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DAE EXECUTIVA DESENVOLVENDO A CRIATIVIDADE NAS ORGANIZACGOES O DESAFIO DA INOVACAO + Eunice Lima Soriano de Alencar Um clima favordvel a criatividade, aliado a pratica in- tencional do processo de resoluco criativa de proble- mas, facilita a mudanga e a introducdo bem-sucedida da inovacao no contexto organizacional. Favorable conditions and the practice to solve problems creatively make possible the change and the successful introduction of innovation in the organizational context. PALAVRAS-CHAVE: latvidade, Inovacdo, organizago, mudanga. Key worps: creatvty, imovation, organization, change, + Professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasilia. (ae@oa0sp fgvsp.br) Assinatura E-mail RAE - Revista de Administragdo de Empresas Sto Paul, v.35, 9.6, p. 6-11 Nov Dez, 1995 _DESENVOLVENDO A CRATIVIOADE NAS ORGANZAGCES 0 DESAFI. criatividade esté relacionada com 0s processos de pensamento que se associam com a imaginagéo, 0 insight, ainvencio, aintuicéo, ainspiracao, a iluminacio ea originalidade. Embora seja muitas vezes considerada sinénimo de “inovagio”,observa-se que este dilkimo ter- mo tem sido mais utilizado no contexto das organizagbes, enquanto o termo “cria~ tividade” tem sido usado para falar de in- dividuos e grupos de individuos. Dessa forma, a criatividade do individuo tem sido considerada o fator fundamental para a geragio da inovacio, de interesse da or- ganizacio, constituindo a primeira o com- onente ideacional da inovacio, enquanto esta englobaria a concretizacéo e a aplica- ‘fo das novas idéias" A ciatividade tem também algo de mé- sco e misterioso, uma vez que as idéias riativas nem sempre ocorrem quando as desejamos ou as procuramos, mas costu- mam emergir inesperadamente, em mo- mentos em que muitas vezes estamos dis- tantes do problema. A criatividade é um recurso valioso de que dispomos e que necessita ser mais cul- tivado, especialmente neste momento da historia, em que a mudanga e a incerteza parecem fazer parte inevitdvel de nossa vida, Esta é uma época caracterizada por aceleradas transformagoes tecnolégicas, integracdo regional e mundial da produ- ‘cdo e comercializacéo, universalizacio das comunicacées, répidas mudangas politicas e culturais etc. A competicdo empresarial © em outras Areas, nos niveis nacional e internacional, torna-se cada vez mais tensa. As solugSes de que dispinhamos para muitos problemas mostram-se hoje ‘obsoletas, e novos desafios surgem a cada momento. No contexto empresarial, por exemplo, a mudanga estd se tormando a regra e no a excegio. Novas demandas dos clientes, novos produtos, novas técnicas de prod ‘fo e comercializacio, novos processos de gerenciamento, novos mercados, sistemas ‘mais eficientes de transporte e comunica- ‘ao, entre outros, surgem a cada dia ecada vez mais répido. A magnitude e a veloci- dade dessas transformagées estdo a exigir novas formas de gerenciamento, que in- cluem decisdes répidas sobre fatos novos, para 0s quais nao se pode contar com re- ‘gras preestabelecidas. A par de medidas administrativas, como a descentralizacao do processo de decisto, este quadro esta exigindo uma crescente capacidade criati- va da parte das liderancas e de outros memibros da forca de trabalho das organi- zagbes. Introduzir uma inovagao nem sempre é algo simples, como se poderia imaginar primeira vista. Isto porque a resisténcia & ‘mudanga algo muito freqiente. Beverid- £e%, bidlogo e professor da Universidade de Cambridge, lembra, neste sentido, que a mente humana resiste a uma nova idéia, dda mesma forma como 0 nosso organismo enfrenta um elemento estranho, ejeitando- ‘com igual intensidade. Observa-se uma série de fatores inibidores a aceitacao de novas idéias ou propostas, como 0 habito, a intolerdncia a ambigitidade, abaixa tole- rancia a mudanga, o dogmatismo, 0 medo do desconhecido e a baixa propensio a correr riscos. Por esta razao, os dois gran- des desafios a serem trabalhados