestem querer que eles assumam seu papel de homem no lar. As questdes mais frequentes sio relacionadas 4 falha do parceiro (sub ou des-empregado) no sustento da casa (José: Todo dia tem que ter dinheiro! Eu ndo sou bancol), ou, quando se trata de casal ja separado, partitha da moradia em comum ou a guarda-visitagiio dos filhos'”. Os homens geralmente querem a manu- Juiza: Como esté a situag@o? Pararam as brigas? Ana: E: pararam, Ele voltou pra cex-mulher. Juiza: E como esté a situagdo com o menino de vocés? Ana: Eu deivo ele ver 0 pai, mas quero saber quanto ele vai dar pro guri. Luiz: Téi aqui 6! Eu tenho recibo que eu paguei médico, paguei remédio, paguel a moga que cuida dele! Ana: 88. tengo do vineulo, aceitando a decisio das mulheres quanto a essa questo (Everton: Por mim nao tinha separagdo. Nés temos cinco fi- Thos, mas ela que sabe do coragéo dela). E. importante mencionar que na fala da maioria dos homens aparece preocupagdo em demonstrar que so trabalhadores, bem como cuidadosos com seus filhos (Roger: Eu nao sou vagabundo! Eu trabalho, eu do tudo pros meus filhos; Jeferson: Se eu me separar vai piorar! Meus filhos vao ficar tudo largado!), j4 as mulheres dio grande importancia ao fato de serem direitas (Jussara: Eu sempre fui uma mulher direita. Sempre sonhei em me casar, em ter uma familia como meus pais). 2.3 Quanto ao discurso dos operadores juric 08 Os operadores juridicos presentes nas audiéncias so represen- tantes do Judiciario, Ministério Pablico e da Defensoria Publica (sem- pre presente para as mulheres, mas para os homens somente em casos excepcionais~’). O discurso institucional é convergente no sentido te- rapéutico, sendo as audiéncias momentos em que as partes apresentam suas narrativas de vida e recebem por vezes, apoio juridico (explana- ¢0 sobre o cabimento de procedimento criminal, ou nao, € sobre ou- tros procedimentos no ambito do Direito de Familia) e, muito freqtien- temente, aconselhamento psicolégico dos operadores do Direito. Isto 6, violéncia que ocorre entre os casais é interpretada como problema relacionado com questdes médico-psicoldgicas (como alcoolismo, uso de drogas, depressio, baixa auto-estima). As mulheres so (quase to- das) orientadas a buscar apoio psicolégico em grupos comunitérios, no CRVV (Centro de Referéncia as Vitimas de Violéncia), ou so enca- minhadas para conversa com voluntirios (geralmente estudantes de Ele gasta muito! E 0 remédio nem era esse! Tu tem que pensar no teu filho que tu no pensa faz tempo! Luie: E our! O meu pai leva tudo pro gur, leva falda, leva Jogurte. Vai até no mercado! Ana: Ex néio quero nada det! O que eu peco é pro meu filo. Luis: B eu dow a creche que é RS 200,00, Ana: Tu ganha RS 1.000,00! Nao vai dar 3 isso! Luz: Eu ganho R$ 900,00! Ana: Enido tu pega teu dinheirinho e divide om o teu flho que eu nao quero nada de ti! Nao quero nem te olhar! Em audigneias de instruglo, por exemplo, 89 psicologia ou assisténcia social). Os homens so encaminhados para grupos como Alcoslicos ou Narcéticos Andnimos ¢ Amor Exigente, como condigao (pena) para que se encerre 0 procedimento, por vezes, mesmo quando a vitima manifesta seu desejo de renunciar. Néo hou- ve, em nenhum momento, discussdes relacionadas a alguma proble- mitica de género (opressdo das mulheres, por exemplo). A hipétese & que a manutengdo iluséria da mulher como objeto de protecdo, € ndo como pélo relacional, totaliza 0 sentido da leitura ¢ oculta os juizos virtuais ali contidos. © homem agressor estara sendo julgado pelo seu ato ou por sua esséncia de refugo social, ou seja, por nio corresponder ao modelo de pai-cidadio-chefe, cuja moral asseme- Iha-se aos second codes vigentes onde homem-belo € homem-con- sumidor? A suposta protegaio penal, neste caso, estaria servindo como agente reprodutor das profecias-que-se-auto-cumprem, reafirmando etiquetas © (re)provocando a humilhago dos homens (patriarcas) inaptos a interpretar o personagem do provedor, enquanto a represen- tagdo da mulher permanece dentro das margens da hipossuficiéncia. 2.4.0 campo no tempo Jock Young refere que a transigio da modemnidade & modern dade recente pode ser vista como um movimento que se dé de uma sociedade inclusiva para uma sociedade excludente — de uma socie- dade cuja tonica estava na assimilago para uma que separa ¢ exclui -, que envolve processos de desintegragdo tanto na esfera da comunidade (aumento do individualismo) como naquela do trabalho (transforma- gd do mercado de trabalho)" Para 0 autor, a economia de mercado que emergiu no pés- fordismo trouxe um salto qualitativo nos niveis de exclusdo, redugao do mercado de trabalho primério e criagdo de uma subclasse de desempregados estruturais”. A fiustragdo da demanda expressiva se 3 YOUNG, Jock. 4 Sociedade Excludente: exclustio social, criminalidade ¢ diferenga na modemidade revente, Rio de Janeiro: Revan, 2002. p.23. ® hide, p.24 90 toma fonte de tensio do sistema ¢ juntamente com a privagio relativa no mundo material, uma fonte poderosa de desvio”. A exclusdo do mercado de trabalho primario e a percepgdo da irrelevancia da escolaridade para os trabalhos manuais provoca desilusdo por parte da juventude, semeando 0 crescimento de subculturas onde a forea fisica e violéncia sao virtudes primeiras™, ‘Zygmunt Bauman, no mesmo sentido, sugere que na pés-moder- nidade, a construgdo da pureza adquire especial caracteristica, ja que ha um severo teste de pureza que se requer seja transposto: tem de se ‘mostrar capaz de ser seduzido pela infinita possibilidade ¢ constante renovagdo promovida pelo mercado consumidor**, Com 0 consumo tendo importéncia decisiva na classificagdo da pureza, o ndo-consu- midor é essencialmente ndo-cidadao, metecedor do exilio. Impunge-se a0 consumidor falho toda poténcia do estado higienista, enquanto 20 consumidor puro cabe a tio proclamada liberdade pés-modema, As iniciativas para conter o excedente populacional fora do mer- cado de trabalho estimulam medidas de contengio que nem sempre se configuram em violéncia escancarada. A violéncia pode se tomar insidiosa e baseada em argumentos explicitamente contraditérios (eu ‘me formei suspeito profissional/ bacharel pos-graduado em tomar geral/eu tenho um manual com os lugares, horérios/ de como dar perdido / quem é preto como eu jé ta ligado qual é/ nota fiscal, RG, policia no pé"*), mas naturalizados e direcionados 4 manutengdo da ordem apregoada pelos discursos legitimadores © que era entendido anteriormente como direito do cidadao, como rede de seguranga coletiva, passa a ser interpretado como caridade, estigma dos incapazes e imprevidentes, difamados como sendo um ® Tbidem, p.29. * hidem, p31 % BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pés-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zabar, 1998. p.25, 2 RACIONAIS MCS. Em qual mentira vou acreditar. In; RACIONAIS MCS. Sobrevivendo no Inferno. Sto Paulo: Cosa Nostra Fonogritica, 1997, 1 CD. Faixa 9, ”” BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdigadas. