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Revista dos. TRIBUNAIS ‘Ano 103 # vol. 940 # fevereiro / 2014 UMA DECADA DE APLICACAO DA FUNCAO SOCIAL DO CONTRATO ANAUSE DA DOUTRINA E DA JURISPRUDENCIA BRASILEIRAS Eouanoo Tomasevictus Fito Civ da Faculdade de Direto da USP. Advogad, Professor Doutor do Def ‘Area 00 Dineno: Civil Resuo: A fungdo socal do eontrato& principio aplcag, em especial pela di buigéo de significado ao terma e ausencia de activities After adecgdeof apy referencias que pudessem quiar os magistrados COR is possitte-fb make some reflect Apis uma década de fa rato perdesse sus forga obrigaté ‘ua fnalidade de satsfap2o das necesidades as pessoas Paamas-cuave: Funedo social do contrato ~ Boa-fé - C ungdo social do contrato na jursprudéncta ~ 5. Tendéncis acerca da funcao social do ccontrato ~ 6. Conclusbo - 7. Referéncias. 50 Revista 00s TriouNNs + RT 940 + Fevencino ve 2014 1, BREVE RETROSPECTIVA SOBRE 0 CONTRATO Existem determinados conceitos juridicos que trazem dificuldades quan- to a sua definicao, pela sua recorréncia no cotidiano das pessoas. O con- trato é certamente um desses conceitos, por ser instrumento destinado & facao das necessidades humanas por bens ¢ servicos. Embora Michel -y tenha advertido que a historia da nogéo de contrato é incompleta, fragmentada e ideologizada, para nao dizer, artificial," nao se pode negar que se trata de importante instituigao juridica, a qual teve maior ou menor importancia nos diversos periodos hist6ricos. Por exemplo, em economias agrérias, como a feudal, o imobilismo era caracteristica das relacdes sociais. A propriedade era instituto mais relevante naquela época do que o contrato, Tanto que a Igreja considerava 0 comércio ~ atividade em que 0 contrato € essencial - como um mal necessério, porque, segundo o Evangelho, de nada adiantaria ganhar o mundo ¢ perder a alma.? Até mesmo o constrangimento de celebrar contratos fez com que se desenvolvesse a figura do “contrato com pessoa a declarar”, para que o verdadeiro contratante ~ em geral, um nobre — permanecesse oculto até a conclusio do mesmo, quando se fazia a electio amici? Somente com as transformagoes advindas do mercantilismo e, posterior- mente, da revolucao industrial, é que 0 contrato se tornou imprescindivel para o funcionamento da economia capitalista, porque esse sistema era ne- gativamente afetado pela forte regulacio das atividades pelas coffforacoes de oficios, como também pelos privilégios reais. As ideias de liberdade comw auséncia de restrigdes —" e nao mais como oposigao ao estado servil - ganha- ram forca, tanto no plano da organizacao do poder politico, como também rna vida civil e, mais ainda, no exercicio das atividades econdmicas. O Tema “laissez faire, laissez passer” sintetizou a desejada livre iniciativa, a qual nao deveria sofrer controle do poder politico, pois 0 préprio mercado de autorregularia. Assim, 0 contrato, livremente celebrado, faria lei entre as 1. Vnusy, Michel. Preface historique a étude des notions de contrat Archives de Philoso- phie du Droit. Sur les notions du contrat 13/1-1 2. Humeman, Leo. Historia da riqueza do homem. 28. ed. Tad. Wal Janeiro: Guanabara-Koogan, 1986. p. 38 3. Gones, Luiz Roldao de Freitas, Contrato com pessoa a declarar. Rio de Janciro: René var, 1994. pL. 4. Coxstanr, Benjamin, Da liberdade dos antigos comparada a dos modernos. Filosofia Politica 29-25, je Dutra, Rio de Cm 5t partes.? Ademais, pelo contrato, estruturou-se organizacao da mao de obra, que deixou de fundar-se na servidao para tegular-se pela locagao de servicos romana e, posteriormente, pelo diteito do trabalho. A aquisicao das coisas deixou de ser pela posicao ocupada na sociedade, mas por todo detentor de recursos para adquirir o que desejava. Qualquer um podia ser proprietatio ¢ qualquer um podia celebrar 0 contrato para sé-lo, Nese contexto de liberdades meramente formais, a “mao invisivel” do ‘mercado “manipulava” os recursos na sociedade segundo a logica do sistema, mediante concentragao dos recursos em poucas pessoas, para assegurar a pr6: pria subsisténcia do capitalismo, Isso levou a muitas situagoes de desequilibrio entre os membros da sociedade ~ poucos com muitos recursos eat grande maioria com o minimo necessario a manutencio das fungdes vitais. E 0s insti- tutos de direito privado formalizavam essas desigualdades sociais. O direito de propriedade foi definido como o direito potestativo de usar, fruir, dispor uma coisa e reavé-la de quem injustamente a detivesse. Em outras palavras, 0 poder de excluir os demais do acesso aos bens.* Pelo contrato, a exploragao dava-se pela pouca relevancia dos motives que levaram a pessoa a celebri-lo, como tambem do contetido das cliusulas ajustadas entre si. Uma das partes podia {ganhar mais com 0 contrato, enquanto a outra praticamente era escravizada pelo mesmo, em razio da forte dependéncia econémica na satisfacao de stias necessidades. Formalmente, 0 contrato foi celebrado porque assim se desejou € as partes concordaram de livre e espontinea vontade,com o seu contetido, endo, portanto, justas as suas clausulas. Entretanto, a consideragao restrita quanto ao aspecto da individualidade dos contratantes tornou-se insustentavel. A concentragao de capitais, justifica da do ponto de vista econdmico, causa, no entanto, grande mal a convivencia social, porque o controle de muitos bens por poucos implica o poder de excluir grande quantidade de pessoas do acesso aos mesmos. J4 0 contrato permite regular esse acesso em condicdes vantajosas para 0 “proprietario-vendedor” ¢ em condigdes desvantajosas para o “necessitado-comprador”. Nao sendo mais, possivel suportar esse estado de desequiltbrio econdmico, contestados foram 60s institutos juridicos que os formalizavam. O direito de propriedade foi ataca- 5. Codigo Civil francés, art. 1.13 ns legalement formées tlennent lieu de lot ceux qui les ont faites” ("As convencées legalmente formadas tem forga de centre aqueles que as fize 6. Lorenzern, Ricardo Liz. Fundamentos do drcto privado, Sao Paulo: Ed. RT, 1998, p.98-110, 52 Reva 005 Taisunass « AT940 « Feveneo oe 2014 do nas revolugdes socialistas ou, em menor intensidade, por meio do conceito de fungao social da propriedade, formulado como norma juridica pela primei- ra vez na Constituigao de Weimar. Em matéria de contrato, a Doutrina Social da Igreja,” inaugurada por Leao XIII com a Enciclica Rerum Novarum, fot im- portante referencial para que o contrato de trabalho nao fosse mais instrumen- to de opressio da classe trabalhadora.