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Cala Bar
Cala Bar
ABSTRACT: The 60’s and 70’s was, for the brazilian artistic category, a period marked by
turbulent conflicts in name of expression’s liberty and against the intolerant power of militar’s
despotism, established in the nation in 1964. Artists and intellectuals was forced by the
military’s stroke and its successive happening, rethought their positions, limiting the action’s
ground in name of their activitie’s survival.
The play Calabar – the traition’s elogy (Chico Buarque and Ruy Guerra) object of our
research, is only one, among several productions “gelded” by censure. The twenty years of
despotism in Brazil’s history wasn’t only a period of insegurance, but it was a fight by
democracy too.
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Graduanda em História pela Universidade Federal de Uberlândia e integrante do NEHAC (Núcleo de Estudos
em História Social da Arte e da Cultura). Endereço: Rua Melo Viana, 514; Bairro Martins Uberlândia – MG
Cep: 38400-376. E-mail: nehac@ufu.br
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Professor Doutor do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia. Endereço: Rua Antúrios, 11
Bairro Cidade Jardim Uberlândia-MG Cep: 38400-000. E-mail: rpatriota@triang.com.br
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artísticas no Brasil, especialmente sobre o 1943, foi considerada marco desse “novo”
momento em que foi efetuado o golpe. positiva junto ao público, o novo estilo
sentido. Segundo ele, até a década de 30, divulgar diariamente o que era levado aos
sociedade, tinha como objetivo primeiro tinha por objetivo desenvolver um estilo
descontrair o público, restrito ainda a uma de dramaturgia que fosse voltado a uma
local. Assim permaneceria até 1943, Porém, a partir da década de 50, não foi
da sociedade, e, desde então, o palco futuro teatro do CPC. Este era o cenário
São Paulo em 1953, tinha como uma de econômico, político e social, que se aflorou
No início dos anos 60, diante do prejudicada ainda mais pela instabilidade
sociais vivenciadas, um estilo de teatro mesmo tempo, tanto das forças internas
Rio de Janeiro, o CPC - Centro Popular de militares era preciso conter a onda de crise
Cultura da UNE utilizava o teatro como que tomou conta do Brasil. Em nome da
preço, posta em prática pós golpe militar, desta forma, tornaram-se alvos constantes
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riscos e/ou mudanças profundas, tanto no
É extensa a bibliografia que trata das condições
sócio-econômicas e políticas do Brasil nas décadas
que antecederam ao golpe de 1964. Os autores
aspecto profissional quanto no convívio
analisam as contradições advindas da era Vargas e
que se acirraram nos governos de Juscelino familiar.
Kubitschek e J. Goulart. As medidas adotadas no
Plano de Metas resultaram num aumento
considerável da dívida externa. Dentre estes
autores, podemos citar HABERT (1994) e
TOLEDO (1997).
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revista Caros Amigos: “entre 64 e 68 já propostas cênicas variadas não havia ainda
vivíamos sob a ditadura militar, mas a uma clara tomada de posição, tanto em
Ao que acrescenta: “... até então havia representaria a busca de novas tendências
espaço para se produzir arte, e este estéticas, de uma linguagem cênica que
diante do que lhe era apresentado. Essas uma proposta estética e cultural que abriria
características foram introduzidas, dentre uma nova etapa do teatro brasileiro. Por
outros, por José Celso Martinez Correa, meio de tal peça, o autor propunha montar
vários trabalhos foram escritos e/ou que era necessário desenvolver estilos que
Flávio Rangel e, Terror e Miséria no III Chico Buarque, levou adiante a proposta
Reich, dirigido por Grisolli. Estes desse “teatro agressivo”. Com Galileu
escritos e encenados durante todo o ano de acirrado com o regime, e ainda, o período
do Estado Maior das Forças Armadas divisões que impediram uma real
falta de clareza, a falta de consciência e de artistas frente ao regime militar foram alvo
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confronto direto, mediante o uso de armas, entre seus principais integrantes. Como
