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Prefacio da 14 edig¢ao Cada literatura requer tratamento peculiar, em vitude dos seds problemas espect- | ficos ou da relagio que mantém com outras. A brasileira € réente, gerou no seio da } ‘Portuguesa e dependeu da influéncia de mais duas ou trés para se constituir. A sua | dada como as demais, : ‘mormente numa perspectiva histrica, como € 0 caso deste livro, que procura definir formagao tem, assim, caracteres proprios e nao pode ser est a0 mesmo tempo 0 valor e a fungao das obras. A dificuldade esta em equilibrar os dois aspectos, sem valorizar indevidamente au- tores desprovidos de eficacia estética, nem menosprezar os que desempenharam papel apreciavel, mesmo quando esteticamente secundarios. Outra dificuldade & conseguir + a medida exata para fazer sentir até que ponto a nossa literatura, nos momentos estu- isle dados, constitui um ¢iniverso)capaz de justificar o interesse do leitor, — nao devendo | 4 8 © critico subestimé-la nem superestimé-la. No primeiro caso, apagaria 0 efeito cid deseja ter, que ¢ justamente despertar leitores para os textos analisados; no segundo, daria a impressio errada que ela é, no todo ou em parte, capaz de suprir as necessida~ des de um leitor culto. Haliteraturas}de que um homem nao precisa sair para receber cultura e enriquecer asensibilidade; outras, que s6 podem ocupar uma parte da sua vida de leitor, sob pena) Rae de Ihe restringirem irremediavelmente o horizonte. Assim, podemos imaginar um. francés, um italiano, um inglés conhegam os autores da sua terrae, nao obstante, encontrem neles o suficiente para 5 tum alemao, mesmo um russo e um espanhol, que s6 , elaborar a visio das coisas, experimentando as mais altas emogdes literdrias. Se isto jd ¢ impensivel no caso de um portugues, o que se dir de um brasileito? A nossa literatura é galho secundario da portuguesa, por sua vez arbusto de segunda or- dem no jardim das Musas... Os que se nutrem apenas delas sao reconheciveis a primei- ra vista, mesmo quando eruditos e inteligentes, pelo gosto provinciano e falta do senso de proporgdes. Estamos fadados, pois, a depender da experiéncia de outras letras, o que pode levar ao desinteresse e até menoscabo das nossas. Este livro procura apresenté-las, nas fases formativas, de modo a combater semelhante erro, que importa em limitagao essencial da experiéncia literdria, Por isso, embora fiel ao espirito critico, & cheio de carinho e apreco por elas, procurando despertar o desejo. de penetrar nas obras como em algo vivo, indispensével para formar a nossa sensibilidade e visio do mundo, Comparada as grandes, a nossa literatura ¢ pobre e fraca. Mas é ela, ndo outra, que | © 2 nos exprime. Se nao for amada, nao revelaré a sua mensagem; ¢ se ndo a amarmos, |". /) Prefacio da U’edigao 2 ninguém o fard por nds. Se nao lermos as obras que a compoem, ninguém as tomara do esquecimento, descaso ou incompreensio. Ninguém, além de nds, poder dar vida a essas tentativas muitas vezes débeis, outras Vezes fortes, sempre tocantes, em que 0s homens do passado, no fundo de uma terra inculta, em meio a uma aclimagao penosa da cultura européia, procuravam estilizar para n6s, seus descendentes, os sen- timentos que experimentavam, as Observagoes que faziam, ~ dos quais se formaram 08 nossos, A certa altura de Guerra e paz, Tolst6i fala nos “ombros e bracos de Helena, sobre os " quais se estendia por assim dizer o polimento que haviam deixado milhares de olhos fascinados por sua beleza”, A leitura produz efeito parecido em relagao as obras que anima. Lidas com discernimento, revivem na nossa experiéncia, dando em compen- | sacdo a inteligéncia e 0 sentimento das aventuras do espirito. Neste caso, 0 espirito do \| Ocidente, procurando uma nova morada nesta parte do mundo. 