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. p. 106. a sonvedouro do dinheiro dos contribuintes, associados no entendimento piblico a parasitismo, negligéncia censuravel, promiscuidade sexual ou abuso de drogas — eles se tomam cada vez. mais a versio con- tempordnea da recompensa do pecado, e recompensa do pecado que nés, ndo s6 j ndo podemos custear, como para o qual no existe raztio moral por que deveriamos tentar fazé-lo. Nao hi mais seguro coletivo contra os riscos: esta tarefa foi privatizada”*, A impureza contempordnea nao tem apenas caracteristicas bio- logicas, seu cunho & econémico, social, cultural. Independente da etnia ou raca, a sujeira advém de nao serem consumidores livres, de no desfrutarem da possibilidade de ostentar objetos de consumo desejveis a qualquer consumidor exemplar. Por evidente que a questo ndo se inscreve apenas na questio econdmica do poder de compra, mas 0 consumo — ou a incapacidade dele — tem reflexos simbélicos que devem ser ressaltados. Os sujeitos descartados, refugos, amedrontam ¢ ganham atengao punitiva, em uma Tuta de diferenciagdo ¢ fuga do estranho, pois a forma com que & visto também diferencia quem vé. Admiramos o fracassado como prova de nossa valorizagao. consumidor falho, sujo, estranho, que ndo tem para onde se mover, o alter-ego que a nova ordem nao tem como aceitar. Servem como um depésito de entulhio, dentro do qual todos os desejos inefaveis, os medos nio expressos, as culpas € as autocensuras secretas, demasia- damente terriveis para serem lembradas, despejam-se. Ser um alter- ego significa servir como exposigo piiblica do intimo privado, como deménio interior a ser publicamente exorcizado™, A partir deste ponto, buscaremos propor possibilidades de ruptu- ras pés-modemas que nio partam dos pressupostos das alternativas tradicionais, que apontam nas burocracias 0 foco de qualquer solugao. Reconhecemos a importincia destas lutas ¢ respeitamos suas teorias € * BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro: Dois Tempos de uma Histéria, Rio de Janeito: Revan, 2003. p.82. * BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto, Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p.ll9, 92. Vit6rias, apenas temos o objetivo de sugerir novos caminhos, para além da binariedade teorias amigas/inimigas. Evidente que nenhuma leitura temporal justifica violéncia, mas sendo o intuito reduzir violén- cias, nem sempre faz. sentido utilizar uma estratégia que, além de ineficaz para grande parte das mulheres, é sugada pela forma pré- existente de pensamento alocada na légica penal contemporanea, sedimentada no contexto acima exposto. 3 DO(S) FEMINISMO(S) A CRIMINOLOGIA CRITICA Grande parte da literatura académica™ produzida sobre violéncia ica’! apresenta 0 conflito de forma bastante dissociada das realidades dos casais que efetivamente participam dos procedimentos policiais e judicidrios. A impresstio que se tem apés fazer uma série de leituras sobre 0 tema € que sem razo alguma, além de sua filiagiio a0 patriarcado, os homens insistem em espancar suas esposas, compa- nheiras ou namoradas, como se tal pritica fosse um habito natural © inafastavel do ser masculino, essencialmente vi(riljolento. Essa logica pode ser explicada por meio de uma representago que corresponde & imagem de um “homem das cavernas”, carregando seu porrete de ma- deira ¢ arrastando sua mulher pelos cabelos, simplesmente porque isto 60 que os homens fazem. Tal perspectiva, entretanto, demonstra uma visio “romantizada” de boa parte da literatura académica sobre o que ocorre com os casais envolvidos em conflitos domésticos, uma vez que ¢ distanciada do © Destaque-se que adotamos a expresso literatura académica com 0 intito de diferencid-la da literatura-arte, Entendemos que a partir da metifora do romance tem cadeia de Dworkin (DWORKIN, Ronald. Uma questo de prineipio. Sao Paulo: “Martins Fontes, 2005,), 0 Direito,utlizando-se da interpretagao literiria, poderia se redefinir e mudar de papel por meio da atividade judicial de interpretacdo, pois O estado poético no pode ser considerado como um epifendmeno, uma superes- trutura, um divertimento da verdadeira vida humana. E ao contrério, o estado pelo qual nos sentimos na “verdadeira vida". (MORIN, Edgar. 0 Método 5: a buma- nidade da humanidade. Porto Alegre: Sulina, 2002. p.139.) ‘Adotamos a expresso violéncia doméstica em consonaincia com 0 vocabuliio, ‘adotado pela Lei n. 11.340106, 93 cotidiano™, ignorando a dinamica de vida dos casais, focando-se ape- nas no retrato estitico dos locais institucionais onde desembocam os boletins de ocorréncia (formalizagdo), sem levar em conta a fala do préprio casal. Wania Pasinato Izumino", neste sentido, observa que estudar um género significa estudar 0 outro dentro de uma perspectiva relacional. A necessidade da observancia do cendrio e das condigées dos atores nos conflitos de género é inafastével para que se com- preenda a violéncia que ocorre dentro deles™’, A problematica deste tipo de observacao ¢ divisio do género entre as categorias de bandidos e mocinhas, incentiva o (re)estabele- mento de uma certa ordem, de uma paz com tragos semelhantes ¢ reprodutores do (tio combatido) patriarcalismo. O homem, que é homem de verdade™, deve prover o lar, mas deve ser um cara respei- tador ¢ cuidadoso com a sua coisa’ (afinal a propriedade ganhou limites e fungdo social no inicio do século XX). A mulher-coisa- * FONSECA, Claudia, Familia, fofoca e honra: etmografia de relagaes de género e violéncia em grupos populares. 