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QUE E METAFISICA? Tradugio: Ernildo Stein NOTA DO TRADUTOR , E rarer primordial da filosofia conduzir o homem para além da pura imediatidade e instaurar a dimensao critica. Superada a postura in- génua diante da realidade é entao possivel assumir responsavelmente a verdade como um todo. Pois somente a Perspectiva que abre o compor- tamento filos6fico é capaz de antecipar os limites e as. Ppossibilidades das diversas 4reas em que se move a interrogacao pela verdade. E por isso que o destino do homem e da histéria depende da lucidez e distancia que sao o apandgio da filosofia. Num momento de crise da sociedade brasileira, em que uma falsa seguranga é buscada com o sacrificio da liberdade; em que se elabora um Pprojeto nacional comprimido dentro de uma visao tecnocrdtica, nada me- Thor que a serena meditago da filosofia. Ela nos ensina a paciéncia diante da histéria e a coragem para apostar nas possibilidades que se escondem no risco da liberdade. Ela nos mostrar4 principalmente o verdadeiro lugar da ciéncia e da técnica na construgo da histéria humana. Todo o deter- minismo que se quer imprimir a sociedade brasileira e 4 consciéncia na- cional, mediante a absolutizagéo da tecnologia, deve ser desmascarado pela consciéncia critica instaurada pela filosofia. Ela é um instrumento de libertagao das amarras deste novo positivismo tecnocrdtico com que 0 sectarismo e o interesse nos querem prender. Que ¢ Metafisica?, de Heidegger, é um texto de grande penetragao e oportunidade. Os amplos horizontes que descerra garantem contribuigao segura para o despertar da verdadeira consciéncia critica. Com-rara feli>- cidade 0 filésofo desenvolve neste texto o horizonte metafisico'em que 0 cientista antecipa a visdo da totalidadee clarifica as condigdes de sua propria existéncia de pesquisador. A luz da transcendéncia exercida no comportamento concreto destacam-se as possibilidades e os limites da pes- quisa cientifica, do célculo e da técnica, e prepara-se um novo pensamento. Dele Heidegger nos fala insistentemente como de uma terra onde o homem reencontra suas rafzes. As notas que seguem procuram situar a obra em seu verdadeiro ee ES 7 SEO h Antecipam elementos importantes para uma interpretagao adequada jugar. : das ciéncias centrais. Orig: i i s de atividad, ® Textos — Depois de varios anos tividade na % 1. da rr diese am-Drelse%, como livre-docente, Heidegger dei- - companhia de seu mestre Husserl e aceitara 0 convite para cétedra de Fllosofia em Marburgo, até entao ocupada por Nicolai Hartmann. Ali 23 a 1928. Neste ano foi convidado para assumir a cdtedra trabalhou de 1923 a osentadoria dmund Husserl, dlosofia em Freiburg, vaga com a apy . . rece ol suas Ge vidsdes de professor ordindrio, Heidegger Pro- nunciou, como era de praxe, sua primeira aula diante de todo 0 co; docente e discente da Universidade. Esta aula inaugural publica, que teve lugar no dia 24 de julho de 1929, trazia o titulo Que ¢ Metafisica? Publicado no mesmo ano, 0 texto integral da prelegao obteve profunda repercussio, Provocou também muitos mal-entendidos. Parecia vir reforgar suspeitas despertadas jé por Ser e Tempo. Heidegger era promotor do niilismo, da filosofia do sentimento da angtistia e da covardia, do irracionalismo que combatia a validez da légica. Em resposta as objegGes que se multiplicavam 0 filésofo acrescentou a quarta edigdo de 1943 um posfacio que respondia as objegdes e elucidava aspectos da preleg4o que suscitavam diividas e mal-entendidos. Em 1949 o autor publicou, com a quinta edicdo do texto, uma introdugao com o titulo "Retorno ao Fundamento da Metafisica”. 2. Posigéo no Contexto da Obra — Se prescindirmos dos dois livros de sua juventude — a tese de doutorado O Juizo no Psicologismo e a de livre-docéncia A Doutrina das Categorias e do Significado em Duns Scot —e levarmos em conta apenas as obras da maturidade, o texto da prelegao Que é Metafisica? € o terceiro trabalho impresso por Heidegger. Depois de Ser e Tempo e Kant eo Problema da Metafisica, Que ¢ Metafisica? foi publicada NO mesmo ano em que surgia Sobre a Esséncia do Fundamento no volume complementar do Anuério de Filosofia e Investigagdes Fenomenolégicas, comemorativo dos setenta anos de Edmund Husserl. Em 1933 se editow seu discurso de tomada de posse da Reitoria da Universidade de Fret n-Breisgau. A Auto-afirmagiio da Universidade Alema. Além dos 0 mentarios sobre a poesia de Hélderlin, os primeiros textos marcantes pur blicados apés Que ¢ Metafisica? sio Sobre a Esséncia da Verdade em 1943 € ‘a carta Sobre o Humanismo em 1947. Os textos do posfacio e da i actescentados posteriormente jé sio manifestacées nitidas do : ppg 0 estagio em que o filésofo analisa a metafisica como austria do ser. Os dois volumes intitulados Nietzsche, que contém as _Tes6es entre 1936 e 1946, retratam 0 contexto temético em que nascera@® Elementos Caracterfsticos — Heidegger toma como PO! : uma situagao concreta: a reunido de pesd HEIDEGGER professores e estudantes. Realiza uma analitica da existéncia a partir dela procura responder 0 que é metafisica. Nao define a c Um problema que emerge do préprio comportamento do homem cia € examinado. A questo do nada como questéo metafisica envolve — toda metafisica e a existéncia global daqueles que interrogam. Assim é en responder a pergunta pela metafisica aprofundando uma questao metafisica. ie Dentro do mais auténtico estilo heideggeriano, a prelegao marcha para seu objetivo. Importa, porém, acompanhar a tessitura da interrogagao que perseguir a meta que, desligada do movimento problematizador, apa- rece despida de qualquer interesse. Este encadeamento dialético visa a arrancar 0 ouvinte ou leitor da postura ingénua e imediatista para elevé-lo ao nivel em que se deve cles Shia ena metafisica. Atingido | tal nivel, a resposta é encontrada pelo esforgo pessoal. : Que é Metafisica? é um testemunho desta ie que socraticamente faz participar do processo interrogador aqu se dirige. Mas ela nao se reduz a isto. H4 uma partici d uma pedagogia prépria da filosofia. Heidegger arranca 0 ou da imediatidade da postura natural em face das coisas e o leva a. transcendental. Torna reflexo no interlocutor 0 exercicio coti nsado da transcendéncia. Mostra, pelo préprio movimen aoe © fato de que o homem nio esté ao lado da pedra, da estrela, mas que as envolve pela compreens4o numa es abre um espaco antecipador a partir do qual tomam caracteristica primeira da existéncia humana e que lhe « mundo natural e a faz ser transcendentalmente na mir, no exercicio da interrogag¢ao, esta condi¢ao t do comportamento filoséfico. 3 tanto lembram Ser e Tempo, nao visam a outra coisa. / . fenom Precisamente a arte de desvelar aquilo que, no comport a Ros ocultamos a nds mesmos: o exercicio da tr $¢ , degger nao permanece aqui 1 ela é realizada j4 vem marcada pela do ser, que em sua radicalidade é precisan transcendental do homem. Mas no texto que : a da ontologia. lo “ dicalizagéo da pene ; ma ontologia ae ace - a Leva-o as su: itima: . : i acho _ para omen moderno e since, sistas do pensamen' ‘a, através do pri oP prio ponto de parti sreE0 . a ontologia a se oon di metafisi , de TE il pr ola ones ce gia ou cone C P 0 ser como evidente, ; a = = m do . Mas, uma , ea possi Seeds a : ser, a ontol vez posta em maxes ia : 3 : r = a duivida a ve nena ne ? = si . : 3 que foi inici engage

menos um instrumento ttil para leitores indulgentes e para ‘de anélise de textos na universidade. TradugGes como estas trabalho combinado de filésofos e fildlogos. Nao para carregar ‘com notas, mas para elaborar um texto em que se transpor- tassem com fidelidade os contetidos expressos em alemAo para uma lingua romnica. Tempos melhores talvez permitirao que se tratem com a serie- Jade exigida os textos cldssicos que devemos usar no Brasil. Temos pre- exigéncias e nao esquecemos as inconveniéncias de uma traducao. O texto poderd ser aprimorado pelo auxilio que prestarem os estudiosos, apontando erros e sugerindo modos mais claros e menos equivocos de Utilizamos para a tradugio a redacao da sétima edi¢ao alema e nao fazemos alusées a redagGes anteriores. A discussao de certas modificagées Seria interessante, mas nao se faz necesséria para compreendermos o texto que traduzimos. Alguns talvez estranharao a distribuicgao da matéria do volume que apresentamos. Colocamos a introducao no fim do volume, em primeiro i, porque quisemos respeitar a ordem cronoldégica do aparecimento dos textos; em segundo lugar, porque, ainda que interligados entre si, 0 texto da introducao tem sentido independente; em terceiro lugar, porque © texto que ser mais usado para o estudo é o da prelecdo. Poderiamos acrescentar um quarto argumento: num volume editado pela Editora Vit- tori enema, em 1967, e que contém grande parte dos trabalhos enores legger, os trés textos em questo sao apresentados na ordem cronolégica de sua publicaco.! 7 . E.S. egmarken, Vittorio Klostermann, Frankfurt am Main, 1967. (N. do T) ee: ae. aah. Se "QueE metafisca?” — A pergunta nos é esperangas de que falars sobre a metafisica. Nao o faremos. Em vez disso, discutiremos uma de- terminada questéo metafisica. Parece-nos que, desta maneira, nos situa- remos imediatamente dentro da metafisica. Somente assim lhe damos a melhor possibilidade de se apresentar a nés em si mesma. Nossa tarefa inicia-se com o desenvolvimento de uma i metafisica, procura, logo a seguir, a elaboragao da questo, para encerrar-se com sua resposta. O DESENVOLVIMENTO DE UMA INTERROGACAO METAFiSICA Considerada sob o ponto de vista do sdo entendimento humano, é a filosofia, nas palavras de Hegel, o "mundo as avessas”. E Por isso que a peculiaridade do que empreendemos requer uma caracterizagao prévia. Esta surge de uma dupla caracteristica da metafisica. De um lado, toda questao metafisica abarca sempre a totalidade da problemdtica metafisica. Ela é a propria totalidade. De outro, toda questZo metafisica somente pode ser formulada de tal modo que aquele que in- terroga, enquanto tal, esteja implicado na questo, isto 6, seja problema- tizado. Dai tomamos a indicagao seguinte: a interrogagao metafisica deve desenvolver-se na totalidade e na situagao fundamental da existéncia que interroga. Nossa existéncia — na comunidade de pesquisadores, profes- Sores e estudantes — é determinada pela ciéncia. O que acontece de es- sencial nas raizes da nossa existéncia na medida em que a ciéncia se tornou Nossa paixaéo? Os dominios das ciéncias distam muito entre si. i mente diversa é a maneira de tratarem seus objetos. Esta disper: Plicidade de disciplinas é hoje ainda apenas mantida numa organizacao técnica de universidades e faculdades e conser ficado pela fixacao das finalidades prdticas das esp d "aste, o enraizamento das ciéncias, em seu fundamento Pareceu completamente. Contudo, em todas as ciéncias nés nos relacion auténticos com o préprio ente. Justamente, sob 0 ponto cias, nenhum dominio possui hegemonia sobre o a sobre a histéria, nem esta sobre aquela. Nenhum modo objetos supera os