Você está na página 1de 24
Sumario Pref 1, Por que a indumentiria nao € algo superficial 21 Trinidad 23 res 50 2. Teorias das coisas 66 Do hedonismo ao funcional Objetificagio 84 105, daacomodagio 119 Casa eagéncia 36 Casas caribenhas 148 ltura imaterial e antropologia aplicada 164 ‘Transformando os tri suplicantes 1 Mid Questiio de vida ou morte 200 Nascimento 202 More 24 De vol mego 225 aa material, quando se trata do bem-estar das populacbes? Como podemos melhorar as condigdes dessas popullagGes e respeitar suas aspiracSes enquanto avaliamos o impacto negativo de seus ilo, consideramos os tre: desejos? Finalmente, no quinto capi cos como a matéria da vida e da morte, aquela que nos traz 40 mundo e nos ajuda a deix-lo. Nesse capitulo retomo aquilo que foi teoricamente considerado 0 modo como os abjetos cons: troem su (08, € mostro por que meios isso passa a valer para a compreensio cotidiana do significado de sermos humanos. 1. Por que a indumentéria nao é algo superficial Quanpo comscer mintta carreina de pesquisador compro- metido com o estudo da cultura materi |, a teoria gem ~ dominante era a semiética. Ensinavam-nos qu 10 papel dos objetos imbolos que nos repr m pa ilustrar essa perspectiva era 0 da indumentiria, j4 que parecia intuitivamente dbvio que escolhemos as vestimentas por tal maneira de aval a consideré-los signos entam. O exemplo motivo. Minha roupa mostra que sou sexy, ou esloveno, ot inteligente, ou os trés. Pelo estudo da diferenciacio da indu mentaria poderiamos iniciar a anlise da nos dez, funco ocupacional em contraste com o lazer noturno. A indumentéria era uma espécie de pseudolinguagem que dizer quem éramos. Nessa condicfo, as coisas materiais eram a para o estudo dos trec Nao ha diivida de que os trabalhos sobre ados de m: 2 Tres pagase coisas ima anilise, porém, além de da perspectiva semi em recurso, cla se tornou uma limitacdo. Iremos aqui repudiar a coisa! e da indumentéria abordagem semistica geral em particular, Pense numa das mais conhecidas historias sobre vestusrio, “A roupa nova do imp: " fabula moral sobre pretensio ¢ vaidade, O imperador é convencido por seus al- ates de que a roupa que haviam feito para ele era perfeita a ponto de se tornar invisivel, deixando-o na situagio de andar pom cla faz das roupas meros servo: amente nu pela corte. O problema da semistica é que ja tarefa @representar 0 imperador~o sujeito hui As roupas obedecem as nossas ordens ¢ nos representam no mundo exterior, Em si mesmas, sfo criaturas sem ais, de pouca conseque fo imperador, o eu, que dé a elas 10 e requinte. Maso que é¢ onde esta na fl ha um eu real ou verdadeiro q esse eu que as roupas representam? quanto na vida cotidiana, imaginamos que wz profundamente dentro die nds. A superficie, encontra-se a vestimenta, que pode nos representar e revelar uma verdade sobre nés, mas também pode mentir. E como madas exteriores, nds al dentro de nés. nente pud Porém, o que foi revelado pe ja de roupas nao foi o eu interior do imperador, mas sua vaidade exterior. Na verdad como observou Peer Gynt, 0 personagem de Ibsen, todos nds somos cebolas. Quando se descascam nossas camadas, desco- bre-se que nao resta absolutamente nada, Nao existe nenhum 1 interior. Ns no somos imperadores representados por rou- wvermos as roupas, nao ha um cerne interior. 3S, pois, se rel As roupas ndo so superficiais, elas so o que faz de nds 0 que éalgo superficial 2 pensamos ser. Inicialmente isso parece estranho, improvive implausivel ou apenas francamente errado, Para descobrit verdade de Peer Gynt pa cias para repensar nossas relacé da ao vestuario, precisamos viajar India, ¢ depois usar essas exper ‘Trinidad, de lé para com a indumentiria em Londres, ‘Trinidad* O problema de se ver o vestuario como a superficie que repre- or do verdadeiro ser senta ou deixa de representar 0 cerne inte é que tendemos a considerar superficiais as pessoas que levam io. Antes do feminismo, caricaturas de jornal ti: a roupa a nham poucos escripulos em mostrar que as mulheres eram superficiais, retratando meramente seu desejo de comprar sapatos e vestidos. Rapazes negros eram superficiais porqu tuctiam ténis caros, que supostamente nao tinham condicées q que sup de comprar. Em contraste, nés, estudantes universitarios em lugares como Cambridge, smos perspicazes € profundos supa sposa, como porque pareciamos andrajos e claramente nio nos ‘vamos muito com isso, Quando conheci minha colega de universidade, minhas calgas eram presas na cincura com barbante, ena bainha com grampos. Ela deve ter pensado que eu era profundo, pois na superficie n ohavia grande coisa para atrai-la, Tais pretensdes so muito boas nos confins de Cambridge, mas se tornam problema para um antropélogo de partida para Trinidad. Poisa questao para a antropologia é investigar empaticamente como outras pessoas veem o mundo. Descartéclas como superficiais representaria um comego de 4 opose sastroso para esse exercicio, porque os trinitérios em geral se dedicavam a roupas e sabiam que eram bons em termos de loridas e cintos com fivela de borboleta aparéncia, Estampas eram sua prioridade. Eu trabalhei grande parte do tempo que passei em Tri dad com ocupantes ilegais que no tinham abastecimento de ua nem eletrici nas casas em que moravam. Contudo, uulheres que viviam n sacampamentos urbanos de sem- teto podiam ter de uma diizia a vinte pares de sapatos. Uma idade di + comum era promover desfiles de moda so bre uma passarela improvisada ao longo de um dos espacos abertos dos acampamentos. Eles mendigavam, pediam em: estado, faziam ou roubavam roupas. E ndo somente roupas, havia também os penteados, os acessories € 0 modo como m pomposam most oste! nte seus trecos, andando de maneira iso. Os movimentos se basea- nga exagerada e em forte sexy, indo charme € vam na autocon| rotismo, com passadas largas, exuberantes, ou apresentacdes & maneira de :nca, No Tinguajar local, devia haver algo quente nas roupas, ce algo quente nas performances. Certas noites, eu podia passar trés horas nhia deles, esperando enquanto se apron- tavam para sair e fazer a festa, experimentando e descartando xe enc roup Essa associago no chega a ser nova para a regio, Relatos anteriores sobre a sociedade escrava no Caribe incluem re- ncias a dedicagao particular das escravas a indumentaria. A.C. Carmichael afirmou em 1835: "Falando de modo geral, as ap: iével por roupas e joias istosas. ... As mulheres de classe alta se vestem mais vistosa- mulheres de cor tém mente € muito mais dispendiosamente que as senhoras euro: Porque a indumentéria nfo é algo superficial 25 peias.”® Realizando uma pesquisa etnogrifica num povoado pobre, em 1957'58, Freilich relata que “a esposa de um dos ca poneses disse: “Toda ocasiao social nova exige roupas novas. Eu nfo usaria o mesmo vestido em duas ocasides no mesmo id inidad, nos anos 1970, quando tanto ja durante distrito”.* Esse desejo foi expresso com mais; © auge do petroleo em costureiras quanto suas clientes sugeriam que comprar duas roupas novas por semana era muito comum entre as mulhe res que trabalhavam. Nés nao condenamos uma populagio apenas porque cla mostra algum tipo de devogao aos trecos, Antropélogos celebram (e nfo desprezam) a devocio dos ilhéus trobriandeses as proas das canoas, ou do povo nuer ao gado Curiosamente, porém, a devogio a vestimenta, como se pode xt por essas descrigdes de estrangeiros, sempre foi encarada de modo muito mais severo, sobretudo em relacio aos que no eram ricos, ‘Como fica evidente na descrigo das passarelas locais, o que ‘mais preocupava os trinitérios nao era a moda, o ato de seguir coletivamente uma tendéncia, mas 0 estilo, a construgao indi acé esta idual de uma estética baseada nao apenas no que vestindo,.mas em como vocé o veste. Havia um termo, saga boys, para homens que combinavam originalidade no vestir € maneiras de andar e de falar que nunca estavam longe da clara exibigio. Outro termo local, gallerying (ostentar-se, jactar-se, exibir-se), expressa bem o sentido da coisa, O estilo de dad, por sua vez, tem dois componentes: individualismo ¢ tran- sitoriedade. Os individuos devem recombinar os ementos a seu modo. A fonte desses elementos nao tem importancia. Eles podem ser copiados de novelas ou de desfiles de moda que apa recam na televisio, podem ser enviados por parentes no estran- 26 Tecos,trogaee coisas Jos numa viagem ao exterior. Simplesmente locais. Os varios elementos, juntos, ser adequados & pessoa que os manuseia b nente para uma s6 ocasido. Nao im: porta quanto custaram, nem se as roupas usadas na passarela am a pessoa ou foram emprestadas para a circunstan. deve seguir adiante. A exportacéo mais conhecida ivi duos despendem semanas, meses, criando fantasias elaboradas ede confeccao mi nidad, 0 Carnaval, cultua essa transitoriedade. ler a. Mas elas tém de ser descartadas e refeitas anual nte. O que se celebra é o eve 1-0 momento. muitas razdes possiveis pelas quais os trinitarios desen. volveram essa afinidade com 0 estilo co 10 expressao. dual e transitéria, Algumas teorias tam a escravidio € vio mesmo antes del Signifying Monkey, Henry Louis a estética af ntrada espe: ? Ele ob- serva 0 modo como miisicos de jazz se apropriam de temas ocidental Imente entre os iorub: ornam a um pasti lias de composigdes anterio- res. Na fala commum, tanto miisicos quanto outros se referem a para designar alguém ou alguma coisa. Observa-se ante do vestudrio no desenvolvimento do veg que ganhou celebridade por Paris Is urning,* que trata de indumentéria e da alta moda de Por qu entra go supe eferencial semelhante, A vestimenta tri maneira clissicos, m, nao retorna a tem ‘Uma alternativa seria olhar nao para alguma origem na Africa, mas pata a experiéneia da escravidiao em si. A ideia de manter as. isas a superficie como estratégia defensiva contra a degradagio extrema é brilhantemente examinada por Toni Mor pequeno, Escolheu posst Nada maior serviria, Uma mulher, um filho, u ‘on no romance Amada: “ento vocé se protegeu e amou céu, irmao~ um sscancarasse em Alfred Geor- grande amor que o cindisse ¢ gia."