2.ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. p. 17 Nas palavras da autora, analisando estudos realizados nos anos 90: “uma das ‘caracteristicas desses trabalhos esti na énfase atribuida ao “aspecto relacional” de _género que implica, entre outras coisas, no fato de que os estudos sobre mulheres devem necessariamente ser também estudos sobre homens ¢ vice-versa. A\ mam-se dessa forma os estudos sobre mulheres como um campo de conheci- ‘mento que s6 adquire sentido quando inserido em um contexto mais amplo, no qual deve ser considerada ainda a presenea de outras categorias sociais de anilise como a raga, a classe social, etc”. IZUMINO, Wania Pasinato, Justiga e violén- cia contra a mulher ~ O papel do sistema judiciirio na solugiio dos conflitos de .género. 2 ed. S20 Paulo: Annablume, 2004. p. 80. WINCK, Gustavo Espindola. Percepgdes sobre violéncia e relagdes de género ‘em homens acusados de agressao. Porto Alegre, 2007. 102 f. Dissertagdo. (Mestrado em Psicologia Social ¢ da Personalidade) ~ PUCRS, Faculdade de Psicologia. p. 17, ‘Segundo Stephen Hunt, hoje os homens estio confusos com 0 que significa ser uum homem de verdade, Tal confusdo simboliza uma crise de identidade masculi- nna e a existéncia de uma pluralidade de masculinidades em negociagio e (re)- construgdo. (HUNT, Stephen J, But we are men aren't wel: Living history as @ site of masculine identity construction. Men and Masculinities. V. 10, 4, jun. 2008. Disponivel em: .) © ANDRADE, V. R.P. .A soberania patriarcal...p. 89, 94 vitima deve ser tutelada por este homem-pai, ¢ na falta dele, pelo Estado, que decidira o que é melhor para ela, verificando se o parceiro um monstro do qual ela deve se afastar ou se ele pode ser “ajustado” para que a familia possa prevalecer’’, sendo a manutengdo dessa estru- tura uma prioridade Estatal™®. Essa tutela estatal-patriarcal representa- ria um empoderamento feminino em um tempo que nao o nosso ou em uma sociedade que no a nossa, ¢ estando fora de tempo lugar, no empodera ninguém. O que ha é a tutela das coitadinhas, das incapazes, das indefesas, das subjugadas pelo falo aterrorizador de mulheres, ou seja, tutela de personagens de contos-de-fada. A questo ndo é a semelhanga de casos reais com fibulas violentas, mas a utilizago de ctiquetas como instrumento tinico de visio para realidades miiltiplas. Soares, observando as posigdes sobre agressdes de homens con- tra mulheres nos Estados Unidos, conelui que a perspectiva feminista ¢ a da violéncia como conflito doméstico sto inconciliaveis. A visio feminista mais difundida recusa a mulher violenta e a ética da violén- cia doméstica nfo reconhece a mulher como tnica vitima do con- flito”. Todavia, niio se trata apenas de definir vitimas e culpados, mas de refletir sobre as origens dos comportamentos que identificam, distinguem ou con- fundem esses personagens, de localizar as causas remotas ¢ imediatas, de suas atitudes © compreender a l6gica e a natureza de suas ag ‘Trata-se, em iiltima anélise, de um esforgo (carregado, certamente, de tensdes e conflitos) por atribuir-Ihes um lugar no cenétio social”. Nos modelos feministas mais tradicionais, dentro de conflitos violentos, mulher é sé mulher, sindnimo de vitima, sem historia, sem GREGORI, Maria Filomena. In: GROSSI, Miriam Pillar; MINELLA, Luzinete ‘Sim@es; PORTO, Rozeli Maria (orgs). Depoimentos: trina anos de pesquisas feministas brasileiras sobre violéncia, Floriandpolis: Ed. Muleres, 2006, p. 258-273, FONSECA, Claudia, In: GROSSI, Miriam Pillar, MINELLA, Luzinete SimOes; PORTO, Rozeli Maria (orgs). Depoimentos: trinta anos de pesquisas feministas brasileiras sobre violencia, Florianépolis: Ed. Mulheres, 2006. p. 44-65. SOARES, Barbara Musumeci. Mulheres Invisiveis: Violéncia Conjugal e Novas Politicas de Seguranga, Civilizagdo Brasileira, RJ, 1999. p. 170. Tbidem, p. 115. identidade, capaz de uma violéneia apenas reativa, doente de stress pés-traumatico, sendo o trauma uma vida de agressdes. S30 mulheres sem qualidades, defeitos, o que se explica pela relagdo de género, Assim, somente os homens agem, as mulheres (quando muito) reagem ¢ 0 tinico cixo da violéncia é a dominagio masculina''. Esse mesmo modelo feminista define 0 agressor como um homem que tem baixa auto-estima, cré em valores tradicionais sobre masculinidade, tem visdes estereotipa- das sobre masculino e feminino, é patologicamente ciumento, manipula- dor do sexo como forma de agressio e passivel de ser bissexual. Para algumas feministas radicais, esses modelos esto presentes em qualquet relagdo homem-mulher. Soares chama atengdo para a semelhanga dos perfis tragados de agressores e vitimas”, repletos de indicadores pato- l6gicos, 0 que de alguma forma exclui o livre-arbitrio e a responsabi lidade dos atores por seus atos e conseqiiéncias, Muitas mititantes © académicas feministas pretendem coibir a violéncia contra a mulher" educando e (preferencialmente) punindo esse homem-barbaro que pratica uma violéncia direcionada contra 0 feminino somente porque feminino o €. O objetivo entio seria ensind- los que nao se pode fazer isso, porque esto sendo meninos maus. Por- tanto, cabe puni-los, como as maes castigam seus filhos mal com- portados. Todavia, estas mies querem a legitimagio da punigao pela figura autoritario-burocritica, nao percebendo que: Os regulamentos, leis ¢ mobilizagdes piiblicas poderio progredir, mas isso nao eliminard os riscos especificos a que estio inevitavelmente expostas as mulheres. Assim hé um perigo em sustentar de forma ab- soluta o credo feminista “Tudo € politico”. Qualquer que seja a natu- reza futura das leis ¢ das sangdes, a prudéncia, o discernimento, a r Ponsabilidade individual continuardo a ser atitudes insuperiveis. Sem negar de nenhuma maneira a necessidade de politizagao das reivindi- cages femininas, talvez seja bom marcar seus limites. A emancipagao *" Ibidem, p.176. ® Ibidem, p. 151-154, © Muitas feministas entendem que qualquer desavenga de um casal que termine em registro de um boletim de ocorréncia registrado por uma mulher ¢ violéneia contra a mulher. 