no con- texto organizacional so: como introduzir uma inovagao e como facilitar o processo de adaptacao dos individuos a mudanca ‘Ao contrério do que ocorre em alguns pafses mais avancados, com visdo de futu- 10, no Brasil poucos tém procurado tirar proveito sistemético da criatividade. Uma das razbes bésicas para esse comportamen- to encontra-se no sistema educacional ob- soleto. Observa-se que, por exemplo, em- bora seja a criatividade talvez o recurso ‘mais precioso de nossa mente, ela no ven recebendo a atengao necessdria em nossas escolas, e aqui nos referimos tanto ao pri- meiro e segundo graus quanto ao ensino universitério, Nao hé interesse por parte da escola em desenvolver a capacidade do aluno para pensar de uma maneira criati- va e inovadora. Tampouco vem a escola estimulando nos alunos caracteristicas como independéncia, disposicéo para aprender a partir dos proprios erros, per- sisténcia e autoconfianca, aliadas a uma atitude otimista e a coragem para correr riscos. Apesar de estarmos jé vislumbran- do um novo milénio, a nossa escola quali- fica o individuo apenas parcialmente para vida moderna, uma vez que oensino con- tinua praticamente nos mesmos moldes da (© 1995, RAE - Revista de Administragio de Empresas / EAESP / FGV, Sto Paulo, Brasil ae urease noes Brasilia, 1993 ¢0 artigo ABO CW's de Inovaeio.Razio, Usb, 22-33, abr. 198, 2, BEVERIDGE, W. 8. The art Of scientific investigation. ‘ut Yor: Viriage 088, 198, 7 DUNE EXECUTIVA Liele EXECUTIVA 4 VAN GUNDY, A. Organi- ational creativity and nno- “aon, nv ISAKSEN, 5G.) Frontiers of creativity ‘research Buf: Beary, 1987 primeira metade do século, com énfase na reprodugao e memorizagao do conhec- ‘mento considerado relevante pelo profes- sor. Dé ainda maior destaque a ignorancia © incompeténcia do aluno, deixando de lado o que cada um tem de melhor. Com isto, a criatividade reduz-se abaixo do ni- vel das suas reais possibilidades, criando bloqueios, gerando inseguranca, minando a autoconfianca e levando a um enorme desperdicio de talento e de potencial crativo. ‘Aoexaminar a questdo da introdugao da inovagao no contexto organizacional, € necessério lembrar também que, além de alguns fatores da propria organizacao (em- presa ou ndo), como caracteristicas do cli- ‘ma psicolégico predominante e possiveis barreiras internas 4 inovagio, ha também vvariaveis ligadas ao proprio individuo que podem facilitar ou emperrar, contribuir ou dificultar as mudancas que se fazem ne- ‘cessarias. As influéncias reciprocas entre “organizacao e individuo séo esquematiza- dasa seguir: ORGANIZAGAO * inpiviouo ‘Os comportamentos'e as atinudes do‘indi- vidio infiuenciam e io infiaenciadoe pelo sis- tema organizadonal.) ‘Além dessa influéncia reciproca, € ne- cessério lembrar também que, em uma analise mais completa da questo, par das caracteristicas da organizacao e dos atri- butos e comportamentos dos seus mem- ‘bros, como motivacio, autoconfianca e en- tusiasmo, hd fatores de natureza extraor- ‘ganizacional que também afetam 0 com- portamento da instituicéo, como a compe- ticdo com outras, similares, e 0 ambiente externo a organizacao, como o sistema po- Iitico, as normas governamentais e 0s va- ores culturais. Neste texto, daremos destaque a dois aspectos principais, a saber: caracteristicas cde um clima favoravel a criatividade nas “organizagées e 0 processo de resolugio criativa de problemas. Esse processo é um recurso poderoso, que pode ser utilizado ‘na busca de solugoescriativas para proble- mas enfrentados tanto pelo individuo como pelas organizagoes. ‘CARACTERISTICAS DE UM CLIMA FAVORAVEL A CRIATIVIDADE NAS ORGANIZAGOES © clima psicol6gico predominante na onganizacao é um fator de fundamental importancia para a promocao da criativi- dade ea geracao de propostas inovadoras Algumas caracteristicas relativas a esse aspecto foram apresentadas por Van Gun- dy? e estdo relacionadas a seguir. Autonomia ‘Grau em que se dé aos funcionérios li- berdade para