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Message in a (million) bottle(s)

Por Mário Salimon

A idéia de um humano, sozinho em uma ilha, arremessando uma garrafa com um


bilhete dentro é clara para todos. É um pedido solitário de socorro que, se funcionar,
chegará a um só lugar. Quando alguém publica um texto na web, e hoje sabemos
que até crianças em situação de rua e guardadores de carro gastam parte do que
apuram em cybercafés, o alcance é teoricamente ilimitado. Cada mensagem pode
ser mandada em um milhão de garrafas. É esse o espírito da economia do
conhecimento.

Pouca gente tem tratado desse tema em linguagem acessível, mas um autor pouco
divulgado por aqui me convenceu. Em seu excelente livro Intangibles*, que me foi
indicado por Lawrence Prusak quando em visita a Brasília, Baruch Lev explica que a
competitividade resultante da desregulamentação e o deslocamento de mercados
gerou um tipo de competição diferente, centrado em inovação e intangíveis.
Também se ancorou muito na computação e em outros avanços da área de
tecnologia de informação.

Essa necessidade impôs processos bastante marcantes de reorganização, pois as


empresas eram principalmente preocupadas com o que possuíam e produziam em
meios físicos. Era uma cultura em que a tangibilidade determinava os fazeres e em
que, por conseguinte, as transações econômicas internas e externas sofriam com o
princípio da escassez ou rivalidade dos ativos. A idéia é simples: uma mesa é um
ativo escasso. Se estiver à minha frente, não pode estar à sua. Eu sou uma ativo
escasso. Se estiver trabalhando na organização A num determinado instante, não
poderei fazê-lo para B.

Assim, o dinheiro investido na produção de um ativo fica imobilizado fisicamente


naquela unidade e o custo marginal para produção e disponibilidade de cada outra
mesa será sempre determinado pela materialidade de uma nova peça. É óbvio que
há outros determinantes que devemos levar em conta na gestão conhecimento, mas
este primeiro fator, o da escassez, tem que ficar claro antes.

A disponibilidade de um produto resultará sempre de, pelo menos, dois tipos de


custo, um de pesquisa e desenvolvimento, ou seja, de concepção, e outro de
realização do produto concebido.

O primeiro tem um apelido em inglês, sunk (afundado), que também faz sentido em
português, pois representa o dinheiro enterrado na fase inicial do projeto. Se os
testes de mercado indicarem falha do produto, não haverá como recuperar o
investimento.

O segundo tipo de custo é o chamado marginal e corresponde ao que se gasta para


colocar no mercado cada próxima unidade. Este é, sabidamente, menor ao largo da
história do produto, sempre que aplicável a noção de economia de escala. Mas,
mesmo assim, haverá sempre, na cultura dos tangíveis, alguma materialidade e os
custos dela resultantes.
Como dizia, a reorganização das empresas se baseou muito nos avanços de TI,
resultando em processos e custos transacionais mais baixos, sobretudo para a
informação. O outsourcing transportou a produção material para “o outro” e as
grandes empresas entenderam ser mais relevante investir em pesquisa e
desenvolvimento, visto que a sobrevivência de suas marcas dependia mais de
fatores imateriais como a percepção dos clientes sobre seus produtos e a relação
com eles estabelecida.

Note-se que ambos os fatores impulsionaram o desenvolvimento de comunidades


intensas em manipulação de conhecimento, que pode, numa acepção
contemporânea, ser entendido como informação derivada de interações e aplicada a
alguma estratégia.

A beleza da economia dos intangíveis é a possibilidade de se multiplicar unidades de


explicitação do conhecimento a um custo marginal muito baixo. É a multiplicação
dos pães, do fermento intelectual e a possibilidade de acelerar processos de
transformação nas organizações e sociedades.

O avanço da cultura de código aberto joga favoravelmente e os motivos são óbvios.


Mesmo os rumos dos mercado de TI e telecom impulsionam hábitos de
compartilhamento, valendo-se do produzido pelos internautas e netizens em sua
busca voraz por conteúdos.

Mas falamos de um mercado totalmente caótico e, embora pense francamente que


deva continuar assim, sem controle, também entendo que aquelas pessoas
implicadas com gestão da estratégia e do conhecimento devem olhar mais
cuidadosamente para a periferia das relações na web do que para o núcleo duro de
negócios que se estabelece pelas vias formais e institucionais.

Há processos incríveis de comunicação sendo levados a termos na web, anos luz do


que se pratica nas organizações que andam pelo mainstream. Mas a maioria ainda
busca formas de sair do “folder eletrônico”, com fluxos de produção ancorados em
pelo menos três grandes filtros: os chefes, assessores de comunicação e as áreas de
TI. Nesse cenário, uma nota ou unidade explicitada de conhecimento, pode levar
dias para chegar à web. Enquanto isso, a gente blogueira de vanguarda escreve,
fotografa, filma, posta e abre o debate em matéria de minutos.

Conhecemos bem os porquês disso. O que desagrada os mamutes institucionais


nesses sistemas de ponta é, pelo lado dos chefes, a pouca possibilidade de controle
dos conteúdos que vão a campo e, da parte de quem produz conhecimento, a velha
noção de que conhecimento é poder.

Alguém precisa convencer essa gente que Francis Bacon teve sua importância já há
alguns séculos e que, no mundo corporativo moderno, o que funciona não é
controle, mas compromisso.
* Intangibles – Baruch Lev, Brookings Institution Press, Washington, DC, 2001

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