96 feminina nao pode ser reduzida nem ao militantismo, nem a judiciari- zacdo dos conflitos, nem a satanizagao do masculino’ 4 CRIMINOLOGIA E FEMINISMO NA POS-MODERNIDADE: NEGACAO DA SUBORDINACAO PROFANA AO INTELECTUALISMO EMANCIPATORIO A critica pos-modema da modemidade teve uma recepeio dispar nos discursos feministas. Alguns adotaram o estilo pés-modemo para desconstruir nogdes essencialistas de cultura, escrita ou dos proprios discursos feministas consolidados. Por isso, passaram a conecber as iden- tidades femininas como fragmentadas ou miltiplas, sem tentar unificé-las por ficticias esséneias de uma mulher ideal(izada). Esse encontro femi- nista com a pés-modemidade foi considerado um equivoco por muitas feministas, precisamente porque questiona a nogdo de uma experiéncia singular baseada no sexo. Compreendemos que membros de um mesmo grupo (mulheres, classes trabalhadoras, negros, etc) niio tém, necessaria- mente, interesses similares’*. Um exemplo disso é a oposig&io entre mulheres honestas e mulheres desonestas provocada pelo sistema penal. Um grave problema do essencialismo para a criminologia (femi- nista) € que nem a categoria lei nem a categoria mulher so entidades homogéneas capazes de manter uma relagdo singular entre si ou aptas a paralisar os efeitos do tempo. A lei nfo é uma simples ferramenta do patriarcado ou do capitalismo, pois como ja alertou Foucault, a lei é uma tatica de governo, ndo um instrumento do Estado"’. As solugdes utépicas aos problemas da vida contempordnea depositam sua fé em um lugar equivocado: 0 sujeito transcendente da historia em sua marcha até a ilustragéo™. “ LIPOVETSKY, Gilles. A Terceira mulher: permanéncia ¢ revolucdo do feminino. Sao Paulo: Companhia das Letras, 2000, *" CARRINGTON, Kerry, Posmodernismo y criminologias feministas: la fragmen- tacién del sujeto eriminolégico. In: SOZZO, Maximo. Reconstruyendo las crimi- nologias criticas. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2006, p. 240. ° CARRINGTON, Kerty. Op Cit, p. 243. * idem, p. 244. 97 Se tem sustentado, de maneira essencialista, que ainda que as experiéncias das mulheres sejam varidveis segundo sua posigaio de classe e raga, sua posigo em relago aos homens de sua propria raga e classe é sempre de subordinagao, legitimando o tratamento das mulhe- res enquanto grupo, ou seja, ainda que exista essencialismo ele é vilido por uma questio de retdrica (e) politica, De qualquer forma, 0 es- sencialismo — seja qual for sua forma — nao pode romper com 0 reducio- nismo de oposigdes binérias como estas, que legitimam ao mesmo tempo o efeito ret6rico (e) politico negativo da compreensio das mulhe- res enquanto “grupo”’, mas grupo frégil-futil, nesta logica, na qual a loueura os estados especiis so os dibs de sua fragilidade: mulher sb 6 perigosa e sé correspond ao estereétipo de perigo no trénsito™ ‘Alguns autores apontam como saida para uma Satins pos moderna pesquisas especificas, locais ¢ particulares de vitimizagio ¢ funcionamento da justiga penal, evitando 0 universalismo. Respei ‘mos estes autores, como Kerry Carrington, mas consideramos que possivel ¢ necessirio ir ainda mais longe, buscando nos discursos femininos profanos novas possibilidades de emaneipagio, pois nada indica que a academia seja um lugar mais privilegiado para construga0 de novos discursos, tampouco que o diélogo entre as mulheres ¢ a intelectualidade deva obedecer regras de subordinagdo. Manter as possibilidades pés-modemas na fratura dos essencialismos nos parece muito pouco, pois a fratura identitéria promove uma fragmentagdio da propria mulher, ampliando o campo de possibilidades emaneipatérias a serem observadas pela academia, Em alguns temas criminolégicos, havendo divisio ou superpo- sigo de superficies entre formas e contetidos, talvez seja apenas como superposigdo de superficies transparentes, movimento flutuante de planos de cor que se recobrem, que avancam e que recuam"'. O que dificulta o enquadramento e aproxima o saber criminoligico de uma epistemologia ausente enquanto projeto, apenas possivel na assungo * Ibidem, p. 245, ® ANDRADE, V.R. P. .A soberania patriarcal.. 8. “” MERLEAU-PONTY, Maurice. 0 Visivel e o Invisivel. Sao Paulo: Perspectiva, 2007. p. 211 98, desta impossibilidade, como bem ensina Salo de Carvalho”. Tornando necessério planear as investigages em conjunto com constantes inter- feréncias disciplinares, controles ¢ comprovagdes reciprocas, indepen- dente da possibilidade de discemnir os contributos de cada disciplina individualmente. Buscando emancipagdo dos parcelamentos discipli- nares a que a investigagao criminolégica se encontra ainda grande- mente hipotecada, como refere Manuel da Costa Andrade © José Figueiredo Dias™. Deleuze” refere, em comentirio acerca da obra Foucaultiana, que constituem-se hoje modos de existéncia que remetem nao existéncia como Sujeito, mas como obra de arte, inventando modos de existéncia, segundo regras facultativas, capazes de resistir ao poder hem como se furtar ao saber, mesmo se o saber tenta penetré-los ¢ 0 poder tenta apropriar-se deles. Mas os modos de existéncia ou possi- bilidades de vida nao cessam de se recriar, e surgem novos, Advém nesse sentido a proposigaio de buscar no que j4 existe, no elogio do cotidiano, discursos sobre o feminino cuja eficdcia se verifica em ato. Se manifestagdes repressivas podem ressurgir com a utilizagio de novas capas, movimentos emancipatérios podem manifestar-se em locais ainda nao ressaltados, ainda que de forma contraditéria ou paradoxal, visto que a propria nogao de identidade enquanto elemento puro ou estitico ja ndo possui maior relevancia. Se é flagrante a emer- géncia dos intersticios, a sobreposigdo e 0 deslocamento de dominios de diferenga, a formagio dos sujeitos nos entre-lugares, nos exceden- tes da soma das partes da diferenca; se 0 intercambio de valores, significados e prioridades pode nem sempre ser colaborativo e dial6- gico, podendo ser profundamente antagénico, conflituoso e até inco- mensurivel™; se nada dé sentido a0 Outro exceto ele mesmo, se 5! CARVALHO, Salo de. Criminologia e Transdisciplinaridade. In: GAUER, Ruth M. Chit (org. Sistema Penal e Violéncia, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 37. ® COSTA ANDRADE, Manuel e FIGUEIREDO DIAS, Jorge. 