outros. Conhecimentos matemiéaticos 0 que os filolégico-histéricos. A matematica possui ‘0 caréter de "exatidao" e este nao coincide com o rigor. Exigir da ria exatidao seria chocar-se contra a idéia do rigor especifico das do espfrito. A referéncia ao mundo, que importa através de todas as ciéncias enquanto tais, faz com que elas procurem o proprio ente para, conforme seu contetido essencial e seu modo de ser, transformd-lo em ‘objeto de investigacio e determinacado fundante. Nas ciéncias se realiza — no plano das idéias — uma aproximagao daquilo que é essencial em todas as coisas. _ Esta privilegiada referéncia de mundo ao préprio ente é sustentada as eiride por um comportamento da existéncia humana livremente escolhido. Também a atividade pré e extracientifica do homem possui um determinado comportamento para com o ente. A ciéncia, porém, se ca- racteriza pelo fato de dar, de um modo que lhe é préprio, expressa e unicamente, 4 prépria coisa a primeira e ultima palavra. Em tao objetiva maneira de perguntar, determinar e fundar o ente, se realiza uma sub- missao peculiarmente limitada ao préprio ente, para que este realmente se manifeste. Este p6r-se a servico da pesquisa e do ensino se constitui em fundamento da possibilidade de um comando préprio, ainda que de- limitado, na totalidade da existéncia humana. A particular referéncia ao mundo que caracteriza a ciéncia e 0 comportamento do homem que a Tege, os entendemos, evidentemente apenas entdo plenamente, quando vemos e compreendemos 0 que acontece na referéncia ao mundo, assim sustentada. O homem — um ente entre outros — "faz ciéncia". Neste “fazer” ocorre nada menos que a irrupgao de um ente, chamado homem, na totalidade do ente, mas de tal maneira que, na e através desta irrupcao, se descobre o ente naquilo que é em seu modo de ser. Esta irrupgao re- veladora é o que, em primeiro lugar, colabora, a seu modo, para que 0 ente chegue a si mesmo. Estas trés dimensées — referéncia ao mundo, comportamento, irrupgao — trazem, em sua radical unidade, uma clara simplicidade e severidade do ser-ai, na existéncia cientifica. Se quisermos apoderar-nos expressamente da existéncia cientifica, assim esclarecida, entao devemos dizer: Aquilo para onde se dirige a referéncia ao mundo é o préprio ente — e nada mais. Aquilo de onde todo o comportamento recebe sua orientagio é 0 proprio ente — e além dele nada. Aquilo com que a discussao investigadora acontece na irrupgao é © préprio ente — e além dele nada. : Mas o estranho é que precisamente, no modo como o cientista se “assegura o que Ihe é mais proprio, ele fala de outra coisa. Pesquisado ser apenas 0 ente e mais — nada; som 7 ere unicamente o ente e além disso — nada. _ Que acontece com este nada? E, por acaso, que falamos assim? E apenas um modo de falar — e mais nada? s Mas, por que nos preocupamos com este nada? O nada é justamente_ rejeitado pela ciéncia e abandonado como o elemento quai do, assim, abandonamos o nada, nao o admitimos x enta Mas podemos nés falar de que admitimos algo, se nada admitimos? Talvez jé se perca tal inseguranca da linguagem numa vazia querela de palavras. Contra isto deve agora a ciéncia afirmar novamente sua seriedade e so- briedade: ela se ocupa unicamente do ente. O nada — que outra coisa poderd ser para a ciéncia que horror e fantasmagoria? Se a ciéncia tem razao, entéo uma coisa é indiscutivel: a ciéncia nada quer saber do nada. Esta é, afinal, a rigorosa concepgao cientffica do nada. Dele sabemos, en- quanto dele, do nada, nada queremos saber. A ciéncia nada quer saber do nada. Mas nao é menos certo também. que, justamente, ali, onde ela procura expressar sua prépria esséncia, ela recorre ao nada. Aquilo que ela rejeita, ela leva em consideragao. Que esséncia ambivalente se revela ali? Ao refletirmos sobre nossa existéncia presente — enquanto uma exis- téncia determinada pela ciéncia —, desembocamos num paradoxo. Através deste paradoxo j4 se desenvolveu uma interrogacao. A questao exige ape- nas uma formulacao adequada: Que acontece com este nada? A ELABORACAO DA QUESTAO A elaboragao da questao do nada deve colocar-nos na situagao na qual se torne possivel a resposta ou em que entdo se patenteie sua im- possibilidade. O nada é admitido. A ciéncia, na sua sobranceira indiferenca com relacao a ele, rejeita~-o como aquilo que "nao existe". ” Nés contudo procuramos perguntar pelo nada. Que é o nada? Jé a primeira abordagem desta quest4o mostra algo insélito. No nosso inter- togar j4 supomos antecipadamente o nada como algo que "é" assim e assim — como um ente. Mas, precisamente, é dele que se distingue ab- solutamente. O perguntar pelo nada — pela sua esséncia e seu modo de Ser — converte o interrogado em seu contrério. A quest&o priva-se a si mesma de seu objeto especifico. .___ Se for assim, também toda resposta a esta questo é, desde 0 inicio, impossfvel. Pois ela se desenvolve necessariamente nesta forma: o nada € isto ou aquilo. Tanto a pergunta como a resposta s4o, no que diz Tespeito ao nada, igualmente contraditérias em si mesmas. i 35 Sap Assim, nao é preciso, pois, que a ciéncia primeiro rejeite o nada. qe fundamental do pensamento a que comumente se recorre, 0} ndo-contradicao, a “légica" universal, arrasa esta pergunta. OS PENSADORES ue essencialmente sempre é pensado de alguma c Be percent’ do nada, agir contra sua propria es: . Pelo fato de assim nos ficar vedado converter, de algum modo, o nada em objeto, chegamos jé ao fim com nossa interrogagao pelo nada — isto, pressuposto que nesta questdo a "légica" seja a ultima instancia, que o entendimento seja o meio e 0 pensamento o caminho para com- preender originariamente o nada e para decidir seu poss{vel desvelamento, Mas 6€ por acaso possivel tocar no império da "légica"? Nao 6 0 entendimento realmente o senhor nesta pergunta pelo nada? Efetivamente, € somente com seu auxflio que podemos determinar 0 nada e colocd-lo como um problema, ainda que fosse como um problema que se devora asimesmo. Pois 0 nada é a negago da totalidade do ente, o absolutamente nao-ente. Com tal procedimento subsumimos o nada sob a determinagao mais alta do negativo e, assim, do negado. A negagao é, entretanto, con- forme a doutrina dominante e intata da “légica", um ato especifico do entendimento. Como podemos nés, pois, pretender rejeitar o entendimento na pergunta pelo nada e até na questéo da possibilidade de sua formu- lag&o? Mas sera que é tao seguro aquilo que aqui pressupomos? Representa 0 "nao", a negatividade e com isto a negac4o, a determinagdo suprema a que se subordina o nada como uma espécie particular de negado? "Existe" o nada apenas porque existe o "nao", isto 6, a negacéo? Ou nao acontece © contrério? Existe a nega¢ao e o "nao" apenas porque "existe" o nada? Isto nao esta decidido; nem mesmo chegou a ser formulado expressamente como questdo. Nés afirmamos: o nada é mais origindrio que o "n4o" e a negacao. Se esta tese é justa, entao a possibilidade da negac&o, como atividade do entendimento, e, com isso, o préprio entendimento, dependem, de al- gum modo, do nada. Como poderé entdo o entendimento querer decidir sobre este? Nao se baseia afinal o aparente contra-senso de pergunta e Tesposta, no que diz respeito ao nada, na cega obstinagdo de um enten- dimento que se pretende sem fronteiras? Se, entretanto, nao nos deixarmos enganar pela formal impossibili- dade da questdo do nada e se, apesar dela, ainda a formularmos, entao devemos satisfazer ao menos Aquilo que permanece vdlido como exigéncia fundamental para a possivel formulago de qualquer questdo. Se o nada deve ser questionado — o nada mesmo —, entdo deverd estar primeira- mente dado, Devemos poder encontr4-lo. Onde procuramos 0 nada? Onde encontramos o nada? Para que algo encontremos nao precisamos, por acaso, j4 saber que existe? Real- mente! Primeiramente e o mais das vezes o homem somente entao é capaz de buscar se antecipou a presenca do que busca. Agora, porém, aquilo que se busca é o nada. Existe afinal um buscar sem aquela antecipacio, um buscar ao qual pertence um puro encontrar? ___Seja como for, nés conhecemos o nada, mesmo que seja apenas aquilo sobre o que cotidianamente falamos inadvertidamente. Podemos até, sem A totalidade do ente deve ser previamente dada para que submetida enquanto tal simplesmente a negacao, na qual, entao, 0 préprio nada se deverd manifestar. oo OTR Mesmo, porém, que prescindamos da problematicidade da relagao entre a negacao e o nada, como deveremos nés — enquanto seres — tornar acessivel para nés, em si e particularmente, a totalidade do ente em sua omnitude? Podemos, em todo caso, pensar a totalidade do ente imaginando-a, e entao negar, em pensamento, o assim figurado e "pens4-lo" enquanto negado. Por esta via obteremos, certamente, 0 conceito formal do nada figurado, mas jamais o proprio nada. Porém, entre o nada figurado eo nada "auténtico" nao pode imperar uma diferenga, caso o nada repre- sente realmente a absoluta indistingao. Nao é, entretanto, o préprio nada “auténtico" aquele conceito oculto, mas absurdo, de um nada com carac- teristicas de ente? Mas paremos aqui com as perguntas. Que tenha sido este o momento derradeiro em que as objegdes do entendimento retiveram nossa busca que somente pode ser legitimada por uma experiéncia fun- damental do nada. Tao certo como é que nés nunca podemos compreender a totalidade do ente em si e absolutamente, tao evidente 6, contudo, que nos encon- tramos postados em meio ao ente de algum modo desvelado em sua to- talidade. E esté fora de divida que subsiste uma diferenca essencial entre © compreender a totalidade do ente em si e o encontrar-se em meio ao ente em sua totalidade. Aquilo é fundamentalmente impossivel. Isto, no entanto, acontece constantemente em nossa existéncia. Parece, sem diivida, que, em nossa rotina cotidiana, estamos presos sempre apenas a este ou aquele ente, como se estivéssemos perdidos neste ou naquele dominio do ente. Mas, por mais disperso que possa parecer 0 cotidiano, ele retém, mesmo que vagamente, o ente numa unidade de "totalidade". Mesmo entao e justamente entéo, quando nao estamos pro- Priamente ocupados com as coisas e com nés mesmos, sobrevém-nos este “em totalidade’, por exemplo, no tédio propriamente dito. Este tédio ainda est muito longe de nossa experiéncia quando nos entedia exclusivamente este livro ou aquele espetaculo, aquela ocupag&o ou este 6cio. Ele desa- brocha se "a gente estd entediado". O profundo tédio, que como néyoa silenciosa desliza para cd e para l4 nos abismos da existéncia, nivela todas 38 coisas, os homens e a gente mesmo com elas, numa estranha —a tédio manifesta o ente em sua totalidade. aunt Uma outra possibilidade de tal manifestagao se revela Pela presenca — néo da pura pessoa —, mas da exi Querido, O que assim chamamos "sentimentos" nao é um fendmeno secun- dério de nosso comportamento pensante e volitivo, nem um simples im- pulso causador dele nem um estado atual com o qual nos temos que haver de uma ou outra maneira. Contudo, precisamente quando as disposig6es de humor