* A existéncia precéria dada pela escravidio impedia qual quer internalizagao do amor, pois nao havia nenhum conhe- cimento sobre quando esse amor-objeto poderia ser tomado 3 va de adap forca; isso resultava numa espécie de tendénc manter as coi 3s superficie, de recusar qualquer internalizagao € minimizar o sentimento de perda, Isso ¢ mais plausivel e pode serrelevante para muitos daqueles que moram nos acampamen- tos de semsteto. Contudo, a maioria da populagio de Trinidad nio tem origem na Africa e na escravidao, Muitos vem da Asia do Sul ow trazem bagagens culturais misturadas. ‘Assim, em vez de tentar perguntar de onde vem a rel com o estilo, em vez de vé-Ja como um problema que requet -nte de volta para nés mes: explicago, podemos apontar de jer bastidores nova 8 Treeos, tropas idade? O problema de uma teoria da semiética ~e de tratar a ria como algo superficial - € que presumimos certa relagdo entre interior e exterior. Nés possuimos que poderia ser chamado de uma tologia de profi dade, A hipétese é que ser —o que realmente somos ~ esté profundamente situado dentro de nds e em oposigio direta a superficie. Um comprador di fundo. O verdadeiro micleo do eu é relativamente constante ‘oupas é superficial porque um filésofo ou um santo é pro. ¢ imutavel, ¢ também indiferente 4 mera circunstancia, Nos temos de olhar profundamente dentro de nés para nos encon: trar. Mas tudo isso sio metiforas, Profundamente dentro de 1s ha sangue e bile, ndo certezas filos6ficas. Nés nio encon tr femos uma alma se cortarmos alguém em profundidade, embo: eu suponha que desse modo talvez incidentalmente pudéssemos liberté-la, Minha questo 6 qué nao ha nenhuma razao na Terra pela qual outra populacio deva ver as coisas do mesmo modo, Nenhuma razio para que ela deva conside: ir que nosso ser real é profundamente interior, enquanto a falsidade é externa, O argumento aqui é que os trinitirios em eral nao fazem isso. Em total contraste com a ontologia de profundidade, os irios parece quase ter horror de as coisas se tornarem teriorizadas, en ntidas a superficie. Talvez a atividade de lazer mais popular de Tr lad seja o lime, em que algumas pessoas se retinem numa esquina ou viajam em grupo, por exemplo, para 0 campo, a fim de “make a cook”, fazer um rango. Uma caracteristica do lime é o estilo de insulto verbal conhecido como pickong, ou dar uma fatigue, ridicularizar. As aquezas individuais de um companheiro limer sero objeto de provocadoras gozagdes. Perguntardo a um homem mais lgo superficial 29 velho: “Quando voc# ainda estava vivo, sabia cozinha?"; ou se 0s cabelos remanescentes eram realmente dele, Um acidente ou erro pode ser jogado na cara do grupo “culpado”, muitas vezes com palavras como “mother-cunt’. O pickong quase sem. pre permanece bem-humorado, pois os alvos sabem que esto sendo julgados por sua capacidade de deixar pana Id. A invectiva frequentemente sagaz e sempre cortante entre amigos trans- forma o lime numa espécie de campo de treinamento em que as pessoas se fortalecem para nao aceitar 0s abusos que pos hamada sam vir a sofrer na vida, Ha uma versio de loucur: tabanca. Ela aflige as pessoas nao porque tenham perdido um relacionamento, mas porque descobrem que tinham deixado o relacionamento entrar dentro delas; e, quando acabou, elas ficaram loucas ¢ desorientadas. Uma das expressbes mais co muns ouvidas em resposta a todo e qualquer infortinio, de um insulto passageiro a ruptura de uma relacio, € deixe pra li, nio ligue, nao leve a sério. ‘A maioria dos trinitirios afirmaria que o humor e a pers- picécia sio centrais para sua autodefinigao, vendo-os como contribuigées para seu sentido de descontracio ¢ estilo. Uma igno- rante e propensa a violéncia, rétulo que os trinitarios usam pessoa sem senso de humor, que nao tolere insultos, para seus rivais caribenhos, 0s jamaicanos. Manter as coisas na superficie também significa a liberdade de construir-se ¢ no ser categorizado pela circunstincia, Em Londres, quando duas pessoas da classe média se encontram, tendem a pergun tar “E vocé, 0 que faz", referindo-se ao emprego. A maioria adequado, ‘Trabatha-se porque € preciso ganhar dinheiro; essa é uma fonte dos trinitérios, porém, considera isso altaments inteiramente errada de autodefinigio. Perguntar que trabalho Trecos, ages e uma pessoa exerce nao diz nada significativo sobre ela. Sao as coisas que a pessoa escolhe livremente que devem defini: no as coisas que ela tem de fazer. A liberdade parece central na autoconstrugao. Enovs jente no Carnaval que se chega a reconhecer outras| implic: nfo vermos a natureza ou verdade essencial de uma pessoa como p de situada interna e profun: damente. Um dos principais temas do Carnaval é a revela: io da verdade, O Carnaval comeca & noite, com um festival chamado Jouvert, derivado francés jour d’ouvert ou “raiar dia’. As pesso: se vestem como criaturas da noite, como deménios, por exemplo, ou sa Hill, en n cobertas de lama (Notting, Londres, tem uma variavel atraente: cobrir o corpo de chocolate). As vezes, elas levam cartazes evocando escin. dalos ¢ acusacées. Aos poucos, se dleslocam para o centro da uma figura imensa com um vestido ornado de olhos. Bacanal é a desordem que se segue a rev 1 escandalosa. Um exemplo classico é o de uma professora primaria que tentou se retratar como alguém mente respe el até uma gravidez revelar que algo mais estava em curso. As pessoas tentam constantemente nio lade denota mais ques revelara verdade sobre si mesmas, mas 0 Carnaval traz.as coisas da noite 4 luz da rev ‘A questo para qual tudo isso chama atencio € que as pes o lugar dbvio para agio, soas sempre tentam se esconder. E q coisas? Bom, é profundamente, dentro de nds, ada esconder onde outras pessoas no podem vé-las, Assim, a pre ‘arnaval tem base exa verdade que emerge no conjunto de metiforas oposto aquele da nossa ontologia de profundidade. Para os trinititios, verdade reside na superficie, onde as outras pessoas podem ve. a facilmente ¢ atesté-a, ao passo que a mentira deve situar-se nos recessos ocultos dentro de nés. O verdadeiro ser de uma pessoa, portanto, também esta na superficie ¢ € evidente. A fechadas para sie fora pessoa profunda, que guarda as cois A questo claro, é que a ver- da vista, é considerada desonest dade nao é nem intrinsecamente profunda nem esta na supet fi ‘Simplesmente nao ha razao pela qual qualquer outra popu lidade que veja 0 que € Nenhum dos conjuntos de metitforas é certo ou errado. io deva ter um conceito de superfi teriorizado como verdadeito e significativo, profundament como falsa ¢ insignificante, De muitas maneiras, casuperfi 0s trinitérios parecem ter uma légica muito mais dbvia que a nossa acerca das metiforas espaciais de verdade ¢ ser. Essas diferengas de metiforas, refletindo d ceito de ser, podem usar linguagens de tempo assim como de espaco. Se o eu nao esta profundamente dentro de nés, tampouco é visto como constante. Nbs vemos 0 eu como algo que cresce baseado em coisas acumuladas, Assim, ocupacao, lada no status € posicao social eriam substdncia, a qual éacun interior. Isso decorre de uma preferéncia historica por identida 2 Trecos, rrogase coisas des relativamente fixas ¢ hierarquias. Em épocas anteriores, as pessoas eram definidas por nascimento. Agora preferimos um ideal aparentemente meritocratico, d indo-as mais por reali- zacbes curnulativas, Os trinitérios, porém, talvez no almejem esse sentido de um de- 1, que seria por eles con: rado falso ¢ imposto pela posigo social. As pessoas hoje