0 Homem Delin- aitente e a Sociedade Crimindgena, Coimbra: Editora Coimbra, 1997. p. 117. © DELEUZE, Gilles. Conversagdes. Sio Paulo: Editora 34, 1992. p. 116, S BHABHA, Homi K. 0 Local da Cultura, Belo Horizonte: UFMG, 1998. p. 20. S SOUZA, Ricardo Timm de. O Tempo e a Maquina do Tempo: Estudos de Filo- sofia e de Pés-Modernidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998. P.125. 99, levarmos a sério a negactio do habito mental que nos faz crer que, por trés de cada aspecto da realidade, se esconde necessariamente mais realidade do que no perceptivel® e que, portanto, nio ha nenhum meio de reconstruir, com a fixidez dos conceitos, a mobilidade do real”, seria possivel nomear um tempo em que o espago se oferece sob a forma de relagdes de posicionamentos de identidades complexas? A criminologia estaria condenada 4 angistia da indeterminagao total zante ou ao eterno retorno das solugGes institucionais ja existentes? E possivel, entretanto, mudar o foco do olhar, pois existem mais coisas entre 0 céu e a terra do que sonha nossa va filosofia®’. Nos lugares afastados do discurso oficial talvez, seja possivel ouvir int- ‘meros contra-discursos de realidades marginalizadas. Os crimindlogos culturais propdem que a observaco etnogrifica nos meios ditos sub- culturais permite o afastamento da versio oficial da realidade produ- zida pela midia e pelo Sistema de Justiga Criminal, que sao parceiros na troca de nimeros e panicos, estes reproduzidos pela criminologia dos tribunais (espécie de disciplina académica em que hé um sincre- tismo entre a acusagao e Deus, seja pela defesa do bem, seja pela crenga em criar mundos a partir do nada). Documentando as reali dades vividas e inspirando-se nessas experiéncias, a criminologia cul- tural pode ser apta a desconstruir o discurso totalizante ~ demonizante, bem como sugerir instrumentos baseados em estratégias profanas de combate discursivo, contendo o punitivismo. A criminologia pode aproveitar sua abertura epistemoldgica para aprender com mais agilidade os discursos nao académicos que pos- sam servit como barreira ao panico moral que legitima grande parte das intervengdes estatais violentas, ao mesmo tempo em que sugere a valorizagao de formas nao institucionais de resolugao de conflitos ¢ formagao de discursos emancipatérios. O cotidiano nao estabelece com a academia uma relagao de subordinagao, mas de didlogo. % 1a. Razdes plurais: itneririos da racionalidade no século XX: Adomo, Bérgson, Derrida, Rosenweig, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p44 Ibidem, p53 * SHAKESPEARE, William, Hamlet. Martins: Sao Paulo, 2006. 100 To speak of crime as culture is to acknowledge at a minimum that much of what we label criminal behavior is at the same time subcultural behavior, collectively organized around networks of symbol, ritual, and shared meaning. Put simply, it is to adopt the subculture as a basic unit of criminological analysis”. Com efeito, talvez nao estejamos percebendo uma série de guer- tas civis encapotadas, traduzida em ofensivas to brutais que acabam por desestabilizar os fundamentos do imaginério ocidental. Uma guer- ra sem as tipicas rebelides urbanas a que nos habituaram as revoltas protagonizadas pela juventude ocidental, sem reivindicagaes precisas ou Gnsias profundas de transformagéo social”, Uma das conclusdes possiveis é que temos de nos convencer que estabelecer verticalmente qual o melhor combate politico e forma de realizé-lo é uma premissa projetiva de base moderna, o que implica desperdigar © que mais inte- ressa da contemporaneidade, qual seja, os locais nao institucionais aglutinadores de idéias dispersas e reivindicagdes coerentes: buscando analogias, vinculos nao-causais, descrigdes nfo-alinhadas e constru- ges de mosaicos discursivos"'. A fase jubilosa e liberadora que se vivenciava mediante a desafeigdo pelas ideologias politicas, 0 definhamento das normas tradicionais, 0 culto ao presente e a promocdo do hedonismo indivi- dual proporciona, sem diivida, tenses nervosas e insegurancas, mas em conjunto com emancipacdo”. E neste entre-lugar que podemos problematizar a criminologia eo feminismo. Enquanto parte da inte- lectualidade faz a leitura de um vazio de sentido e reivindicagdes FERRELL, Jeff. Cultural Criminology. Annual Review of Sociology: 1999. p. 395.418. p. 403. Tradugdo livre: Falar de crime como cultura é reconhecer, no minimo, que muito do que rotulamos como comportamento criminoso & a0 mesmo tempo subcultura, coletivamente organizada em tomo de redes que tem ‘em comum simbolos, rituais e significados. Colocando de forma simples, & adotar a subcultura como a unidade bisiea da andlise criminolégica. XIBERRAS, Mattine. 4 Sociedade Intoxicada. Lisboa: Piaget, 1989. p.198, MAFFESOLI, Michel. Q ritmo da vida: variagdes sobre 0 imagindrio pas- ‘moderno, Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 47. © LIPOVETSKY, Gilles. Os Tempos Hipermodernos, Sio Paulo: Barcarrola, 2004, p2s. 101 cuja leitura por vezes esconde uma defesa moralista dos lagos tradicionais, a criminologia pode estar em um lugar privilegiado de pesquisa pela possibilidade de situar-se em um campo epistemo- logico aberto e transdisciplinar, aceitando elogiar a vida e outras formas de fazer politica e negando a reaciondria compreensao de que um discurso deve ter base cientifica ou te6rica para ser uma boa forma de fazer politica, Importante lembrar que de tempos em tempos modelos politicos e sociais so inventados, negados, rediscutidos e remodelados. Em semelhanga com a moda, bem como com seriados e revistas femininas contempordneas. Talvez por isto mesmo exista tanto ddio da intelec- tualidade contra estas formas de expresso, espécie de recaleamento interiorizado. Neste sentido, as anélises que acusam nas expressdes femininas atuais apenas caracteristicas de consumismo individualista no poderiam estar mais equivocadas. Alids, s6 0 édio cientifico pode deixar de reconhecer (violentamente, diga-se) que a representago figu- rativa € 0s totens