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DE CAMPINAS
CENTRO DE LINGUAGEM E
“Roubem nossas histórias” COMUNICAÇÃO
Jor Rosseti
Por Carolina
Rosseti, Carolina. “Roubem as nossas histórias”. O Estado de S. Paulo,
18/4/2010, p. J8.
Quando chegou à sede da redação do ProPublica na terça-feira, Sheri Fink logo se deu conta de que
FACULDADE DE JORNALISMO
aquele não seria um dia normal de trabalho. Ela mal aterrissara no 23º andar do prédio de esquina da
Broadway com a Exchange Plaza, em Manhattan, e já era alvo de uma penca de pedidos de entrevista.
Habituada ao ofício de repórter, sentia-se um tanto desconfortável naquela estranha inversão de papéis.
Na véspera, a Universidade Colúmbia, como em todo mês de abril desde 1917, havia
anunciado os ganhadores da edição do mais importante prêmio da imprensa americana: o
Pulitzer. Na lista dos vencedores de 2010 da categoria reportagem investigativa, a matéria premiada de
Sheri chamou atenção pelo ineditismo. Foi a primeira vez que uma organização de mídia digital
recebeu o prêmio batizado em homenagem ao editor Joseph Pulitzer, que no testamento deixou
fundos para que Colúmbia laureasse exemplos de excelência na imprensa.
O Pulitzer de Sheri foi para a reportagem As Escolhas Mortais no Memorial, em que reconstrói o
dilema da cirurgiã Anna Pou na manhã seguinte à destruição provocada pelo furacão Katrina em New
Orleans. O Memorial Medical Center ficou cercado de água e a única escapatória era pelo heliponto. Feita a
triagem, os pacientes com mais chances de sobreviver foram os primeiros a serem retirados. Para muitos
dos doentes em estado mais grave, a espera pelo resgate seria fatal, avaliou a doutora Pou. Um ano
depois do episódio, Anna Pou, com duas enfermeiras, acabaram presas. Anna foi acusada de mandar
aplicar injeções de sedativos morfina e midazolam em 17 pacientes do hospital, causando a morte de pelo
menos 4. Durante dois anos e meio, Sheri acompanhou o caso, que motivou intenso debate nos EUA
sobre a ética dos profissionais da saúde durante desastres. Anna Pou foi absolvida por júri popular.
"Não podemos deixar que médicos sejam postos nessa situação", diz a repórter de 41 anos,
também formada em medicina pela Universidade Stanford. Tendo vivido situações de estresse
semelhantes à da personagem central de sua matéria, Sheri tem ligação profunda com o tema. Durante
anos alternou seu trabalho de jornalista free-lancer com o dos meses que integrava as tropas da
organização humanitária International Medical Corps, na qual prestou serviços em Kosovo, Chechênia,
Afeganistão e Iraque.
A decisão de se tornar jornalista veio no ano seguinte ao da graduação médica, em 1998, quando
partiu para a Bósnia com a intenção de narrar a história de uma equipe de jovens médicos que,
encurralados no fogo cruzado entre sérvios e bósnios, eram atormentados diariamente por decisões da
mesma natureza moral da doutora Pou.
No hospital-bunker de Srebrenica, Sheri conheceu o cirurgião bósnio Nedret, que cruzava campos
minados para atender os feridos que não conseguiam chegar ao hospital. Outro idealista, Eric, acreditava
que os Médicos Sem Fronteiras poderiam impedir o genocídio de 8 mil bósnios. Suas histórias foram
reunidas por Sheri durante cinco anos de pesquisa e resultaram na publicação, em 2003, de War Hospital:
A True Story of Surgery and Survival, pelo qual ela recebeu o Special Book Award 2004 da Medical Writers
Association. Sheri era exatamente o que procuravam os fundadores do ProPublica enquanto garimpavam
os nomes para a equipe inicial do site.
Fundado em 2008, o ProPublica não tem fins lucrativos. O site surgiu da confluência de
interesses do então editor-executivo do Wall Street Journal, Paul Steiger, que estava
preocupado com o efeito da crise financeira da imprensa sobre a qualidade do jornalismo das
grandes redações, e do casal de banqueiros da Califórnia Herbert e Marion Sandler, que
desejava doar US$ 10 milhões para um projeto na área de mídia. Graças aos Sandlers, o site tem
suas finanças garantidas até 2012. Outras fundações, como a MacArthur, Atlantic, John S. James e L.
Knight, também são colaboradoras.