no clevem ser julgadas pelo que elas foram, mas pelo que so, De modo alternativo, nés teriamos de imaginar uma situacao em que o ser é constantemente recriado mediante uma estratégia de exposigao e resposta ao momento. Ao ira uma festa ou criar relacionamento, 0 individuo em geral mira alto. Busca seu melhor estilo, a agilidade verbal mais sagaz e, se po parceiro ou parceira mais impressionante, Mas s6 sera possivel saber se este realmente é vocé a partir da resposta do dia, de como as pessoas reagem a vocé e o avaliam. I cada atividade particular e supostamente transitéria qu cla é. A propria acdo produz.o julgamento. Entretanto, trata-se apenas de uma aco ou relacionamento especificos, de modo diz. pessoa quem que a posigao deve ser retomada na ocasifio seguinte. A vantagem de um ser transitério & que ele esté menos su- jeito 8 construgdo e ao julgamento institucionais. Estes ndo sio dados por reconhecimento ou ocupagao formal. Comparativa- mente, trata-se de um eu que pode se sentir livre ~0 que, para os trinitarios, significa dizer que ele é mais real ou verdadeiro. Homens e mulheres preferem avaliar o estado de seu rela- cionamento pelo modo como se tratam quando estao juntos. Eles desconfiam da maneira pela qual uma instituic3o como 0 casamento pode levar uma parte a consid garantida, sem exigir a atengo constante que significaria que o relacionamento continua verdadeiro, Para os trinitérios, 0 ra outra certa ou Por quea indumentaria ndo ¢é algo superficial 3 casamento como instituigao pode tornar um relacionamento falso, pois é possivel se enganar e tomar a natureza formal do laco por sua re trata 0 outro no presente. Essa é uma das razdes pelas quais as pessoas preferem esperar até estar bem-estabeleci sua relago para casar, em geral quando j tém virios fillos. Hé um problema no tipo de determinismo historico que idade, que reside no modo real como cada um sempre explica 0 presente pela busca de suas raizes, por meio dle uma narrativa de como as pessoas chegaram a sertais como as encontramos agora. Jé a cié mais por como as coisas se conectam hoje. © passado decerto deu sua contribuiggo, Talvez a grande énfase que os t dio 8 liberdade ~ a liberdade de se construir pk vez. de se definir pela ocupagao - revele uma escravidao. A experiéncia passada de opressao poderia valori ia social tende a interessar-se ios o estilo, em fluéneia da zaraimportincia da liberdade atual. Os antropélogos, porém preferem ver as coisas da perspectiva comparati analogias em outras sociedades. Antropélogos escrevendo so- bre Papua Nova Guiné, por exemplo, tém argumentado que também lé as pessoas preferem julgar pelas aparéncias?” Mem- , buscando bros de uma comunidade desfilam e dangam diante dos ot ros durante periodos consideraveis. Ao fazé-lo, os observadores podem ver 0 quanto so coesos como grupo, mas também os individuos que desfilam vem, aos olhos daqueles que 0s jul ‘gam, quem de fato sfo. Eles eram capazes de se mostrar bem como individuos coesos como grupo? Minha percepcio & ‘que sociedades relativamente igualitarias preferem metéforas sugerindo que as pessoas devem ser cidades e realizagbes correntes; e que devem perder a posicao conquistada quando essas capacidades declinam. Decorre dai inidas por sua capa: que eles tendem a enca a verdade € 0 ser & superficie. Em contraste, sociedades fortemente estabelecidas, com longas histérias de instivucionalizacao, seja de classe ou de posicao, tendem a encarar o ser € a verdade como algo profundamente ado dentro do eu en we constante, Naqueles contextos, roupas nao significam apenas algo completamente diferente; elas sio completamente difere a pessoa pode descobrir quem realmente ela é. Por- tanto, faz o maior sentido passar muito mais tempo preocu: ada co se é esta que define a pessoa, nao um lexo, mas quem ela é na verdade. Nossa propria nocio do ser como profundidade tem algumas consequéncias sur pre es, Por exemplo, mos o ideal muito peculiar de parecermos naturais, ¢ isso implica que usar maquiagem vestir-se é falso e superficial. Mas por que deveriamos aceitar so? Por que o fato de uma pessoa ter sardas nos diz. quem po represente 0 mal ou um personagem aviltado no palco? Nos ela 6? Ou que uma pessoa ma s0, feia que outra, s vemos 0 natural ~ como o profundo - como a verdade sobre Jguém, A concepgio trinitaria, em compara \Gdo, & quem ural de uma pessoa deve ser um guia de quem ela é? Em contraste, alguém que gaste tempo, di heiro, discernimento e atengo para criar uma aparéncia, € ‘éncia final é resultado direto de toda essa atividade e esforco, pode ser descoberto em sua aparéncia. Porque mos julgando 0 que as pessoas fazem, € nao 0 que elas ori nalmente parecem. Nés as julgamos por seu empenho, nao Porquea por seu nascimento, A pessoa anseia pelo ato de autocultivo, Os outros entao podem ver se vocé é tudo 0 que afirma se ou se na verdade nao esta a altura daquele padrio. Tr serdo comentadas, muitas vezes no raio de algumas centenas idad € uma sociedade de esquina’ onde as deficiéncias de metros a partir de sua casa. As pessoas gostam de se pro: nunciar em piblico acerca da aparéncia dos outros. Mais u vvez, porém, se nos empenharmos em ir além de nossas metafo: ras.u talvez isso faga 0 maior sentido. iis, poderemos ver qu E verdade, 0s trinitarios rotulam as pessoas como bombeiros hidrdulicos ou advogados, ricas ou pobres, negras ou brancas, porém encar: rulago como algo superficial em ci m essa m: paragio com a avaliagZo de como elas se construiram, se sio capazes ou nfo de ostentar seus trecos. Minha intengo nfo € dizer que uma visio € superior 4 outra, embora seja dificil nao ver que a visio trinitiria é muito mais clara que a nossa, A conse quéncia, para nossos propésitos aq ‘mais tempo com a vestimenta ¢ ao torné-la prioritaria em suas que, ao despender muito vidas, os trinitarios nfo se enganam nem séo mais superficiais. Esse primeiro estudo de caso também fornece um exemplo claro do que quero dizer quando falo da ambigao de ser ex tremista. Nés vamos para no Caribe € descobr nos que hi uma relagio com a indumentiria diferente de tud que haviamos imaginado. Mas chegamos ao entendimento disso por meio de um extremo particularismo. Se quiserem, 0s antropélogos podem se tornar cada vez mais paroqi E € algo que fazemos com satisfacio, pois isso prova r 6 Trecos, topos e coisas erudicdo. S6 depois de li viver durante um ano, fui capaz de \ecar a entender a diversidade da propria Trinidad. Entio, mesmo 0 termo genérico trinitério me pareceu suspeito. As pessoas com quem eu lidava eram indo e afro, figurdes e gente comum, homens e mulheres, idosos e criancas. Na verdade, mone ¢ Rhoda. A etnografia é a0 que ha de especial naquelas fuais, naquele momento. Contudo, para com- preender um mimisculo microcosmo daquela populacao — por que as mulheres pobr: tinham tantos sapatos? -, foi necesst rio enfrentar uma suposigdo filosofica basica quanto ao que é ser humano. Eu precis questionar nossa teoria ontolégica fundamental, isto é, a filosofia do ser, expor as hipdteses que fazemos sobre onde esta situado o ser e sobre a multiplicidade de metéforas ¢ conjecturas que fluem em todas as direcbes a partir da pressuposi¢Zo de que o ser é profundo. Nés adquirimos, assim, uma avaliacdo de que aquilo que presumimos universal era particular. De que a ontologia é uma construcao, e nao uma verdade inerente. Porém, demoli as fundagdes da filosofia ocidental a fim de compreender a rela: do das mulheres trinivérias pobres com os sapatos me parecia algo que realmente valia a pena, Fazé-lo justifica a luta para por 05 dois extremos, ismo e particularismo, novamente em diflogo. Afinal, a meta da antropologia é o entendimento, no sentido da empatia. Acho que o tempo todo eu tentava ima deles ~ ou calcar os seus sapatos, {4 outro motivo para comecar com esse exemplo particular. A.questio para a qual chamamos atencao aqui se refere a algo além da indumentaria, O termo superficialidade e as suposi ‘gBes que fazemos sobre onde estaria situado o ser fazem parte de uma definigao muito mais ampla da cultura material em wy algo superficial. Tornar-se sociedade de consumo em geral & visto como sintoma da perda de profundidade no mundo. exemplo de uma atitude universalizante diante da sociedade a é claramente expresso em ou: tos sobre a pos-modernidade, que podem ser vistos apenas como a mais recente manifestacio de tro ramo da filosofia: os es ideologias estéticas e filosdficas que estavam no mago do pen: samento ocidental. Aqui, contudo, estamos engajados numa empreitada cujo propésito é resgatar dessa mesma acusagio de superficialidade nao s6 a indumentéria, mas a cultura material como um todo e as pessoas que a estudam. £ mostrar por que pessoas em lugares como a Papua Nova Guiné tribal podem decididamente