inovar. Uma maneira de pro- ‘mover essa autonomia, por exemplo, pos- ta em pratica por algumas empresas, con- siste em permitir que os funciondrios da ‘rea de pesquisa passem parte do seu tem- po, digamos 15%, no desenvolvimento de projetos que nada téma ver com suas obri- gagbes, mas que eventualmente podem redundar em algo de interesse para a or- ganizacéo, Sistema de premiagio dependente do desempenho Considera-se que ha maior probabilida- de de surgirem novas idéias quando os funciondrios percebem que 0 sistema de premiagdo é justo e apropriado, ese baseia rna competéncia e desempenho, em vez de se fundamentar na sorte ou nas relacies essoais do funcionario com os escaldes superiores da empresa. Apoio & criatividade Percepcdo, por parte dos funcionérios, de que a organizacao esta aberta a novas idéias e apéia possiveis mudangas que poderiam ser benéficas a instituigao. Aceitagio das diferencas ¢ interesse pela diversidade entre os membros ‘Tem-se observado que um maior ntime- ro de propostas inovadoras ocorre quan- do ha espaco para a divergéncia de pontos de vista e propostas. Por outro lado, a cria~ tividade sera certamente reprimida em um ambiente que ndo tolera as diferencas en- tre individuos. RAE + v.35 » 9,6 + NoviDer. 1995 _DESENVOLVENDO A GRATIVIOAGE NAS ORGAMZARUES: 0 DESHI. Envolvimento pessoal Intimeras pesquisas tém apontado para a motivacao intrinseca como um fator mui- to poderoso para a criatividade. Um indi- ‘viduo motivado, com alto grau de envol- viento, apresentard certamente alto nivel de dedicagao ao trabalho. Por outro lado, tem-se notado a presenca dessa caracteris- tica em empresas que dao apoio ao indivi- duo, que reconhecem suas habilidades e esforco, levando-o a se sentir satisfeito no trabalho e motivado a se empenhare dar 0 melhor de si Apoio da diresio ‘Um clima criativo s6 ocorrerd caso haja apoio dos escalies superiores da organi- zacio. Outros fatores e caracteristicas de um ‘lima favoravel na empresa expressio da ctiatividade de seus funcionétios sao: + motivar a produgéo de idéias; + tolerar o fracasso, ¢ encorajar a experi- mentagao e 0 risco; + néo impedir e até facilitar a realizacdo de um segundo trabalho; + criar espaco para que 0s subordinados expressem suas opinises; + fazer com que a pessoa sinta que se con- fia nela. E notério que alguns principios de ad- rministracao e geréncia tem sido observa- dos em empresas que vm se destacando nas dreas de inovacdo e criatividade. A li- teratura norte-americana‘ ita, por exem- plo, alguns desses principios, que parecem faciitar o aproveitamento maximo dos re- cursos humanos, como os relacionados a seguir: + insistir na liberdade, no local de traba- Iho, para que se possa perseguir idéias inovadoras, + estruturas organizacional e politica fle- xiveis, com énfase na confianga e coope- ragao métuas; estrutura organizacional e clima de tra- balho em que prevaleca o respeito & dig- nidade e 20 valor dos individuos, em que 4 iniciativa seja encorajada e a5 capaci- dades de cada um, desafiadas; estrutura organizacional que mantenha RAE + v.35 + 1.6 + Now/Dez, 1995 ‘aautonomiae a flexbilidade, através da delegacao de responsabilidade e autori- dade Um dos recursos que temos utilizado em rnossos semindrios de criatividade na érea organizacional, para se ter uma idéia do clima existente nas empresas, sio as ana- A criatividade é um recurso valioso de que dispomos e que necessita ser mais cultivado especialmente neste momento da histéria, em que a mudanca e a incerteza parecem fazer parte inevitével de nossa vida. logias. Temos solicitado aos participantes, desses semindrios, ap6s responderem a varios outros exercicios, para completarem. a seguinte sentenca: “A minha empresa € Os exemplos apresentados a seguir ilus- tram algumas das respostas obtidas. Minha empresa € como. + Minha empresa é a extensio da minha + Minha empresa é 0 outro lado do meu lado. + Minha empresa é como a menina dos ‘meus olhos: eu sou 0 colirio. + Minha empresa é como um quadro de esperanga. + Minha empresa € como um presidio: cada dia chega mais um. + Minha empresa se parece com um trem-fantasma: quem esté fora quer entrar, e quem esta dentro quer sair + A empresa em que eu tra- balho é como um palco, onde infelizmente muitos representam uma farsa. + Minha empresa é como uma casa sem dono: muitos mandam e ninguém toma atitude alguma. 