nos levam, deste modo, ite do ente em sua totalidade, ocultam-nos o nada que buscamos. Muito menos seremos agora de opiniao de que a negacao do ente em sua totalidade, manifesta na disposicao de humor, nos ponha diante do nada. Tal somente poderia acontecer, com a adequada origina- tiedade, numa disposigéo de humor que revele o nada, de acordo com seu proprio sentido revelador. Acontece no ser-af do homem semelhante disposigao de humor na qual ele seja levado 4 presenca do préprio nada? Este acontecer é possfvel e também real — ainda que bastante raro —apenas por instantes, na disposicao de humor fundamental da angistia. Por esta angustia nao entendemos a assaz freqiiente ansiedade que, em Ultima andlise, pertence aos fendmenos do temor que com tanta facilidade se mostram. A angiistia ¢ radicalmente diferente do temor. Nés nos ate- morizamos sempre diante deste ou daquele ente determinado que, sob um ou outro aspecto determinado, nos ameaca. O temor de... sempre teme por algo determinado. Pelo fato de o temor ter como propriedade a limi- tacao de seu “de” (Wovor) e de seu "por" (Worum), o temeroso e o medroso sao retidos por aquilo que nos amedronta. Ao esforcar-se por se libertar disto — de algo determinado —, torna-se, quem sente o temor, inseguro com rela¢ao as outras coisas, isto ¢, perde literalmente a cabega. A angistia nao deixa mais surgir uma tal confusdo. Muito antes, perpassa-a uma estranha tranqitilidade. Sem divida, a angistia é sempre angistia diante de..., mas nao angistia diante disto ou daquilo. A angistia diante de... é sempre angiistia por..., mas no por isto ou aquilo. O cardter de indeterminagao daquilo diante de e por que nos angustiamos, contudo, nao é apenas uma simples falta de determinacao, mas a essencial impos- sibilidade de determinacao. Um exemplo conhecido nos pode revelar esta impossibilidade. Na angustia — dizemos nés — “a gente sente-se estranho". O que suscita tal estranheza e quem é por ela afetado? Nao podemos dizer diante de que a gente se sente estranho. A gente se sente totalmente assim. Todas as coisas e nés mesmos afundamo-nos numa indiferenga. Isto, entretanto, nao no sentido de um simples desaparecer, mas em se afastando elas se voltam para nés. Este afastar-se do ente em sua totalidade, que nos assedia a rime. Nao resta nenhum apoio. Sé resta e nos sobrevém te — este "nenhum". Manifesta o nada. S " na angistia. Melhor dito: a angtistia nos sus- poe em fuga o ente em sua totalidade. Nisto consiste Oprios — os homens que somos — refugiarmo-nos no E por isso que, em diltima andlise, nao sou "eu" ou nao és ntes estranho, mas a gente se sente assim. Somente continua fo ser-ai no estremecimento deste estar suspenso onde nada stia nos corta a palavra. Pelo fato de o ente em sua totalidade ustamente, nos acossa o nada, em sua presenga, emudece licgao do "6". O fato de nés procurarmos muitas vezes, na es- angistia, romper 0 vazio siléncio com palavras sem nexo é emunho da presenga do nada. Que a angiistia revela o nada imediatamente pelo préprio homem quando a angiistia se osse da claridade do olhar, a lembranca recente nos leva a de que e por que nés nos angustidvamos era "propriamente" Efetivamente: o nada mesmo — enquanto tal — estava ai. a determinagao da disposigao de humor fundamental da an- imos 0 acontecer do ser-ai no qual o nada esté manifesto e a ial deve ser questionado. ntece com o nada? A Resposta A QuestAo Esposta, primeiramente a tinica essencial para nosso propésito, da se tivermos a precaugao de manter realmente formulada 9 nada. Para isto se exige que reproduzamos a transformacSo (Seu ser-ai que toda angistia em nés realiza. Entao captamos se manifesta, assim como se revela. Com isto se impée, a exigéncia de mantermos expressamente longe a de- ‘mada que nao se desenvolveu na abordagem do mesmo. Se revela na angastia — mas nao enquanto ente. Tampouco objeto. A angistia nao é uma apreensao do nada. En- se torna manifesto por ela e nela, ainda que nao da maneira Se | se separado, "ao lado" do ente, em sua totalidade, eza. Muito antes, e isto j4 o dissemos: na angustia nada juntamente com o ente em sua totalidade. Que intamente com"? 0 ente em sua totalidade se torna caduco. Em que sen- ois, certamente, o ente nao é destruido pela angistia no sobra o nada. Como é que ela poderia fazé-lo istia se encontra na absoluta impoténcia em face OS PENSADORES eae sua totalidade? Bem antes, revela-se propriamente o nada com ae como algo que foge em sua totalidade. __ Na angiistia nao acontece nenhuma destruicao de todo o ente em _ Si mesmo, mas tampouco realizamos nés uma negac3o do ente em sua __ totalidade para, somente entao, atingirmos o nada. Mesmo nao conside- ae de que é alheio a angistia enquanto tal, a formulacao expressa ‘uma enunciagao negativa, chegariamos, mesmo com uma tal negacio, que deveria ter por resultado o nada, sempre tarde. Ja antes disto o nada Nos visita. Diziamos que nos visitava juntamente com a fuga do ente em sua totalidade. Na angistia se manifesta um retroceder diante de... que, sem dtivida, nao € mais uma fuga, mas uma quietude fascinada. Este retroceder diante de... recebe seu impulso inicial do nada. Este nao atrai para si, mas se caracteriza fundamentalmente pela rejeicao. Mas tal Tejeigao que afasta de si é, enquanto tal, um remeter (que faz fugir) ao ente em sua totalidade que desaparece. Esta remissio que rejeita em sua totalidade, remetendo ao ente em sua totalidade em fuga — tal é 0 modo de o nada assediar, na angustia, o ser-ai —, é a esséncia do nada: a nadificag4o. Ela nao é nem uma destruicao do ente, nem se origina de uma negacao. A nadificagao também nao se deixa compensar com a destruicao e a negacao. O proprio nada nadifica. O nadificar do nada nao é um episédio casual, mas, como remissio (que rejeita) ao ente em sua totalidade em fuga, ele revela este ente em sua plena, até entao oculta, estranheza como o absolutamente outro — em face do nada. Somente na clara noite do nada da angistia surge a originéria aber- tura do ente enquanto tal: 0 fato de que é ente — e nfo nada. Mas este "endo nada’, acrescentado em Nosso discurso, nao é uma clarifica cao tardia secundaria, mas a possibilidade prévia da revelacio do ente em geral. A esséncia do nada originariamente nadificante consiste em: conduzir pri- meiramente o ser-ai diante do ente enquanto tal. Somente a base da origindria revelacgio do nada pode o ser-ai do homem chegar ao ente e nele entrar. Na medida em que o ser-ai se refere, de acordo com sua esséncia, ao ente que ele Pr6prio é, procede j4 sempre, como tal ser-af, do nada revelado. Ser-af quer dizer: estar Suspenso dentro do nada. Suspendendo-se dentro do nada o ser af j4 sempre est4 além do transcender, e isto expressamos agora dizendo: se o ser-ai nao estivesse Suspenso previamente dentro do nada, ele jamais poderia entrar em relagdo com o ente e, portanto, também nao consigo mesmo. Sema originaria tevelacdo do nada nao h4 Ser-si-mesmo, nem liberdade. isto obtivemos a resposta a questao do nada. O nada nao é objeto nem um ente. O nada nao acontece nem para si mesmo __ HEIDEGGER 20 qual, por assim dizer, aderiria. O nada é a pos- ¢40 do ente enquanto tal para o ser-ai humano. O conceito oposto ao ente, mas pertence originariamente a ‘(do ser). No ser do ente acontece o nadificar do nada. ' devemos dar finalmente a palavra a uma o} jecao j4 por ido reprimida. Se o ser-af somente pode a cnn nada, se, portanto, somente assim : ngiistia, nao ingustia para, afinal, po- nés mesmos que esta angistia origi- antes disso, estd fora de duvida que todos nés existimos mos com o ente — tanto aquele ente que somos como © que nao somos — sem esta angiistia. Nao é ela uma invengao trdria e o nada a ela atribuido um exagero? ee nto, © que quer dizer: esta angiistia origindria somente acon- 0s momentos? Nao outra coisa que: o nada nos é primeiramente } das vezes dissimulado em sua originariedade. E por qué? Pelo 9S perdemos, de determinada maneira, absolutamente junto ao mais nos voltamos para o ente em nossas ocupagées, tanto (0 deixamos enquanto tal, e tanto mais nos afastamos do nada. Seguramente nos jogamos na piblica superficie do ser-af. tudo, é este constante, ainda que ambiguo desvio do nada, } limites, seu mais prdéprio sentido. Ele, o nada em seu nadificar, }justamente ao ente. O nada modificada ininterruptamente sem lamente saibamos algo desta nadificaco pelo conhecimento movemos cotidianamente. testemunha, de modo mais convincente, a constante e difun- qu , tevelacao do nada em nosso ser-af, que a de nenhum modo, esta aproxima 0 "nao", como meio de asi¢ao do que é dado, para, por assim dizer, colocd-lo entre Poderia a negac4o também produzir por si 0 "nao" se ela bde negar se lhe foi previamente dado algo que pode ser negado? entretanto, ser descoberto algo que pode ser negado e que quanto afetado pelo “nao” se nao fosse realidade que todo lento enquanto tal, j4 de antemao, tem visado ao "nao"? Mas o pode revelar-se quando sua origem, o nadificar do nada ‘com isto o préprio nada foram arrancados de seu velamento. ge pela negac4o, mas a negacao se funda no "nado" que, origina do nadificar do nada. Mas a negacao é também n 1 mx do de uma revelacao nadificadora, isto quer dizer, previa- lo no nadificar do nada. t4 demonstrada, em seus elementos basicos, a tese acima: c e no vice-versa, a negacao a origem do © poder do entendimento no campo da interro- ) ser, entao se decide também, com isto, o destino que a negacao — expressamente OU Nao nto, ela, de nenhum modo, por si s6, é o a revelagao do nada pertencente essencialmente s40 nao pode ser proclamada nem o Gnico, nem nento nadificador condutor, pelo qual o ser-ai é sa- ficar do nada. Mais abissal que a pura conveniéncia da éa dureza da contra-atividade ea agudeza da execracio, 5] el é a dor da frustrac4o e a incleméncia do proibir. Mais importuna € a aspereza da privacao. Estas possibilidades do comportamento nadificador — forcas em ‘Sustenta seu estar-jogado, ainda que nao o domine — nio de pura negacao. Mas isto nado as impede de se expressar no "nao" e na Através delas é que se trai, sem dtivida, de modo ‘mais radical, o vazio ea amplidao da negacao. Este estar o ser-ai totalmente pelo comportamento nadificador testemunha a constante e, , obscurecida revelacao do nada, que somente a angistia ori- Nisto, porém, estd: esta origindria angustia é 0 mais | sufocada no ser-af. A angistia esta ai. Ela apenas dorme. Seu A cessar através do ser-ai: mas raramente seu tremor per- e imperceptivel atitude do ser-ai agitado envolvido pelo Mteeteps na. nao"; bem mais cedo perpassa o ser-ai senhor de ‘simesmo; com maior certeza surpreende, com seu estremecimento, 0 ser-ai tadicalmente audaz. Mas, no diltimo caso, somente acontece originado por ‘por ser-ai se prodigaliza, para assim conservar-lhe a derra- angastia do audaz nao tolera nenhuma contraposicao alegria ) 4 agradavel diversao do trangiiila abandonar-se a deriva. Ela 'de tais posigdes — na secreta alianca da serenidade e criador. A angistia origindria pode despertar a