* No mesmo sentido, o corporativismo, com seus principios sintetizados na Carta del Lavoro de 1927, estatuia que 0 trabalho era um dever social tutelado pelo Estado € a producao deveria aten- der aos interesses dos individuos e ao desenvolvimento da poténcia nacional, A relacao entre trabalhadores ¢ empreendedores seria regida pelos contratos coletivos de trabalho, que manifestariam a solidariedade entre os varios fatores de produgao, subordinados 20 superior interesse da nacao.” ‘Outra maneira pela qual os desequilibrios foram contestados foi pelo “dir gismo contratual”, que so normas de ordem publica aplicaveis aos contratos, as quais surgiram no século XX no contexto das sociedades urbano-indus- triais.”” Por meio da atuacao legislativa como também pela atividade judic Estado foi atenuando a forca obrigatoria dos contratos, quando, por exemplo, © seu cumprimento levasse o devedor a rufna, em razio da hiperinflacao ou da guerra, ou ainda, na protegio da economia popular, libertando o devedor injustamente amarrado ao credor inescrupuloso que se aproveitava da igno- rancia da populacdo, isso sem falar no proprio surgimento do direito do traba- Iho, inclusive em sociedades fortemente liberais, como a norte-americana, pelo National Labor Relations Act, de 1935, = ‘Tambem se estabeleceu a disciplina juridica dos contratos de adesao e dts condicdes gerais de contratacao ¢ também 0 proprio advento do direito do 7. Hasonaka, Giselda M. Novaes Fernandes, A fungto so ri, Agrario e Empresarial, n. 45, ano 12, p. 14 1 do contrato, Revista de Di 43, Enciclica “Rerum Novarum" do Sumo Pontifice Papa Lede todos os nossos venerivels irmaos, os patrarcas, primazes, arcebispos e bispos do ‘orbe catolico, em graca ¢ comunhao com a Sé Apost Disponivel em: [wwwhistoria.uni cartalavoro pai. Acesso em: 28.10.2013. Estado na formulacao de regras sobre os contratos, porque, na visio do século XI, fortes restrigdes na liberdade das pessoas. Cm 53 mnsumidor a partir da década de 1960, Com o mesmo intuito, pretendeu-se a idade” das relagoes juridicas por meio do principio da boa-fé, como meio de reduzir abusos ¢ injustigas em materia contratual. Darcy Bessone fez a se- _guinte afirmacao sobre o dirigismo contratual: “Por certo, ¢ inegavel que o dirigismo deve ser conduzido com critério alto «seguro. Convém, nao obstante, nao perder de vista que, nos dias que correm, a sua extensio resulta de nos acharmos em momento de transigio, entre 0 ‘milena estadio individualista e uma nova era, ainda indefinida, mas por todos pressentida, na qual as ideias sociais, sem os exageros por muitos pretendidos, vao conquistar terreno e firmar-se em bases mais sélidas. Passada esta hora confusa ¢ indecisa, aclarados os horizontes, tomar-se-a possivel a. xevisto da teoria dos contratos e dos seus principios fundamentais. © que antes era indefinido, como visto acima, consolidou-se a partir da década de 1990, periodo em que ocorreram importantes reformas legislativas ea ressignificacao do contetido do direito civil. As alteracdes sociopoliticas da época, entre elas, 0 colapso da Uniao Sovietica e a intensificacao da globaliza- ‘40 pelos meios de comunicacéo, impuseram reajustes econdmicos de cunho neoliberal, com consequentes reflexos na ordem juridica pelas alteragoes dos paradigmas de reequilibrio e reavivamento da tensio entre liberdade e dirigis- ‘mo contratuais. O direito contratwal foi discutido e rediscutido em diversos f6- runs e paises. Podem-se apontar os Principios Unidroit Relativos aos contratos comerciais, os principios de direito europeu dos contratos, o projeto de Codigo Europeu de Contratos, © Cédigo Civil hotmnlés, o advénto de Cédigos Civis neoliberais nos antigos Estados socialistas ¢ a reforma do direito das obriga- oes do Codigo Civil alemao, No caso brasileiro, 0 Estado Democratico de Direito foi restabelecido pela promulgagao da Constituicao Federal de 1988, a qual se caracteriza por sta densidade axiol6gica em seu texto normativo ~ por exemplo, por meio dos valores da dignidade da pessoa humana, solidariedade e justica social - alem dos capitulos sobre as ordens econ6mica e social. Isso abriu a possibilidade de “oxigenacio” do direito civil por meio do direito civil-constitucional no fim da década de 1990 com releituras do direito contratual. Teresa Negreiros, pot cexemplo, adotou esse paradigma: izacdo do direito contratual — assim como do 2a substituigdo do seu centro valorativo: “O processo de constituci direito civil como um todo ~ imp! em lugar do individuo, e de sua autonomia, encontra-se a pessoa humana, sua ee 54 Revista nos Triouna's « RT940 « Fevereio of 2014 socialidade e dignidade. Dai se afirmar que, a0 lado da liberdade individual, a Constitui¢ao faz introduzir no direito dos contratos o valor da solidariedade. Atutela da dignidade da pessoa — tarefa agora confiada também ao diteito civil = tora o direito contratual sensfvel a questao social, dotando-o de um cardter tutelar inteiramente estranho ao modo como o contrato era concebido pelo direito classico."!? Paulo Nalin, quando buscou uma nova reformulacdo do conceito de con- trato, apontou que o solidarismo jusconstitucional formulado no pos-Segunda Guerra Mundial por meio do Weifare State, procurava atender as necessidades de correcdo das desigualdades interpessoais no direito civil brasileiro Na atualidade, afastando-se dos padrdes religiosos estritos e das cast cas hipdteses oferecidas pelo Cédigo Civil, bem como da propria Carta Cons titucional brasileira, ¢ factivel se extrair um sentido do que seja contratago solidaria, mostrando-se imperativa a leitura do Cédigo Civil e a interpretagio dos contratos, a luz da Carta, Sob o prisma constitucional, ¢ possivel sustentar que, independentemente da escotha ideologica que se faca, a melhor descricao da solidariedade deve estar voliada a verticalizacao dos interesses do homem, cficaz ou suficiente para aniquilar as desigualdades subjetivas e regionais, con- figurando-se como indissociaveis a solidariedade e a igualdade.”” © Brasil promulgou o Codigo Civil de 2002, que incorporou prineipios do século XX, como a boa-fé e 0 equilibrio economico contratuais, 0s quais, se ‘mo representam contestagoes ao principio da forca obrigatoria dassontratos, sto, pelo menos, normas que contrabalancavam esse rigor. Delineou-se tam~ bem uma nova classificagao dos contratos em razao de sua fungao. De um lado” os contratos existenciais e, de outro, os contratos empresariais. Nesse sentido, Antonio Junqueira de Azevedo afirmou o segui “A boa-fé objetiva, prevista como cléusula geral no art. 422 do CC/2002, tem um primeiro nivel, negativo ¢ elementar, comum a tado e qualquer con trato, consistente em nao agir com mé-fé, ¢ um segundo nivel, positvo, de cooperacao. Neste tiltimo, a boa-fé inclui diversos deveres (deveres positivos), como o de informar, mas a exigencia de boa-fé, nesse patamar, varia conforme ‘tipo de contrato, Ela, em primeiro lugar, ¢ muito maior entre os contratos que batizamos de “contratos existenciais” (os de consumo, os de trabalho, os de 12, Neoneios, Teresa, Teoria do contrat: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renova, 2006. p. 507. 