Você está na página 1de 26
SEGUNDA JORNADA FALAR SEM PALAVRAS Iniciaremos a segunda jornada fazendo um estudo mais aprofun- dado do grammelot, 4 que isso permitira enfocar a histéria da Commedia dell'Arte a partir de um ponto de vista particular, qual seja, 0 da lingua- gem e de seu uso na pratica Grammelot & uma palayra de origem francesa, inventada pelos comicos dell’arte ¢ italianizada pelos venezianos, que pronunciavam gramlotto. Apesar de nao possuir um significado intrinseco, sua mistura de sons consegue sugerir o sentido do discurso. Trata-se, portanto, de um jogo onomatopéico, articulado com arbitrariedade, mas capaz de transmitir, com o acréscimo de gestos, ritmos © sonoridades particula- res, um discurso completo Dessa maneira, é possivel improvisar ~ ou melhor, articular ~ intimeros tipos de grammelots, reterentes a diversas estruturas vernacu- lares. Sem diivida, as criangas e suas incriveis fantasias so as responsé- veis pela execugao da primeira forma de grammelot, quando fingem, por om um farfalhar espalhafatoso, en- sistir ao didlogo de um menino imbos nao hesitavam nem exemplo, realizar didlogos fluentes ¢ tendendo-se perfeitamente entre si. Ao as: napolitano com um menino inglés, notei que a por um instante. Eles no usavam a lingua materna de cada um Para se comunicar, mas uma outra inventada, comum a ambos, 0 srammelot, Enquanto o napolitano fingia falar inglés, o outro fingia falar um italia. no de sotaque meridional. Entendiam-se as mil maravilhas. Por meio de gestos, cadéncias e mimicas das mais diversas, 0s meninos construiram 0 seu cédigo particular. Pessoalmente, consigo expressar-me em todos os grammelots: inglés, francés, alemao, espanhol, napolitano, veneziano, romano, todos mesmo! Para conseguir semelhante faganha, naturalmente é preciso es- tudar, ter um minimo de dedicagdo e, principalmente, praticar muito, Em breve, irei sugerir alguns estratagemas técnicos. Para a execugdo do grammelot, porém, & quase impossivel ditar Tegras e muito menos sistematiza-las. Precisamos trabalhar coma intui- Gao, fundamentados em um saber praticamente subterraneo, sendo Inviiveis 0 estabelecimento de um método definitivo e | a transmissao do conhecimento em detalhes, Entretanto, a pi artir do exercicio da observa- G40, podemos alcangar a compreensao, Eis 0 primeit © primeiro exemplo. Vamos considerar uma fibula de Esopo, Provavelmente conhecida Por muitos de yocés: ; a fabule cory fae ula do corvo e da Bula. Primeita cena: descrevendo ampl ceu. Segunda cena: de um rebanho de los volteios, uma Aguia voa no Fa ets Pentinamente, a guia percebe no solo, no meio ovelha C A fae ovelhas, um cordeiro claudicante localizado um parte. Terceira cena: apos descrey, aa igula mergulha de cabega em pronunci como i é um raio, até apanhar com suas gi levando-o consi i ce © consigo. Quarta cena: um can; Pesras, 20 mesmo tempo que um ca er um novo e amplo yolteio, ado angulo de descida, veloz atras o indefeso cordeirinho, nponés acorre gritando, jogan- 4 fazer, a guia jd esta lo io ladra, mas nao ha mais nada F st longe, ne arvore, ge. Quinta cena: pousado no galho de uma ae um corvo grasna excitado i880? Como 6 4 3 € faci F carambal Se a Agu 'Upegar um cordeirinho. & $6 se jogar sobre ele ss 4 ia pos oh x nA0 tenho? Céus! Minh, 10880? O que ela tem que eu las Penas também 3, meni lambém sao ne, é te fortes @ afiadas, asas quase ta ie ee. fo lar; Eh! eh! eh! Por que eu nunca pen- de, Por que eu nao pe Sei faz : t ; AZEF Volteios & me; i 84S quanto as suas, também ~ Sexta cena: dito e feito. ‘0 corvo des- quando estg ta prestes a mergulhar abruptamente sobre um cordeiro desgarrado do rebanho ~ como viu a 4guia fazer — ele percebe que, a certa distancia, estado pastando algumas ovelhas bem corpulentas. “Aguia esttipida! Com tantas ovelhas gorduchas dando sopa, contentou-se em agarrar um cordeirinho raquitico. Ave trouxa! Eu vou é me langar sobre a mais rechonchuda das ovelhas. Garanto assim, em uma s6 viagem, todas as refeiges da semana”, Em seguida, © corvo mergulha em grande velocidade, agarrando o pélo da ovelha com toda a forga... e, entao, percebe que ndo sera nada facil arrasta-la. Nesse momento, surgem 0 camponés gritando e o cao ladrando, Assus- tado, 0 corvo bate as asas, mas nado consegue tirar a ovelha do chao de nenhuma maneira. Por fim, tenta livrar-se dela, puxando e soltando, mas nao consegue, pois suas garras ficaram firmemente presas ao pélo da ovelha. Tarde demais: a hora do corvo chegou! Enquanto 0 campo- nés o golpeia com pauladas terriveis, 0 cachorro pula sobre ele e 0 morde, acabando por degola-lo. Moral da historia: nao basta ter penas negras, nem ostentar um bico belo e pontudo e muito menos possuir asas largas © possantes. Para capturar ovelhas ¢ necessdrio ser 4guia. Outra moral é a