qualquer | ser-ai. Para isto ela nao necessita ser despertada por um inusitado. A profundidade de seu imperar corresponde pa- d cancia do elemento que pode provocé-la. Ela esta €spreita e, contudo, apenas raramente salta sobre nés | 4 situagdo em que nos sentimos suspensos. > do ser-ai no nada originado pela angiistia escon- no lugar-tenente do nada. Tio finitos somos HEIDEGGER metafisica. O nome “metafisica" vem do grego: ta meti physikd. Esta sur- preendente expressao foi mais tarde interpretada como caracterizagao da interrogagao que vai metd — trans “além" do ente enquanto tal. Metafisica é 0 perguntar além do ente para recuperd-lo, enquanto tal e em sua totalidade, para a compreensio. Na pergunta pelo nada acontece um tal ir para fora além do ente enquanto ente em sua totalidade. Com isto prova-se que ela é uma questao "metafisica". De questdes deste tipo davamos, no inicio, uma dupla carac- teristica: cada questao metafisica compreende, de um lado, sempre toda a metafisica. Em cada questao metafisica, de outro lado, sempre vem en- volvido o ser-ai que interroga. Em que medida perpassa e compreende a questao do nada a tota- lidade da metafisica? Sobre o nada a metafisica se expressa desde a Antiguidade numa enunciagéo, sem dtivida, multivoca: ex nihilo nihil fit, do nada nada vem. Ainda que, na discussao do enunciado, o nada, eth si mesmo, nunca se torne problema, expressa ele, contudo, a partir do respectivo ponto de vista sobre o nada, a concepgao fundamental do ente que aqui é condutora. A metafisica antiga concebe o nada no sentido do nao-ente, quer dizer, da matéria informe, que a si mesma nao pode dar forma de um ente com cardter de figura, que, desta maneira, oferece um aspecto (eidos). Ente é a figura que se forma a si mesma, que enquanto tal se apresenta como imagem, origem, justificagao e limites desta concepgao de ser sao tao pouco discutimos como o é 0 préprio nada. A dogmitica crista, pelo contrario, nega a verdade do enunciado: ex nihilo nihil fit e dé, com isto, uma sig- nificago modificada ao nada, que entao passa a significar a absoluta au- séncia de ente fora de Deus: ex nihilo fit — ens creatum. O nada torna-se agora 0 conceito oposto ao ente verdadeiro, ao summum ens, a Deus en- quanto ens increatum. Também a explicagao do nada indica a concepgao fundamental do ente. A discussao metafisica do ente mantém-se, porém, ao mesmo nivel que a questo do nada. As questées do ser e do nada enquanto tais nao tém lugar. E por isso que nem mesmo preocupa a di- ficuldade de que, se Deus cria do nada, justamente precisa poder entrar em relagio com o nada. Se, porém, Deus é Deus, nao pode ele conhecer © nada, se é certo que o “absoluto” exclui de si tudo o que tem cardter de nada. A superficial recordagao histérica mostra o nada com © conceito oposto ao ente verdadeiro, quer dizer, como sua negagao. Se, porém, nada de algum modo se torna problema, entao esta contraposicao nao experimenta apenas uma determinacao mais clara, mas entao primeira- mente se suscita a verdadeira questéo metafisica a respeito do ser do ente. O nada nao permanece o indeterminado oposto do ente, mas se desvela como pertencente ente. at ee — ‘o mesmo." Esta frase de "O sao, : Hegel (Cine da Lagice, Livro 1 WW IIL, p. 74) enuncia algo certo. Ser © OS PENSADORES: nada co-pertencem, mas ndo porque ambos — vistos a partir da concepgaio do pensamento — coincidem em sua determinagao e imediati- , Mas porque o ser mesmo é finito em sua manifestagao no ente (Wesen), e somente se manifesta na transcendéncia do ser-a{ suspenso den- tro do nada. . Se, de outro lado, a questao do ser enquanto tal é a questao que ‘envolve a metafisica, entao est4 demonstrado que a questdo do nada é ‘uma questo do tipo que compreende a totalidade da metafisica. A questao do nada pervade, porém, ao mesmo tempo, a totalidade da metafisica, na medida em que nos forca a enfrentar o problema da origem da negacao, isto quer dizer, nos coloca fundamentalmente diante da decisao sobre a legitimidade com que a "légica" impera na metafisica. A velha frase ex nihilo nihil fit contém entao um outro sentido que atinge o proprio problema do ser e diz: ex nihilo omne ens qua ens fit. Somente no nada do ser-af o ente em sua totalidade chega a si mesmo, conforme sua mais prépria possibilidade, isto ¢, de modo finito. Em que medida ent4o a quest4o do nada, se for uma questao metafisica, j4 envolveu em si mesma nossa existéncia interrogante? Nos caracterizamos nossa exis- téncia, aqui e agora experimentada, como essencialmente determinada pela ciéncia. Se nossa existéncia assim determinada esté colocada na questéo do nada, deve entAo ter-se tornado problemdtica por causa desta questao. A existéncia cientifica recebe sua simplicidade e acribia do fato de se relacionar com o ente e unicamente com ele de modo especialissimo. A ciéncia quisera abandonar, com um gesto sobranceiro, o nada. Agora, porém, se torna patente, na interrogac4o, que esta existéncia cientifica so- mente € possivel se se suspende previamente dentro do nada. Apenas ‘entao compreende ela realmente o que é quando nao abandona o nada. A aparente sobriedade e superioridade da ciéncia se transforma em ridi- culo, se nao leva a sério o nada. Somente porque o nada se revelou, pode a ciéncia transformar o proprio ente em objeto de pesquisa. Somente se a ciéncia existe gracas 4 metafisica, ¢ ela capaz de conquistar sempre no- Vamente sua tarefa essencial que nao consiste primeiramente em recolher -eordenar conhecimentos, mas na descoberta de todo o espaco da verdade Somente porque o nada est4 manifesto nas raizes do ser-ai pode ‘sobrevir-nos a absoluta estranheza do ente. Somente quando a estranheza do ente nos acossa, desperta e atrai ele a admiracao. Somente baseado na — quer dizer, fundado na revelacao do nada — surge o “por- qué”. Somente porque é possfvel o "porqué" enquanto tal, podemos nés determinada, pelas razGes e fundamentar. Somente - perguntar, de maneira a . fundamentar foi entregue a nossa existéncia A questao do nada pie a nés mesmos que perguntamos — em ques- uma metafisica. : pode entrar em relagdo com o ente se se ultrapassar 0 ente acontece na esséncia do porém, é a prépria metafisica. Nisto reside o fato pertence a "natureza do homem". Ela nao é uma dis- "académica", nem um campo de idéias arbitrariamente A metafisica é 0 acontecimento essencial no ambito de ser-ai. proprio ser-af. Pelo fato de a verdade da metafisica residir neste abissal possui ela, como vizinhanga mais proxima, sempre a espreita, a do erro mais profundo. E por isso que nenhum rigor de juer ciéncia alcanca a seriedade da metafisica. A filosofia jamais ser medida pelo padrao da idéia da ciéncia. Se realmente acompanhamos, com nossa interrogagao, a questao de- senvolvida em torno do nada, entdo nao nos teremos representado a me- tafisica apenas do exterior. Nem nos transportamos também simplesmente para dentro dela. Nem somos disso capazes porque — na medida em que existimos — jd sempre estamos colocados dentro dela. Physei gir, o phile, nest tis philosophia te tou andrds didnoia (Platio, Fedro 279a). Na medida em que o homem existe, acontece, de certa maneira, o filosofar. Filosofia — que nés assim designamos — é apenas o pér em marcha a metafisica, na qual a filosofia toma consciéncia de si e conquista seus temas expressos. A somente se pde em movimento por um peculiar salto da prépria existéncia nas possibilidades fundamentais do ser-af, em sua totalidade. Para este salto sao decisivos: primeiro, o dar espaco para o ente em sua y segundo, o abandonar-se para dentro do nada, quer dizer, o totalidade; libertar-se dos fdolos que cada qual possui e para onde costuma refugiar-se sub-repticiamente; e, por cltimo, permitir que se desenvolva este estar spe para que constantemente retorne 4 questao fundamental da me- mee domina o préprio nada: Por que existe afinal ente e nao antes Nada? PosFACIO (1943) A PERGUNTA "Que é metafisica?" permanece uma pergunta. O posfacio é, para aquele que acompanha a questo, um prefacio ‘mais origindrio. A pergunta “Que é metafisica?" interroga para além da metafisica. Ela nasce de um pensamento que j4 penetrou na superacao da metafisica. A esséncia de tais transicées pertence o fato de, em certos li- ‘mites, terem que falar ainda a linguagem daquilo que auxiliam a superar. . A especial oportunidade na qual é discutida a questao da esséncia da metafisica nao deve induzir a opiniao de que tal questionar esteja con- denado a tomar seu ponto de partida das ciéncias. A investigagao moderna ‘esté engajada, com outros modos de representacao e com outras espécies de produgao do ente, no elemento caracteristico daquela verdade conforme ‘a qual todo ente se caracteriza pela vontade de vontade. Como forma comegou a aparecer a "vontade de poder". "Vontade", com- preendida como traco basico da entidade do ente, é, tao radicalmente, a identificagao do ente com o que é atual, que a atualidade do atual é trans- formada em incondicional factibilidade da geral objetivagao. A ciéncia mo- derna nem serve a um fim que lhe é primeiramente proposto, nem procura ‘uma “verdade em si”. Ela é, enquanto um modo de objetivagao calculadora do ente, uma condicao estabelecida pela propria vontade de vontade, atra- 1 qual esta garante o dominio de sua esséncia. Mas pelo fato de toda cao do ente se exaurir na producao e garantia do ente, conquis- c desta maneira, as possibilidades de seu progresso, permanece a go apenas junto ao ente e jd o julga o ser. Todo comportamento ona com o ente testemunha, desta maneira, j4 um certo saber atesta simultaneamente a incapacidade de, por suas préprias x na lei da verdade deste saber. Esta verdade é a verdade €éa historia desta verdade. Ela diz o que o ente conceitua a entidade do ente. Na entidade do ente pensa contudo, poder mais originariamente, o proprio ser reside em sua verdade do ser se desdobra (west) como o ser da verdade, entio, ¢ pelo que seja a metafisica em seus fundamentos. Este pensar metafisicamente e, ao mesmo tempo, deve i os da metafisica, vale dizer, nao mais Pa itido essencial, um tal questionar permanece ambivalente. Toda tentativa, portanto, de acompanhar a marcha da Prelecao se hocard, por isso, com dificuldades. Isto é bom. O interrogar torna-se, com Mais auténtico. Cada pergunta objetiva é j4 uma ponte para a Tesposta. = essenciais sdo, constantemente, apenas 0 ultimo passo das pré- Prias questoes. Este passo, porém, permanece irrealizdvel sem a longa ‘Série dos primeiros passos e dos que seguem. A resposta essencial haure _ Sua forca sustentadora na in-sisténcia do perguntar. A resposta essencial €ap ‘© comego de uma responsabilidade. Nela o interrogar desperta inari . E também, por isso, que a questao auténtica nao é ida pela resposta encontrada. __ Asdificuldades para acompanhar o pensamento da prelecio sao de “duas espécies. Umas surgem dos enigmas que se ocultam no Ambito do que aqui é pensado. As outras se originam da incapacidade e também, ‘thuitas vezes, dé m4 vontade para pensar. Na esfera do interrogar pensante