13, Naun, Paulo. Do contrata:conceito pos-moderno em busca de sua formulagao na pers- ‘pectiva civil-constitucional. 2. ed. Curitiba: Jurua, 2006. p. 177. Cm 55 locacio residencial, de compra da casa propria e, de uma maneira mais geral, 0 que dizem respeito a subsisténcia da pessoa humana) do que entre os ‘con- tratos empresariais.. Essa nova dicotomia, que defendemos, ‘contrato existencial/ contrato empresarial’, é, a nosso ver, a verdadeira dicotomia contratual do século XXI. Por forca da renovacao dos principios contratuais e da frequéncia de sua concretiza¢ao, nio se pode mais empregar a palavra ‘contrato’ sem consciencia dessa nova dicotomia; ela é operacional ¢ esta para o século XXI, como a de ‘contrato paritério/contrato de adesio’ esteve para o século XX." Por sua vez, a ideia de solidariedade social, veiculada pela Constituigao Federal, proporcionou nova contestacao das desigualdades em matéria contra- tual por meio da fungéo social do contrato, a qual foi inserida ng. diteito civil por meio do art, 421 do CC/2002. 7 2. FUNCAO SOCIAL DO CONTRATO OU “O QUE A SOCIEDADE ESPERA DE UM CONTRATO" No século XI, 0 contrato continuou sendo importante instrumento desti- nado a satisfacao das necessidades por bens e servigos. Apenas se consolidou 6 reconhecimento social do valor do contrato como institui¢ao juridica, de modo que a sua celebracio pelas partes nao seja obstaculo para que somente ‘uma delas tenha seus interesses satisfeitos, nem que o contrato seja causa efi- ciente de danos, porque este deve ser expressio de justjga substancial - e no mais formal ~ entre as partes, a principio juridico por meio do qual esse valor se manifesta ¢a fungao so cial do contrato. Na sua aplicagao a0 caso concreto, corrigem-se desequilibrios decorrentes da ideia de que pacta sunt servanda. Mediante limitacao a liberdade de contratar, a pessoa deve nao apenas agit corretamente ~ de acordo com 0 prinefpio da boa-fé ~ mas também deve agir de tal modo que tal exercicio nao seja manifestacio distorcida do individualismo nem da busca do autointeresse ‘em detrimento da contraparte ou até mesmo da sociedade. ‘A funcao social do contrato ¢ termo de dificil atribuicdo de significado. A primeira definicao de funcio veio da matematica, cujo significado € rela- 14, Azeveno, Antonio Jungucira de ficagao dos atos juridicos qh 56 ——_Revisth1n0s Triounas « AT940 « Feveneino ve 2014 cao entre os elementos de dois conjuntos de niimeros. Essa ideia foi usada por Karl Renner, ao empregi-la na descrigio das relagdes entre economia € direito, quando afirmou que a funcdo econdmica de determinado instituto corresponde a fungao social no direito. No mesmo sentido, a sociologia recebeu influéncias da biologia e estudiosos aplicaram a teoria dos sistemas na compreensao da sociedade, uma vez que sistema é conjunto de elementos inter-relacionados na consecucdo de um resultado. Isso inclui a ideia de fun- ao como finalidade, tarefa ou papel que cada elemento na consecucao esse objetivo maior. Dessa forma, surgiu a abordagem funcionalista, desenvolvi- da, entre outros, por Durkheim, Parsons e Luhmann, Do ponto de vista do direito, juristas publicistas interessaram-se por esse conceito. Leon Duguit, por exemplo, afirmou que nao havia direitos subjetivos, mas, sim, deveres Juridicos. Assim, 0 individuo era praticamente um “funciondrio publico”, porque deveria agir no interesse das demais pessoas.'* Santi Romano desen- volveu melhor a existente ideia funcio como “poder-dever”, isto &, como 0 poder juridico inerente ao direito subjetivo esta relacionado ao cumprimento de um dever.” Partindo da ideia de que cada instituto juridico € parte do direito, entendi- do como sistema juridico, cada um deles tem, portanto, uma finalidade. Por exemplo, a da propriedade € satisfazer uma necessidade de uso de seu titular ou proporcionar-the vantagens por meio dos frutos, na acepcao juridica do termo. Também pode servir de reserva de valor ou, ainda, servi como in- vestimento especulativo, aguardando-se 0 momento mais adequado para sa disposicao pelo proprietario. Porém, nem todas essas finalidades sao admitidas” pela sociedade. Se a coisa se destina a satisfagao de determinadas necessidades humanas, o direito de propriedade garante esse privilégio apenas a seu ti lar. Excluindo-se as demais pessoas do acesso a essa coisa, a contrapartida 15. “Yet, every economic process heory i an isolated unit is only part of the whole process of social production and reproduction. If the economic function is function of tle legal institution. A compre given in Das Ka Taw and their social functions. 2. ed. New Brunswick! New Jersey: Transaction Publishers, 2010. p. 57-58, 16. Ducuir, Leon. Las transformaciones del derecho (publicoe privado). Buenos Aires: He liasta, 1975. 17. Rosso, Sant, Principios de dieito cons Paulo: Ed. RT, 1977. p, 142-143. Cm 87 © respeito a funcao social, segundo exercicio exclusivo do proprietario deve harmonizar-se com o interesse da sociedade. Estrutura-se mediante o poder juridico atribuido a seu titular para que, no seu exercicio, produzam-se efeitos que beneficiam seu titular, os quais sao as proprias finalidades desse instituto juridico — usar, fruir e dispor de uma coisa ~ a0 mesmo tempo em que se im- poem deveres positivos € negativos a seu titular, para que esse exercicio nao interfira negativamente na esfera juridica das demais pessoas, Aqui ¢ de facil observacdo que esses deveres sAo cumpridos em face de todas as demais pes- soas excluidas do acesso a coisa abrangida pelo direito de propriedade. ‘A questo € mais complexa em se tratando do contrato. Enquanto 0 con- torno do direito de propriedade é de mais clara observacao, a porto de ter-se sua definigao no proprio Codigo Civil, o contrato, por sua vez, nao propor- ciona a mesma facilidade de compreensio. Dai a necessidade de indagacao sobre a finalidade do contrato para quem o celebra, a qual consiste na aqui- sigao de bens e servigos necessarios a satisfacao das necessidades humanas, No entanto, é possivel atualmente indagar o que a sociedade espera de um contrato celebrado. Seguindo a mesma logica da fun¢ao social da proprie- dade, os