ser mai materialistas que nés ¢ aceitam sem muito problema que os seres sejam constituidos por coisas € aparéncias. Assim, demolir nossas presungdes sobre superficia- lidade é um comeco, Em seguida, precisamos examinar com mais detalhe como coisas tais como roupas nao chegam a re. presentar pessoas, mas a constitui-las. Em busca desse objet ‘vamos agora nos mudar de Trinidad para a india, Antigamente, isso era uma coi Earth, apenas diminua um pouco o zoom, gire um pouquinho 0 globo e aumente o 200m no ponto certo. nar. Mas, gragas ao Google O sari* O sai € uma peca tinica de tecido intel mente desprovida d costuras, em geral de s dos em volta do corpo. Hoje, quase sempre ele & usado em ‘metros, trajado em arranjos drapea 8 associacio com uma andgua, uma blusa curta para cobrir 0 busto e, por baixo de tudo, calcas e sutia. O objetivo desta seco nao é dizer como as mulheres indianas vestem 0 sari, nem como o séri representa a identidade delas. Muito pelo contrario, A intengdo é explicar como o siri veste a mulher indiana, como ele faz dela o que ela € ~ tanto a mulher quanto a indiana, Se em Ts idad a indumentéria questiona o que queremos dizer com 0 conceito de ser, na india veremos qu nbém esté sujeita ses comparativas. Ser mulher é algo-muito diferente uma expresso como “ser uma mulher’ se for alcancado pelo uso de um sari, e ndo de uma saia ou e um vestido. As roupas esto entre os nossos pertences mais pessoais. Elas constituem o principal intermediario en- tre nossa percep¢io de nossos corpos € nossa percepcao do mundo exterior. Em primeiro lugar, portanto, consideremos qual a sensagao de vestir um sari, No agora disseminado estilo nivi, 0 anjado da di reita para a esquerda, passando sobre a parte inferior do corpo duas vezes ~a segunda compondo um conjunto de pregas em forma de leque ~ ¢ uma vez sobre a parte superior. O pallu, a ponta usualmente solta e mais ornamentada do sari, cai por a cintura. Dada a assimetria do sobre 0 ombro esquerdo ai nenhuma sensagio em alguma parte do corpo se repete em qualquer outra, Parece que a perna direita nao é espelho da esquerda. Os dois ombros ¢ 0s dois seios so tocados pelo traje de mancira completamente diferente. © ombro direito pode permanecer intocado pelo sri, ao passo que 0 esquerdo su- porta 0 peso do pal «, cruzadas sobre 0 busto, a0 ps O seio direito sente a pressio das dobras 10 que o esquerdo fica ais exposto, coberto na frente, mas visivel de lado. A parte (go superficial 2» direita da intura é aquecida pelas dobras que passam sobre ela, mas a esquerda fica a descoberto e arejada, O ponto central do siti—o umbigo—dé impressio de um pivé nuclear em torno do qual gira a harmonia do traje. Aqui as pregas sio presas por dei ro do cordao da anagua. Cerca de um metro de tecido é ali dobrado, com doze centimetros enfiados por dentro do cordao, contra a bartiga. Isso provoca transpiracao, e uma zari, ou borda de algodao engomado, pode arranhar ou esfolar a pele,’ mas essas sensagdes também dio a seguranca de que as pregas nfo vio se soltar e cair. As coxas ajudam a definir as graciosas dobras das pregas, que se desfa zem em leque entre as pernas. Aqui, mais uma vez, a sensa jimétrica. As pregas muitas vezes caem da direita para a esquerda, de modo que a pi perna direita, ao passo que a tiltima repou: neira prega repousa sobre a faa esquerda, Contém-se assim a perna ¢ 0 joelho direitos, que definem 2 forma das pregas; mas ¢ a partir da perna esquerda que o sari se curva para dara volta a partir do mefo das coxas até a parte de tris do corpo, repousando em dobras sobre a cintura, tas, para entdo ser trazido pelo lado direito como p s cos modo, a curva do quadril e da cintura da mulh do lado esquerdo, Um leve arqueamento do joelho pode uma quebra horizontal nas dobras verticais do sari, d indo a mulher uma aparéncia mais feminina e escultural. Os torno. zelos sempre dio a impressio de amplidao, pois o franzido das dobras do sari repousa contra eles, e 0 contato € mais pesado pelo “caimento”. Ao caminhar, a pera direita determina a ex: tensio do passo, contido pela tensao no tornozelo quando ele € longo demais para o sari. A perna esquerda precisa move tum pouquinho para fora e para diante, de modo a nao prender ‘0 Trecos 508 e coisas a pregas entre os joelhos. O pallu pode escorregar com 0 movi |, enesse caso o brago direito se ergue para devolvé-lo a0 ‘ombro esquerdo, mas com cuidado para nao amarrotar o tecido. Depois de alguns passos, o sari pode escorregar para baixo na ntura i esquerda, ¢ 0 braco esquerdo deve puxi-lo de volta a fim de preservar a for de leque das pregas. ‘Ao sentar, as mulheres invariavelmente verificam se 0 pallu nio escorregou, deixando de cobrir o seio direito, e sea cintura nfio est exposta demais pela dobradura do torso. A curva do corpo ao sentar-se num jiringuixé ou num carro também tende a enrugar o séri na parte da frente, ameacando a sequéncia de 8 Ps pregas. Uma série de ajustes ¢ necesséria para alisara parte do pallu visivel& frente; as pregas pre .m ser rearrumadas para ajudar a preservar o ordenamento, e deve-se cuidar para que o ‘pallu ndo fique preso sob as nédegas. Diferentes tipos de clima produzem sensag6es e problemas préprios. A transpiragao que se acumula onde o sari fica preso ou é densamente enfeixado pernas encontra 0 ar a agradavel sensacio refrescante tura fica timida demais e coca, a mulher pode puxar o cordio da andgua para liberar um trecho da pele. No clima timido, a parte inferior do sari tende a ficar molhada primeiro, o que a torna pesada e puxa o traje todo para baixo. O sari perde a forma e se torna mais dificil de controlar, nfo ha mais conforto dentro dele. Um sari timido também gruda no corpo em virios pontos, acentuando curvas e concavidades — exatamente 0 que esse tipo de veste pretende evitar ‘Vestir um sari, portanto, produz sensacdes especificas. Mas tudo isso niio passa de sugestao de diferengas muito mais pro: fundas. Para aprecié-as, precisaremos fazer um zoom sobre Porquea indume 0 € algo superficial a uma parte especifica do sari ~ 0 pal a ponta quase sempre amente ornada que cai por sobre o ombro. Ble representa uma qualidade protética para a roupa que no é comparti- Thada por nenhum traje ocidental. Isso se tomna mais 6bvio no uso funcional. Quando a mulher faz suas tarefas domést spe ‘mio, para pegar recipientes quentes, espanar o lugar em que © pallu esta em uso constante como ui de terceira la vai sentar num local piblico, limpar os éculos, guardar notas de riipia num né que faz as vezes de bolsa, ¢ proteger © rosto da fumaga ou do nevoeiro. A presenga do pall constante permanente, to indiscutivel, que quase parece parte do préprio corpo. Nao obstante, a mesma qualidade que amplia a capacidade de uma pessoa também di ao pall o poder de trai-la. Quando acontece algo que representa uma stio importuna do mundo exterior contra o eu, talvez 6 pallu tenba sua parte nisso. O pallu fica preso porta do rosto e a peso: 1 consegue enxergat, ou escorrega da cabeca quando ela tenta se cobrir modestament ‘© mesmo pallu usado para se ar uma karhai (panela) quente de comida pode pegar fogo quando a mulher esté cozinhando Lastimavelmente, esses acidentes so muito comu e podem resultar em ferimentos hi is e até em morte, Nem sem: pre sio acidentes, tampouco, Em muitos casos de “morte por ote’ a far lia do noivo afirma que o pallu pegou fogo “pr acidente” quando a mulher cozinhava, Por outro lado, noivas, desesperadamente infelizes, de forma bem tipica, dao fi sol amarrado ao teto, wento enforcando-se com o pa 2 Thecos, Aidentificagio copa ‘comega com al entre mae ¢ filho, A maioria dos indianos tem seu primeiro encontro com 0 siri antes do tempo da memoria, s mies usam-no como utensilio multifuncional no perfodo de amamentagdo. Ao aleitar, do pal o tecido para aconchegam o bebé dentro Jo do mundo exterior, e usam encobrindo a ope mpar 0 residuo de leite dos labios do bebé. O pallu preserva a capacidade de ser a extensio da mie, como observo sobre seu filho: Ao pegar no sono, poe o pa i se despren boca, enrolado em seu po legar. Se chorar, As vezes as pessoas dao s criancas pedacos de pa 10 um lengo ou uma echarpe para livré-las da mie, Mas eu nunca dei. v vizinhos sugeriram que eu o fi sse, mas eu pergunto: qual o problema se ele segurar meu siti, por pedaco de pano? Fle brinca de esconde-esconde Ble see ur depois mo: 0 rosto. Fica fazendlo isso Acha que eu posso estar: ngada, Quando dormimos perto um do outro, eu cubro 0 costo e para ver estou demonstro nenhuma ele comeca a chorar e fica me chamando, "Mamie! Wiel”. Ai eu tenho de me render, ¢ ele fica feliz. E comega amesma indo seu rosto ¢ faz incadeira. Ele mas o pallu Por} pallu exer de “objeto transicio der que o siri é, ele proprio, algo individual, separado do