podem ja ajudar objegGes passageiras, mas certamente, entre estas, aquelas ‘que forem cuidadosamente meditadas. Também opinides grosseiras ¢ fal- ‘Sas frutificam de algum modo, mesmo que sejam proclamadas na raiva de uma polémica cega. A reflexao deve apenas recolher tudo na serena trangiiilidade da longanima meditagao. ~ Podemos reunir em trés proposigdes basicas as objecées e falsas opi- -niGes sobre esta prelecao. Diz-se: » 1— a prelecao transforma “o nada” em tinico objeto da metafisica. Entretanto, porque o nada é absolutamente nadificante, leva este pensa- “mento a opiniao de que tudo é nada, de tal maneira que nfo vale a pena, “quer Viver quer morrer. Uma "filosofia do nada" é um acabado "niilismo"; ~ 2—aprelecao eleva uma disposigao de humor isolada e ainda por ‘cima deprimente, a angistia, ao privilégio de tinica disposigao de humor fundamental. Entretanto, porque a angistia 6 o estado de animo do "me- “droso” e covarde, renega este pensamento a confiante atitude da coragem. Uma "filosofia da angistia" paralisa a vontade para a a¢ao; 3a preleg&o toma posigao contra a "légica”. Entretanto, porque i contém os padrées de todo cdlculo e ordem, este pensa- “mento transfere © jufzo sobre a verdade para a aleatéria disposicao de = a "filosofia do puro sentimento” pde em perigo o pensamento “"exato” e a seguranga do agir. _ A postura correta diante destas proposicSes surge de uma renovada od e¢ao. Ela deve examinar se o nada, que disp6e a angiistia , Se esgota numa vazia negacao de tudo o que é, ou se ais e em parte alguma é um ente — se desvela como aquilo \ g de todo ente e que nés chamamos o ser. Em qualquer qualquer amplitude em que a pesquisa explore o ente, em encontra ela © ser. Ela apenas atinge sempre o ente porque, mente, j4 na intencdo de sua explicagéo, permanece junto do Ser, porém, nao € uma qualidade éntica do ente. O ser nio se presentar € produzir objetivamente a semelhanca do ente. O ab- outro com relacao ao ente é o nao-ente. Mas este se desdobra ser. Com demasiada pressa renunciamos ao pensamento quan- $ passar, numa explicaco superficial, o nada pelo puramente cador € 0 igualamos ao que nao tem substancia. Em vez de cedermos aesta de uma perspicdcia vazia e sacrificarmos a enigmatica mul- ¢ Geaide do nada, devemos armar-nos com a disposig&o tinica de expe- timentarmos no nada a amplidao daquilo que garante a todo ente (a pos- de) ser. Isto é o préprio ser. Sem o ser, cuja esséncia abissal, mas ainda nao desenvolvida, o nada nos envia na angiistia essencial, todo ente permaneceria na indigéncia do ser. Mas mesmo esta indigéncia do abandono do ser, nao é, por sua vez, um nada nadificador, se € certo que 4 verdade do ser pertence o fato de que o ser nunca se manifesta (west) sem o ente, de que jamais 0 ente é sem o ser. ‘A angistia da-nos uma experiéncia de ser como 0 outro com relacio a todo ente, suposto que — por causa da "angiistia" diante da angistia, dizer, na pura atitude medrosa do temor — nés nao nos esquivemos, gato da voz silenciosa que nos dispée para o espanto do abismo. Se abandonarmos arbitrariamente o curso do pensamento desta prelecio, ao Nos Teferirmos a esta angistia fundamental, se despojarmos a angistia, enquanto disposicao de humor instaurada por aquela voz, da referéncia aonada, entao nos resta apenas a angustia como "sentimento" isolado que podemos distinguir e separar de outros sentimentos, no conhecido sorti- mento de estados de animo vistos psicologicamente. Tomando como guia asimplista diferenca entre "em cima” e "embaixo", podemos registrar, en- ‘0, as "disposicgées de humor" nas classes das que elevam e das que de- prime . Sempre haverd presa para a caca entusiasmada de "tipos" e “an- s" de "sentimentos", de espécies e subespécies destes "tipos". Contudo, x antropolégica do homem nunca terd possibilidades de nhar o curso do pensamento desta prelecio; pois esta pensa a atengao A voz do ser; ela assume a disposicéo de humor que 'voz; esta disposigao de humor apela ao homem em sua esséncia pre a experimentar o ser no nada. n % igo para a angistia é o sim 4 insisténcia para realizar 0 lo, o tinico que atinge a esséncia do homem. Somente o ho- io a todos os entes, experimenta, chamado pela voz do ser, e todas as maravilhas: que o ente é. Aquele que assim é ‘sua esséncia para a verdade do ser est, por isso, continua- ido, de maneira fundamental, na disposigao de humor. A a angiistia essencial garante a misteriosa possibilidade OS PENSADORES : da experiéncia do ser. Pois, préximo 4 angustia essencial, como espanto do abismo, reside o respeito ais Ele ilumina e protege aquele lugar da esséncia do homem no seio do qual ele permanece familiar no permanente, A “angustia" em face da angustia, pelo contrario, pode enganar-se de tal modo que desconhega as simples referéncias na esfera essencial da angistia. Que seria toda coragem se nao tivesse, na experiéncia da angistia fundamental, seu constante elemento de confronto? Na medida em que diminuimos a angustia fundamental e a referéncia do ser ao homem, nela iluminada, aviltamos a esséncia da coragem. Mas esta é capaz de suportar 0 mada. A coragem reconhece, no abismo do espanto, 0 espacgo do ser apenas entrevisto, a partir de cuja ilumina¢ao cada ente primeiramente retorna aquilo que é e é capaz de ser. A prelecdo nem se compraz numa "filosofia da angistia" nem procura insinuar a impressdo de uma “filosofia heréica”. Ela pensa apenas aquilo que apareceu ao pensamento ocidental, desde 0 comego, como aquilo que deve ser pensado e permaneceu, en- tretanto, esquecido: o ser. Mas o ser nao é produto do pensamento. Pelo contrario, o pensamento essencial é um acontecimento provocado pelo ser. por isso que também se torna necessdria a formulacao do que até agora foi silenciado: situa-se este pensamento jé na lei de sua verdade se apenas segue aquele pensamento compreendido pela “Iégica", em suas formas e regras? Por que pée a prelecao esta expressdo entre aspas? Para assinalar que a “légica" 6 apenas uma das explicagdes da esséncia do pen- Samento; aquela que j4, o seu nome o mostra, se funda na experiéncia do ser realizado pelo pensamento grego. A suspeita contra a légica — como Sua conseqtiente degenerescéncia pode valer a logistica — emana do co- nhecimento daquele pensamento que tem sua fonte na experiéncia da ver- dade do ser e nao na consideragao da objetividade do ente. De nenhum modo € 0 pensamento exato 0 pensamento mais rigoroso, se é verdade que’o tigor recebe sua esséncia daquela espécie de esforgo com que o Saber sempre observa a relacdo com o elemento fundamental do ente. O Ppensamento exato se prende unicamente ao cAlculo do ente e a este serve exclusivamente. Qualquer cdlculo reduz todo numerdvel ao enumerado, Para utiliz4-lo para a préxima enumeragio. O cdlculo nao admite outra coisa que o enumerdvel. Cada coisa é apenas aquilo que se pode enumerar. Oqueacada momento é enumerado assegura o progresso na enumeracao. Esta utiliza progressivamente os ntimeros e 6, em si mesma, um continuo consumir-se. O resultado do cdlculo com o ente vale como o enumerdvel consome 0 enumerado para a enumeracSo. Este uso consumidor do ente tevela 0 cardter destruidor do cdlculo. Apenas pelo fato de o numero ser multiplicado infinitamente e isto indistintamente na direco do maximo ou do minimo, pode ocultar-se a esséncia destruidora do cdlculo atrds de seus produtos e emprestar ao pensamento calculador a aparéncia da produtividade, enquanto, na verdade, faz valer, j4 antecipando e nao ‘em seus resultados subseqiientes, todo ente apenas na forma do que pode _ ser produzido e consumido. O pensamento calculador submete-se a si eli avel que se subtrai a si e sua estranheza das garras que, entretanto, em toda parte e constantemente, se fechou as exigéncias do cdlculo e que, contudo, jf a todo momento, nisteriosa condicao de desconhecido, mais préximo do homem te no qual ele se instala a si e a seus projetos, pode, de tempos S /dispor a esséncia do homem para um pensamento cuja verdade "Iégica” é capaz de compreender. Chamemos de pensamento al aquele cujos pensamentos nao apenas calculam, mas sao de- outro do ente. Em vez de calcular com o ente sobre o ente, ' © se dissipa no ser pela verdade do ser. Este pensamento 2 ao apelo do ser enquanto o homem entrega sua esséncia historial lade da nica necessidade que nao violenta enquanto submete, tia 0 despojamento que se plenifica na liberdade do sacrificio. | £ preciso que seja preservada a verdade do ser, aconteca o que ao homem e a todo ente. O sacrificio é destituido de toda vio- porque € a dissipagdo da esséncia do homem — que emana do mo da liberdade — para a defesa da verdade do ser para o ente. No se realiza 0 oculto reconhecimento, tinico capaz de honrar o dom a. Se entrega 4 esséncia do homem, no pensamento, para que assuma, na referéncia ao ser, a guarda do ser. ‘Opensamento origindrio é 0 eco do favor do ser pelo qual se ilumina 8 ser apropriado o tinico acontecimento: que o ente é. Este eco é a humana a palavra da voz silenciosa do ser. A resposta do pen- a origem da palavra humana; palavra que primeiramente faz linguagem como manifestacao da palavra nas palavras. i Se, de tempos em tempos, nao houvesse um pensamento oculto no 9 essencial do homem historial, entao ele jamais seria capaz mento, suposto que, em toda reflexio e em todo agradeci- existir um pensamento que pensa originariamente a verdade Mas de que outro modo encontraria, um dia, uma humanidade o para o reconhecimento origindrio que nao pelo fato de o favor ao homem, pela aberta referéncia a si mesma, a nobreza nento, no qual a liberdade do sacrificio esconde o tesouro de 2 O sacrificio é a despedida do ente em marcha para a defesa , O sacrificio pode, sem diivida, ser preparado e servido wir na esfera do ente, mas jamais pode ser por ele rea- emana da in-sisténcia a partir da qual todo homem sm o pensamento essencial é um agir — protegendo a defesa da dignidade do ser. Esta in-sisténcia - nao permite que seja contestada a oculta disposicao ria de maa sacrificio. O sacrificio tem sua terra acontecimento que é o ser chamando o homem ait ser. E isso © sacrificio nao admite céj, Bt iltatejacjam os fins vised ? Tal cdlculo desfigura a esséncia do sacrificio. A mania sonfunde a limpeza do respeito humilde (preparado para a an. ‘coragem para o sacrificio, que presume morar na vizinhanca ____ O pensamento do ser nao procura apoio no ente. O pensamento _essencial presta aten¢ao aos lentos sinais do que nao pode ser calculado e nele reconhece o advento do inelutdvel, que nao pode ser antecipado pelo pensamento. Este pensamento esté atento A verdade do ser e auxilia, ‘desta maneira, o ser da verdade para que encontre seu lugar na huma. nidade historial. O auxilio que este pensamento presta nao provoca su- ‘cessos porque nao precisa de repercussao. O pensamento essencial auxilia “com sua simples in-sisténcia no ser-ai na medida em que nela se desen- cadeia o que lhe é semelhante, sem que ela, entretanto, disso Ppudesse dispor ou mesmo apenas saber. O pensamento, décil 4 voz