Você está na página 1de 10
O Nome-do-Pai Francois Regnault O Nome-do-Pai pode ser facilmente considerado um dos conceitos principais da psicandlise lacaniana. As pessoas parecem as vezes incli- nadas a tomi-lo por certo, devido as consideracdes de Freud sobre 0 assassinato do pai em Totem e tabu, mas prefiro no considerd-lo Sbvio , em vez disso, expressar surpresa. O pai, tudo bem, mas por que seu nome? ONome-do-Pai € um conceito lacaniano, nao freudiano. Ele se torna cada vez mais importante para Lacan 4 medida que seu trabalho progride, embora nao possa ser considerado um conceito “fundamen- tal”, porque existem somente quatro conceitos fundamentais da psica- Nalise, a seu ver: inconsciente, repeti¢ao, pulsdo e transferéncia. Mesmo assim, ele tem uma importancia crucial, tanto que Lacan pretendia dedicar-Ihe um ano inteiro de semindrio em 1963, mas foi forgado a deixar o Hospital de Sainte-Anne antes que pudesse dar mais que uma conferéncia. Ele nunca voltou a este ponto como tal, embora com freqiiéncia o discutisse ligeiramente. Chegou até a chamar um de seus tltimos semindrios, o de 1973-4, Les Non-dupes errent, que faz um trocadilho com “Les Noms-du-Pére” (os dois sintagmas sdo pro- nunciados do mesmo modo em francés), e quer dizer, “os que nao sdo tolos erram”: as pessoas que sempre pretendem nao se enganar sdo as. mais enganadas. Mas 0 trocadilho também significa que, em vez de “le Noms-du-Pére™, que Lacan se recusava a adotar novamente como tal, fez-se uma substituigao: ndo-tolos tomam o lugar do pai, ¢ sua errancia toma o lugar do nome. 0 Nome-do-Pai aL Isso & mais que uma quest4o somente de institui¢4o ou de estatuto. Significa igualmente que é da natureza de um nome ser substituido: € a propria substituigao! Realmente, o nome do pai é tao importante na teoria de Lacan quanto o pai como nome (Ornicar?, 5, 54). Portanto, vou tentar definir este conceito ¢ tracar sua evolugdo no pensamento de Lacan. O pai Se nos referirmos ao Discurso de Roma, “Fungdo ¢ campo da palavra ¢ da linguagem na psicandlise”, fica claro que a fungdo do pai ¢, em primeiro lugar, suportar o simbolo, isto é, erigir a ordem simbdlica. O homem ¢ constituido por essa ordem: “O homem fala, pois, mas porque © simbolo 0 fez homem” (Ecrits, 65). Seguindo Lévi-Strauss, que fornece a Lacan as leis formais e es- truturais das relagdes — uma ordem simbélica constitufda em toro de uma espécie de vacuo, que é a proibi¢4o do incesto — Lacan observa: E no Nome-do-Pai que devemos reconhecer 0 suporte da fungdo simbé- lica que, desde 0 inicio da histria, identificou sua pessoa com a figura da lei. Esta concep¢do nos permite distinguir claramente, na andlise de um caso, 0s efeitos inconscientes dessa fungdo das relagdes narcisicas ‘ou mesmo reais que o sujeito mantém com a imagem ¢ agSes da pessoa que encama essa fungdo (Ecrits, 67). Isso significa que temos de distinguir a fun¢o simbélica do pai, que pode ser encontrada no significante como tal (isto é, na cadeia signifi- cante), da relagdo imagindria entre pai ¢ filho. Significa também que um dos principios mais fundamentais cm psicanilise & que o pai é,em primeiro lugar, um nome — um significante — e apenas secun- dariamente uma pessoa (um homem, na maioria dos casos). Assim, 0 pai ndo pode ser encontrado na natureza, porque o animal que gcrou outro é apenas um meio contingente para o nome que se dé a cle. Em outras palavras, os animais, falando estritamente, nao tém pais. (Nem mies, ¢ certamente nem tios ou tias, sobrinhos, primos etc. Exceto, é claro, se os domesticarmos e criarmos, trazendo-os para a ordem simbélica: neste caso, damos-Ihes um pedigree.) Do ponto de vista clinico, é claro que uma crianga pequena encontra © desejo de sua mae € que, além deste desejo, encontra alguma coisa a que sente que sua mae obedcce: a lei do pai. Ela encontra o pai como significante através dessa Ici, no