seguinte: o dificil nao é agarrar uma presa, mas con- seguir escapar com ela sem ser apanhado. Portanto, enquanto nao ti- yermos uma potente turbina a jato amarrada no traseiro, devemos dei- xar a ovelha gorducha de lado, contentando-nos com o cordeiro raqui- tico. Nao existe essa variante moral em Esopo Agora veremos como narrar em grammelot a paribola em ques- tao. Aqui posso explicar o uso de um método. Para se contar uma histo- ria em grammelot € necessario possuir uma bagagem dos estereotipos sonoros e tonais mais evidentes de um idioma, além de uma clara cons- ciéneia de seus ritmos e cadéncias. Considerando uma koiné pseudo- siciliana-calabresa, construiremos um grammelot a partir dessa seqiién- Jo os pontos fixos ou eixos que devemos cia de sonoridades. Quais levar em consideragao para sua concretizagao? Em primeiro lugar, pre- © que ja fiz. A cisamos informar o tema a ser desenvolvido ao publics capazes de delinear, por ia e do corvo. Obvia- Jidade, mas ape- partir dai, vamos acrescentar elementos chave: meio de gestos e sons, 0 cardter especifico da agui mente, os didlogos nao devem ser expostos em sua total nas sugeridos, de modo a serem adivinhados. A compreensdo da narra- 99 tiva é tanto maior quanto mais simples e claros forem os gestos, que acompanham 0 grammelot. Recapitulando: sons onomatopéicos, gestualidade limpa e eyi- dente, timbres, ritmos, coordenagao e, principalmente, uma grande sin- tese, Inicia a demonstrag2o com gestos diminutos e num tom de conversagao familiar. 0 ritmo ¢ a ineisividade vio crescendo progre: ivamente. As instrugdes diascilicas s30 comentadas com esbanjamento de floreios. Amplia a gestualidade, Passa rapidamente de um enquadramento para outro. Acelera a progressio dra- mitica, elevando o tom de voz e intensificando as cadéncias. As vezes, em meio a essa torrente de palavras, tive a preocupagao de inserir alguns vocabulos de facil compreensao para o entendimento ogico do ouvinte. Quais foram as palavras que pronunciei com clareza, mesmo apresentando-as com alguma deformagio? Aguia, pastor, corvo €, particularmente, os termos picura e picuriddu para ovelha.* Além disso, com 0 auxilio de gestos, destaquei verbos — nao escolhidos por caso ~ como voar, gritar, latir, correr, pronunciando-os de modo defor- ae em uma reprodugao do dialeto meridional. Realmente, o instante critico nessa longa farfalhada é dado pela conexao estabelecida com a palavra certa e especifica. “A aguia voa em circulos no céu”, “o cachor- to late & ”, Si i 9 Fosna”, sao imagens a serem transmitidas de forma precisa e limpa. Esse é 0 elemento da ex Posi¢ao obrigatério no jogo onomatopéico do grammelor, ae x ee francés, por exemplo, ser obrigatoria auilhdo se ptesian a meee Preestabelecidas, de passagens claras neat ais de uma interpretaciio ¢ de ‘imentos. Em breve, darei u Monstragio do Scapino, uma sintese exata im exemplo a partir de uma de- tar o desenho do esforgo da ave quando ela bate as asas desesperada- mente, Isso s6 se torna mais evidente se 0 meu corpo for visivel por inteiro, em silhueta, em vez de estar de frente para 0 piblico. As posigdes de maior efeito devem ser repetidas em imagens inalteradas, geradas pelos diferentes casos que compdem as variantes do tema, Para me explicar melhor, lembro-lhes o primeiro yo, aquele reali- zado pela aguia: coloquei-me de perfil, inclinei-me para frente, agitei os bragos, rodopiei sugerindo uma guinada. O segundo y6o, realizado pelo corvo, repeti-o exatamente da mesma maneira, acentuando, porém, o ar pesado. Desse modo, enquanto no primeiro caso o espectador pereeberé a facilidade com que a 4guia mergulha num véo rasante e afasta-se carre- gando a ovelha, no segundo caso ele se envolyeré com o embarago do qual 0 corvo que, pesado e desajeitado, nfio consegue se livrar. Em ambos os casos, houve uma repetigao dos elementos da agao para atingir um resul- tado satisfatorio, chegando a ponto de quase sobrepor-se. A sintese ex- pressa por meio de esteredtipos com variagées nitidas constitui uma técni- ca ja utilizada nas pinturas em Anforas gregas e etruscas, assim como nos afrescos de Giotto que retratam a vida de Sao Francisco ou de Cristo em uma seqiiéneia de imagens, considerados por alguns como as mais belas hist6rias em quadrinhos da historia da arte. Alids, a seqiiéncia que realizei poderia ser facilmente conyertida em quadrinhos. Em referéncia ao assunto em pauta, uma observagao pode ser de grande utilidade. Muitas pessoas, ao assistirem a apresentagio de uma obra realizada em um idioma desconhecido, maravilham-se com o fato de que o discurso algumas vezes torna-se bastante compreensivel e até mesmo absolutamente claro em certos momentos. Obviamente, os ges- tos, os ritmos, os tons e principalmente a simplicidade contribuem para que 0 idioma