resto do mundo exterior tal como este ¢ inicialmente representado por seu seio. O pallu ajuda a fazer a ponte para separacdo, e conforta a crianca durant carrega sempre na tira em q meia-idade lembra: Eu tive uma ae ena ‘minha avé, sabe, mos ido o suorda minha ‘usando-o como um abano no verdo, A mae da testa com op minha mie, eu ficava 0 colo del ado com a cabeca cobria a minha cabeca com 0 pallu. Ai eu dort Para os adultos, a ambiguidade do pallu —de ser simultanea- ‘mente parte de uma pessoa e separado dela ~ continua quando se trata de formar uma relacio. Considerando a propensio na- tural do pallu a escorregar do seio, 0 ato de cobrir 0 peito pode teralgum efeito, caso seja bem-feito (¢ algumas o fazer muito bem), o de chamar atengao para a rea ostensivamente prote- gida. Ento, 0 homem nao sabe porque nao quer que ele a vej uer que ele a veja, Outra forma provocativa de manip je drapeado, explora habilmente a propriedade e consiste em apert sbelt erotismo no tecido, que pode o para acentuar a firmeza das nadegas ea a da cintura, Ha 0 potenci cer transparente quando “4 Trecos, trogos e coisas usado numa tinica camada, mas 1co quando vestido em vi rias camadas. A mesma sutileza que se aplica ao flerte é ainda s comumente aplicada & © pallu desemp hindus tem de cobrir a cabeca na presenca de certos membros da fam stituigio da modéstia, na qual nha papel central. A maioria das mulheres mugulmanas deve cobri idades | 0 passo que a lana presenca de estranhos, As mulheres tém posit consideraves de manipular a aneira precisa como o pall seguro entre os dentes ou colocado sobre a cabeca, deixando o observador do sexo masculino muito incerto quanto & atitude or tras da aco; pode ser re vada e respeitavel, atraente ou cruel, Essas nuances de modéstia ¢ erotismo so usadas com g nde efeito pelas pessoas que trabalham em Bollywood ¢ as de televisio. Contatos fisicos ptiblicos entre homens € mulheres conti- nuam a ser malvistos. Mesmo os pares casados passeando nos parques de Déli, por exemplo, nao andarao de maos dadas. Nesse contexto, 0 pa importante ponto de con- 1s adultos ou amigos da mesma idade. ra irma ou a amiga a."se “". Na impossibilidade de tocar 0 corpo, tocar o pall ntimidade, Se al frio de 10 algo superficial uma operitia do sexo em Kolkata, que relatou no gostar que pega dev seus clientes tocassem seu pallu, pois sentia que ser reservada para seu relacionamento com 0 marido, (O repertério emocional completo do pallu é visto com mais clareza quando assistimos aos melodramas de tele’ Acena de uma mulher que se candidata a um emprego doméstico mostra-a bulindo com a ponta do pallu, o que trai sua ansi sobre o torso ou o segura dade. A professora que aperta o p firme na mao para garantir que a turma saiba que ela é séri ¢ esté ali para trabalhar, Uma moga que ri alto demais cobre a boca com o pallu. Uma mulher seca ligeiramente as lagrimas ode com ele, mas também esconde os olhos. O palli é 0 pa ‘um rosto encabulado e um disfarce para emogdes impréprias, essas ambigu Porém, com tantos gestos feitos com 0 sai des podem dar lugar a um elemento erdtico, muitas vezes sem. intengdo, como quando se cobre a boca para acentuar os olhos, ou quando esconder os olhos realea os libios. Assim, embora odo as séries, as tramas e os personagens mudem, o estrel intima entre pessoa ¢ roupa, quando se nasce na Asia meridional, no é dada. Tudo isso deve ser aprendido € proeza na ce especial de “despedida da escola’, que marca o fim do periodo escolar para as garotas com cerca las dobras desconhecidas, al Pi sobras repentinas de tecido. El iante de risco de escorregar, de se expor e se envergor ssores. Ab pesso: altamente competitivas, seus pais ¢ pr 4 Trecos, fiquem no lugar gracas nente colocados. |gumas vezes no casamento la sera o objeto deparar com a ocasiao na q , seu proprio casamento, em que sua maneira de -mpenha em obter res ade social. Ela deve aprender a se mover, drapear, se sentar, dobrar, preguear ¢ girar o siti de modo apropriado. Pode viver cc Jo de embaragos ao mudar-se para a casa segue dormir, porque tem medo de que a perda de consciéncia a leve a descobrir a cabeca ou os joelhos, por conseguinte, sufor es de verao. A preocupacdo jlidade de o sari cair leva a mulher a apertar tanto mbito da seguranca e da praticidade, precisa tentar evitar os qu iquinas ou, 0 pi machucados fre sultam de prender o sari em dos casos, no fogio. omo estrangeiro que entra num povoado onde todas as ‘upomos que isso tenha se tornado natu: algo ébvio e direto, Mas ndo. A gente conhece uma mulher que usa s 10s € nunca sente que ela esta real mente no comando do traje. Pense nisso em analogia com di um automé Aprender a dirigir e aprender a usar 0 siti mudane percepedo que a pessoa tem da pré- pria idade; ha um sentimento de se tomar adulta, com todas as novas liberdades, capacidades, restrigdes e medos que isso im- plica. Ambos sio acontecimentos pblicos, ea competéncia da pessoa oua falta dela —esta aberta ao exame e a critica de ter ceiros. Asdu atividades partilham o envolvimento da fami ‘os mesmos orgulhos € medos dos pais, 0 auxilio comum da vizinha, da amiga ou do parente que amavelmente transmite 4 menina uma pratica € a ajuda a aprimorar suas habilidades. Algumas mogas se mostram talentosas “inatas’, Outras tém infortiiio de ndo passar no exame de motorista ou de tropecar jamais alcangam um d em sua despedida da esco! do sari, adquirindo a nova e indes que nao aprendeu a dirigir/usar séri” que thes ser um de para o resto da vida. A maioria emp nova tar dificuldade, mas, pela pritica, aos pouco: elas perdem a consciéncia de que es- do 0 sari e de suas exigéncias. Se a mulher + oprimida e comesar a dominar o sri, em vez de entdo essas habilidades tao duramente aprendidas Ihe dario uma flexibilidade notavel para esconder ou acentuar aqueles tragos de seu corpo que ela quer expor, disfarcar ou cobrie. ‘Trabalhe ela no campo ou mum escritério, pode ter um dinhei rinho economizado depois que as despesas domésticas foram pagas, e com o qual comprar suas proprias roupas. Se tiver os recursos financeiros (muitas mulheres nos povoados jamais ganham dinheiro suficiente), ela sera capaz de fazer escolhas, experiéncias com cores € materiais, e aprender a perceber 8 Trecos, topos ¢ coisas onde ha uma barganha. Em outras palavras, ela se tornaré uma consumidora ativa de siris, Durante esse periodo é que a mulher realmente desenvolve seu estilo individual, tomando decisdes sobre as cores que Ihe caem bem, que modelos pre- fere e que tipo de material é capaz de administrar e desfrutar. Esse também é o periodo de sua vida em que ela deve fazer malabarismos com as exigéncias de filhos, marido, parentes, vizinhos ¢ do local de trabalho. Tudo isso pode restringir suas escolhas; mas, onde for capag, ira se vestir de acordo com as diferentes plateias, ocasides ¢ estados de animo. Assim como 0 sari comeca sua carreira de modo muito mais opressivo que a maioria dos trajes ocidentais, ele passa a ser muito poderoso, Homens que trabalham em escritorios se queixam de que nao podem competir com algumas mulheres nente porque no usam siti, Uma mulher em harmonia com scu sari sabe exatamente como colocar o pallu. Enquanto todos que olham para ela pensam que o pallu est quase a ponto de cair de seu ombro, ela sabe que nfo. Tem controle de uma ferramenta que Ihe permite exprimir uma vatiedade de emo- {G6es eafirmacées sutis, manuseando a capacidade particular do para a ambiguidade, especialmente no que diz respeito ao crotismo, Nesse estégio, osiri se torna um instrumento de po- ‘0 desse der, Ninguém jamais aleangou tamanho dominio pol traje como Indira Gandhi, De algum modo, seu guarda-roupa representava todas as regides, grupos € aspiragSes de centenas de milhées de mulheres indianas comuns. Ler estan iva meramente como relato de um projeto de pesquisa sobre como as mulheres indianas vestem um siti seria perder os elementos-chave aqui transmitidos. O fulero deste estudo é que o siri desempenha um papel considerdvel qt ap Porque a indumentéria nao ¢ alg superficial 4 € em geral nao reconhecido na criagdo de uma especificidade quanto a ser uma mulher indiana. © fato de haver, todos os apar de circunstincias ou encontros sempre em mutacZo contribui ia diante dias, a expectativa de que a pessoa mude para uma diferenca significativa no entimento do q\ mulher, Ha um contraste imenso com a maioria das roupas, costuradas, as quais, uma vez vestidas pela manha, podem ser ponto pacifico pelo resto do di Roupas costuradas nao so manipuladas 4 man 2 do sari, € as pessoas que as usam nnd esperam fazé-lo, Mas 0 sari for nento e uma 1m engs conversacao continua com quem o veste, € uma pressio para responder as mudangas no ambiente social circundante. No livro de onde este relato fo! mos