como críticos da imprensa, que, mesmo 1971, após a prisão de Augusto Boal e sua
colocando em risco as posições que partida para o exílio, foi anunciado o fim
em 1974 e, após a prisão de seu líder José também escrita por Chico Buarque mas,
dirigido por Fernando Peixoto, conseguiu, Marcada a data para a estréia e convocada
aquele ano foi marcado também pela pela liberação representaram um acúmulo
proibição, dentre outros de, A Heróica de dívidas que resultaram num grande
Peru, escrito por Chico Buarque para o haviam exigido uma intensa dedicação na
espetáculo. Após inúmeros testes foi reflexões acerca de conceitos como traição,
conhecidos, como Tetê Medina, Betty discursos militares pós 1964 e que foram
Faria, Hélio Ari, Antônio Ganzarolli e cristalizados pela história oficial, conforme
Palma, Maurício Mendonça e Tenório Jr. tratado pela historiografia tradicional como
Fernando Peixoto à frente da direção tinha traidor da pátria por ter desertado em favor
do século XVII, quando Holanda e para sua gente e para sua terra. Decidiu
Portugal lutavam entre si pela colonização então, passar para o outro lado, acreditando
do Brasil, para refletirem sobre o presente que os holandeses pudessem trazer ao país
dos anos 70. Propunham uma reavaliação um governo mais humano e menos
seus diversos aspectos, e também, Sua atitude representou uma grande perda
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e também um grande risco às ambições Guerreiro como ele não sei mais se
um ato de traição. Calabar foi delatado por Onde punha o olho punha a bala.
um, até então, amigo seu, Sebastião do Onde o mangue atola, o pé firmava.
quanto dependiam da sabedoria e esperteza Por que é que ele foi para lá?
a traição, mas prometia perdoá-lo se Pra que falar dos seus dois metros de alto,
O discurso abaixo deixa claro o seu Capitão aqui, major passou no salto.
“Por que é que ele foi para lá? E nem sei se cobrou o que era de cobrar.
Era um mulato bonito, pêlo ruivo, sarará. Eu lhe ofereci perdão em engenhos e
patente
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Sobre as guerras entre Portugal e Holanda pela Se quisesse voltar.
colonização do nordeste brasileiro consultar:
BARLEU, 1974 e MOREAU & BARO, 1979.
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Como um bicho esquisito destas terras aconteceu a seu marido. Ela tenta, a todo
Que pensa dum jeito impossível de pensar. custo entender o que seria trair para aquela
Por que é que ele foi para lá? gente, pois percebe que todos os que estão
fundamentais no desenrolar da trama, além Calabar foi julgado e condenado. Por isso
de Mathias, que é comandante das quatro desabafa durante uma conversa com Souto:
Paraíba e Rio Grande. O negro Henrique que é trair. Você não passa de um delator.
na luta empreendida pela resistência Põe os pés no chão. As mãos no chão, põe,
eram, respectivamente, mulher e amante de você sente? Calabar sabia o gosto da terra
para a trama é a contraditória personagem mesmo sabor. Quanto a você, você está
Frei Manoel do Salvador, que serve ora a engolindo o estrume do rei de passagem.
um, ora a outro colonizador, e que mantém Se você tivesse a dignidade de vomitar, aí
acesa a discussão acerca do jogo de sim, talvez eu lhe beijasse a boca. Calabar
interesses e da traição imputada apenas a vomitou o que lhe enfiaram pela goela. Foi
Calabar. A existência de tal personagem essa a sua traição. A terra e não as sobras
daqueles que travavam uma luta cotidiana Calabar demonstram uma preocupação
pela história oficial. Segundo ele, a da dívida externa . Tal situação relegava as
para o tipo de análise proposta na peça. plano, e a política favorecia ainda mais os
Avalia que não seria possível determinar interesses externos e das elites locais.
noção clara do que era patriotismo tal vezes explícita) nos diálogos das
“se o mulato foi considerado como tona toda uma trajetória de interesses
peça: a questão da traição e uma crítica deixar meu país à sua sorte, o que não é
lucidez de quem vive o presente: com a contestar as ordens que me chegam não
sentido, “é uma reflexão aberta, irônica e em que nasci acima dos interesses do rei!”
tema da traição. Calabar foi denunciado outros? Por que não foram condenados?