desconhecido nao se torne um obstaculo intransponivel ao entendimento. Mas isso é insuficiente para explicar o fendmeno. Pode- se notar a existéncia de algo subterraneo, magico, compelindo nosso cérebro a intuir tudo aquilo que nao é expresso clara completamente. Ao longo do tempo, percebemos a aquisigao de uma quantidade infinita de nogdes de linguagem e comunicagdo. As centenas de historias possi- veis de se imaginar a partir das fabulas da inffncia, dos desenhos anima- dos, do cinema, das comédias de teatro, da televisao, dos quadrinhos, Jol certamente contribuem na preparagao da mente para a leitura de uma nova historia, mesmo se contada sem palavras inteligiveis. FAZER RIR SEM SABER Charles Chaplin, com o seu personagem Carlitos. um exemplo dos mais elogiientes de como um artista consegue estimular a memoria das pessoas, desde as mais ordenadas até aquelas em total desordem no cérebro, Como grande homem de espeticulo extraordinario fabulador, Charles Chaplin soube usar os esteredtipos e as convengdes de modo, eficaz e com ritmo perfeito, Em parte, o mesmo raciocinio é valido para 0 caso de Toto. Entretanto, existem diversos atores cOmicos que nao tém idéia de como pope euent alcangar certos efeitos a partir de seu particular jogo de eomuibidade; efeitos muitas vezes determinantes de seu sucesso. Con- versei com varios deles e percebi que nunca tinham se perguntado por ue uma gag era mais bem assimilada quando se eolocavam de perfil eo ae ou quando aceleravam ou inter- rh sind se Pee analisar a ae poe ‘inci Wy ¢ o ritmo da execugdo correta los efeitos alcangados. Instintivamen- te, ao se deparare: ituagdo cé Pararem com uma situagao cémica semelhante, repetiam-na com variagde: goes. Chamamos esses atores de “animais de palco”, definigao usada por nds, gent + gente de teatro, quando nos referimos ao artista capaz de Tesolver uma situagao cémi hua nunca se Bat comica com o talento do instinto e do habito, sem Fr “como atingi esse resultado?”. Porém, atengao: es- Ses atores tém vi Ao i ae, ee ide Boe Sao Incapazes de se renovar. Invaria- on contra-los nocauteados, pasmos diante d: oe ou de moda por parte do ptiblico. Ac ‘08 em teatro, seja no Papel de intérpretes, diretores. autores, que ae ave aprendam a analisar com obstinago e fantasia as la primei- onselho a seja no de que na atividade teatral 0 termo “sarrafo” designa as tiras de madeira utilizadas para sustentar teldes, tapadeiras, painéis e refletores, ou seja, utensilios de multiplos usos. Desse modo, esse tipo de ator é aquele que se coloca a servigo do diretor sem acrescentar nada de si além do sim- ples oficio e de um profissionalismo mendicante. Obedece ordens: “V4 até la, de 1d para c4, depois venha até aqui, vire-se ¢ diga sua fala: ‘Oh! vind o tempo em que os homens determinario sua propria existéncia, seu proprio destin *. Depois apdie-se naquela coluna e enfie uma mao no bolso”. Eu pergunto: por que nao um dedo no nariz ou em outro lugar? © habito de atuar sem procurar as razdes pode eventualmente atingir, sem nenhum exagero, cumes proximos da mais completa estupi- dez. Contarei a seguir uma historia um tanto maldosa, evidentemente sem revelar o nome do envolvido. Ha algum tempo, ao final de um espetaculo, fui cumprimentar o protagonista, famoso ator ¢ amigo meu, pela maneira como tinha interpretado 0 papel de Macbeth. Subi no pal- co. Opa, opa! © que significa esse fervilhar de murmiios, de conclu- 6 Realmente, vocés sao um bando de maliciosos, bis- apressadas? bilhoteiros e pervertidos! Nao, nao € o ator em que vocés estao pensan- do, absolutamente. Cometi um deslize revelando o titulo do espetaculo, deixei-o eseapar acidentalmente ¢ vocés, velozes como um foguete, ja elaboraram a lista de todos os atores que nos ultimos trinta anos inter- pretaram o papel de Macbeth. Que yergonha! Nao, nao ¢ possivel! O fato, além do mais, aconteceu na Inglaterra, alias, na Alemanha, nao me lembro bem, Como eu ia dizendo, subi no palco para encontrar esse “Bravo! Estupendo! Voce entendew inteira- amigo e o cobri de elogio: mente o jogo implicito em cada cena de dentincia impiedosa a légica do poder, especialmente a mengjio histérica ao personagem de Ana Bolena com suas manobras criminosas, de politica torpe, sugerindo, inclusive, 0 tempo presente, pleno de crueldade, infamia e cinismo. Felicito particu- larmente sua atitude de submisso, a postura quase curvada diante de sua mulher, Lady Macbeth. Existiu também um bom trabalho de enten- dimento com o diretor”. Assim néo da! Murmt ios novamente! O dire- tor? Nao, nao era Strehler. Parem com suas especulagées, bando de 0 ¢ extraordinario comadres! Nessa altura dos acontecimentos, © famos' ator observou-me com os olhos arregalados: 103 “Quando?” “Como assim, quando?” “A alusao a realidade