como a luta ado, mos oraem curso entre o sari e sua principal alternativa, o shalwar ke indiana moderna. iz, tornou-se uma batalha sobre o que sig} © sari é como um colega ator, constantemente no paleo, ceyja presenca é sempre lembrada, Transforma a mulher numa pessoa que interage com outras pessoas ¢ com sua propria personalidade por meio desse mate o constante. Os pode ser um apoio extremamente importante quando se da atengio a cle, ajudando a realizar todo tipo de tarefa, de :m, ek ‘cas sociais ou emocionais. Quando negligenciado, po- “Apido em trair, fazendo com que as outras pessoas julguem com severidade a mulher por mudangas inespet indesejiveis de aparéncia. Tais experiéncias variadas e am- bivalentes com o sari tem uma relevancia de longo aleanc para a pei que uma mulher tem de si mesma. Dizer simplesmente que alguém é uma mulher indiana é s6 rotular Ao examinar com mii ia 0 uso do sari, podemos com: ONE NET/R 5 4 a ver que ha uma multiplicidade de diferentes expectativas ¢ experigncias que so resultado direto de usar um item especi fico de vestuario. Isso tudo cria a experiéncia particular de ser mulher indiana que usa siti Londres ntropologia é fazer anélises comparativas desse amos sem O objetivo di po entre Trinidad e India. £ reconhecer que ac uestionar nossos préprios modos de fazer as coisas, ¢ que so- ‘mente avaliando como os outros povos tém experiéncias ¢ ex: pectativas inteiramente diferentes das nossas & que poderemos stionat nossas proprias experiéncias € expectativas. Essa éa lo. $6 quando presta atencio a relagio entre as pessoas ¢ a indumentéria em Th como eu, poderd, por sua vez, descobrir que a relacao das pes- soas com as roupas em Londres ¢ extraordindria, exdtica € Por que devemos achar o vestudrio superficial? no exp or que usamos roupas estiticas quando ha alternativas mais dinamicas? Enfim, ficamos preparados para reconhecer que, da perspectiva de outro povo, talvez sejamos nbs os esquisitos. Em sua concep¢fio inicial, a antropologia tendia a tratar os \gares de onde os antropélogos provinham (Londres, por exemplo) como algo dado, relativamente nfo marcado, con. trastando com todos os demais lugares, que requeriam exp: cacao. Hoje temos uma antropologia baseada na igualdade global de espanto ¢ Londres isso nao quer dizer que eu compreenda mo. S6 porque nasti, fui educado € hoje vivo a cidade, Mu contririo, De alguma maneira, como Por ia nao algo superficial o ondrino, sow a pessoa menos qualificada para me empenhar no esforco de compreendé-, ja que ela t m, para mim, qualidade de ser aceita sem questionamentos. Em outras disciplinas, o usual é sugerir que, se buscamos entender, por exemplo, a experiéncia de um transexual argentino auxiliar de loja, precisamos sobretudo dar voz a transexuais argen tinos ajudantes de loja. Mas a antropologia sempre resist a esse tipo de politica, insistindo, em vez disso, em que ne cessitamos trocar entendimentos, em qui j0 os outros que podem ver mais facilmente as convengdes e suposigbes sobre as quais fundamos nossas vidas cotidianas. Isso implica que precisamos trat lugares cosmop. mesma deferéncia de ob: camos a qualquer outro lugar. f ficil demais afundarmos de es cor tar aos ambien: novo em general tes familiares. Mesmo na Europa Ocidental, ha distingdes is com a indumenti profundas nas relagdes region: examinarmos de forma sistemitica. Um exemplo surgit ha pouco na pesquisa de uma has estudantes de doutorado, Marjorie Murray, que € cresceu no Chile, mas real ou seu trabalho de campo em Madri. Ela descobriu que as relagdes das pessoas com a i ‘mentéria em Madri € completamente diferente da que ocorre er doutorado, Bla fi ‘day lenos. Ao sair, eles usam 0 que consideram roup: e dos madri cou impr a extrema regi ssicas, legant caras, mesmo quando niio sio ricos. Gastam um, tempo mnsidervel se preparado ¢ cuidando da aparéncia. f muito comum 0 uso de roupas de grife como parte desse cor junto, Eles também tém um conhecimento muito vasto sobre 2 Trecos,trogos e coisas 0 que todos estéo vestindo, tanto as pessoas que encontram ruas quanto as celebridades. Em contraste, a0 voltar para casa, trocam imediata nte de roupa, vestindo em geral pecas surradas, velhas, até puidas ou rasgadas, roupas que Ihes dio aparéncia muito desagradavel. Nao ha, em ptiblico ou nessa indumentiria privada, um sentido de expressio individual, As sidera apropriado .oas parecem vestir 0 que a maioria c e conveniente. Claro, trata-se de uma imensa generalizacio; inguém teria a menor dificuldade de encontrar diversidades, sutilezas e distingdes infinitas. Porém, para conduzir uma in. intropolégica, precisamos afirmar generalizaces vas. Marjorie Murray da consideraveis indicios de com Londres € 0 Chile, Ma- que, pelo menos em compara dri ainda pode ser caracterizada como um lugar de conve! io ‘mismo surpreendentes. Apesar de nosso sentido de cosmopolitismo europeu, ha particularidades marcadas para as cidades individuais. Outro dle meus doutorandos descobriu que sua irma, na Itélia, ficou tao horrorizada com o tipo de aparéncia grunge que Londres pavece ter Ihe imposto que insistiu em voltar para aquele pais a fim de fazer uma espécie de cura de est Uma asem Madri usam uma indu- pela qual as pes mentatia clissica ¢ conservadora em piblico esta provavel- mente associat da cidade como capital da panha € do antigo Império Espanhol. Antes de se exprimir como individual de nao se conformar ao jidade. Come algo super 3 monstrar a aparéncia piblica, e ndo um meio de autoexpressto individual ou privada Em Londres, a situagio mplamente inversa. A cidade se esforga hoje para ser a capital da descontragao, em parte para refutar o periodo anterior, em que era a capital do Império Britdnico hoje algo visto como caretice. Conformar-se a uma moda publica genérica ou recorrer a etiquetas de estilistas fara com que se encare 0 usuario como incompetente do ponto de io. Est vista do vestus s que repudiam deliberadamente a respeitabilidade muitas vezes so a vanguarda da m« Londres, os individuos sio incitados a se expressar, até a se ‘encontrar, pelas roupas. Como atestard a maioria das mulheres ‘em Londres, isso é bem mais complicado do que parece. Mas leva de fato a uma compreenséo muito diferente do que € a prépria moda. A maior parte das te industria do setor, sua organ jas sobre mo is presses € 0s padres para explicar a moda." Porém, na verdade, hé bons indicios de que a maioria das pessoas esc he suas roupas tanto despeito quanto por causa da indtistria da moda. Se dermos uma mi rada no espectro de indumentirias realmente usadas nos do metrd ou nas ruas de Londr as coisas parecem mut ferentes das revistas de moda que essas mesmas pessoas leem. No presente, estou envolvido num projeto de grande escala sobre 0 jeans,'* que, em qualquer dia considerado, é material usado por cerca da metade da populacio. Sem divi. ai cara lista d ia da moda tenta langar mao do jeans, contratando, designers de roupas. f esse jeans 4 irdo exibir, sobre jeans que as pessoas usam é relativamente comum, sem as ca icas definidas nas r ‘Trees, trogose coisas © crescimento do jeans barato, de supermercado, foi muito ignificativo que 0 crescimento do jeans de estilistas. E sobretudo 0 jeans barato que chega amudar de d emos na rua, Como 0 estilo mal ida para década, é dificil angumentar que isso mostra que estamos respondendo as presses da moda em sua busca inquieta de novos nichos lucrativos. A formular uma teoria da moda femi n, talvez, devéssemos olhar para outro lugar a fim de na em Londres. Como ia e em Trinidad, temos di rio a experién cia das mulheres que vestem jeans. © momento critico dessa -xperiéncia pode ser quando a mulher se levanta de mana, examina um guarda-roupa cheio e, no entanto, sente um medo esmagador de nio ter “absolutamente nada para vestir”. Outra cestudante de doutorado, Sophie Woodward, escreveu sua tese sobre a ago de vestir-se pela manha.