do ser, procura encontrar-lhe a palavra através da qual a verdade do ser chegue a linguagem. Apenas quando a linguagem do homem historial emana da palavra, est ela inserida no destino que lhe foi tracado. Atingido, porém, este equilibrio em seu destino, entao Ihe acena a garantia da voz silenciosa de ocultas fontes. O pensa- mento do ser protege a palavra e cumpre nesta solicitude seu destino, Este € 0 cuidado pelo uso da linguagem. O dizer do pensamento vem do siléncio longamente guardado e da cuidadosa clarificacao do ambito nele aberto. De igual origem é 0 nomear do poeta. Mas, pelo fato de o igual somente ser igual enquanto é distinto, e o poetar e o pensar terem a mais pura igualdade no cuidado da palavra, esto ambos, ao mesmo tempo, maximamente separados em sua esséncia. O pensador diz o ser. O poeta nomeia o sagrado. Nao podemos analisar aqui, sem dtivida, como, pensado @ partir do acontecimento (Wesen) do ser, 0 poetar e o reconhecer e 0 Pensar estao referidos um ao outro e ao mesmo tempo separados. Prova- velmente o reconhecer e o poetar se originam, ainda que de maneira di- versa, do pensamento origindrio que utilizam, sem, contudo, poderem ser, para si mesmos, um pensamento. Conhecemos, é claro, muita coisa sobre a relacdo entre filosofia poesia. Nao sabemos, porém, do didlogo dos poetas e dos pensadores que “moram préximos nas montanhas mais separadas". Um dos lugares fundamentais em que reina a indigéncia da lingua- gem €a angistia, no sentido do espanto, no qual o abismo do nada dispde o homem. O nada, enquanto o outro do ente, é o véu do ser. No ser ja todo o destino do ente chegou originariamente A sua plenitude. A iiltima poesia do ultimo poeta da Grécia antiga, Edipo em Co- Tonos, de Séfocles, encerra com a palavra que incompreensivelmente se volta sobre a oculta hist6ria deste povo e conserva seu comego na ignota --verdade do ser: ei tdde kyro. agora cessai e nunca mais para o futuro O lamento suscitai; Pois, em todos os quadrantes, o que aconteceu [retém junto a si Guardada uma decisao de plenitude." RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFISICA Descartes escreve a Picot, que traduzira os Principia Philosophiae para o francés: "Ainsi toute la philosophie est comme un arbre, dont les ‘racines sont la Metaphysique, le tronc est la Physique, et les branches qui sortent de ce tronc sont toutes les autres sciences..." (Oeuvres de Descartes, ‘editadas por C. Adam e P. Tannery, vol. IX, 14.) —— lo esta imagem, perguntamos: Em que solo encontram as ‘aizes da Arvore da filosofia seu apoio? De que chao recebem as raizes e, “através delas, toda a arvore as seivas e forcas alimentadoras? Qual o elemento Percorre oculto no solo, as raizes que dao apoio e alimento a drvore? Em que € se movimenta a metafisica? O que é a metafisica vista , seu ? O que, em tiltima andlise, é a metafisica? "Ela pensa © ente enquanto ente. Em toda parte, onde se pergunta € 0 ente, tem-se em mira 0 ente enquanto tal. A representacio sica deve esta visdo a luz do ser. A luz, isto 6, aquilo que tal pen- experimenta como luz, nao é em si mesma objeto de andlise; pois amento analisa e representa continuamente e apenas 0 ente sob 0 de vista do ente. E, sem diivida, sob este ponto de vista que o metafisico pergunta pelas origens énticas e por uma causa A luz mesma vale como suficientemente esclarecida pelo fato de tir tran éncia a cada ponto de vista sobre o ente. ual for o modo de explicago do ente, como espirito no sentido 0, como matéria e forca no sentido do materialismo, como , como Tepresentac4o, como vontade, como substancia, como enérgeia, como eterno retorno do mesmo, sempre 0 ente en- na luz do ser. Em toda parte, se iluminou o ser, Ca representa o ente. O ser se manifestou num desve- Permanece velado o fato e 0 modo como o ser traz to, 0 fato eo modo como o ser mesmo se situa na a enquanto tal. O ser nao é pensado em sua esséncia ‘sua verdade. Entretanto, a metafisica fala da inad- quando responde a suas perguntas pelo ente a de do ser pode chamar-se, por isso, 0 chd4o no qual raiz da 4rvore da filosofia, se apdia e do qual retira o fato de a metafisica interrogar o ente, enquanto ente, 0 ao ente e nao se volta para o ser enquanto ser. Como la envia todas as seivas e forcas para 0 tronco e os ramos, ‘pelo solo para que a drvore dele surgida possa crescer andoné-lo. A arvore da filosofia surge do solo onde se ocultam as 2s da metafisica. O solo é, sem diivida, o elemento no qual a raiz da a e se desenvolve, mas 0 crescimento da drvore jamais seré capaz de assimilar em si de tal maneira o chao de suas raizes que desaparega como é arbéreo na arvore. Pelo contrario, as raizes se perdem no solo até as radiculas. O chao é chao para a raiz; dentro dele ela se esquece em favor da drvore. Também a raiz ainda pertence a arvore, mesmo que a seu modo se entregue ao elemento do solo. Ela dissipa seu elemento e ‘asi mesma pela arvore. Como raiz ela no se volta para 0 solo; ao menos nao de modo tal como se fosse sua esséncia desenvolver-se apenas para Simesma neste elemento. Provavelmente, também 0 solo nao ¢ tal elemento sem que © perpasse a raiz. Na medida em que, constantemente, apenas representa o ente en- quanto ente, a metafisica nao pensa no préprio ser. A filosofia nio se tecolhe em seu fundamento. Ela o abandona continuamente e o faz pela ____ tMetafisica. Dele, porém, jamais consegue fugir. Na medida em que um . pensamento se p6e em marcha para experimentar o fundamento da me- tafisica, na medida em que um pensamento procura pensar na propria verdade do ser, em vez de apenas representar o ente enquanto ente, ele abandonou, de certa maneira, a metafisica. Visto da parte da metafisica, ‘© pensamento se dirige de volta para o fundamento da metafisica. Mas, aquilo que assim aparece como fundamento, se experimentado a partir de si mesmo, é provavelmente outra coisa até agora nao dita, segundo a qual a esséncia da metafisica é bem outra coisa que a metafisica. Um ‘Pensamento que pensa na verdade do ser nao se contenta certamente mais com a metafisica; um tal pensamento também nao pensa contra a meta- _fisica. Para voltarmos a imagem anterior, ele nao arranca a raiz da filosofia. Ele the cava o chao e lhe lavra o solo. A metafisica permanece a primeira _instancia da filosofia. Nao alcanga, porém, a primeira instancia do pen- -samento. No pensamento da verdade do ser a metafisica estd superada. Torna-se caduca a pretensao da metafisica de controlar a referéncia decisiva com o ser e de determinar adequadamente toda a relacio com o ente _enquanto tal. Esta "superacao da metafisica", contudo, néo rejeita a me- _tafisica. Enquanto o homem permanecer animal rationale é ele animal me- -taphysicum. Enquanto o homem se compreender como animal racional, ce a metafisica, na palavra de Kant, a natureza do homem. Se bem- , talvez fosse possivel ao pensamento retornar ao fundamento da o uma mudanga da esséncia do homem de cuja me- a resultar uma transformagao da metafisica. —B— se falar assim, no desenvolvimento da questao da verdade ‘Ssuperacgao da metafisica, isto ent4o significa: Pensar no tal modo de pensar ultrapassa o pensamento atual que hao em que se desenvolve a raiz da filosofia. OO pensamento Tempo pde-se em marcha para preparar a superagdo da entendida. Aquilo, porém, a que este pensamento dé o s sdrio somente pode ser aquilo mesmo que deve ser pensado. ito € a maneira de o ser mesmo abordar um pensamento nunca de- m prim e unicamente do pensamento. Se o ser atinge um pen- ye o modo como o consegue, pde-no em marcha para sua matriz que rio ser, para, desta maneira, corresponder ao ser enquanto tal. ‘por que, afinal, é necessdria uma tal espécie de superagao da ? Dever, desta maneira, ser apenas substituida e fundamentada mais origindria aquela disciplina da filosofia que até foi a raiz? Trata-se de uma modificagdo do corpo doutrindrio da 4? Nao. Ou deverd ser descoberto, pelo retorno ao fundamento da , um pressuposto da filosofia até agora esquecido para mostrar- nao assenta sobre seu fundamento inconcusso, nao podendo, ser a ciéncia absoluta? Nao. advento ou a auséncia da verdade do ser, est4 em jogo outra a constituigao da filosofia, nao apenas a prépria filosofia, mas dade ou distancia daquilo de que a filosofia, com o pensamento inta o ente enquanto tal, recebe sua esséncia e sua necessidade. decidir é se o proprio ser pode realizar, a partir da verdade propria, sua relagdo com a esséncia do homem ou se a metafisica, de seu fundamento, impedird, no futuro, que a relagao do mm chegue, através da esséncia desta mesma relaco, a que leve o homem 4 pertenga ao ser. de suas respostas 4 questdo do ente enquanto tal a me- sntou o ser. Ela expressa necessariamente ser e, por isso ‘constantemente. Mas a metafisica nao leva 0 ser mesmo a nao considera o ser em sua verdade e a verdade como o e este em sua esséncia. A esséncia da verdade sempre apa- ca apenas na forma derivada da verdade do conhecimento 9. O desvelamento, porém, poderia ser algo mais originario no sentido da veritas. Alétheia talvez fosse a palavra que nao experimentado para a esséncia impensada do esse. sem duvida o pensamento da metafisica que apenas deria alcangar esta esséncia da verdade, por mais empenhasse historicamente pela filosofia pré-socrd- algum renascimento do pensamento pré-socratico e sem sentido —, trata-se, isto sim, de prestar © da ainda nao enunciada esséncia do desvelamento OS PENSADORES a eh eg a Nietzsche. Por que nao pensa a metafisica na verdade do ser? Depende uma tal omissao apenas da espécie de pensamento que é 0 metafisicg? Qu pertence ao destino essencial da metafisica, que se lhe subtraig seu préprio fundamento, porque em toda a eclosao do desvelamento perma- nece ausente sua esséncia, 0 velamento, e isto em favor do que foi des. velado e aparece como o ente? Entretanto, a metafisica expressa 0 ser constantemente e das mais diversas formas. Ela mesma suscita e fortalece a aparéncia de que a questo do ser foi por ela levantada e respondida. Mas a metafisica nao responde, em nenhum lugar, 4 questao da verdade do ser, porque nem a suscita como questao. Ela nao problematiza por que é que somente pensa 0 ser Tepresenta o ente enquanto ente. Ela visa ao ente em sua tota- lidade e fala do ser. Ela nomeia o ser e tem em mira 0 ente enquanto ente. Os enunciados da metafisica se desenvolvem de maneira estranha, desde o comego até sua plenitude, numa geral troca do ente pelo ser. Esta troca, sem diivida, deve ser pensada como acontecimento e nao como engano. Ela, de maneira alguma, tem suas razdes numa simples negligéncia do pensamento ou numa exatidao no dizer. Em conseqiiéncia desta geral troca, a representagao atinge o auge da confusao quando se afirma que a metafisica realmente pde a questo do ser. Até parece que a metafisica, sem seu conhecimento, est4 condenada aser, pela maneira como pensa o ente, a barreira que impede que o homem atinja a origindria relagio do ser com o ser humano. Que seria, porém, se a auséncia desta relag4o e o esquecimento desta auséncia desde hd muito