contratantes tém a liberdade de contratar, ou 0 poder juridico para a celebracdo de contratos, ao mesmo tempo em que tém deveres positivos € negativos para serem observados. Essa estrutura de poder-dever foi adotada na redagao do art. 421 do CC/2002, nos seguintes termos: "a liberdade de contratar serd exercida em razio e nos limites da fungag social do contrato”. ‘Todavia, a dificuldade nao resulta da exisiéfitia de deveres positivos e nega- tivos em abstrato, Ao contrario, decorrem, logo de inicio, acerca em favor de quem se devem respeita-los: em face da contraparte ou tambem da sociedade como um todo. © segundo nivel de dificuldades esta em saber quais sto es- ses deveres, j4 que nao ha textos legais estatuindo-os ou exemplificando-os. Podem-se estabelecer as seguintes combinacdes: (1) dever de respeitar a sua finalidade como meio de satisfacdo das necessidades das partes; (2) dever de nao prejudicar terceiros com os efeitos produzidos pelo contrato; (3) de- ver de produzir vantagens a sociedade; (4) dever de terceiros respeitarem contrato como instituigao, abstendo-se de interferir em seus efeitos ou de concorrer para o seu inadimplemento. Coube inicialmente & doutrina essa tarefa de definigao do conteido desses deveres. No mesmo sentido, também coube a jurisprudéncia, porque, na sis- tematica do Cédigo Civil de 2002, adotou-se o denominado “sistema aberto”, isto €, composto por meio de cléusulas gerais, normas cujas hipoteses de in- cidencia sao intencionalmente amplas para permitir ao juiz aplica-la a casos ainda nao regulados por regras especificas. no o€ 2014 58 Revista 00s Triounals + AT940 + 3. A FUNCAO SOCIAL DO CONTRATO NA DOUTRINA sratura sobre a funcao social do contrato, 0 ponto de par- tida da analise da doutrina foi a reafirmagao de que o paradigna liberal jé nao se sustentava mais no século XX, de modo que se exigia revitalizacao do con- ceito juridico de contrato para atendimento das necessidades das pessoas. Os principias da forga obrigatéria dos contratos e da r Na revisao di obrigacoes tornavam estaticas as obrigacdes constituidas entre as partes, por pessoa nao tem vontade, mas apenas no deseja morrer de fome. agao do contrato, em termos de ade- quacio a0 paradigma social, teria ocorrido por forga do solidarismo adotado, ‘cdo Federal de 1988, o qual se desdobraria na visto funci direito," posto que, em a maneira pela qual se concretizaria 0 s A doutrina reconheceu nao se tratar de ideia recente. A interpretacdo te- leologica teria sido uma das primeiras manifestagoes da fungdo social do a0 lado do welfare state e, sobretudo, pel tos ygicos para o campo do Resgatou-se também a tese ja defendida laqua acerca desse conceito, a qual consistia interesses colidentes e da pacificagao dos egoismos em luta.” A ideia de soli- dariedade, no entanto, foi a mais recorrente. Foi mencionado o pensamento de Durkheim, quando este tratou da coesio soci sare , 4 qual deveria aparecer espon- taneamente. Caso isso nao viesse a acontecer, seria imprescindivel a atuaca6 do Estado para a imposicdo da solidariedade social de modo artificial para ‘garantir-se a justica social, necesséria para corregao das desigualdades sociais ‘que concorrem para essa situacao de anomia ou patologia social.” Ainda se Reflexaes sobre o principio da fungto social dos contratos. a. Lpeal pol Funglo social do contrato. RDPriv 40/296. Funcao social do direto contratual no Codigo Civil brasileiro: ee eee om 58 destacou a origem desse tipo de paradigma no regime corporativista, no qual 0 Estado controlava a vida social para assegurar a prevalencia do interesse na- cional em face do particul Quanto ao fundamento jurdico, fot bastante frequente a refe tiva do direito icional. Apontou-se que a Cons de 1988, no art. 3. como um dos objetivos fundamen publica a construcdo de uma sociedad. 20 lado do a, a qual ia digna a todos, em especial, pela observancia da funao social da propriedade. Dessa mancira, 0 contrato tornava-se funcio- nalizado tanto do ponto de vista da producao quando do consumo, bu que a autonomia privada deveria ser entendida como “autonomia privada solidatia”, sustentada mesmo antes da pron de 2002, porque este apenas teria dado maior concretude ao mandamento constitucional. Foram destacadas duas raizes da fungao social do contrato. A primeira de- e a segunda delas estaria porque o contrato ¢ instrumento da ordem economica para a pro ulagao das riquezas, sendo a fungao social do contrato mero des- dobramento da funcao social da propriedade.® Ou, rato, nao ha mercado e vice-veRR; por iss: e liberdade de contratar seriam as duas faces da mesma moeda.” Afirmou-se a necessidade de interpretacao da funcao social relacionada ao art. 170 da CR, Porque esta se silenciou quanto a liberdade de contratar, ao contrario do que Nau, Paulo. Op. Marriss-Costa, Judit 60 Resta 00s Tamonas + A940 « Feveeno of 2014 se verifica em se tratando da liberdade de exercicio da atividade economica® Também se sustentou que a funcao social do contrato seria a conjugacdo da livre iniciativa com o principio da eficiéncia, inserido no art. 37 da CF" Procurou-se ainda associar a functo social do contrato como a introdu- cdo da causa do negécio juridico no direito brasileiro,” destacando-se este conceito que, na sua faceta de funcao econdmico-social, foi usado no direito iano na vigéncia de regime corporativo como meio de controle das ativi- dades econdmicas pelo Estado. Em perspectiva diversa, a causa fot relaciona- da com a funcao social do contrato para a analise de redes contratuais, como aquelas voltadas ao financiamento da casa propria, de sorte que poderiam, inclusive, tornar oponiveis direitos reais, como a hipoteca.”” Vale destacar que se rechacou tal aproximagao, porque 0 conceito de causa se relacionava mais com o regime corporativo, ou que a anélise da causa nas redes con- tratuais seria, na verdade, exemplo de desvio da funcao juridica, € nao, da Fungao social do contrato." A questao central trazida pela doutrina foi a definicao de funcao social do contrato e qual a finalidade de um instituto como este. Trago catacteristico foi a auséncia de padronizagao desse conceito, na tentativa de cada estudi so dar sua contribuicdo na atribuicdo de significado, Apesar dessa dificul- dade, ¢ possivel tentar classificar as definigbes em dois grupos. O primeiro deles seria 0 das definicdes valorativas e 0 segundo deles, 0 das definigdes operacionais. - Para o primeiro grupo, a fungio social, como expressio do solidarisme, significa que o contrato é relevante nao apenas para as partes, mas para toda a sociedade. Seria, pois, o valor que justifica a existencia do contrato ou de que ‘modo a sociedade considera o contrato como bom instituto juridico.”