* Bla chegou 3 conclusio de que observar 0 que as mulheres vestem na rua s6 propicia uma mirada parcial. Muito frequentemente, 20 se vestirem J, elas experimentam um conjunto mais ousado de roupas, talvez varias vezes, antes de perdera confianga e voltar padro, Decidi didade como exatamente el a indument: wanca perguntar com profun- ar esse trabalho conseguiu real de campo, mas foi isso precisamente que ela descobriu: a moda em Londres tem muito mais a ver com an indistria, & a ansiedade que explica as princip. ‘moda ao longo das illtimas décadas. lado “The 2” refleti Umen: tle black dress But what is the p: ‘obre essas mudaneas. que todas as outras cores s6 podem aspirar a ser um sucedaneo do preto? Onde e quando isso aconteceu? O preto pode ter al- nofobia que parece ter possuido a Porguea modernidade de tempos em tempos, masisso no impediu uma verdadeira explosio da cor nos anos 1960 ~ nao mi que Austin Powers. A maior parte do que escrevi até aqui diz respeito a mulheres, mas eu também passei por essas mudancas. Eas vejo como aquelas descritas pelo maravilhoso livro infant de Salman Rushdie, Haroun eo marde histérias. A premissa do -vro é que hi algum mecanismo do mal tirando o fluxo historias que correm nas veias do nosso mundo. Durante toda ‘minha vida testemunhei semelhante perda terrivel. Houve uma aco gradual da cor ¢ da estampa no rm ia de Rushdie, buraco enorme em algum lugar por onde a cor ea estampa do das roupas somo se houvesse em Londres, Como na hi u estivessem vazando, deixando © mundo cada vez mais cinza, marrom e preto, com roupas que contribuem para um ambiente ‘monétono ¢ sem cor, s6 compensado por parcas excegdes, como as roupas esportivas ¢ o vestidinho vermelho, Eu me sinto pessoalmente afrontado por esse assalto, pois também sofro da mesma aflicio. Quando comecei a dar aul eu ainda usava suéter cor de abébora e um colar de conchas trazido de meu trabalho de campo nas Ihas Salomao. Mas eu parecia um hippie anacrdnico. Claro, ser hippie ja era uma coisa s6 convencional naquele tempo, ¢ eu mudei, com todos ‘0s movimentos subsequentes, para o incolor. Hoje, parece que acabei nos convencionais tons de marrom e azul e no preto masculinos, com cortes clissicos, no estilo Armani para roupas formais, ¢ jeans para as informais. A possibilidade maii dora que sobrou, se tanto, é descobrir um novo tom d Para explicar tudo isso, precisamos examinar e depois exp! car o problema subjacente, A minha propria investigagio vem de um ano que passei fazendo compras com pessoas numa 6 “Trecos, to905 ¢ coisas rua do norte de Londres.” Eu descobri que a ansiedade das mulheres sobre as roupas tém todas as formas ¢ tamanhos. Sharon, por exemplo, esta chegando ao quadragésimo aniver- sirio e vé essa fase como um divisor de dguas em termos de consolidar sua aparéncia e seu guarda-roupa, pois “esta farta de fazer bobagem”. Mac em tempo integral de trés filhos, mo- radora numa habitacdo do Estado, ela se compara a uma amiga ma que “podia usar um trapo ¢ ficar maravithosa”. Entre seus recentes desastres de moda estava o fato de ter sido a ‘inica pessoa a usar vestido de noite numa fésta para sua sogra, porque acreditara na afirmago da velha senhora de que todos caprichariam n: indumentaria para a ocasiao. E também por dirigir 25 quilémetros cruzando Londres com a familia para tum batizado e depois voltar, pois simplesmente tinha de trocar o vestido de verdo de algodao azul por outro, cujo decote era menos no estilo “camiseta’, As ansiedades de Sharon poderiam ser rotuladas como pré- prias da meia-idade. Mas a situacao nao é muito diferente 20 fazer compras com Charmaigne, uma moca de dezoito anos ‘muito na moda, extremamente consciente de sua figura “ideal” (cla danga em videos de misica pop de vanguarda), e que se destaca por escolher itens que ju priada o seu corpo. Porém, sentindo que precisa parecer mais adulta, decide que necessita de um vestido com estampas flo- acentuar de maneira apro- rais, D nte nossa expedicao ao shopping de Bent Cross, en- contramos centenas de possiveis estampas florais. A questio a adequacao, Certamente nao hi falta de opgdes. O problema para Charmaigne, reiteradamente, do prego nao é abordada, cera saber se gostava ou nao de verdade da estampa e, por con: seguinte, se conseguiria determinar qual era ou podia ser sua Porque inal 0 € alg superficial 7” preferéncia. No final, ela voltava para casa de maos vazias, Charmaigne nao carece de conhecimentos sobre roupas: seu problema é definir seu proprio gosto em relagio a um género ou tipo que nao Ihe é familiar. Pode-se ter um sentido refinado, de nuances de linguagem sem saber o que dizer. por isso que ha na Inglaterra tamanha atragao por aque- les que podem nos dar uma orientago clara: assistir a um programa chamado What not to Wear e rezar para que haja algumas regras claras que se possam seguir; ou, num extremo ‘mais radical, assinar o servigo de uma empresa como Colour Me Beautiful, que diz ter toda uma ciéncia da indumentaria e que dird exatamente qual a cor certa para vocé. Assim, é possivel documentar ¢ caracterizar essa ansiedade no amago da moda, ‘mas também precisamos explieé-Ja. Por que isso cresceu a0 longo das titimas décadas, a ponto de as pessoas no se sen: tirem capazes de vestir grande parte do que esté facilmente disponivel nas lojas? Aqui a antropologia pode intervir com sua perspectiva comparativa. O que torna a situagio em ndres, to diferente dos exemplos anteriores? Na india, as mulheres que usam siri esto sujeitas a um con- junto de regras e convengdes sociais muito bem-estabelecidas Uma mulher que traje algo inapropriado logo sera avisada de em Londres seu faux pas. Em comparacao, a indument: € muito menos guiada pela ordem e a convencao social. Ela se tornou extraordinariamente diversa e sujeita a mudangas ripidas. Tanto a coag%o quanto o apoio a convencio social se dissolveram. A orientacao da indastria da moda é muito mais dificil. Antes havia alguma coeréncia, ¢ a pessoa tinha confianca sobre o comprimento certo da saia naquele ano. As bainhas em todo 0 ps subjam ¢ desciam no mesmo compasso 8 ‘Trecos, topos e cots Hoje a orientagdo é vasta e contraditéria, ¢, apesar de ler m tiplas re .. a maioria das pessoas no tem, em momento algum, muita certeza do que realmente esté na moda, Isso * da a é Hadley Freeman, do Guar acontece apesar de algumas brithantes “tias da anguist dian). Talvez por isso as pessoas desconfiem muito'mais das afirmagdes comerciais sobre as normas correntes da moda. Quem sabe (de modo mais significativo) grande parte desse desengajamento em relagdo 4 moda venha da presséo esma. gadora d expressar o individual, e no apenas seguir o que estiver na moda, Em Londres isso leva a uma desconfianca em relagdo a géneros como marcas de estilistas, os quais, para os adultos, podem parecer vulgares ou tolos. Situagio inteiramente diferente da de Madri. Se em Londres as pessoas suportam uma responsabilidade pessoal quanto a desenvolver sua propria percepcio de estilo, isso torna a cidade muito mais parecida a ‘Trinidad. Mas ha questoes que fazem de Londres algo muito diferente de Tri cl. As pessoas na capital inglesa slo rela famente circuns: pectas ao expressar sua opinido sobre a aparéncia das outras. Estranhos jamais gritariam comentirios na rua para um pas. sante, como parecem fazer em Trinidad a cada minuto. Os co. mentarios em Londres mente sio diretos; na maior parte das vezes eles se baseiam em gracejos ¢ ironias, ou sao ditos ‘a uma terceira pessoa, ¢ nifo ao individuo em questo. Como consequéncia, as pessoas acham mais dificil obter um ponto de dado s autoras das chamadas agony: de jornais c revistasingleses, com perguntas wo conselhos, Porg aria mao €algo superficial 39 apoio nessa apresentagao externa de si mesmas, Elas simples mente se sentem inseguras sobre o que os outros pensam sobre elas, e depois, por sua vez, se tornam cada vez mais inseguras quanto a saber 0 que pensam sobre si mesmas. Pelo menos, com as criticas abertas vocé sabe onde esté, Em Londres, isso 6 substituido por uma paranoia sobre o que as pessoas podem dizer pelas suas costas ~ de onde elas podem ter uma visio ‘mais clara do tamanho do traseiro de alguém. Talvez nao sur- preenda que o nome do programa-chave de televisio no seja ‘What to Wear, mas sim What not to Wear. ‘Sem as normas sociais da india ¢ os comen icos explicitos de Trinidad, as mulheres sentem falta de apoio para desenvolver suas préprias preferéncias pessoais. A frase “Eu posso ndo entender de arte, mas eu sei do que gosto” é substi tuida pelo sentimento oposto, de que de fato sabem um bocado sobre indumentéria, mas nfo tém absolutamente nenhuma seguranca sobre aquilo de que gostam. De certa maneira, 0 prego no caixio da certeza ¢ da confianca foi o feminism. Apesar de alguns recuos e reptidios nos anos recentes, houve laramente mais avancos no impacto efetivo do feminismo ‘em Londres do que na india ou em Trinidad, O feminismo se dedica ao empoderamento das mulheres no sentido de fazer escolhas porsi mesmas, de ndo serem pressionadas por fatores externos. sso ¢inteiramente positivo em termos de igualdade. Mas coloca mais peso sobre os ombros dos individuos quanto a saber por si mesmos 0 que querem € o que nao querem ser. No mundo moderno, essa tarefa esta se tornando uma das mais dificeis, Tudo culmina numa situagdo em que o micleo da ‘moda se torna a ansiedade, Assim, em Londres, de modo pa radoxal, a liberdade desemboca numa conformidade que pode 60 ‘Trecos,trovos e eisas ser completamente insipid mas que € diferente em causa € feito daquela de Madri. Os estudiosos tém grande prazer em repudiar 0 que foi cha- mado de “intuitivamente