determinassem os tempos modernos? Que seria, se a auséncia do ser entregasse 0 homem, sempre mais exclusivamente, apenas ao ente, de tal modo que o ser humano fosse abandonado pela relacao do ser com sua (do homem) esséncia, ficando, ao mesmo tempo, tal abandono velado? Que seria, se assim fosse e se desde hd muito tempo estivesse persistindo tal situaga0? Que seria, se houvesse sinais mostrando | que tal esquecimento se instalard para o futuro ainda mais decisivamente no esquecimento? _ Existiria ainda ocasido para um pensador se deixar conduzir pre- Sungosamente por este destino do ser? Se as coisas estivessem neste pé haveria ainda motivo Para, em tal abandono do ser, se fantasiar ainda outra coisa e isto levado até por uma disposicao de humor elevado mas artificial? Se esta fosse a situacao em torno do abandono do ser, ndo haveria motivo bastante para que o pensamento, que pensa no ser, caisse no es- panto que o paralisaria de tal modo que nao fosse mais capaz de outra coisa que sustentar na angiistia este destino do ser para, antes de tudo, Jevar a uma deciséo o pensamento que se ocupa do esquecimento do set? Mas seria disto capaz um pensamento enquanto a angustia, herdada como destino, enas uma deprimente disposicdo de humor? Que tem 4 4 Ser com psicologia e psicandlise? n, que a superacao da metafisica corresponda o esfors? —s— HEIDEGGER aprender a prestar atenco ao esquecimento do ser, d-lo, assumir esta experiéncia na relagio do ser com 0 conservar, entao a pergunta "Que é metafisica?" perma- ‘na indigéncia do esquecimento do ser, talvez contudo o mais ne- 9 de tudo o que é necessdrio para o pensamento. sim, tudo depende de que, em seu tempo oportuno, o pensamento -mais pensamento. A isto chega o pensamento se, em vez de pre- ‘um grau maior de esforco, se dirige para outra origem. Entao, 0 mento suscitado pelo ente enquanto tal que por isso representa e oente, serd substituido por um pensamento instaurado pelo pré- prio ser e por isso décil 4 voz do ser. _ Perdem-se no vazio consideragSes sobre 0 modo como se poderia levar a agir sobre a vida cotidiana e ptiblica de modo efetivo e util, o pensamento ainda e apenas metafisico. Pois, quanto mais 0 pensamento €pensamento, quanto mais se realiza a partir da relacdo do ser consigo, tanto mais puramente encontra-se, por si mesmo, engajado no tnico agir ‘que the é apropriado: na acao de pensar aquilo que lhe foi destinado e que por isso j4 foi pensado. ~~ Mas quem pensa ainda no que foi pensado? Inventam-se coisas. O Pensamento tentado em Ser e Tempo esté "a caminho" para situar 0 pen- Samento num caminho em cuja marcha possa alcangar o interior da relagao da verdade do ser com a esséncia do homem; est4 em marcha para abrir uma senda na qual medite consentaneamente o ser mesmo em/sua verdade. Neste caminho, e isto quer dizer, a servigo da questao : do ser, torna-se necessdria uma reflexdo sobre a esséncia do _homem; pois a experiéncia do esquecimento do ser, ainda nao expressa 0 gindo demonstracao, encerra em si a conjectura da qual tudo ‘de que, conforme o desvelamento do ser, a relagao do ser com rtence ao préprio ser. Mas como poderia esta conjectura aven- n mesmo apenas uma pergunta expressa sem que antes se ssem todos os esforcos para libertar a determinac3o fundamental da subjetividade e da definicao do animal rational: unir, a0 mesmo tempo, numa palavra a revelagao do ser com mem, como também a referéncia fundamental do homem if’) do ser enquanto tal, foi escolhido para o Ambito essencial, ua o homem enquanto homem, o nome "ser-a{". Isto foi feito, netafisica usar este nome para aquilo que em geral é designado le, realidade e objetividade, nao obstante até se falar, n em "ser-af humano", repetindo o significado me- Por isso obvia toda possibilidad emetiaaianaman em se contenta apenas em averiguar que em Ser e “consciéncia", a palavra "ser-ai". Como se aqui © uso de palavras diferentes, como se nao se OS PENSADORES __ Mento primeiramente diante da experiéncia essencial do homem, suficiente : sense arama Nem a palavra "ser-ai" tomou o lugar da palavra " ", nem a “coisa” chamada “ser-ai" passou a ocupar 0 ilo que é representado sob o nome “consciéncia". Muito antes _ como "ser-af’ é designado aquilo que, pela primeira vez aqui, foi expe. _timentado como Ambito, a saber, como o lugar da verdade do ser e que assim deve ser adequadamente pensado. _~ Aquilo em que se pensa com a palavra "ser-ai" através de todo o tratado de Ser e Tempo recebe j4 uma luz desta proposicao decisiva (p. 42), que diz: "A ‘esséncia’ do ser-ai consiste em sua existéncia". Se se considera que na linguagem da metafisica a palavra "existéncia" designa o mesmo que "ser-af", a saber, a atualidade de tudo 0 que é atual, desde Deus até 0 grao de areia, é claro que apenas se desloca — quando se entende a frase linearmente — a dificuldade do que deve ser pensado da palavra "ser-af" para a palavra “existéncia". O nome "existéncia" é usado, em Sere Tempo, exclusivamente como caracterizacdo do ser do homem. A partir da “existéncia" corretamente pensada se revela a “esséncia" do Ser-ai, em cuja abertura o ser se revela e oculta, se oferece e subtrai, sem que esta verdade do ser no ser-ai se esgote ou se deixe identificar com 0 ser-ai ao modo do principio metafisico: toda objetividade é, enquanto tal, subjetividade. Que significa “existéncia" em Ser e Tempo? A palavra designa um modo de ser e, sem divida, do ser daquele ente que est4 aberto para a abertura do ser, na qual se situa, enquanto a sustenta. Este sustentar é experimentado sob o nome "preocupacao". A esséncia ekstdtica do ser-ai épensada a partir da “preocupacao” assim como, vice-versa, a preocupagéo somente pode ser experimentada, de modo satisfatério, em sua esséncia ekstatica. O sustentar assim compreendido é a esséncia da ékstasis que deve ser pensada. A esséncia ekstdtica da existéncia é, por isso, ainda entao insuficientemente entendida, quando representada apenas como "si- tuar-se fora de", concebendo o "fora de" como o "afastado da" interioridade de uma imanéncia da consciéncia e do espirito; pois, assim entendida, a existéncia ainda sempre seria representada a partir da "subjetividade" e da "substancia", quando o "fora" deve ser pensado como 0 espago da aber- tura do proprio ser. Por mais estranho que isto soe, a stdsis do ekstatico se funda no in-sistir no "fora" e "ai do desvelamento que é o modo de o préprio ser acontecer (west). Aquilo que deve ser pensado sob o nome "“existéncia’, quando a palavra é usada no seio do pensamento que pensa na diregSo da verdade do ser e a partir dela, poderia ser designado, do modo mais belo, pela palavra “in-sisténcia". __- Mas ent&o devemos pensar em sua unidade e como plena esséncia da _ existéncia, sobretudo, o in-sistir na aberiura do ser, o sustentar da in-sisténcia _(preocupagao) ¢ a per-sisténcia na situacdo suprema (ser para a morte). ‘ ao modo da existéncia é o homem. Somente o homem ‘rochedo é, mas nao existe. A drvore é, mas nao existe. O anjo existe. Deus 6, mas nao existe. A frase: "Somente o homem jum modo significa apenas que 0 homem é um ente real, os entes restantes sdo irreais e apenas uma aparéncia ou a o do homem. A frase: "O homem existe" significa: o homem ente cujo ser é assinalado pela in-sisténcia ex-sistente no desve- nto do ser a partir do ser e no ser. A esséncia existencial do homem éa razao pela qual o homem representa o ente enquanto tal e pode ter consciéncia do que é representado. Toda consciéncia pressup6e a existéncia 4 ekstaticamente como a essentia do homem, significando entao essentia aquilo que é o modo préprio de o homem ser (west) na medida em que é homem. A consciéncia, pelo contrério, nem é a primeira a criar a abertura do ente, nem a primeira que dé ao homem o estar aberto para oente. Pois, qual seria a meta, o lugar de origem e a dimensao livre para ‘9 movimento de toda a intencionalidade da consciéncia se 0 homem ja nao tivesse sua esséncia na in-sisténcia? Meditada com seriedade, que outra coisa pode designar a palavra "-ser" ("-sein") na palavra consciéncia (Bewusstsein = ser consciente) e autoconsciéncia (Selbstbewusstsein = ser- autoconsciente) a nao ser a esséncia existencial daquele que é quando existe? Ser um si-mesmo caracteriza, sem diivida, a esséncia daquele ente que existe; mas a existéncia nao consiste nem no ser-si-mesmo, nem a partir dele se determina. Pelo fato, porém, de o pensamento metafisico determinar o ser-si-mesmo do homem a partir da substancia ou, 0 que no fundo é o mesmo, a partir do sujeito, o primeiro caminho que leva da metafisica para a esséncia ekstdtico-existencial do homem, deve passar através da determinac4o metafisica do ser-si-mesmo do homem (Ser e Tem- po, §§ 63 e 64). - Mas, pelo fato de a questao da existéncia sempre estar apenas a servigo da tinica quest4o do pensamento, a saber, a servico da pergunta {a ser desenvolvida) pela verdade do ser, como o fundamento escondido de toda a metafisica, 0 tratado Ser e Tempo, que tenta o retorno ao fun- damento da metafisica, nao traz como titulo Existéncia e Tempo, também nao Consciéncia e Tempo, mas Ser e Tempo. Este titulo, porém, também nao pode ser pensado como se correspondesse a estes outros titulos de uso corrente: Ser e vir-a-ser, ser e aparecer, ser e pensar, ser e dever. Pois em tudo o ser é ainda aqui representado de maneira limitada, como se "vir- “@-ser", "aparecer’, "pensar", "dever", nao pertencessem ao ser; pois, evi- nao sao nada e por isso devem pertencer ao ser. Em Ser ¢ "ser" nao é outra coisa que "tempo", na medida em que "tempo" é nado como pré-nome para a verdade do ser, pré-nome cuja verdade ento (Wesende) do ser e assim o prdprio ser. Entretanto, por e "ser"? -o comego da histéria, em que o ser se desvela no pen- os, pode mostrar que os gregos desde os primérdios ser do ente como a presenca do presente. Se traduzimos duo é literalmente certa. Contudo, substituimos ape- por outra. Se formos mais rigorosos, mostrar-se-4 bem, 0 pensamos nem einai no sentido grego, nem "ser" em sya dio convenientemente clara e univoca. Que dizemos, portanto do dizemos "ser" em vez de "einai" e einai e esse em vez de "sen"? izemos nada. Tanto a palavra grega quanto a latina e a portuguesa ’ i do mesmo modo sem vida. Repetindo o uso corrente, reve. iiecetcstvemene como seguidores da maior inconsciéncia que um ‘dia surgiu no pensamento e que até agora continua dominando. _ Aquele einai, porém, significa: presentar-se. A esséncia deste pre- ‘sentar est4 profundamente oculta no primitivo nome do ser. Para nés, pois, einai e ousia enquanto parousia e apousia significam primeiramente ‘isto: no presentar-se impera impensada e ocultamente o presente e a du- Tago, acontece (west) tempo. Desta maneira, 0 ser enquanto tal se constitui ‘ocultamente de tempo. E desta maneira ainda o tempo remete ao desve- lamento, quer dizer, 4 verdade do ser. Mas o tempo, a ser agora pensado, nao é extraido da inconstancia do ente que passa. O tempo possui ainda ‘bem outra esséncia que nao apenas ainda nao foi pensada pelo conceito