* Por seu. intermédio se promoveriam os objetivos do Estado Social, por ser norma juri- 30, Branco, Gerson Luiz Carlos. Op. cit, p. 245. 31. Wa, Arnoldo, 0 interesse social no direito privado. Revista do Tribunal Regional Federal, 3° Regiao T7/132. 32. Goctiaso, Daisy. A fungio social do contrato: causa ou motivo, Revista da Faculdade de Direto da Universidade de Sao Paulo 997162-172 33. Leonatoo, Rodrigo Xavier. A teoria das redes contratuais ¢ a funcao social dos con- tratos:reflexdes a parti de uma recente decisto do Superior Tribunal de Justia. RT 832/100-111. 34. Turopono J, Humberto, Op. cit, p. 70. 35. Arsuoa Atvm. Op. dica que impde nao apenas limites negativos, mas também limites positivos."* Em caso de conflito entre o interesse particular ¢ o interesse social, prevalece este tltimo.” Esse principio contribuiria para a consecucao do bem comum, 20 criar condigdes para o livre desenvolvimento da personalidade.” Para o se- gundo grupo, a funeao social do contrato seria principio de justica, por meio do qual o juiz corrige distorcoes advindas da liberdade de contratar,” ou meio de supervisao judicial dos contratos, com o intuito de garantir a igualdade entre as partes." Poderia ser entendida como nova espécie de clausula rebus sie stantibus, destinada ao reequilibrio econdmico do contrato entre as par- tes, com 0 intuito de preservar 0 funcionamento do mercado," reprimindo-se abusos do direito ou desvios de poder, procurando a harmonia ou.coficiliacao dos interesses das partes com o interesse social, vedando-se apenas a3 ativida- des contrarias ao interesse da sociedade, posto que a liberdade de contratar ¢ constitucionalmente garantida ¢ deve ser preservada pelo direito, a fim de que © contrato exerga sua funcdo econdmica.* Também se definiu a funcao social do contrato como a propria estrutura da autonomia privada, modulando a liberdade de contratar por meio da possibilidade ou nao de escolha de deter- minado tipo contratual para a consecucao de fim diverso, a liberdade ou nao de estipulacao de determinadas clausulas em um contrato e a liberdade ou no de recusa na contratagao. Outro ponto que despertou bastante atencdo da doutrina foi para os efei- tos jurdicos provocados pelo contrato, Considerando que a funcao social da propriedade regula os efeitos juridicos do &Xtrcicio dédhireito de propriedade entre seu titular e a coletividade, por ser dieito exercido erga omnes, o mes- ‘mo raciocinio se tentou estabelecer entre os contratantes ¢ a comunidade,"* 36. Gonor, Claudio Luiz Bueno de. Op. ct, p. 116, 120 ¢ 129; Branco, Gerson Luiz Car los, Op. eit, p. 200 37. AzsuDA Auva. Op. cit, p. 63 38, Watpsua, Ricardo Libel. O sobre-principio da fungio social do contrato: da flosofia a dogmatica juridica. RDC 59/146, 39, Towastvicis Fano, Eduardo. Op. et 40. Tous, Luciano Benetti. As origens do contrato no nove Codigo Civil: uma introducio funeao social, ao Welfarismo ¢ a0 solidarismo contratual. RT 844/23. 41, Wato, Arnoldo. Op. cit, 2008, p. 5. 42. Wato, Arnoldo, Op. cit, 2006, p, 133-134, 43. Branco, Gerson Luiz Carlos. Op. cit, p. 201 Humberto. Op, 44, Two00 62 Resta 00s Taaunais » RT 940 « Feveseno oe 2014 apesar do reconhecimento da dificuldade de fazer tal analogia."” Com isso, ampliou-se a compreensto sobre o principio da relatividade dos efeitos. E certo que 0 contrato produz ou deve produzir efeitos perante terceiros, mas a diivida residiu em quais efeitos deveriam ser levados em conta na analise da funcao social do contrato. As opinides podem classificar-se em dois grupos. primeiro deles corresponde a anilise restrita aos efeitos perante terceiros € o segundo grupo, os efeitos gerados entre simultaneamente entre as partes do contrato e perante terceiros © primeiro grupo foi teve como principal expoente o Prof. Antonio Jun- queira de Azevedo, quando analisou a questo pela dtica da doutrina do ter- ceiro cimplice. A funcao social do contrato seria afetada quando terceiros in- terferissem no contrato celebrado entre as partes, provocando efeitos juridi- cos indesejados, como o da resolugao contratual.*® No mesmo sentido, o Prof. Humberto Theodoro Jr. afirmou que a funcao social do contrato teria moderni- zado o principio da relatividade dos efeitos das obrigacdes, porque 0 contrato nao deve prejudicar terceiros nem estes devem prejudicar 0 contrato. A fungao social do contrato refere-se apenas a producao dos efeitos perante terceitos ow entre terceiros ¢ as partes, porque problemas entre as partes deveriam ser solucionadas pelo principio da boa-fé." Criticou-se a expressio “interesse de terceiros” pela sua vagueza, sendo talvez mais apropriado falar em “garantias institucionais”, as quais atribufam tutela por meio de normas de protecio, as, quais gerariam a obrigagao de indenizacao apenas pela sua violagga.e nao, pela ocorréncia de dano.** Assim, o juiz poderia, com fundamento na fungao soci do contrato, tutelar os “interesses institucionais”, quando 0 contrato provoca: se lesao 20 meio ambiente ou interferéncia na concorréncia, prejudicando con- sumidores.” Por outro lado, sustentou-se que preservacao do meio ambiente, exercicio de atividade empresarial estariam relacionados com a fungao social da empresa e nao, propriamente, com a fungi social do contrato.” 45. Naum, Paulo, Op. cit, p. 219; Tieonoro Jx., Humberto. Op. cit, p. 97. 46. Azeveno, Antonio Junqueita de. Principios do novo direito contratual e desregul mentagdo do mercado - Direito de exclusividade nas relagdes contratuals de for- necimento, Fungao 50 reelto que contibui para inadimplemento contratual. RT 750/1 do contrato € responsabilidade aqui pono Jk, Humberto. Op. et, p. 48. 137. 48, Samo Fito, 49. Idem, p. 82. 