2 Este livro foi preparado ¢ rédigido entre 1945 e 1951. Uma vez pronto, ou quase, ¢ submetido a leitura dos meus amigos Décio de Almeida Prado, Sérgio Buarque de Holanda e, parcialmente, outros, foi, apesar de bem recebido por eles, posto de lado alguns anos ¢ retomado em 1955, para uma revisdo terminada em 1956, quanto ao primeiro volume, e 1957, quanto ao segundo, A base do trabalho foram essencialmente os textos, a que se juntou apenas 0 neces- sai de obras informativas e criticas, pois o intuito nao foi a erudigao, mas a inter- pretagao, visando ao juizo cri habilitado a isto, desinteressei-me de qualquer leitura ou pesquisa ulterior. leitor encontrar as referéncias nas notas ou na bibliografia, distribuida segun- do 0s capitulos, ao fim de cada volume. Mencionaram-se as obras utilizadas que se recomend: m, excluindo-se deliberadamente as que, embora compulsadas, de nada 0, fundado sobretudo no gosto. Sempre que me achei serviram ou estdo superadas por aquelas, Nas citagdes, a obra ¢ indicada pelo titulo e o nimero da pagina, ficando para a bibliografia os dados completos. Sempre que possfvel, isto é no caso de citagdes su- cessivas da mesma obra, a parénteses, ou reunidas numa tnica nota, para facilitar a leitura. Como é freqdiente indicagoes da pagina sao dadas no proprio texto, entre em trabalhos desta natureza, ndo se da especificagao bibliografica dos textos sobre os uais versa a interpretacao; Castro Alves, “livro tal, pagina tal”, sim nao se encontrar em nota, depois de um verso de | Ascitagoes de autor estrangeiro sao apresentadas ditetamente em portugués, quan- \ | do se trata de prosa. No caso mais delicado dos versos, adotou-se o critério seguinte: deixar no original, sem traduzir, os castelhanos, italianos ¢ franceses, accessiveis a0 leitor médio; nos latinos ¢ ingleses dar o original e, em nota, a traducao; dos outros, “apenas a traducao. . [ at ~ Como os dados biograficos séo utilizados acidentalmente, na medida em que st reputam necessarios a interpretacdo, juntei, as indicagdes bibliogréficas, um répido tragado da vida dos autores. Nisto ¢ no mais deve haver muitos erros, cuja indicagao aceitarei reconhecido. Nao tenho ilusdes excessivas quanto & originalidade em livro de matéria tao ampla € diversa. Quando nos colocamos ante um texto sentimos, em boa parte, como os antecessores imediatos, que nos formaram, ¢ os contemporineos, a que nos liga a.co- munidade da cultura; por isso acabamos chegando a conclusdes parecidas, ressalvada a personalidade por um pequeno timbre na maneira de apresenté-las. O que é nosso mingua ante a contribuigao para o lugar-comum. Dizia 0 velho Fernandes Pinheiro, nas Postilas de retorica e poética, que “os homens tém quase as mesmas idéias acerca dos objetos que estdo ao alcance de todos, sobre que versam habitualmente os discur- sos e escritos, constituindo a diferenga na expressao, ow estilo, que apropria as coisas mais comuns, fortifica as mais fracas e dé grandeza as mais simples. Nem se pense que haja sempre novidades para exprimir; € uma ilusio dos parvos ou ignorantes acredi- tarem que posstiem tesouros de originalidade, e que aquilo que pensam, ou dizem, nunca foi antes pensado, ou dito por ninguém”, 3 ‘Abem dizer, um trabalho como este nao tem inicio, pois representa uma vida de in- teresse pelo assunto, Sempre que tive consciéncia, reconheci as fontes que me inspira- ram, as informagoes, idéias, diretrizes de que me beneficiei. Desejo, aqui, mencionar tum tipo especial de divida em relagao a duas obras bastante superadas que, parado- xalmente, pouco ou quase nada utilizei, mas devem estar na base de muitos pontos de vista, lidas que foram repetidamente na infancia e adolescéncia. Primeiro, a Historia da literatura brasileira, de Silvio Romero, cuja lombada vermelha, na edi¢ao Garnier de 1902, foi Bem cedo uma das minhas fascinagGes na estante de meu pai, tendo sido dos livros que mais consultei entre os dez ¢ quinze anos, a busca de excertos, dados biogréficos e os saborosos julgamentos do autor, Nele esto, provavelmente, as raizes do meu interesse pelas nossas letras. Li também muito a Pequena historia, de Ronald de Carvalho, pelos tempos do gindsio, reproduzindo-a abundantemente em provas € exames, de tal modo