de tempo da metafisica, mas nunca o poderd ser. Assim o tempo se torna © primeiro pré-nome que deve ser considerado para que se experimente © que em primeiro lugar é necessdrio: a verdade do ser. Assim como nos primeiros nomes metafisicos do ser fala uma es- séncia escondida de tempo, assim também no seu ultimo nome: no "eterno tetorno do mesmo". Durante a época da metafisica, a hist6ria do ser estd perpassada por uma impensada esséncia de tempo. O espaco nao esté ordenado nem paralelamente a este tempo nem situado dentro dele. Uma tentativa de passar da representacdo do ente enquanto tal para © pensamento da verdade do ser deve, partindo daquela representagao, também representar ainda, de certa maneira, a verdade do ser, para que esta, finalmente, se mostre como representacado inadequada para aquilo que deve ser pensado. Esta relacao que vem da metafisica e que procura penetrar na referéncia da verdade do ser ao ser humano é concebida como io. Mas a compreensao é pensada aqui, ao mesmo tempo, a partir do desvelamento do ser. A compreensio é 0 projeto ekstdtico jogado, quer dizer, 0 projeto in-sistente no 4ambito do aberto. O ambito que no Ptojeto se oferece como o aberto, para que nele algo (aqui o ser) se mostre algo (aqui o ser enquanto tal em seu desvelamento) se chama ‘sentido (cf. Ser e Tempo, p. 151). "Sentido do ser" e “verdade do ser” dizem a mesma coisa. O prefacio de Ser e Tempo, na primeira pagina do tratado, encerra com as frases: "A elaborac4o concreta da questo do sentido do ‘ser’ é 0 objetivo do presente trabalho. Seu fim provisério e fornecer uma inter- pretagao do tempo como horizonte de toda compreensio possivel do ser’. A filosofia nao podia trazer facilmente uma prova mais clara para do esquecimento do ser em que toda ela se afundou — esqueci- que, entretanto, se tornou e permaneceu o desafio herdado pelo 0 de Ser ¢ Tempo — do que a sonambula seguranga com ! Por alto a auténtica e tinica questdo de Ser e Tempo, E por ‘neo No se trata de mal-entendidos em face daquele livro, mas ul ndono por parte do ser. _ A metafisica diz 0 que é 0 ente enquanto o ente. Ela contém um Idgos (enunciacao) sobre o dn (0 ente). O titulo tardio “ontologia" assinala sua esséncia, suposto, é claro, que o compreendamos pelo seu contetido auténtico € nao na estreita concepgio "escoléstica". A metafisica se movi- menta no ambito do én he dn. Sua representacao se dirige ao ente enquanto ente. Desta maneira, a metafisica Tepresenta, em toda parte, o ente en- quanto tal e em sua totalidade, a entidade do ente (a ousia do On). A metafisica, porém, Tepresenta a entidade do ente de duas maneiras: de um lado a totalidade do ente enquanto tal, no sentido dos tragos mais gerais (6n kathdlou, koindn); de outro, porém, e ao mesmo, a totalidade do ente enquanto tal, no sentido do ente supremo e por isso divino (in kathdlou, akrétaton, theion). Em Aristételes o desvelamento do ente enquanto tal pro- Priamente se projetou nesta dupla direco (vide Metafisica, Livros XI, V e X). Pelo fato de representar o ente, enquanto ente é a metafisica em si a unidade destas duas concepcées da verdade do ente, no sentido do getal e do supremo. De acordo com sua esséncia ela é, simultaneamente, ontologia no sentido mais restrito e teologia. A esséncia ontoteolégica da filosofia propriamente dita (préte philosophia) deve estar, sem dtivida, fun- dada no modo como Ihe chega ao aberto o én, a saber, enquanto én. O carater teolégico da ontologia nao reside, assim, no fato de a metafisica Stega ter sido assumida mais tarde pela teologia eclesial do cristianismo eter sido por ela transformada. O cardter teolégico da ontologia se funda, muito antes, na maneira como, desde a Antiguidade, o ente chega ao desvelamento enquanto ente. Este desvelamento do ente foi que propiciou @ possibilidade de a teologia crista se apoderar da filosofia grega. Se isto aconteceu para seu proveito ou sua desgraca, isto os tedlogos devem de- Cidir baseados na experiéncia da esséncia do cristianismo, enquanto con- Sidera, 0 que est escrito na primeira carta aos Corintios do apéstolo Paulo: Ouchi emdramen ho theds ten sophian tou késmou; Nao permitiu Deus que em loucura se transformasse a sabedoria do mundo? (1 Corintios, 1, 20). A sophia to~u késmou, porém, é aquilo que conforme 1, 22 os “Héllenes zelousin", o que os gregos procuravam. Aristételes até designa a prote phi- losophia (a filosofia propriamente dita) expressamente de zetouméne — @ procurada. Ser4 que um dia a teologia crista se decidiré mais uma vez a levar a sério a palavra do apéstolo e de acordo com ela a filosofia como loucura? ‘Metafisica tem, enquanto a verdade do ente enquanto tal, duas a Tazdo destas duas formas e mesmo sua origem estio fe- a a metafisica, e isto, sem diivida, nao por acaso ou como con- ‘uma omissao. A metafisica aceita esta dupla face pelo fa 2 é a representacao do ente enquanto ente. Para a metafisica OS PENSADORES lo rea escolha, Enquanto metafisica ela est4 excluida pela sua prépria da experiéncia do ser; pois ela representa 0 ente (6r) constante- mente apenas naquilo que a partir dele se mostrou enquanto ente (he gn), Contudo, a metafisica nao presta atengdo aquilo que precisamente neste On, na medida em que se tornou desvelado, também jé se velou. Assim pode-se tornar necessdrio, em tempo oportuno, novamente meditar sobre aquilo que propriamente é dito com a palavra dn, com a avra "ente”. De acordo com isto foi retomada, pelo pensamento, a ques- tao do on (vide Ser e Tempo, prefacio). Mas esta repeti¢ao nao recapitula simplesmente a questo plat6nico-aristotélica, mas retorna, pela interro- gacao, aquilo que se esconde no on. Se a metafisica realmente dedica sua representacao ao On he on, ela fundada sobre este elemento velado no én. A interrogacao que Tetorna a este elemento velado procura, por isto, do ponto de vista da metafisica, o fundamento para a ontologia. E por isso que o procedimento em Ser e Tempo (p. 13) se chama "ontologia fundamental”. Mas a expressao se mostra, em pouco tempo, embaracosa, como, alids, qualquer expressio neste caso. Ela diz algo certo se pensava a partir da metafisica; mas, jus- tamente, por isso induz a erro; pois trata-se de conquistar a passagem da metafisica para dentro do pensamento de ser. E enquanto este pensamento se caracteriza a si mesmo como ontologia fundamental, ele se interpde, com tal designagao, seu préprio caminho e o obscurece. A expressao "on- tologia fundamental" parece induzir 4 opinido de que o pensamento que procura pensar a verdade do ser e nao como toda ontologia, a verdade do ente, é, enquanto antologia fundamental, ela mesma ainda uma espécie de ontologia. Entretanto, j4 desde seus primeiros passos, 0 pensamento da verdade do ser, enquanto retorno ao fundamento da metafisica, aban- donou 0 Ambito de toda ontologia. Mas toda filosofia que se movimenta Na representaca4o mediata ou imediata da "transcendéncia" permanece ne- cessariamente ontologia no sentido essencial, procure ela preparar uma fundamentagao da ontologia ou rejeitar ela a ontologia que para sua se- guranga busca apenas uma crispa¢éo conceitual de vivéncias. Se, entretanto, est4 fora de diivida que o pensamento que procura pensar a verdade do ser trazendo consigo é verdade, 0 peso do antigo costume da representacao do ente enquanto tal se perde até a si mesmo, nesta Tepresentacao, entdo nada mais se torna tao necessdrio, seja para a primeira reflexdo, seja para a preparacdo da passagem do pensamento que representa para aquele que realmente pensa, quanto 4 pergunta: Que é metafisica? O desenvolvimento desta questao pela prelecdo que segue desem- boca, por sua vez, numa pergunta. Ela se chama a questo fundamental da metafisica e diz: Por que é afinal ente e nao muito antes Nada? Dis- cutiu-se, entretanto, muito sobre a angiistia e o nada que foram abordados Mas ninguém teve a idéia de meditar por que a prelegao que pensar, partindo do pensamento da verdade do ser, no nada, e HEIDEGGER Su SSRN sss Se a partir deste, na esséncia da metafisica, considera a questo formulada como @ questéo fundamental da metafisica. Ser4 que isto néo poria na cabeca de algum ouvinte atento uma suspeita mais grave que todo o zelo = a —_. € 0 nada? Pela questao final vemo-nos colocados diante suspeita que uma reflexdo que procura pensar o ser, indo o caminho do nada, retorne no fim novamente a uma questo as ente. Na medida em que esta questao, ainda no estilo tradicional de questionar da metafisica, pergunta causalmente conduzida pelo "porque", o pensa- mento doser é totalmente negado em favor do conhecimento Tepresentador do ente a partir do ente. Para actmulo de tudo, a questo final é, sem divida, aquela que o metafisico Leibniz formulou em seu Principes de la Nature e de la Grace: “Pourquoi il y a plutét quelque chose que rien?" (Edig&o Gerhardt, tomo VI, 602, nimero 7). Nao fica, assim, a prelec3o aquém de seus propésitos? Isto poderia acontecer visto a dificuldade da passagem da metafisica para o outro pen- samento. Nao formula a exposicao em seu final, com Leibniz, a questao metaffsica da causa suprema de tudo o que é? Por que, entao, o que seria conveniente, nao é citado o nome de Leibniz? Ou seré que a pergunta é formulada em sentido inteiramente dife- rente? Se ela nao interroga pelo ente e nao esclarece a tiltima causa 6ntica deste, entéo deve a pergunta partir daquilo que no € o ente. Tal coisa a pergunta nomeia e o escreve com letra maitiscula: O Nada que a prelegao meditou como seu tinico tema. E preciso meditar o final desta prelecdo a partir do ponto de vista que lhe é préprio e que em tudo a orienta. Entao aquilo que é citado como a questo fundamental da metafisica deveria ser formulado na perspectiva da ontologia fundamental, como a questao que brota do fundamento da metafisica e como a questdo que por este fundamento interroga. Como devemos nés, ent&o, compreender a quest&o que encerra a prelegdo, se estamos de acordo que esta, no seu final, retorna a seu objetivo préprio? O teor da questdo € o seguinte: Por que afinal ente e nao antes Nada? Suposto que nao pensamos a verdade do ser mais no ambito da metafisica e metafisicamente como de costume, mas a partir da esséncia e da verdade da metafisica, entao o sentido da questéo que encerra a prelecio pode ser o seguinte: Donde vem, que, em toda parte, o ente tem a hegemonia e reivindica para si todoo "é", enquanto fica esquecido aquilo que nao é um ente, o nada aqui pensado como o préprio ser. Donde vem que propriamente nada é com o ser e que o nada propriamente no é (west)? Nao vem daqui a aparéncia inabalavel para a metafisica de que o "ser" € evidente e que, em consegiiéncia disso, o nada se torna menos problemético que o ente? Tal é realmente a situacao em torno do sere do nada. Se as coisas fossem diferentes para a metafisica, entao Leibniz nao poderia dizer, na passagem referida, esclarecendo: "Car le rien est plus simple et plus facile que quelque chose". 1 partir de seu final, ndo a partir de um final

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