50, Szigw, Rachel. Op. cit. p. 34 listo. Funcao social do contrato: primeiras anotagdes. RT 823/71 Com © segundo grupo procurou sustentar que os contratos cumprem sua fun- «fo social de duas maneiras: entre as partes e entre estas em relagao a tercei- ros. Em linhas gerais, a ideia é a mesma, variando apenas a nomenclatura usada pelos autores. Por exemplo, classificou-se a funcao social entre as par- tes do contrato em intrinseca ~ a qual consiste na observancia de principios como a boa-fé e o equilibrio economico ~ ¢ extrinseca, entre as partes ea coletividade.”' Do mesmo modo, os contratos teriam eficécia interna e, nesse sentido, impde-se a observancia da funcao social entre as partes, assim como teriam eficacia externa ou social, cujos interesses sdo metaindividuais, os quais devem estar em consonancia com a fungao social do contrato.” Outra possibilidade foi por meio da definicdo dos limites do direito subjetiv® e seus efeitos intersubjetivos ¢ transubjetivos. Com isso, os contratos teriami eficicia intersubjetiva, a qual instrumentaliza a propriedade dos bens de producao, a satisfacdo de prestacoes essenciais para uma das partes ou no caso dos contra- tos comunitarios, como os de seguro e consércio, nos quais as partes formam vos, e, de outro lado, a eficécia transubjetiva, pela tutela ex- terna do crédito.” Ainda nesse sentido, classificou-se a fungao social em fungao social em sentido amplo, que seria a finalidade ou resultado almejados pelas partes ¢ a funcdo social em sentido estrito, pelo reconhecimento de que a operacéo econdmica estruturada pelo contrato produz efeitos perante terceitos, ou que se pode exigir que o contrato produza efeitos econémicos benéficos para a so- ‘iedade. Em tltima analise, a fungao social do contrato em sentido amplo ja estaria sendo controlada mediante a Lei de Introdugao as Normas do Direito Brasileiro ~ ou pelo objeto do contrato, previsto no art. 104, Il, do CC/2002 ~* novamente, mera reiteragao de normas ja existentes. Mas como nio ha palavras inuteis na interpretacao do direito, € preciso ir alem, por meio da averiguagao de quais desequilibrios entre as partes so ou nao aceitos e quais situagdes se admite ou ndo a exclusto do acesso a determinados bens ou servicos por meio do contrato. Violaria a fungao social em sentido amplo 4 no consecucdo de tais objetivos, na distor¢ao manifestada na circulacéo das riquezas ou no nao atendimento das necessidades das partes por meio 51. Naun, Paulo. Op. cit, p. 223-224 52. Gooor, Claudio Luiz Bueno de, Op. cit, p. 110 ess. ¢ 131 ess. 53, Maetns-Costa, Judith. Op. et, p. 50-55. 54 wentos sobre a cliusula * ol. 8, n. 32, p. 177. (ou devia saber", RTDC: Revista Trimestral de 63 wo of 2014 G4 Revasta 005 Tasbunas + A940 + do contrato. Se ha contratos que nao produzem tais distorcées, poder-se-ia dizer que nem todos os contratos teriam fungdo social, mas apenas fungao econdmica. Por exemplo, dizer que 0 contrato cumpre a sua fungao social porque gera arrecadacio de tributos ndo parece ser exato, pois a tributacdo decorre do funcionamento da economia pela circulacdo das riquezas, ndo pela celebracao do contrato em si. Jé a funcdo social em sentido estrito seria a “solugao de compromisso” entre o contratante e a sociedade: permite-se 0 exercicio da autonomia privada, desde que traga beneficios a todos. Nessa perspectiva, so poucos os contratos que teriam essa dimensto de fungto social, Sua andlise passa pela indagacao acerca do interesse da sociedade en volvido em cada contrato, Teriam essa funcao social - isto é, funcao social em sentido estrito — os contratos que produzem externalidades na comunidade, como as fusdes ¢ aquisicdes controladas pelo Conselho Administrative de Defesa Economica.® Valendo-se dessa mesma observacao, as externalidades negativas geradas pelo contrato implicariam descumprimento da funcao so- cial, enquanto as externalidades positivas seriam desejaveis ¢ resultariam no atendimento da sua fungao social. Vale destacar ainda outra classificacdo, a qual aponta que a fungao social do contrato produziria eficacia interna, a0 atuar sobre outras normas juridicas dando concretude ou interpretando-a, e eficécia externa, a0 bloquear dete nados efeitos produzidos pelo contrato, na imposigao de atendimento a certos iteresses, ainda que contra a vontade de uma das partes, como nos casos que envolvem o direito a moradia e educacao, pelo fato de o Estado'ter escolhido interesses contratuais em razio de sua importancia para o bem comum.”* © contrato que nao cumpre sua fungao social pode ser anulado no todo ou em ou pode ser anula- parte pelas regras existentes sobre nulidade e anulabilidac do pela propria aplicagao da norma referente a fun¢ao social do contrato, como espécie de “nutidade virtu Porém, a grande preocupacao da doutrina foi com a aplicagao do art. 421 pelo Poder Judiciario e as consequéncias danosas que disso poderia resultar para as partes € para o funcionamento da economia. Temia-se 0 enfraquect- ‘mento da forga obrigatoria do contrato, gerando inseguranga juridica, ja que © contrato se tornaria “mais ou menos obrigatério, mais ou menos oponivel a 55. Tomas Eduardo. Op. cit, p. 205-207, 56. SctaN, Rachel. Op. cit, p. 43, 57. Waxowax, Ricardo Libel. Op. cit, p. 138-141 58. Nau, Paulo. Op. cit. p. 233-234 Ca terceiros, mais ou menos aleatorio € mais ou menos suscetivel de ser revisto, podendo ser mais ou menos extensa a eventual nulidade de suas cldusulas”. Questionow-se o risco de veiculagao de ideologias pela funcao social do con- trato, porque esse termo € vago € cada grupo de interesse definiria seu con- tetido em seu favor, O empresario diria que cumpre sua fungao social gerando cempregos € 0 cidadao comum desejaria ver a funcao social do contrato sendo cumprida mediante desconto no valor das prestacdes a pagar® Consideran- do que a funcao social do contrato entre as partes se daria quando houvesse equilibrio entre elas, haveria 0 risco de que nem sempre a solucao equilibrada assim 0 seria para ambas as partes.*' O contrato nao deveria ser destruido para a libertacao de devedores, porque implicaria a negacao da propria fun- 0 social do contrato;® tampouco deveria ser sindnimo de protecib a parte economicamente mais {raca apenas por ostentar essa condi¢ao, nem poderia violar as garantias constitucionais do ato juridico perfeito e do direito adqui- rido, porque funcao social do contrato nao seria espécie de agao afirmativa na defesa do contratante mais fraco.” Ainda nao poderia ser obsticulo a0 investimento, porque o empresario se sentiria desestimulado a investir e espe- cular, para nao ser acusado de antissocial. Por fim, a aplicagao do art. 421 do €C/2002 poderia ser considerada um mal a sociedade, porque a imposicéo de novos deveres aos empresarios na celebracio dos contratos ensejaria o repasse dos custos na observancia daqueles deveres aos proprios beneficiétios, isto 6, a0s consumidores, prejudicando novamente os mais fracos e com menor poder aquisitivo, posto que € ilusorio acreditar que-efipresas tém recursos imitados.”° Com isso, nao se deveria transformar fungao social do contrato «em funcdo de assistencia social do contrato, muito menos converter contratos onerosos em contratos gratuitos, pois a fungao primordial do contrato € a econdmica e fungao social do contrato nao é a meta do contrato, mas apenas € a liberdade de contratar 59, Warp, Amoldo, idem. main. 2006, p. 135 60. GociNo, Daisy Op. eit, p. 193, 61, Warp, Amoldo, Op. cit, 2006, p. 145. 