estava impregnado das suas paginas. $6 mais tarde, jé sem paixao de nedfito, lia Histéria, de José Verissimo, provavel- mente a melhor e, ainda hoje, mais viva de quantas se escreveram; a influéncia deste critico, naqueles primeiros tempos em que se formam as impress6es bisicas, recebi-a através das varias séries dos Estudos de literatura. Prefacio da tedicao 8 j deu a tarefa em 1945. O projeto encarava uma historia da(literatura brasil O preparo deste livro, feito por etapas, de permeio a trabalhos doutra especialidade, no decorrer de muitos anos, obedeceu a um plano desde logo fixado, por fidelidade 40 qual respeitei, na revisio, certas orientagdes que, atualmente, nio teria escolhi- do. Haja vista a exclusao do.teatro, que me pareceu recomendavel para coeréncia do plano, mas importa, em verdade, num empobrecimento, como verifiquel ao cabo da tarefa. O estudo das pegas de Magalhaes e Martins Pena, Teixeira e Sousa e Norber- to, Porto-Alegre e Alencar, Gongalves Dias e Agrario de Menezes teria, ao contrario, reforgado os meus pontos de vista sobre a disp: © carater sincrético, ndo raro ambivalente, do Romantismo. Talvez o argumento da 10 construtiva dos escritores, ¢ coeréncia tenha sido uma racionalizagao para justificar, aos meus préprios olhos, a timidez em face dum tipo de cri “a —a teatral — que nunca pratiquei e se torna, cada dia mais, especialidade amparada em conhecimentos priticos que no possuo, Ou- tra falha me parece, agora, a exclusio do Machado de Assis romantico no estudo da ficgdo, que nao quis empreender, como se vera, para nao seccionar uma obra cuja unidade ¢ cada vez mais patente aos estudiosos, Caso o livro aleanc pensarei em sanar estas e outras lacunas. No capitulo dos agradecimentos, de' -gunda edigio iniciar por José de Barros Martins, que me 'adas origens aos nossos dias, em dois volumes breves, entre a divulgacao séria e 0 com- péndio. Escusado dizer que, além de modific: de natureza diversa, rompi todos os prazos possiveis e impossiveis, atrasando nada Jo essencialmente, para realizar obra menos de dez anos... Mas o admiravel editor e amigo se portou com uma tolerancia ¢ compreensao que fazem jus a0 mais profundo reconhecimento, Por auxilios de viria espécie, como empréstimo e oferecimento de livros, obtengio de microfilmes e reprodugoes, esclarecimentos de termos, agradego a Liicia Miguel Pereira, Ramos de Carvalho, Odilon Nogueira de Matos, Olyntho de Moura, Sérgio Buarque de Holanda. A Zilah de Arruda Novaes, um agradecimento muito especial for haver datilografado a primeira redagao em 1950 e 1951, los Drumond, Edgard Carone, Egon Schaden, Jodo Cruz Costa, Laerte Agradeco aos funcionarios das seguintes instituigdes: Biblioteca Central da Facul- dade de Filosofia, Ciéncias ¢ Letras da Universidade de Sao Paulo, notadamente ao seu chefe, Prof. Aquiles Raspantini; Segao de Livros Raros da Biblioteca Municipal de Sao Paulo; Secao de Livros Raros da Bil do Instituto Historico e Geografico Brasileiro; Secao de Manuscritos do Arquivo Pa- blico Mineiro; Servico de Documentagao da Universidade de Sio Paulo; Servigo de Microfilme da Biblioteca Municipal de Sio Paulo; Servigo de Microfilme da Biblio- teca Nacional. Agradeco ainda aos encarregados das secdes comuns destas e outras instituigdes, como a Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Sao Paulo; Biblioteca do Instituto de Administragao da Faculdade’ de Ciencias Econémicas, da teca Nacional; Seco de Manuscritos mesma Universidade; Biblioteca do Instituto de Educagao de Sio Paulo; Gabinete Portugués de Leitura do Rio de Janeiro; Biblioteca da Secretaria do Interior do Esta- do de Minas Gerais; Biblioteca Municipal de Belo Horizonte; Biblioteca Publica de Hloriandpolis. Antonio Candido de Mello e Souza | Sao Paulo, agosto de 1957 5 PS. | Agradego finalmente 0 auxilio prestado na correcio das provas pelas minhas colegas Carla de Queiroz, Maria Cecilia Queiroz de Moraes ¢ Silvia Barbosa Ferraz. Preficio da Medigao

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