pés-modemos sao, antes de tudo, formas de perten- cimento comunitario, partilhas imaginarias e patriménios coletivos™. As tribos urbanas, as emancipagdes virtuais as liberalidades cultuadas em espagos rituais mostram que existe um saber incor- porado nas existéncias profanas que a sacralidade cientifica no tem como analisar, pois a decomposigdo nem sempre ¢ um procedimento adequado. O feminismo profano nao tem culpa pelo fato dos pesqui- sadores ainda no possuirem a lente adequada para percebé-los. Nem tudo € iluminado pelo conhecimento cientifico, Alids, 0 profano sem- pre costuma chegar antes, é depois que a ciéncia filtra 0 discurso, teo- tiza, formaliza e traduz em girias cientificamente legitimadas. O tre cho abaixo é uma valorizagao cientifica contempordnea de uma ferra- menta feminina de luta micro-politica que certamente ja existia ainda antes do autor nascer, © que parece ilustrar com perfeigdo 0 que que- remos dizer: As conquistas econdmicas, sociais e juridicas das mulheres repre~ sentam etapas muito importantes rumo a liberdade, mas esta perma- © MAFFESOLL, Michel. Op. Cit, p. 65. 102 necerd abstrata sem a razio independente e zombeteira, sem o riso ea ironia, Feminismo do poder? Certamente. Com a condig&o de que mio arruine as possibilidades do riso feminino, a capacidade de tomar distancia diante das alusdes ¢ das ofensivas masculinas. Nao haverd nenhuma liberdade real sem o poder de se impor, de se defender, de zombar das atitudes machistas ou mesmo de ridicularizi-las. O politico € apenas um dos caminhos para a soberania do feminino: esta se desenvolveri tanto melhor quanto mais’ souber mostrar-se zombe- teira com relag2o & “superioridade” masculina.Atitude que aprese taria a vantagem, além do mais, de evitar as vituperagdes feministas contra a pornografia, Em vez de declarar-se ofendido e assediado, 0 feminino ganharia, aqui também, em dar prova de humor. O assunto & tio grave que Ihe impede o exercicio? Que nada, Na realidade, a maior parte das criticas que as feministas dirigem pornografia nao é acei- tivel. Ela favorece a violencia sexual? Pode-se mais razoavelmente pensar que serve de exutério & miséria sexual masculina. Degrada a imagem das mulheres? Mas em que avilta mais as mulheres que os homens? Contraria sua promogao ao veicular esteredtipos de mulheres submissas? No entanto, nos lugares onde a pomnografia é mais livre, as, mulheres ocupam posigdes sociais e profissionais muito. menos subalternas que em outros”, A hipotese é que, como sugere Ruth Gauer, o presente é ex- céntrico, isto é, no & 0 meio do caminho entre passado ¢ futuro, mas contém ambos, na medida em que os re-significa. Ao mesmo tempo pode nio conter nenhum destes tempos, pois nesta re-significagao subverte a fixidez de suas caracteristicas®. O sentido para cada pessoa € fornecido pela pluralidade das mascaras que a constituem e pelo contexto no qual suas diversas méscaras poderdo expressar-se. Uma ‘inica mulher é varias mulheres. A existéncia feminina nao se constrdi mais apenas em torno do ideal amoroso e familiar, mas também o inclui em um emaranhado complexo, onde ha uma reciclagem LIPOVETSKY, Gilles. 4 Terceira mulher: permanéncia e revolugdo do feminino, Sao Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 87-88, © “GAUER, Ruth M.Chitté (org). 4 Qualidade do Tempo: para além das aparéncias hist6ricas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 235. LIPOVETSKY, Gilles. A Terceira mulher... p. 34. 103 histérica do papel materno”, que faz conviver a vida profissional com © desejo feminino de ser mae, como nossas maes ¢ avés. Observando que a relagio do trabalho segue no sendo aniloga para os géneros, mas que nas sociedades ocidentais, praticamente nao +h mais barreiras profissionais (a boneca Barbie, brinquedo que imita a vida das mulheres adultas, cujo slogan no Brasil da década de 90 era tudo 0 que vocé quer ser, pode set encontrada em verses que repre~ sentam carreiras de astronauta, bombeira, militar, professora, médica ¢ até mesmo de presidente dos Estados Unidos) . Ao mesmo tempo as mulheres ainda desejam 0 final feliz do conto-de-fadas, elas esto falando sobre sexo, sexualidade e romance, criando um novo humor ¢ mudando o script do teatro social®*. Posigdio persistente que nao se explica apenas em razo de pesos cultu- rais, mas igualmente em razio das dimensdes de sentido, de identidade, de auto-organizagéo que acompanham em particular as fungdes mater- nas, As tarefas femininas nao significam apenas “corvéias” cotidianas, ‘mas também construgio de um territério para si, gosto aletivo e estético pelo interior, poder de influéncia sobre o filho™. Segundo Lipovetsky, nao se pode ver a predominancia das muthe- res na esfera doméstica como um atraso hist6rico, pois o proprio indivi dualismo faz com que as mulheres se apropriem do espago privado tra- dicionalmente seu. Esse tipo de compreensio demasiado criticista coloca © tradicionalmente masculino (piblico) acima do tradicionalmente femi- nino (privado). Na década de 60, Clarice Lispector j4 compreendia essa dualidade: E verdade que 0 apronto dos alimentos, a lavagem de roupa e limpeza da casa e 0 cuidado com as eriangas ndo sio das coisas mais agradiveis, sao um trabalho penoso, mas nele a mulher poe amor e inte- resse, pois siio coisas suas ¢ ela é diretamente interessada, ao contréirio © idem, p. 299. * MoCabe, Janet and Akass, Kim, Orgasms and Empowerment: Sex and the City and Third-Wave Feminism. 2003. Reading Sex and the City. London: 1B. Tauris. P. 13 © LIPOVETSKY, Gilles. O Lixo Eterno: da idadle do sagrado ao tempo das ‘marcas. Sao Paulo: Companhia das Letras, 2005, p.75. 