dbvio”, Nés ganhamos muito mais ais € desafiadores, crédito se nossos insights parecerem ori Mas, em si mesmo, isso no os torna errados. A situacdo é cheia de irdnicas contradigoes: liberdades que criam ansieda- des, empoderamento que parece opressivo, individualismo que leva a conformidade, Sejamos claros sobre as implicagoes desse argumento. Na frente politica, o problema muito maior Signi ele nao foi bem-sucedido o bastante. Eu sou um estudioso em ivo do mo sem daivida é que, até agora, dos anos 1970 € 1980, com alguns compromissos. Estou muito ‘ado com 0 retrocesso daquilo que tomei como progresso irreversivel rumo a igualdade. Mas isso ndo nos impede de io para nenso fardo da liberdade. Dificilmente eu defenderia um as contradigdes do feminismo — sua contribu ° retorno aos ebdigos autoritarios da indumentiria e ao respeito injustificado voz. das elites industriais, A ansiedade ao fazer tir, ou 0 sentimento de que um guarda-roupa o ter nada”, pensando bem, pode ter um prego que valha a pena pagar. Conclusio: cai bem? A intengdo aqui € apenas compreender, depois de alguma re- flexZo, o que ¢ uma relacdo com a roupa que agora parece bem. mais peculiar a Londres que @ india ou a Trinidad. Londres ganha um sentido espetacular de insipidez diante da abun- Porquea 0 algo superficial 6 dante selecio de alternativas coloridas expostas a menos em algumas lojas, se alguém escolhesse compré-las. © que tudo isso demonstra é a vasta gama de relac6es possiveis entre conceito de eu, a pessoa, € a indumentaria, Nao hé nada de novo nisso. Se torna-se ainda mais irarmos a longo praz claro que néo s6 a indumentéria esté mudando, mas © outro lado da equacio, o eu, est’ mudando também, Este livro re sume meu trabalho ¢ o de meus alunos, contudo, nenhuma desculpa é necessiria para fazermos uma répida incursio visitarmos uma narrativa brilhante dessa trajet6ria historica: ~, de Richard Sennett."* m material proveniente da Franca, S Concentrand nett reflete sobre 0 periodo anterior a Revolucdo Francesa, as vezes chamado de Ancien Régime. Naquela época, presumia-se que as pessoas deviam se vestir de acordo com sua posicio. Supunha-se que, pela indumentiria, era possivel saber quem ‘era 0 outro: acougueiro, ctiado, prostituta ou nobre. Como em muitas partes do mundo, em diferentes tempos, devia haver leis, suntutias; qualquer tentativa de vestir-se acima de sua posicio era ilegal. Permitia-se troga em pilico acerea de uma pessoa vvestida de maneira impropria & sua ocupagdo. Assim, a indumen- ‘aria nfo representava, na época, uma suposta pessoa interior auténtica, Antes, supunha-se que as pessoas vivessem de acordo com as categorias convencionais que suas roupas representavam, Sennet investiga varias mudancas nessa conexo fundamental Uma delas € a ascensio do teatro e da ideia de representar. Re sultado da consciéncia de que as pessoas podem representar um, papel é ideia de que alguém que nio o esteja fazendo é natural © corolario é que talvez as pessoas tivessem de ser naturais quando nao estivessem explicitamente representando. e Trecas, tapas ecoisas Toda a relacéo ent a natureza, 0 eu e a aparéncia foi con- fundida pela Revolucdo Francesa, Isso criou uma profusio de novos ideais sobre a verdade € a pessoa. Ao mesmo tempo, assou a vigorar um culto a nudez como forma de expressar © ideal de que 0 verdadeiro eu nao devia ser escondido por A partir dai, pode-se reconhecer 0 comeco da trajetéria liberal, que artificios — dentre os quais se incluia a indument nfatiz: (© eu como meta da vida. Isso leva, enfim, ao ideal californiano pés-1960, de pasar a vida em busca do eu verda- deiro, natural, auténtico, Assim, a maioria das pessoas hoje, em lugares como Inglaterra ou Estados Unidos, comecou a acreditar que compreender a indumentéria corretamente & parte da procura do que € r vente a pessoa. Roupas nao judam tanto quanto nos revelam, até para nds mesmos: m o verdadeiro cu interior e relativamente constante, De ma tipica, procuramos nas lojas algo que seja orig nao vistoso de , modesto, porém nio enfadonho, porque. Bem, é assim que somos, nao? ‘ssa breve exposi¢ao sobre o trabalho de Sennett fechou © circulo, levando-nos ao ponto de partida, de volta a ideia de um auténtico eu interior e a superficialidade indumenti ese filosdfica cuja suposta universa- lidade foi repudiada pelo exemplo de Trinidad. De maneira auspi sa, ha uma conclusio cumulativa que apoia a introdu: cio deste capitulo. Em trés exemplos muito diferentes, torna- se claro que nfo podemos encarar a vestimenta como uma forma de representacio, um signo semiético ou um simbolo que agora nos parece superficial. Em vez disso, descobrimos algo da pessoa. E essa forma de analise, e nao a indument: muito profundo. © conceito de pessoa, a percepeao do eu ea % experiéncia de ser um individuo so radicalmente diferentes em tempos diferentes ¢ em lugares diversos, e parcialmente em relagio as disparidades de indumentéria, Em cada caso, dlescobrimos que o vestusrio desempenha papel consic! ia particular do cu, na ce atuante na constituicao da experié determinagio do que é 0 eu. Em sio naquele momento particular do tempo. Na India, a expe: nsiderando que se espera 1a descobrir quem idad, as pessoas usam roupa: riéncia de ser mulher € diferente, ‘quea pessoa mude constantemente de aparéncia em funcao de cada circunstancia, Em Madri, a indumentéria ajudow a preser: var o ideal cosmoldgico da cidade como izado. E descobriu-se que, em Londres, ela é uma fonte de ansiedade precisamente pelo aumento da pressio sobre os individuos para exprimira si proprios, combinado 4 dificuldade crescente de a pessoa determinar seu proprio gosto individual. Assim, no obstante nossas expectativas comuns de ed de vida, ¢ 0s supostos efeitos homogeneizantes do capitalismo global, encontramos diferencas regionais surpreendentes em nossa relagio com a indumentiria. Isso, por sua vez, 108 mos: trou que também persiste uma considerivel diversidade em idade nao quem c em o que pensamos que somos. E essa div ‘me parece superficial. Desse modo, mesmo que encontremos ‘as mesmas cadeias de lojas de roupas no varejo. Seul, isso nio significa que a experiéneia de usar tais roupas foi reduzida a uma s6 forma expressiva, Outra conclusio é de qu Jo Paulo a papel da antropologia, comprometida em aprender a partir de estudos comparativos da humanidade, nio foi diminuido pelo capitalismo ¢ a modernidade globais. Sob mais de um. aspecto, a brincadeira est s6 comecando. 64 Teco, trogase Jo também tentou exemplificar o argumento, introduzido no prologo, de que os estudos antropolégicos da cultura material devem lutar em prol de uma visio de extre- jornada, porém, ainda temos um longo caminho a percorrer. A maior parte deste capitulo dedicou-se a imersio. cetnografia, abundante em seus detalhes: a sensualidade do toque, da cor e do fluxo, Um estudo da indu. mentiria nfo deve ser frio; ele precisa evocar o mundo tatil, emocional e i mo dos sentimentos. A primeira tarefa de um antrop6logo € transmitir esses sentimentos de modo empitico: qual a sensacao de vestir um siti, onde ele aperta 0 corpo onde a pessoa sua. Como voce flerta e como vocé se mantém modesta. Como é horrivel ser a dnica pessoa formalmente vestida numa festa. Como podemos fazer compras por horas, € horas ¢ no sermos capazes de comprar nenhuma das mi: Ihares de alternativas oferecidas. Nés imergimos na miniicia da intimidad O capitulo seguinte eleva-se um pouco mais, deslocando-se para climas mais austeros e frios, para os extremos da general co, da abstr € da filosofia, a fim de indagar se é possivel haver uma teoria da cultura material ¢ se podemos chegar a conclusdes gerais sobre a natureza da humanidade e da nossa materialidade essencial. Mesmo que aleancemos esse pico, ndo xeremos ficar presos la. O objetivo nao é se tornar filésofo. O objetivo da antropologia é alcangar toda filosofia pura e puxé- para baixo, de volta ao vale, ao terreno barrento ¢ turvo da particularidade e da diversidade. Grande parte deste capitulo nao se dirigiu 4 indumentaria como cultura material, mas, como indumentéria ~ com questdes sobre uso e textura, que sdo altamente especificas ao vestuario € que iro contrastar Por imentaria nao él superficial 6 com os capitulos seguintes, concentrados em outros géneros de manifestacdo, como moradia ou midia. Masa indumentaria realizou sua tarefa muitissimo bem. Ela nos mostrou como, no mundo hibrido da vida cotidiana, esses reinos yar a aceitabilidade sensuais so os mais efetivos para deter a plausibilidade de regimes de pensamento que chamamos de racionalidade ou mesmo de ontologia. Com a ajuda do reino do vestuatio, podemos ver como, para a maioria das pessoas, sistemas de pensamento sobre o mundo também devem a sensagia certa,

Você também pode gostar