necessariamente o homem que pode vir a amar ou detestar, ¢ com quem se identifica. Portanto, ocorre uma separagdo, ndo entre a crianga ¢ sua mae e seu pai mas, diz Lacan, entre 82 Francois Regnault © seio como causa de desejo ¢ a m3e que representa a lei do pai nesse momento. Nesse momento, também, a idéia, ou melhor, a experiéncia de uma dfvida simbdélica para com o pai cria raizes. Esta divida significa que existe alguma coisa em demasia num determinado lugar ¢ em escassez noutro, permitindo que objetos, bens e mulheres circulem e se movam ao longo da cadeia significante em relacdes sociais tribais primitivas. O Nome-do-Pai levanta um duplo problema: o do pai ¢ o do nome, ou, na verdade, o do pai simbélico — o pai como nome — ¢ o do nome proprio. Num certo sentido, “pai” n3o € em absoluto um nome prdéprio (de um ponto de vista légico ou russelliano), € noutro sentido, ele é 0 nome proprio. Recebemos seu nome: recebemos nosso nome a partir dele, através dele, por causa dele, e assim por diante. Lacan comega com a visdo freudiana do pai como o tirano da horda Primitiva, que é assassinado ¢ se torna um totem simbélico, e chega & visio do pai como nome proprio, puro significante, uma espécie de propriedade matemiatica ou formal. Freud também considera 0 pai como nome. Por exemplo, em Totem ¢ tabu, observa que em algumas tribos australianas “um homem em- Prega 0 termo ‘pai’ nfo somente para 0 seu genitor real, mas também para todos os outros homens com que sua mie pode ter se casado de acordo com a lei tribal, ¢ que portanto podem té-lo gerado” (6). O mesmo se aplica ao termo “mae”. Mas também é verdade que Freud considerava 0 pai como sendo essencialmente o pai morto. E na sua referéncia as tribos australianas, no € 0 pai quem nomeia, ¢ sim o filho. Num dos ultimos artigos dos Ecrits, Lacan pergunta: o que é um pai? Sua resposta é bem clara: “Eo ‘pai morto™”, responde Freud, “mas ninguém escuta e, no que diz respeito ao aspecto retomado por Lacan sob o termo ‘Nome-do-Pai’, € lament4vel que uma situac4o to anticientifica ainda deva priva-lo de sua audiéncia normal” (Ecrits, 310). E como se nem Freud nem Lacan pudessem ser acreditados quando falavam do pai simbélico. Deixem-me abordar outra diferenga entre Freud ¢ Lacan quanto a este conceito. Enquanto Freud, em Totem e tabu, se refere es- sencialmente a dados etnoldgicos, representando 0 passado da huma- nidade, Lacan se refere a religido, representando também o presente da humanidade: “se ocontexto simbélico assim oexigir, a paternidade ser4 ainda assim atribufda ao fato de que uma mulher encontrou um espirito em alguma fonte ou rocha onde se pensa supor que este viva.” E neste nfvel que fica a emologia. Mas Lacan continua: CCertamente é isso que demonstra que a atribuico da procriagio a0 pai 86 pode ser efeito de um puro significante — o efeito de reconhecimento, no de um pai real, mas daquilo a que segundo a religido devemos nos referir como o Nome-do-Pai (Ecrits, 199). Isso basta, no que se refere a religido, mesmo uma das mais impor- tantes ¢ recentes como a religido crist@, na qual o Nome-do-Pai ¢ 0 primeiro nome a ser invocado, antes de ser associado aos do Filho ¢ do Espirito Santo. Lacan nio postula que a psicandlise seja uma ciéncia (cf. Popper e outros). Antes, pergunta: “Que aspecto teria uma ciéncia que inclufsse a psicandlise?” (Seminério 11, capitulo 4). E Por isso que ele afirma que © sujeito da psicandlise € 0 mesmo sujeito da ciéncia. Chega mesmo a defender 0 cientificismo de Freud. Mas € importante apontar que 0 conceito de Nome-do-Pai vem da religido, ndo da ciéncia. Embora existam muitas religides e elas nunca possam pertencer A mesma categoria nem ter uma esséncia comum, constituindo uma classe in- consciente, a religido no singular poderia mesmo assim ser definida de uma maneira lacaniana como sendo aquilo que nos ensina o Nome-do- Pai. A religido