62, Ansua Atv. Op. cit, p. 70. 63, Wain, Amoldo. Op. cit, 2004, p. 3-6 (64. Sera, Rachel. Op. cit, p. 38 65. Daveton, Eduardo Corte. A funcdo social do contrato: a mudanca de paradigma ¢ ‘suas implicacoes pratcas. Revista Juridica, vol. 57, 379, p. 114 66. TaopoKo Je, Humberto, Op. cit. p. 116-118, 65. 66 Resta nos Trsunass + R940 « Fever 4. A FUNCAO SOCIAL DO CONTRATO NA JURISPRUDENCIA Em mais de 10 anos de aplicacao do principio da fungao social do contrato pelos tribunais brasileitos, ¢ elevada a quantidade de julgados referentes a essa ‘matéria, o que mostra a sua boa recepcao pelos magistrados, embora antes da expresso da equidade, para moldar a ditames da Justica. A despeito da we deci- io para fatos pretéritos, mediante afirmacao de que se tratava de principio reconhecido no direito brasileiro e que a nova codificagao civil apenas o teria positivado,® pois esse principio ja estava previsto na Consti- tuigdo Federal ou no art. 6°. V, do CDC, conforme preconizado pela doutrina Outro aspecto importante € que, em significativo mimero de casos, a fun- ‘¢20 social do contrato foi aplicada como principio ret6rico e simultaneamente com outros prinefpios contratuais, em especial, a boa-fe, como se os julgadores procurassem “cercar” fundir todos esses institutos juridicos entre si, Nao se trata propriamente de in- terpretacdo que trata esses institutos juridicos como sinonimos. Apenas deu-se a entender que, se o caso nao fosse solucionado pela funcao social do contrato, seria selecionado pela boa-fé e vice-versa. E 0 que se extrai, por exemplo, de acordao bastante mencionado na jurisprudéncia do ST), referendea rescisio imotivada do relacionamento contratual entre as partes: “4. A rescisio imotivada do contrato, em especial quando efetivada por ‘meio de conduta desleal e abusiva - violadora dos principios da boa-fé objeti- va, da fungao social do contrato e da responsabilidade pés-contratual ~ confere A parte prejudicada o direito a indenizagao por danos materiais e morais."® Min, Paulo de Tarso Sanseverino Cam. (Extinto 1° TAC). j. 02.08.2004, 67. ST), REsp 887 946%MT, 37, j, 10.05.21 TSP, Agin 0025519-41.2004.8.26.0000, rel. Des. Ademir Benedit. 68. TIRS, ApCiv 70055492151/Sapiranga, j. 15.08.2013, rel, Des, Vanderlei Teresinha ‘Tremeia Kubiak. No TJMG hit de Defesa do Consumidor, adeq 19, face & fungao social do contrato e a boa-fe abusivos, ser qu 1001, 10.* Cam. Civ. (TMG, ApCiv 1.0433.11.01021 Des, Mariangela Meyer). (69. ST), REsp 1.255.315/P, 34, j. 13.09.2011, rel. Min, Nancy Andrighi. Quanto as questoes de mérito referentes a aplicagao desse sos mais frequentes sao aqueles relacionados aos direitos sociais, como a sati- de, educacao € moradia, assim como nos casos relacionados aos direitos fun- . j- 30.01.2007, rel, Min, Carlos Alberto Meneses Ditelto. 74 Lopes do 68 ——_Revssta00s Trieunass + AT940 « Fevereiso 0¢ 2014 tentou que a obrigacao de assisténcia plena a satide era responsabilidade do Es- tado, tal como jé havia sido ventilado por parte da doutrina, de que o contrato nao € instrumento de assisténcia social. Todavia, essa ideia foi rejeitada, por- que “a funcao social do contrato de plano de satide impoe a seguradora o dever de cobertura de todas as doencas e procedimentos, nao podendo cobrir aqueles ‘menos custosos e negar atendimento aos mais custosos”.’* No mesmo sentido, no julgamento de recusa de tratamento quimioterapico, decidiu-se que ((.) a satide ¢ obrigacao do Estado, mas as empresas se beneficiam da es- trutura precaria para vender a promessa de independencia do sistema publico, devendo honré-la. Incabivel negar cobertura a medicamento fora do rol da ANS sob pena de violar a funcao social do contrato, eis que 0 avanco cientifico nao é imediatamente acompanhado pelo direito, de forma que obedecer estri- tamente ao rol violaria a fungao social do contrato."”® Isso, no entanto, nao significa que se aplique a funcio social do contrato em todos 0s casos relativos a planos de sade, Por exemplo, entendeu-se que a fungao social do contrato seria violada caso se julgasse procedente a pretensao do segurado que se submeteu a tratamento urgente destinado a recuperagio do globo ocular realizada por profissional renomado em hospital conhecido por seu alto custo € que ndo € credenciado pela operadora. A solugao desse caso foi pelo reembolso parcial, até o limite das despesas que a opetadora teria, se tivesse se submetido ao mesmo tratamento na rede conveniada.” Em matéria de direito a educagao, a fungdo social do contratogei usada na correcio de clausulas abusivas, entre elas, a cobranca integral de mensalidadg. ‘em curso superior, mesmo quando o aluno nio tivesse participado de parte delas por ter sido dispensado das mesmas ao t2-las cursado em outra institui- io.” Também se aplicow esse principio para que a multa moratéria fosse redu- ida para o limite de 2% do montante da divida.” Esse mesmo entendimento 75, TJSP.EDel 0104400-27.2007-8,26.0 rel. Des, Jost Carlos Ferreira Alves. 76. TJSR, Ap 0175540-73.2011.8 2 rel. Des, Jose Carlos Ferreira Alves. ‘TT. T)SP.Ap0006210-52.2008.26.0272/tapira, 6." Cam. de Direito Privado,j. 13.06.2013, lexandre Lazzarini, 10, 2* Cam, de Direito Privado, j 04.09.2012, SP, 2 Cém, de Direito Privado, j, 27.11.2012, rel. Des 78. ST), REsp 927.457/5R 4T,,j. 13.12.2011, rel, Min, Luis Felipe Salomao, 79, TSP. Ap o/ Rev 0065286-52.2005.8.26.0000, 25.* Cam. do Terceiro Grupo (Ext. 2° 4. 17.04.2007, rl. Des. Marcondes D'Angelo; ST), REsp 476.649SP. 3 20.11.2003, rel. Min. Nancy Andrighi. Cm 69 reproduziu-se no julgamento pelo ST} de multa em financiamento estudantil, ‘em virtude do reconhecimento da elevada finalidade social desse contrato. Noutro caso, entendeu-se que violava a boa-fé e a funcio social do contrato 1 extingéo de curso de ciéncias econdmicas por alunos, porque esse fato causava “transtomno significativo e suscetivel de gerar lesio a paz interna do ser humano”.* ta de mimero minimo de No tocante ao direito & moradia, admitiu-se a funcao social dos contratos de financiamento imobilidrio e a dos denominados “contratos de gaveta”. O STJ, por exemplo, afirmou que o Cédigo Civil de 2002 afastou a feicdo indi- vidualista do Codigo Civil de 1916 para afirmar o aspecto social, o que im- plicava reconhecer que “o contrato deve ser interpretado segunda of padroes ente reconheciveis para aquela modalidade de negécio”.