historica... Eu, curvado, submisso a Lady Macbeth... Isso tudo aconteceu em que momento?... Vocé esta comple. tamente equivocado, eu nunca tive essa intengao.” “fi claro que vocé teve! Vé-se to bem!” Nesse instante, como um bom fai ‘0, comecei a mostrar-lhe todas as passagens alusivas que eu havia percebido tao claramente, Re- velei-lhe todas as situagdes paralelas, as referéncias, até mesmo as ébvi- 8, aquelas que nao precisavam ser evidenciadas, pois levitavam por si mesmas do texto. Demonstrei-Ihe como uma passagem tinha sido pro- positadamente cortada para o desenvolvimento de outra. Quando eu es- tava no pice da empolgacao, escutei a voz tonitruante do diretor, reve- lando um sério antagonismo para com a minha pessoa: “Eu te mato, Dario!” “Por qué? O que foi que eu fiz?” “Venha comigo! ~ Sussurrou em meu ouvido, carregando-me para longe do ator. — Agora, diga-me, como é que eu fico?” “Nao estou entendendo.” “Voce esti . na See esti louco! Vocé revelou-the o que ele estava fazendo, dei- a ae . = €m crise! Amanha ele nao vai conseguir dizer m: ais nenhuma Palavra com sentido légico!” Perceberam ici aes 6 © Posicionamento que alguns diretores t¢m em rela- » Certamente, eles os consideram como uma série de sarrafos @ serem jamai: amestrados, jamais educados. Isso é Perigoso. 8 rece; es 4m superlotar a mente de um ator, colocan- 5 evidentemente, @ cap: : Grande quantidade de conceitos, x‘ ‘60Ta, chegamos ag desenyo} cle nascey? Por Comegaram a farfalhar, om a tapar Porqué é Sbvio, ou quase, ei acidade dos atores de absorver uma Como Vimento histérico do grammelot. To momento os cémicos dell’arte mitagSes em todas as linguas? O que em um ce; 104 5 A DIASPORA DOS COMICOS O grande éxodo dos cémicos dell’arte aconteceu no século da Contra-Reforma, momento em que se decretou o desmantelamento de todos os espagos teatrais. Em 1697, 0 papa Inocéncio XII, pressionado pelos setores mais retrégrados da burguesia e dos expoentes maximos do clero, ordenou a destruigao do teatro de Tordinona, cujo palco, se- gundo os moralistas, tinha registrado o maior ntiimero de apresentagdes consideradas obscenas. O ELOGIO DE SAN CARLON D'ARONA Durante a Contra-Reforma, o cardeal Carlo Borromeo, atuando no norte da Italia, dedicou-se a uma prolifica a¢do de redengao dos “filhos de Milao”, fazendo, por exemplo, uma nitida distingdo entre arte — forca maxima de educagao espiritual — e teatro — manifestagio do profano e da vaidade. Em uma carta enderegada aos seus colaboradores, que cito de meméria, o cardeal escreve aproximadamente o seguinte: “Preocupados em extirpar a erva daninha, fomos prodigos em mandar a fogueira os textos com discursos infames para arrancé-los da meméria dos homens, assim como nao hesitamos em perseguir os autores desses textos divulgados por meio das imprensas. Porém, enquanto dormiamos, evidentemente, o deménio agia com astiicia renovada. Penetra muito mais na alma o que os olhos podem ver do que aquilo que se pode ler nos livros do género infame! Fere de modo muito mais grave a mente dos jovens a palavra dita com a voz e 0 gesto apropriados do que a palavra morta impressa nos livros! Por intermédio dos cémicos, 0 demo- nio espalha o seu veneno” E Ottolelli, seu tardio colaborador, acrescenta: “Todas as pessoas, rapazes ou mogas, matronas ou simples artesdos, entendem os cémicos. Os didlogos expressos em linguagem clara e *graciosa’ ~ esse & exata- mente o mesmo termo empregado por Borromeo ~ atingem: invariavel- mente 0 cérebro € 0 coragdo do pablico presente”. E conclu, sem se dar conta, com um dos maiores elogios até hoje feitos a Commedia dell'Arte: 105 “Os comicos nao repetem de meméria as frases escritas como costumam fazer as criangas © os atores diletantes. Esses Ultimos, inclusive, dao sempre a impressio de desconhecerem o significado daquilo que repe- tem e, por isso mesmo, dificilmente convencem. Os cémicos, pelo con- trario, nunca utilizam as mesmas palavras em cada apresentagdo de suas comédias, inventando toda vez, apreendendo antes a substancia, depois transmitindo os seus improvisos por velozes fios condutors S € nds aper- tados, gerando assim uma forma livre, natural € graciosa. O efeito alean- ado é um grande envolvimento dos espectadores, acendendo paixdes ¢ ‘comogdes, sendo isso um grave perigo, ja que se trata de um elogio a festa amoral dos sentidos e da lascivia, de uma rejeigao as boas manei- ras, de uma rebelido contra as santas regras da sociedade, criando uma grande confusio junto as pessoas mais simples’ ESPANQUEM OS COMICOS; ELES ATUAM COM MAIS FANTASIA A maior parte das companhias, especialmente as mais prestigio- Sas, precisaram partir e mostrar 0 seu trabalho em outros paises euro- Peus. Deu-se assim uma auténtica diaspora dos comicos. Os Gelosi, os eondient os Accesi fixaram-se na Franga e Espanha. Inicialmente, a oe dificuldade era de comunicagao, j4 que nem todos conseguiam se i an Assim, levaram ao extremo 0 jogo mimi genlais com a finalidade de alcangar 0 ma- ximo entendiy u a mento com o piiblico. Esses procedimentos cémicos eram lamados de lazzi (lagos). Hoje, si acca io chamados de gags, ou seja, uma engdes velozes, incluindo paradoxos e nonsense, em meio @ quedas e tombo: Belitaas aot desastrosos. A utilizagao da inteligéncia gestual e da como fim de atingir uma sintese expressiva ganhou , determi i de Um estilo tion enn 9 feliz nascimento de um género € . 