104 do que ocorre com o trabalho fora do lar”. Neste sentido, seré possivel Iutar contra a resignagGo com as mesmas armas tebricas, analiticas € politicas com que se lutou contra o consenso"'? ‘Nem por um instante se pensa em negar o papel insubstituivel das leis ra protegiio do direito das mulheres. Mas jamais 0 exterior insttucio- nal e juridico, por mais perfeito que seja, seri suficiente para abolir todas as situagdes delicadas e impedir os homens de mostrarem-se inoportunos, ofensivos ou grosseiros com as mulheres. De fato, a cultura vitimaria & sustentada pela idgia de que s6 leis, processos ¢ programas de formago poderio dar fim aos avangos intoleraveis dos homens. Posigdo falsa e, afinal, inquietante para o futuro da sociabi- lidade entre os géneros. As mulheres tém interesse em convencer-se de que as armas de que dispéem para fazer recuar as inaceitaveis invasdes e insisténcias masculinas no se reduzem aos tribunais ¢ 3 protege vitimirias. E preciso valorizar uma pedagogia da autodefesa feminina: se os homens devem respeitar a sensibilidade e a vontade das mulheres, estas devem reforgar a sua capacidade de recolocar os homens em seu lugar ¢ no renunciar a enfrenté-los diretamente. O feminismo demandista nfo basta: o poder de réplica, a forga de re- truque e de ironia so objetivos @ que as mulheres deveriam visar para afirmar-se, pelo menos em alguns de seus conifitos com os homens. Rir do masculino, saber manter os homens a distincia pela presenga de espirito, isso ndo é reabilitar as respostas individuais aos problemas da condigao feminina, mas atrair com seus votos uma reorientagio da cultura feminina para uma maior apropriagao do poder irénico™, Se exalta insistentemente a diferenga de género com lentes de quem valoriza os iguais (insiders), invejando a grama do vizinho, Se hiperexpoe a diferenga a fim de que ela seja erradicada no préximo progresso de uma historia linear-evolutiva, Nossas particularidades nos envergonham, a imagem de nossas bisavés com seus corpos arren- ® LISPECTOR, Clarice. $6 para mulheres: conselhos, receitas e segredos. Rio de Janeiro: Rocco, 2008. p21 7 MARTINS, Rui Luis Vide da Cunha. O Método da Fronteira: Radiografia Histérica de um Dispositivo Contempordineo, Coimbra: Almedina, 2008. p.210. ” LIPOVETSKY, Gilles. A Terceira mulher... p. 87 105 dondados pela maternidade, enfeitados com celulite, vestidos com aventais e em constante movimento de cuidado com o lar e a prole é desenho do inimigo que impde os papéis a serem interpretados no tea- tro social. O parto, o cuidado com os filhos e o lar, compreendidos co- mo atividades femininas, sio vistos como simbolos do trabalho degra- dante (feminino de mao-prépria). A diferenca & md e a igualdade-mas- culina (ser exatamente como Eles, 0s divinos, pois Deus ¢ um homem que veio ao mundo por meio de seu filho também homem ~ Maria, afinal foi mero instrumento do Deus-macho) & 0 bem a ser seguido. Todavia, se a eliminagao das desigualdades entre homens e mulheres 0 bem, como explicar o fato de que a emancipagdo sexual das mulhe- rres parece encher de contentamento os homens, enquanto suscita, nas mulheres, mal-estar e insatisfagao™? Nas palavras de Lipovetsky, Elas se enganaram de revolugdo: o sexo desapegado, sem investi- mento emocional, talvez convenha aos homens, mas no corresponde aos desejos profundos das mulheres. Trinta anos mais tarde, descon- tada a retérica revoluciondria, o fundo do problema permanece o més- mo, Enquanto as mulheres continuam a censurar os homens por sua inibigdo emocional, os filmes ¢ as confidéncias femininas atestam impasses do casual sex, do eros sem romantismo. Indo de encontro a abstragdo do Homem em geral, & histéria fechada dos grandes protagonistas ¢ aos arrogantes valores univer- sais que deveriam orienté-lo, a contemporaneidade invoca pequenas histérias locais, ficedes particulares onde 0 corpo, a moda e a ma- quiagem desempenham um papel primordial’. O que expressa outra titica micro-politica de combate discursivo: brincar com a realidade desmontando seus aspectos mais nocivos”*: Basta consultar as revistas especializadas, em particular és das gera- ‘Ges mais jovens, para dar-se conta da pregndncia da figura andrégina, seja em referéncias as vestimentas, posturas corporais ou utilizagao ® LIPOVETSKY, Gilles. 4 Terceira mulher... .p.37 * MAFFESOLI, Michel. Op. Cit, p. 68. * Tbidem, p. 7. 106 dos cosméticos. O aspecto essencial da porosidade idemttiria & efeti- vamente a realizacio integral da pessoa, jé que Dionisio é um deus com cem nomes. Nao poderia haver melhor metifora da pluralidade no seio de cada um de nés, pura cristalizagtio de nossas miltiplas potencialidades querendo se exprimir™, Da leitura de Mirian Goldenberg, interpretando Bourdieu, extrai-se que a estética feminina contemporinea pode ser vista como forma de dominagdo masculina, pois se espera que as mulheres sejam femininas, isto 6, sorridentes, simpdticas, atenciosas, submissas, discretas, contidas ou até mesmo apagadas. Neste caso, ser magra contribui para esta concepedo de ser mulher”. Deste modo, as mulheres seriam obrigadas a enitentar 0 softimento da percepgiio da distancia entre o corpo real € 0 ideal inalcangavel. Tal compreensfo, entretanto, exclui o livre-arbitrio feminino e pode ser identificada com um formato feminista vitimizador. Segundo Naomi Wolf, victim feminism is when a woman seeks power through an identity of powerlessness” (o feminismo vitimizador é a busca do poder por meio de uma identidade sem poder algum — tradugai livre) Assim, este tipo de andlise ¢ tida como “regressiva”, pois ao invés de buscar igualdades entre homens e mulheres, foca-se em sua base, num esteredtipo de pureza feminina, ressaltando uma certa especialidade fragil da mulher ao invés de seu valor como ser humano. A obsessio feminista pela pureza (sexual) através do discurso vitimario anti-pomografia, anti- esteredtipos, coloca a mulher num pedestal, o que faz com que as mulhe- res contemporiineas, principalmente as mais jovens, nio se identifiquem com © movimento feminista como luta politica, apesar das preocupagies quase universais das mulheres com assuntos classicamente feministas como a equidade de salirios, controle de natalidade, direitos reprodutivos ¢ educagdo infantil”. Ibidem, p. 92. ” GOLDENBERG, Mirian, De Perto Ninguém é Normal. Rio de Janeiro: Record. 2004, 75-76. WOLF, Naomi. 