Albuquerque admite ter tido dúvidas usada em diversas situações, servia como
quanto a quem deveria obedecer, e também arma para “provocar a dúvida” e como
se deveria condenar Calabar quando diz: escudo para criticar a ação “terrorista” do
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liberação para encenação da peça só seria algumas cenas não puderam ser
Além da peça ter sido vetada pelos como exigia o texto. A sensação de ter tido
Calabar, que já estavam liberados para enorme vazio. Um vazio pela não
venda, foram recolhidos para mudança no comunicação com o público, porque não
palco um projeto audacioso como aquele maior envolvimento dos atores e da equipe
técnicos e também na resolução das cenas, pela classe artística com o projeto Calabar,
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1975, com o sucesso de Gota D’água e era “privilégio” apenas no meio artístico.
havia sido suspenso em 1968, quando época. Algumas peças enfrentaram tantos
sido a grande vencedora. Mas tanto Rasga impossível realizar a sua montagem e até
Castro, acabaram proibidas pela censura. positiva junto ao público, podia ser
Carro, dirigido por João das Neves, considerou que, “1968 foi o ano mais
teatro Opinião. No ano seguinte assistiu-se brasileiro, pois a censura assumiu o papel
modo geral, e apenas em 1978 os bons desencadeando uma guerra aberta contra
e se tornaria, após sete anos, o grande submissão e silêncio impostos aos artistas,
seus líderes como Cacilda Becker, Glauce Buarque, que ela encara como “poesia de
Suassuna, Dias Gomes, Jorge de Andrade, político do Autor até meados da década de
dentre outros. Segundo ele “o milagre 70. Porém, a partir de Apesar de Você
cênico impedido de se realizar no seu (1970), Deus lhe Pague (1971), Quando o
simplesmente adiado: é condenado à com Gilberto Gil, Cálice (1973), nota uma
artísticas e das esquerdas no Brasil pós 64, censura. Chico se transformaria (até 1978)
MENEZES, que tomou como fio condutor censura, e confessou que houve épocas em
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que sua criatividade esteve mais voltada discursos ao longo do texto. Um diálogo
para driblá-la. Um dos recursos foi a entre Souto e Bárbara instiga esse tipo de
Adelaide, que ele não conseguiu manter “... queria que as coisas fossem
mostra, e Chico tornaria-se um dos grandes problema das omissões do intelectual, dos
Assim, quando ele se volta, nas suas peças dilemas de sua atuação e do silêncio
para o passado, terá como objetivo imposto.” (Ibidem, 179) E, ainda, que a
entender melhor o presente. Calabar luta armada na qual Calabar foi atuante
passar para o lado dos holandeses a Esse tipo de dúvida Calabar não
Calabar, mas também Mathias de demonstra também não ter quando canta:
artistas. Além disso, apontou a carência no país fazia parte de uma longa trajetória
dos espetáculos, que não mais traduziam a iniciada no século XIX e difundida em
realidade do país, agora sob a “abertura meados da década de 30, com o governo
estilos e linguagens dramáticas esteve à frente do poder, ele fez dos meios
público, pois este não suportava mais arma poderosa para mobilizar a população
políticos e aos traumas vividos pela nação governo. Ao mesmo tempo, o rádio era um
sob o contexto da ditadura. (MICHALSKI, dos meios através dos quais mantinha
financiado pela ditadura militar. Arma que contribuiria para que os planos dos
sobre a qual nos deteremos adiante, cinema, grande número de pessoas voltou-
Ortiz revelou, em uma de suas abre espaço para a criação que em outros
artes, e outro, de0 caráter comercial. O alto cultural pós 64, como também a atuação do
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em grande parte, de acordo com José criatividade. Argumenta que tal processo
questões, pois, quando a peça foi liberada clareza de que, os problemas enfrentados
na década de 80 as perspectivas de debate pela classe artística hoje, são outros, como
Peixoto são instigantes à medida que nos emprestadas as palavras de Augusto Boal
fazem refletir sobre a representavidade do de que, qualquer atitude, seja ela individual
Portanto, concordar que hoje é real dar um grande passo rumo aos objetivos