0 © inigualayel: a Commedia dell'Art nto muito fetir 0 orgulho dos ‘ ener ee italiandfilos e patriotei 50 genero da Commedia improvisada co. s © patrioteiros, mas m lazzi e grammelot somente nas~ 106 es ceu de forma embrionaria na Italia, desenvolyendo-se quase que total- mente em outros paises europeus. Fora da Italia, a hipérbole fantastica do género se enriqueceu incrivelmente. Paradoxalmente, precisamos admitir que gragas 4 Contra-Reforma desenvolveu-se um teatro novo e revoluciondrio. Algumas vezes, os padres moralistas e hipécritas cola- boram com o teatro. Desde o final do século XVI até o final do século XVII, formaram-se grupos excepcionais de comediantes a italiana na Franga; depois, essas companhias também comegaram a se apresentar na Espanha, Alemanha ¢ Inglaterra. Como ja dissemos, Shakespeare tinha grande conhecimento da arte da comédia e dela bebeu aos borbo- toes; leu certamente textos satiricos classicos do teatro renascentista como A mandrdgora, de Maquiavel, e O candelabro, de Giordano Bru- no, nao existindo nenhuma divida de que o seu aprendizado do uso dos jogos do transyestimento e das trocas originou-se das comédias italianas do inicio do século XVI. 0 CENSOR NAO PODE ENTENDER Utilizarei trechos de um texto de Moliére envolvendo 0 persona- gem Scapino para retornarmos a0 estudo da técnica do grammelot. An- tes, farei um relato introdutério baseado no fato comprovado de que Moliére, no apogeu de sua carreira, atuava no Hotel de Bourgogne, uma propriedade real, onde dividia o teatro com uma companhia de cémicos italianos, La Troupe de Comédiens Italiens du Roi, As duas companhias representavam suas comédias em dias alternados. Sabe-se que Moliére precisava travar uma luta constante contra @ censura, sempre pronta a esmiugar o texto de cada uma de suas novas montagens. A propésito da censura, alguns historiadores asseguram que sua organizagao foi ante- rior ao nascimento do teatro, sendo justamente os censores 0S inyentores do teatro para depois terem a possibilidade de agir € mostrarem-se titeis ao poder. Entretanto, Moliére era protegido pessoal do Rei Sol, sempre pen a livra-lo das encrencas, exceto quando se intensificavam contra si as bordoadas e as acusagées de ordem moral vindas do clero francés e dos 107 bem pensantes carolas. Nesse caso, © Rei Sol permitia e até mesmo estimulaya os ataques contra Moliére, que era usado como bode expiatério para aliviar as tensdes mais graves ¢ desviar a atengao. Apresentarei um trecho retirado de uma idéia de comédia, na qual fundem-se elementos de duas de suas mais famosas comédias: Dom Juan e Tartufo. O protagonista é um jovem que repentinamente torna-se 6rfio de pai. O falecido era um ex-banqueiro com fortes interesses po- liticos. Abrindo um novo paréntest 6 fenémeno de banqueiros ocupan- do-se de questdes politicas e de politicos ocupando-se de questdes eco- némicas é bastante caracteristico da Franca do século XVII. Para nds, homens do século XX, esse fendmeno ¢ incompreensivel. Realmente, hoje em dia as manobras financeiras e politicas sio duas atividades completamente distintas, incomunicaveis. BANQUEIROS EQUILIBRISTAS Entretanto, excepcionalmente, vez por outra, alguns banqueiros pendem de maneira espetacular na diregdo da politica, sempre com re- sultados trigicos. De fato, eles perdem a cabega e acabam sendo encon- trados a realizar exibigdes de equilibrismo sob pontes que cortam exéti- Cos rios anglo-saxdes, como no caso da ponte dos Frades Negros, em Londres.