1993. Fire with Fire: The New Female Power and How It Will Change the 21st Century. New York, NY: Random House. p. 135 DENFELD, Rene. 1995. The New Victorians: A Young Woman’s Challenge «© the Old Feminist Order. New York, NY: Warner Books 107 A revista Vogue", em reportagem sobre a temporada de desfiles para o inverno europeu de 2010, que anuncia as macro tendéncias da moda nacional, anuncia uma mulher que assume uma feminilidade corajosa, forte, extrema, que simboliza a supermulher, que é dona de casa ¢, ao mesmo tempo, dona da carreira, com miiltiplas identidades de mie a heroina sexy. Considerando a moda e a imagem como uma experiéncia vivida e divida pelas mutheres como forma de extravasa- mento e expressio de si‘, tem-se que a paixdo pela magreza traduz, no plano estético, a recusa da identificacdo do corpo feminino com a maternidade, bem como uma exigéncia de controle de si, do que se recebeu das mdos da natureza. Se, no presente, a celulite é to rejei- tada pelas mulheres, é porque 0 esbelto e o firme tém valor de gover- no de si, de vontade, de poder sobre si”. Ao mesmo tempo, a valo- aco das formas corporais femininas cresce nos consultérios de cirurgides plasticos (A popularidade das préteses de silicones € um exemplo incontestavel. Desafiamos 0 leitor a pensar se por acaso ja no se deparou com tais realcadores de feminilidade), nas academias de ginistica, no mercado de roupas e acessérios (como sapatos, verdadeiro téten feminino) e cosméticos (a maquiagem é o cosmético feminino por exceléneia). As mulheres reivindicam a igualdade com os homens: no querem por isso parecer-se com eles. A partir do momento em que a febre contestadora passou e em que todas as atividades estio abertas aos dois sexos, as mulheres j4 no hostilizam os emblemas estéticos da diferenga sexual: reivindicam como signos identitérios. Quanto menos as mulheres so destinadas a situagdes sociais “pesadas”, mais a ® PASCOALTO, Constanza. Vogue. p. 46 *' Para Karp e Stroller as experiéncias femininas profanas compartilhadas pelas ‘mulheres na contemporaneidade incluem, exemplificativamente: bonecas Barbie, sexo oral, sexismo, pequenos furtos em lojas, revista Vogue e vaginas. Nas palavras das autoras: "shat shared set of female experiences that includes Barbies and blowjobs, sexism and shoplifing, Vogue and vaginas,"" (Karp, Marcelle, and Stoller, Debbie. 1999. The Bust Guide to the New Girl Order. New York, NY: Penguin Books. p. XV.) LIPOVETSKY, Gilles. O Luxo Eterno: da idade do sagrado ao tempo das ‘marcas. So Paulo: Companhia das Letras, 2005,p. 76. 108 dissimilaridade dos signos “leves” ou estéticos readquit dade™. legitimi- A fim de exemplificar os diferentes formatos de cultura popular capazes de brincar com as miitiplas identidades (representagao de si) e discursos femininos (expresso de si), € ao mesmo tempo manter um forte ponto de convergéneia capaz de justificar a permanéneia dos feminismos, citaremos um seriado norte-americano popular em diver- sos paises ¢ a presenga feminina no funk carioca. Objetiva-se olhar para mulheres extremamente diferentes umas das outras, mas que mantém um paralelo visivel. O seriado Sex and the City pode ser visto, por uma étiea femi- nista, como uma voz legitima, Apesar de no enfrentar questdes politi- cas ou adotar o discurso académico, & forma de empoderamento femi- nino, na medida em que as personagens constantemente desafiam e deslocam seus papéis como mulheres, misturando o tradicional e 0 contempordineo, propondo ao pablico reflexdes sobre sexo, relaciona- mentos, filhos e escolhas profissionais, com a utilizagdo de irénia e bom humor. Nas palavras da personagem Samantha Jones: Men, they may have you on your knees, but you've got them by the balls. (Homens, eles podem nos ter de joelhos, mas nds pegamos eles pelas bolas.) © futuro nao vé desenhar-se a androginia e a confluéncia das normas de sexo, mas a continuago de todo um conjunto de papéis e fungdes “tradicionais” reciclados pelos ideais individualistas. E a conjungao de blocos de tradigdo com o principio do livre governo de si que constitui nosso novo horizonte, Em conseqiiéncia disso, a mulher deverd, por muito tempo ainda, manter-se em posigdo dominante no universo do consumo, nas compras correntes ou top de linha relativas alimen- tagdo, as artes da mesa, a decoragio do home™. © LIPOVETSKY, Gilles. O Lixo Eterno: da idade do sagrado ao tempo das ‘marcas. So Paulo: Companhia das Letras, 2005, p.77. Sex and the City, (1998-2000), Seasons 1-3, Executive Producers Darren Star and Michael Patrick King. HBO. LIPOVETSKY, Gilles. O Luxo Bterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas, So Paulo: Companhia das Letras, 2008, p.75, 109 Quanto aos analistas que obrigam o pensamento a ficar o tempo inteiro se definindo, preferimos apenas reanimé-lo, mantendo contato com a vida ¢ portanto relativizando a ciéncia quando esta se leva a sério demais, pois uma ciéncia que no suporte transgressdo nao nos interessa. Nao podemos perder a oportunidade de nos reconciliarmos com o mundo que existe, negando obsessdes libertérias de eman- cipago do mal e do pecado tergiversadas em teorias de resolugdo dos enigmas da vida, secularizando ¢ laicizando a ciéncia onde for possi- vel e negando discursos agressivos a toda resisténcia nio-académica, pois negar o didlogo nao tem como ser uma boa forma de construir co- nhecimento. Pode-se dizer que, realmente, 0 patriarca ainda existe, mas hoje ele é um velho moribundo. Cego e quase surdo, ele nao vé sua filha mais velha saindo cada dia com um homem diferente; nao vé a filha do meio dormindo com o namorado novo no quarto ao lado; € nao imagina que a mais nova ja anda tomando pilula, Os temas clissicos do feminismo como os relatives 4 dominagdo do pattiarcado ou a manutengao da mulher na esfera doméstica so questionamentos importantes, mas dentro do profano assumem uma postura feminista significativamente mais ativa, Segundo Tati-quebra barraco, Sou feia, ‘mas 16 na moda, 6 podendo pagar motel pros homens, isso é que é mais importante, Finalmente, fazemos nosso o questionamento de Lipovetsky: Depois do tudo-politico, é preciso reinvestir na questo da socializagao do feminino; depois da mulher vitima, seria utépico esperar a mulher afirmativa e irénica®®? REFERENCIAS ANDRADE, V. R. P. A soberania patriarcal. O sistema de justia criminal no tratamento da violéneia sexual contra a mulher. Segiiéncia, Florianopolis, v. 50. ANDRADE, V. R. P. 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