4. wniTINGB. 6, SOLOMON, ‘ 6.1. Key sss in cova, + Minha empresa é como um elefante: f- ‘nee eo eaeetils «il de se ver, mas dificil de se mover. But: Beary, 1968 DAE executiva 5. VON OECH, R.Adick nthe Seat of tha pants. Now Yor Harper & Row, 1966. 6. PARNES, S.J. Creative Denavir guidebook New Yor: Serer 1967 T,ALENCAR,E.M.L.S. Como deservolvero potecialeia- ‘or Petrol: Vazes, 1981, 10 + Minha empresa é como cachaga: € rim masa gente gosta. + A instituigdo onde eu trabalho € como ‘uma chaleira que esté prestes a explodir. + A instituigao onde eu trabalho € como uma balanca: vive oscilando. + A instituigao onde eu trabalho € como ‘uma colméia, em que existem as abelhas operérias, que trabalham sem cessar, €0s zangoes, cuja passagem € curta e volta- da apenas para o proprio prazer. Uma anslise dessas respostas indica que para alguns o local de trabalho é visto de ‘uma maneira positiva, 20 passo que para ‘outros o ambiente ¢ percebido de maneira bastante adversa. Hé ainda um terceiro grupo que identifica aspectos positivos e negativos presentes no sew local de traba- Iho. (0 PROCESSO DE RESOLUGAO CRIATIVA DE PROBLEMAS ( proceso de resolugéo criativa de pro- blemas envolve trés etapas distintas. A pri- ‘meira caracteriza-se pelo levantamento do ‘maior némero posstvel de idéias e solugoes para o problema que se deseja resolver. Na segunda etapa, examinam-se as diversas solugdes propostas inicialmente, para se es- colher entdo 0 melhor caminho. Finalmen- te, deve-se implementar, colocar em acéo, a solucao escolhida. Esta é a etapa final, que exige comportamentos bem distintos daqueles necessérios nas etapas anterio- res, de producao e avaliacao de idéias. Descreveremos aqui um modelo, inspi- rado em Von Oech’ e em Parnest, que nos poderd orientar neste processo de busca e implementacéo da melhor solugéo para 0 problema que nos interessa resolver. Uma descrigio mais completa poder ser encon- trada em Alencar’ Primeira etapa: produgio de muitas idéias Na primeira etapa, devemos nos com portar como um explorador de idéias. Isto Porque, quando estamos diante de um pro- blema, € comum a resposta nao aparecer de stibito ou de imediato. Muitas vezes, temos dificuldades em visualizar adequa- damenteo problema, e outras, em reestru- turé-lo, vendo-o sob um novo enfoque, Angulo ou ponto de vista. E comum ficar- ‘mos cegos a alguns aspectos da questéo.ou presos a solugées que se mostram inade- quadas, mas das quais somos incapazes de 1nos libertar. Daia importancia de cultivar- ‘mos as caracterfsticas de um bom explora- dor de idéias, ‘Um bom explorador procura novos fa- tose informagoes, adquirindo e utilizando 1a bagagem de conhecimentos necesséria para a busca de novas respostas. Assim como aquele que busca um veio de ouro ‘numa floresta nao deve seguir apenas tri has jé abertas, pois elas provavelmente no evardo ao objetivo almejado, oexplorador de idéias deve aventurar-se por Varios ca- minhos, examinando 0 maior niimero de possibilidades que possam levé-lo a uma solugio mais adequada, Deve fazer uso de sua curiosidade, nao se atemorizando em investigar 0 maior nimero possivel de in- formagoes, fatos e impressies. Deve usar os sentidos para observar, prestando atencio a detalhes que talvez contenham as pistas que levarao a solucao adequada de um problema. E, assim como procede um fotdgrafo profissional, que tira dezenas de fotos antes de escolher as me- Ihores para uma dada reportagem, também ‘© nosso explorador deve buscar muitas idéias, Para tal, a melhor estratégia é con-

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