nao apenas o ensina, mas o respeita, 0 que pode levar a uma catdstrofe: a oferta de sacrificios a deuses obscuros, como por exemplo no nazismo (onde pai ¢ Fiihrer estéo ligados). E porque a religido situa o sfmbolo num nfvel to elevado que se pode dizer isso. Oque leva Lacan ase interessar realmente pela teologia, muito mais que Freud, e sobretudo por teologia cristéa. Nao vamos esquecer que o Cordo, por exemplo, recusa referir-se a Deus como pai, ¢ despreza a familia da Santissima Trindade. E por isso, também, que Lacan cita freqiientemente a passagem biblica em que Addo nomeia os animais e as plantas. Quando dizemos “o Nome-do-Pai”, podemos considerar 0 “do” como um genitivo subjetivo — os nomes recebidos por Deus, os nomes com que chama- mos Deus (0s “nomes divinos” séo um problema bem conhecido em teologia) — ou como um genitivo objetivo — os nomes que um pai dé aseus filhos. O “Nome-do-Pai”, portanto, pode se referir ao nome que tem o pai ou ao nome que o pai dé a seus filhos ¢ filhas, o nome pelo qual nos referimos ao nosso Deus ou os nomes dados por Deus a suas criaturas. Esta é uma ambigiiidade preciosa. A guisa de conclusao sobre este ponto, deixem-me citar outra pas- sagem de “Uma questdo preliminar a todo tratamento possivel da psicose”, concernente a relagdo entre paternidade e morte: Com efeito, como poderia Freud deixar de reconhecer semelhante afinidade, quando a necessidade de sua reflexio 0 levou a ligar 0 surgimento do significante do Pai, como autor da Lei, com a morte, € Mesmo com 0 assassinato do Pai — mostrando assim que, mesmo que 84 Francois Regnault seu assassinato seja 0 momento fecundo da divida pela qual o sujeito se une & vida pela Lei, 0 pai simb6lico € 0 Pai morto, na medida em que ele significa esta Lei (Ecrits, 199). Nomeagao Vamos considerar agora trés problemas de nomes € nomeagao relacio- nados com o pai. Nao vou discutir as consideragdes de Lacan sobre os nomes préprios nos semindrios que precederam este semindrio inédito sobre os Nomes-do-Pai. Mas direi que o problema fica cada vez mais complicado a partir de 1963. No final, o Nome-do-Pai € 0 proprio né borromeano. Em primeiro lugar, a ess€ncia da nomeacao, relativamente ao pai, € a substitui¢do: € como se tio logo soubéssemos 0 nome de nosso pai (que é também o nosso) féssemos levados a supor outro nome, € mais outro, € assim por diante, ad infinitum. Por isso é que Lacan prefere dizer os Nomes-do-Pai. Logo, estes so somente nomes metaféricos, 0 que explica por que 0 Nome-do-Pai (no singular) é de fato uma metdfora. Um significante é substitufdo por outro. Mas o principal significante a ser substitufdo € 0 falo, que representa algo que falta, de modo que, como diz Lacan, parao imaginario do sujeito, “a significagao do falo... € evocada pela metéfora paterna”. A férmula da metéfora, dada por Lacan (Ecrits, 200), € a seguinte: Onde s.$ 1 $x” (') S = significante, x = significagao desconhecida s = significado produzido. Se aplicarmos esta {6rmula & metéfora paterna, teremos uma meté- fora que pde um nome no lugar onde a mie estd ausente (lembremos aqui do jogo do fort-da discutido por Freud em “Além do principio do prazer”): Nome-do-Pai , __DesejodaMie__, _, (AL Desejo da Mae Significado do sujeito Bone-do- Pal (i) Onde A = Outro E quando um nome ou significante prova ser faltoso que alguma coisa estd “fora do lugar”, para tomar a expressdo de Hamlet. E por isso que 0 Nome-do-Pai 8s Lacan afirma que a propria estrutura da psicose ¢ aquilo que cle chama de foraclusio (uma exclusdo ou elimina¢4o) do Nome-do-Pai. Alguma coisa que nao se encaixa. O Nome-do-Pai, que & substituigo como tal, € um significante insdlito. Sua significago é a de um significante que falta na bateria dos significantes, isto €, no campo do Outro. Logo, Lacan escreve A/falo, em vez de I/s na sua férmula da metdfora paterna. Lacan aplica isso a Schreber, em