* ‘ Como se vé, esses excéntricos senhores dedicam-se a jogos de alta periculosi a m : ae © emo¢ao (para quem estiver assistindo). Porém, antes de prati 6 ea Praticarem suas exibigdes de equilibrismo, enchem os bolsos ale i m a iu Com tijolos ¢ amarram uma corda ao redor do pescogo, com a ira extremi a treli a remidade atada a treliga da ponte, evitando desse modo, em caso de queda, um mergulho no rio Tami io Tamisa, 0 que cet ia ie sii, qi rtamente resultari Fechando o paré fa Paréntese, i 6 ice , Yoltemos ao nosso jovem érfao, filho de . Ele se sente de: i i itui ji Sambientado e incapaz de substituir o pai \usiro Calvi, encontrado enforcar pelt falncia do Banco Ann udo sob essa ponte em conseqiiéncia iano, ligado ao Vaticano, (N. T.) na administragao dos negocios. Até entéo, havia levado uma vida des- preocupada e plena de gozo, sem nunca ter pensado em estudar a com- plexa técnica necesséria para conduzirse no mundo das finangas e da politica. Portanto, € preciso aprendé-la rapidamente. Com essa finalida- de, a familia decide confid-lo a um fantastico mestre, um jesuita. O pretexto satirico esta posto. Mas, na Franga de entéo, brincadeiras com j eram desaconselhaveis, Nao era como hoje, quando até uma crianga pode zombar de um jesuita. Sobre o texto de Moliére abate-se imediatamente 0 pesado brago da censura, bradando: “brinque com o troglodita, mas deixe em paz o jesuita”, Porém, Moliére, teimoso, no desiste e tem uma idéia genial: utilizar Scapino, Ou seja, a solugio do ita problema se daria por meio de um escamoteamento: 0 personagem do prelado seria substituido por um personagem comico que atuava na ou- tra companhia do teatro do Hotel de Bourgogne. O intérprete do papel de Scapino era um mestre na arte do grammelot, matraqueando um falso francés, incluindo em todos os seus mondlogos no maximo dez palavras do vernaculo, sendo 0 restante constituido por invengdes onomatopéicas, como tentarei demonstrar logo a seguir. Moliére decide dar a Scapino 0 papel do mestre que ird ensinar os segredos da profissiio ao jovem se- nhor. Assim, quando 0 agente policial chegar para verificar o cumpri- mento da censura e redigir 0 seu relatorio, Moliére imagina que ele ira tentar, desesperadamente, decifrar as palavas ditas pelo ator no palco e, ao nfo conseguir entender patavina, blasfemando, rasgara o relatorio e ira se retirar do teatro... e, talvez, até mesmo da policia. O grammelot funciona maravilhosamente bem. PERUCAS, BABADOS E MANTOS Sendo ao mesmo tempo um servo ancidio, um mestre extraordina- rio, um homem de grande experiéncia € sabedoria, Scapino, primeira- mente, ensina 0 comportamento social adequado, a partir da maneira de O século XVII era o tempo em que os nobres usavam peru- cas exorbitantes, de formatos ~ no minimo — grotescos. E suficiente recordar o retrato do Rei Sol, em uma tela imensa: ao centro, vemos adornar- 109 ‘uma pequena cabega; todo o resto é a peruca. Nas laterais do quadro estio colocadas algumas pequenas eaixas onde sao recolhidos os cachinhos transbordantes do retrato. Eis um conselho de Scapino: “Nada de perucas, nada de babados, nada de penduricalhos. Mostre-se modesto ‘¢ humilde. Recolha bem os cabelos atras da nuca. Isso é o bastante”, No tempo de Moliére fazia-se também um uso exagerado dos penduricalhos e das dentelles —rendas ou babados, em francés. As dentelles ornavam as roupas dos nobres a partir dos jabots — cascatas de babados. que enfeitavam a camisa na altura do peito. Além disso, também despon- tavam fitas e felpas junto & panturrilha e rendas do corpete. Chegou-se ao cumulo de executar cortes ao longo das mangas, inclusive sob as axilas, com a finalidade de fazer jorrar novas cascatas de rendas. Nao devia ser nada facil para esse nobres 0 ato de fazer pipi. Embutidos dentro de seus ouropéis, procuravam o instrumento adequado para a micgdo entre as centenas de penduricalhos... ¢ nada, encontravam somente babados, Por fim, aviltados, mas com muita dignidade, faziam pipi nas calgas. Dai nasceu o famoso jeito de andar do aristocrata francés... Realiza a pantomima do jeito de andar, avancando com as pernas rigidas, arras- lando-se lentamente ¢ fazendo tremer, em progressio, pé, tornozelo € coxa, Como se estivesse chacoathando 0 liquido que escorre ao longo da perna, até, Por fim, fazé-lo pingar para fora na altura do sapato. Seapi 2 or nao a ‘apino persegue o jovem senhor: “Nao, o senhor nao devera rajar tod: jeit Ss i essa tralha de jeito nenhum, nada de dentelles. Sera sufi- Ciente um cos stume preto © apertado, com muitos botdes. E, em es- Pecial, muito cui Cuidado com os mantos”. A recomendagao final tinha Sua tazio de ser, ja ; costas com ma hia Principes, duques e senhores cobriam suas intos de dimensde: . i capas. Env lensoes épicas, chamados precisamente de uma forga fisica descomunal. Ao que 8 andes da corte obtiveram grande xilio secreto prestado por eles quando dobras dos mantos, ajudando a susten- velas, arrastando pelo ar 0s nobres, fazendo-os freqtientemente desapa- recer entre as nuvens. Nunca mais se ouviu falar de muitos deles. Antes de sair de casa, 0 povo francés sempre olhava para 0 céu: “Ha algum nobre voando? Nao? O dia entao esta calmo. Podemos pas- sear tranqiiilos”. “Nao! ~ Seapino grita. - Nada de mantos!” Depois, 0 servo sabio ministra uma apropriada ligdo sobre a arte da orat6ria. Ao conversar, 0S aristocratas de entéo moviam as maos e os bragos como se fossem bailarinos esgrimis Scapino mostra qual deve ser a gestualidade correta: cordata e elegante, evitando-se a empafia pomposa dos nobres, sua arrogincia e excesso de magnilogiiéneia, Para o melhor desempenho do exercicio do poder, indica como representar 0 papel do humilde e como deve ser a atitude da pessoa esquiva, timida, perplexa diante das coisas do mundo. Scapino sugere uma identificag%o muito proxima com alguns personagens do moderno mundo politico italiano, mas isso de- pende, evidentemente, da malignidade pessoal de cada espectador. Concluindo seu curso, Scapino fornece as informagGes necessa- rias para 0 uso correto da justi¢a; entendendo-se justia, nesse caso, como a maquina legal destinada a destruir os inimigos ¢ concorrentes, provocadores de anseios irreprimiveis de vinganga. Scapino demonstra que, surpreendentemente, até 0 rito religioso pode ser usado para admi- nistrar e controlar o poder, Minha intengdo € realizar essa pega tanto com o rosto descoberto quanto com mascaras, possibilitando o entendi- mento da grande diferenga existente na agdo e no empenho gestual ca- racteristicos de cada um dos casos. AS MASCARAS RESPIRAM Eis uma mascara semelhante aquela de Scaramuccia. Trata-se de um artefato de couro produzido por um dos maiores fabricantes de mas- caras conhecidos, Sartori, Foi moldada a partir das medidas do meu rosto, inclusive o nariz, nao sendo nada facil conter um narig&do como 0 meu! Realmente, nao consigo usar varias das miascaras de minha cole- géo, pois nao foram feitas sob medida. Muitas comprimem meu rosto, impedindo-me de respirar e, principalmente, dando um tom errado & uw minha yoz. Uma mascara 6 como um sapato: se nado nos ajustamos con- fortavelmente dentro dele, no conseguimos andar, Dé-se forma 80 cou. ro de cada mascara batendo-o diretamente sobre o molde em madeira, Em primeiro lugar, modela-se 0 prototipo em argila, executando-se de. pois 0 contramolde em gesso. A partir dai, a forma é reproduzida escul- pindo-se um bloco de madeira compacto e resistente. Sobre esse bloco de madeira é estendido um pedago de couro previamente amolecido em gua, no qual se bate com marteletes de radica apropriados, fazendo-o aderir ao molde. Continua-se a modelar com apetrechos especificos — alguns com pontas, outros com superficies Asperas — até obter-se a mas. cara propriamente dita, que é posta para secar e depois tratada com ra especiais, tornando-se sdlida e eldstica ao mesmo tempo. E, prin- cipalmente, capaz de “respirar”. Ndo se trata de forca de expressdo. Na reaiicae) a mAscara deve ser capaz de absorver o suor, além de viver em simbiose com a Tespiragdo e o calor de cada um. Empregarei também uma mascara com um nariz de rinoceronte conhecida como Razzullo, £ uma mascara napolitan ie a deveras engraga- da, Usarei igualmente a mascara do Magnific , Negra, com as sobrance- ‘ando os joelhos, articulando vistosa- €s € alargando os bracos, sugerindo o as falas ~ Maladitte tute le Sémene coi erie, le smorbiesse —*, exprime-se em eM su: Bestos brusco: &m conseqiiéncia, ave doméstica, Ss, ji ae Jogando 0 pescoco para frente e para Ve a Ss COStas em Contratempo, como uma boa + Manias © maciezas." (N, T.) OAR A mascara do Magnifico primordial apresenta, ao contrario, uma outra fisionomia. E bastante estilizada, com magas do rosto proeminen- tes, olheiras pronunciadas, dois furos redondos como olhos e possui um carater bem mais duro e mal-humorado. Essa mascara surgiu cem anos antes da mascara do Pantalone. O personagem do Magnifico teve grande importancia no plano da satira, nao so na Franca, mas também na Itdlia nos primeiros anos do século XVII. E a mascara romana por exceléncia, usada por Cantinella, comico de grande temperamento, Ele apresentava-se trajando as roupas e a mas- cara desse personagem, caricaturando os grandes senhores do Renasci- mento agressivo e mesquinho, o Magnifico havia perdido toda a magnificéncia berbos em engenho e eloqiiéncia, além de cultura. Prepotente, de seus antepassados. Um arruinado que, além do dinheiro, perdera também a dignidade. Constantemente excitado, era um verdadeiro alucinado por sexo. Toda mulher tornava-se para ele objeto de motes, gestos, frases e piscadelas de sedugio. Lembram-se? Eu jé o tinha apre- sentado quando me referi ao Arlecchino falotropico. Em suma, o anda- mento mimico e vocal do personagem é o seguinte: Pée a mascara e inicia uma progressio de caminhadas pomposas € gabolas, entremeada de tropegos, corridas e interrupgdes repentinas. Ao mesmo tempo, tagarela em um grammelot veneriano, no qual se percebem expresses insolen- tes, obscenidades gratuitas, uivos de um lundtico. Transforma-se em um galo ciscante em certos momentos. Depois, mima envolver-se no manto como se o-da-seda. fosse 0 casulo de um Esse é 0 personagem citado anteriormente. Agora, usarei a me: ma mascara para interpretar um personagem