que toda a psicose surge quando, nao podendo ter filhos, isto é, tornar-se um pai, ele se transforma numa mulher — a esposa de Deus. ‘Como conclusio deste ponto, podemos imaginar a fun¢40¢ utilidade do Nome-do-Pai considerando 0 que diz Lacan em “Position de I'in- conscient”: Do lado do Outro, o lugar onde se verifica a fala na medida em que encontra a troca de significantes, 08 ideais promovidos, as estruturas elementares de parentesco, a met4fora paterna considerada como prin- cipio da separago e a divisdo sempre reinstaurada do sujeito, devido & sua alienagdo primdria — neste lado apenas e pelas vias que acabo de ‘enumerar, devem se instituir ordens ¢ normas que dizem ao sujeito o que um homem ou uma mulher devem fazer (Ecrits, 1966, 849). ‘Vamos nos referir agora a um dos primeiros grafos empregados por Lacan para representar, entre outras coisas, 0 laco entre a fun¢io paterna ¢ sua trilogia real, simbélico ¢ imaginério. Ele considera o sujcito como estruturado por trés relagSes: a ordem simbélica, como vimos, a ima- gindria (comegando pela constituigdo do seu eu, especialmente quando ele se considera um todo no espelho ¢ cai na ilusdo de acreditar-se auténomo), € em terceiro lugar o objeto ou “coisa real” (cf. 0 belo titulo do conto de Henry James) que causa o desejo. Lacan constréi um quadrado que representa a cstrutura do sujeito, de um ponto de vista tanto estético quanto dinamico (ou histérico). M (eu) Esquema R 8 Francois Regnault A figura é constitufda pela associag4o de dois triangulos: 0 da ordem simbélica e 0 da imagindria, ligados entre si pelo quadrangulo do real. S: sujeito sob o significante do falo. i, m: termos imagindrios da relagao narcfsica. I: ideal do eu. M: mie, objeto primério. Pem A: posig¢ao no Outro do Nome-do-Pai Do ponto de vista estdtico temos: Triangulo I: relagao dual do eu no Outro (i = a), @, m, i. Tridngulo S: I, significante do objeto M ( =a), Nome-do-Pai Pnocampo do Outro, Triangulo R: considerado como efeito do simbélico no imagindrio (0 real €0 resto). De i para M: relacdes agressivas e erdticas. De m para I: 0 eu, de sua Urbild a identificagao paterna. Do ponto de vista histérico temos: Arelacdo com a mac (Outro real) — das Ding. As diferentes imagens que formam 0 eu. Em 1966, Lacan explica que este quadrilétero, que em 1958 cle consi- derava a partir de um ponto de vista geométrico ou algébrico, deve ser também reinterpretado topologicamente como superficies unilaterais (cf. a banda de Mocbius). Deve-se unir i a I ¢ ma M (cf. Vappereau, Etoffe, 240-1). s. au © Esquema R transformado topologicamente Em tal faixa, m ¢ M em primeiro lugar e i ¢ I em segundo, so idénticos (mi = MI). Se cortarmos novamente a faixa de i a m (= de La M). obteremos mais uma vez a superficie plana do esquema R. O sujeito € 0 que se corta ¢ 0 que cai pela agdo do corte € 0 objeto. Na opinido de Lacan, 0 sujeito € estruturado como uma borda ¢ 0 objeto ¢ estruturado como um resto cafdo. Mas ndo se pode ver nem o sujcito nem 0 objeto 0 Nome-do-Pai 87 na faixa (mM/i]). E a interpretag3o que corta a faixa ¢ produz sujeito ¢ objeto. Neste esquema, vemos 0 Nome-do-Pai como um ponto firme, fixo, que orienta as relac¢des do sujcito. Na faixa, ao contrério, P ¢ S sio bordas que constituem apenas um lado, mas também um furo. E posstvel referir-se ao Nome-do-Pai como sendo este furo. Em certa época, Lacan pode ter pensado que 0 sujeito seria igualmente determi- nado por simbélico, imagindrio e real, igualmente oprimido e es- trangulado por estes. Ele veio a pensar que uma certa estrutura topol6- gica, 0 nd borromeano, era a estrutura perfeita para destacar a triplice relagao entre eles ¢ 0 sujeito (Freud nao estava longe de pensar numa estrutura semelhante ao analisar como inibi¢4o, sintoma e angustia estdo modulados. Freud também diz que 0 eu est igualmente oposto a trés termos: 0 supereu, o mundo exterior € 0 isso. Se quisermos ligé-los aos registros lacanianos, podemos supor que 0 mundo ou realidade exterior seja o imaginério, o supereu o simbélico € 0 isso 0 real). Este n6 tem pelo menos uma propriedade: cada um dos trés termos est4 ligado a cada um dos outros pelo terceiro (cf. Ornicar? 5, 92). >) Sentido R Tie Uma das razdes Sbvias para se introduzir semelhante coisa no campo freudiano € que o real permite ao analista “desatar aquilo em que consis- te o sintoma, isto é, um né de significantes” (Televisdo). Atar ¢ desatar nao sdo met4foras, mas a estrutura real da cadeia significante. Em todas as outras ocasides, Lacan diz que esses trés elementos encadeados constituem uma metéfora. Nao uma metéfora do inconsciente, e sim da prépria cadcia. Uma metéfora de numero (Ornicar? 10, 5). Nao vou discutir as propriedades muito complicadas do n6 bor- romeano quando, em vez de trés circulos, temos mais de trés — clos inumerdveis, até mesmo de um numero infinito — ou mesmo quando, em vez de elos, temos cadcias, séries ¢ assim por diante. Muitos livros foram escritos sobre este tema. Vou preferir tomar 0 né borromeano 88 Francois Regnault como a “jungdo” sem a qual tudo se separae cai em pedagos. A “jungdo” €0 Nome-do-Pai. Mas quando Lacan desenvolve a idéia do Nome-do- Pai como este né, ele afirma o seguinte: +O Nome-do-Pai € 0 proprio n6. E o que € um n6? E um furo e uma modulago em torno deste furo. O nome proprio é um furo (como a coisa nao tem nome, d4-se um nome a auséncia da coisa). Os judeus, diz Lacan, “s3io muito claros a respeito daquilo que chamam de Pai. Enfiam-noem algum lugar do furo que no podemos sequer imaginar: Eu sou 0 que sou — isto é um furo, niio é? Um furo (...) engole as coisas, e as vezes torna a cuspi-las. O que ele cospe? O nome, o Pai como um nome”. (Omicar? 5, 54). * Mas, uma vez que 0 Nome-do-Pai é uma metéfora, deslizamos de um elo para 0 seguinte. S6 existem Nomes-do-Pai. “Os Nomes-do-Pai sio © simbélico, o imagindrio ¢ o real. Eles si 0s primeiros nomes, na medida em que nomeiam alguma coisa.” (Ornicar? 5, 17). * Porém, 0 Nome-do-Pai € acrescentado ao né como algo mais, algo adicionado. Porque ele é um nome. “Das trés consisténcias, nunca se sabe qual é a real. Por isso é que elas t¢m que ser quatro. O Quatro é aquele que, com uma dupla volta, suporta 0 simbélico naquilo pelo qual €louco: 0 Nome-do-Pai” (Ornicar? 5, 55).O Nome-do-Pai € outro nome para o simbélico como tal, como vimos no inicio. A guisa de conclusao Para concluir, existe uma nomeag3o simbélica, mas também uma nomeagao imaginria (isto €, a suposigdo platénica de que o nome é adequado a coisa [€t500]) ¢ existe o que Lacan chama de nomeagao do real como angiistia (de um ponto de vista “clinico”), mas também o real como suposto pelo referente (de um ponto de vista l6gico — Kripke, mais que Russell) (Ornicar? 5,64). Epor isso que Lacan fala dos nomes dos astros. Com esses trés tipos de nomeagio pode-se compreender toda a circulagio ¢ estrutura do Nome-do-Pai, que vai adquirindo cada vez mais sentido na teoria de Lacan, tornando-se ao final, de certo modo, a propria estrutura. Existem, de um ou outro desses pontos de vista (simbélico, imagi- nario, real), muitos nomes do pai — a Mulher, por exemplo, ou 0 homem mascarado. “O Pai tem tantos (Nomes) que nao hé nenhum que Ihe seja adequado, exceto o Nome de Nome de Nome.! Nao existe um Nome que pudesse ser seu nome préprio, exceto o Nome como uma ex-sisténcia” (Ornicar? 6-7, 7). 0 Nome-do-Pai to) Podemos agora compreender por que Lacan forneceu, em “Ciéncia e verdade”, uma definigao muito estranha da psicandlise: “a psicandlise & essencialmente aquilo que traz 0 Nome-do-Pai de volta a0 exame cientifico” (Newsletter of the Freudian Field, 3, 22). NOTA 1. As palavras nam de figuram em muitas imprecagdes francesas: nom de Dieu, nom d'un chien, nom d'un nom etc.

Você também pode gostar