completamente diferente, coma finalidade de demonstrar como a mascara e seu carater podem ser transformados gracas 4 conduta geral imposta ao nosso corpo ¢ a dife- rente gestualidade produzida. Interpretando 0 Magnifico, meu corpo tendia para o balanceio do tronco mediante oscilagées desconjuntadas, para frente © para tras, com o peito projetado, a bacia retraida, amplas rota- gdes dos bragos e uma vistosa mobilidade do pescogo e da cabega. Ao invés disso, ao representar o Pantalone, embora usando a mesma masca- ra, deixarei 0 pescogo esticado como um peru, os ombros contraidos € M3 oscilando em contratempo e, principalmente, usarei uma respiragio e uma impostagdo completamente diferentes (a voz, nesse caso, sera em falsete), fazendo com que a mascara assuma uma fisionomia radical- mente distinta, A demonstragio vira da execugao do trecho em grammelor, LICAO DE SCAPINO EM GRAMMELOT FRANCES ug (Primeira parte com a mascara do Magnifico) Apresenta-se inicialmente com a atitude eldssica do aristocrata, pomposo e harmonioso, exibindo-se como se fosse um manequim, Realiza a deserigao mimica de uma imensa peruca colocada em sua cabeca, acentuando a exis- téncia de um grande nimero de cachos e caracdis, comentando os gestos ‘com sons articulados lembrando a prosédia francesa. Em seguida, comega a operagio de enchimento da peruca. Ela vai inchando cada vez mais até aleangar as dimensdes de um enorme baliio, fazendo-o perder 0 equilibrio devido ao transtomo ¢ ao peso. A peruca vai se fechando sobre o seu rosto como uma armadilha. Arranca tufos de cabelo, rasga a peruca, respira com dificuldade, esté cheio de cabelos nos olhos ¢ na boca. Exclama terminan- temente: “Pas de paruques!”. Livra-se da peruca com um gesto simulado © atira-a no cho. Descreve o seu traje enfeitado com rendas e babados, Jabois, penduricalhos diversos, Uma verdadeira invasio de babados! De- Monstra estar sentindo uma coceira insuportivel por todo o corpo. Arranca 0 babados das canelas, do pescogo, dos pulsos. ta: “Pas de dentelles!”. Captura no ar um manto, atira-o As costas, arrasta-o com dificuldade. O manto vai ficando cada vez maior e mais pesado. Com um gesto amplo e Potente, agarra uma extremidade e enrola-se todo como em um casulo. A Partir do interior, conta 0 manto com uma lamina, Esta livre! Mima a chegada de um vento que infla o manto como uma vel s la. Contrapondo sons © tialdieBes em ghammelot, desereve 0 seu vb0 provocado pelo manto Srlonquecido, Voa, distancia-se no eéu, até que se precipita. Brada: “Fotu! Pas de manteauc!” (Com 0 rosto descoberto) comportamento e atuagdo, Adaptar-se & ma © atengao, uma questio de técnica, mas também de instinto. Sentir fanfarrdo e insolente. Faz uma i Merrupgdo e grita: “Non”. A partir dai, adota gestos mais econdmicos, especialmente os das mios: executa o si- nal-da-cruz. “Ga suffit de se signer!” Arregala os olhos, sugerindo um arrogante possesso, depois aperta-os como se fosse um miope. Caminha desconjuntadamente © com grande embarago, Ajoclha-se e persigna-se. Profere ininterruptamente palavras incompreensiveis. Move generosamen- te as bochechas ¢ a boca, fazendo a caricatura de um orador fanatico, Corrige-se, vai juntando os labios, até sua voz se tornar inaudivel, (Coloca a mascara do nariz de rinoceronte, 0 Razaullo) Volta a ser 0 personagem pomposo ¢ fanfarro, Desafiado a um duelo, mima a luta contra um personagem imagindrio. Sendo um grande bazéfio, esgrima 0 ar com sua espada, canta ironicamente e, por fim, com um amplo golpe “a fundo”, transpassa o oponente. Gira a lamina dentro do ferimento, retira-a, prova o sangue e comenta: “Pas mal!”, Imediatamente, liberta-se do personagem do valentao criminoso ¢ volta ao papel do servo sibio que, com indignacio, mostra ao piblico a incivilidade daquele com- portamento degolatorio. “Non! N’est pas possible! Nous sommes des hommes, pas de bétes!” (Veste a mascara de um Zanni simiesco) Realiza uma pantomima acompanhada por um grammelot narrando uma agressio praticada por um inimigo imaginArio em um beco escuro. Mima esfaqueando © oponente ¢ depois arrancando o seu coragao ainda palpitante, Comenta entiio com desgosto a existéncia de tanta violencia ¢ mima um diilogo cordial com o adversirio demonstrando compreensio ¢ simpatia por ele, Em seguida, simula um gesto de irritagdo que eresce até e, abraga afetuosamente 0 inimigo pelos om- atingir a histeria, Acalma-s bros, passeia com ele, escuta-o e comenta: “La dialectique! Ah, jaime la discussion, le raffront. Oui, j"écoute. Oui, je suis d'accord!”, Depois, em um gesto repentino, apunhala-o. Estende docemente o cadiver, extrai a lamina e repete: “Je suiy d’accord” Para cada troca de mascara, é necessirio sublinhar as diferengas de scara ¢ resultado de exercicio no ns

Você também pode gostar