** Decidiu-se lade desses acordos ao afirmar-se que, com 0 contrato de gaveta, 0 novo beneficiario do seguro de vida vinculado ao contrato de financiamento imobiliario deveria ser 0 adquirente derivado e nao, 0 adquirente original ou aquele que constava no contrato perante o agente financeiro.”” Outro ponto alto relativo ao reconhecimento da funcao social do contrato de financiamen- to imobilidrio é a propria edicio da Sumula 308 do STJ, segundo a qual: “[a] hhipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou pos- terior & celebracao da promessa de compra e venda, nao tem eficécia perante 0s adquirentes do imov ‘A funglo social do contrato tem sido aplicada nag apenas na modifica- a0 dos termos do contrato,* mas tambéfiha sua éXecugio, com o intuito de atenuar os efeitos do cumprimento rigoroso das clausulas contratuais. 80. ST), AgRg no REsp 1.272.995/RS, 1* T, j- 07.02.2012, rel. Min. Napoleao Nunes “Maia Filho; teafirmado no EREsp 1.272,995/R5, 1." }, 26.09.2012, rel. Min. Mauro Campbell Marques. B81, TISR, Ap 0154767-41.2010.8.26.0100/Sao Paulo, 11.? Cam. de Direto Privado, 20.06.2013, Des. Romolo Russo. 82. ST}, REsp 627.424/PR, 1. T,,j. 06.03.2007, rel. Min. Li 83, ST), REsp 811,670, 3°T,,j, 16.11.2006, el. Min, Nancy Andi 84, Nesse sentido, entre outros, o seguinte acdrdio: “I A possbilidade de revisio con- teatual nao se restringe ao art, 478 do Codigo Civil, sendo que as normas do CDC, igadas com a do art, 421 do Cédigo Civil, autorizam a revisto do contrato para es, mesmo que nao corride qualquer mudanga extraot- dda avenga, em observan- rato” (T]MG, ApCiv Fux, 70 Revsia bos Tasunais + RT.940 « Feveremo of 2014 Como ja apontado acima, esse principio tornou-se fundamento juridico para situagdes tradicionalmente relacionadas com o principio da boa-fé, simulta- neamente, ou em sua substituigéo, como a exceptio dali, o dever de cooperar , mais especificamente, a figura do adimplemento substancial do contrato, Neste ultimo caso, a luz da fungao social do contrato em vez da cooperagao fundada na boa-f, 0s tribunais reconhecem a injustica do reconhecimento da resolugao do contrato por inadimplemento quando as maiorias das parce- las ja foram pagas. Porém, as decisoes nao exoneram 0 devedor do vinculo obrigacional: apenas exigem do credor a satisfagao de seu crédito por meios ‘menos gravosos." Por outro lado, a extingao da obrigacao com fundamento no adimplemento substancial seria desrespeito & funcao social do contrato em face do credor por prejudicar a seguranca jurtdica necesstria aos nego- cios.® Por exemplo, na execugdo do contrato de locacao, reconheceu-se a impossibilidade de decreto de despejo de inquilino que devia pequena dife- renga nos aluguéis com base na funcao social do contrato."” Noutro caso, ad- rmitiu-se a purgacao da mora do mutuatio, pots o credor, com isso, nao sofria rejutzos e se fazia necessirio assegurar a permanéncia do réu no imovel." Afastou-se ainda o despejo do locatario com base nesse principio, quando essa medida se revelava excessiva por causa do adimplemento substancial do aluguel, pois esta seria a “solugao que melhor se coaduna & pacificacéo do conilito social trazido a baila”. Outro caso interessante em que se aplicou a fungao social como dever de cooperacio ~ ¢ também como aplicacao equitativa do direito ~ {dm matéria de perda de telefone celular vinculado a contrato celebrado com operadore com prazo minimo de vigencia, Esse tipo de contrato consiste em geral, na doagao de um telefone ow a sua venda por pequeno valor, desde que o cliente mantenha a adesao ao plano, cujo valor mensal € mais elevado do que 0 nor- 85. ST), REsp 1.051.270/RS, 4°T.,j.04.08.2011, rel Min. Luis F. iv 0037573-73.2011 8 26.007 1/Bauru, 31.* Cam. de Direito tel. Des. Adilson de Araujo; TJMG, Agln 00486 17 2013.8.13.0000, j. 08.08.2013, rel. Des. E 86, TJSR, ApCiv 0105588-51.2004 8, 26.0100/Sa0 Paulo, 20." Cam. de Dit 18,06,2012, rel. Des, Maria Lucia Pizzott, 87. TJSP, Ap 0216730-21,2008.8.26,0100/S80 27.01.2010, el. Des. Artur Marqu 88. TJSP, Ap 9162408-72.8.26.0000, j. 25.09.2006, rel. Des. Elcio Trujilo, 89. TJSR, Agln 0010340-62.2007 8.26.0000, 25% Cam, do Terceito Grupo (Extinta 2° TAC), j. 06.03.2007, rel. Des. Amorim Cantuaria Privade, j 35° Cam, de Direito Privado, j. Ci 71 ral. 0 cliente da operadora perdeu o aparelho ¢ teria que continuar a pagar as ‘mensalidades do plano, sem poder usar os servicos. A decisao do ST) foi a de fazer justiga no caso conereto, de modo que ambas as partes cooperassem na satisfacdo de seus interesses: “Tal circunstancia exige a compatibilizacdo dos direitos, obrigagdes ¢ in- teresses das partes contratantes & nova realidade surgida apés a ocorréncia do evento inesperado e imprevisivel, para o qual nenhuma delas contribuiu, dando ensejo a revisio do contrato, abrindo-se duas alternativas, a critério da operadora: (i) dar em comodato um aparelho ao cliente, durante 0 restante do periodo de caréncia, a fim de possibilitar a continuidade na prestacio do servico e, por conseguinte, a manutencao daquele contrato; ou (i aceitara re- solugao do contrato, mediante reducdo, pela metade, do valor da muha devida, naquele momento, pela rescisio”.”” ‘A fungao social do contrato também foi usada como na tutela externa do crédito. Caso famoso sobre o qual a doutrina aguardava decisio pelo Poder Judiciario foi o julgamento do contrato de licenciamento do uso de imagem do cantor Zeca Pagodinho, que rompeu seu contrato com determinada cervejaria para figurar como novo “garoto propaganda” da cervejaria concorrente e, com isso, convidar os consumidores a experimentar essa outra cerveja, pois ele havia feito © mesmo. A solucio do caso deu-se mediante a aplicacao da fungéo social do contrato, ao decidir o seguint: “O art, 421 do Codigo Civil prevé o principio da funcao social do contrato ao prescrever que ‘a liberdade de contratar 38a exercid‘em razio e nos limites dda fungao social do contrato’. Ora, tal principio nao observado pela requerida 40 aliciar 0 cantor contratado pela requerente e ao se comprometer a pagar ‘eventual indenizagao que Zeca Pagodinho viesse a ser condenado.” Embora se tenha aplicado a fungio social do contrato em grande nimero de julgados, ha, também, por outro lado, grande niimero de decisoes em sentido contrario. Nao se tem admitido inadimplemento contratual com base nesse principio, o que atende a preocupacao da doutrina quanto a possivel banaliza- {¢20 do principio ou o enfraquecimento injustificado da fora obrigatéria dos contratos. © TJSP afirmou que “o principio da fungao social do contrato esta indado na diretriz do art. 170 da Constituigao Federal, que objetiva estabe- lecer uma ordem econémica, conforme os ditames da justica social, portanto visando inibir qualquer prejuizo a coletividade, por conta da relaao estabe- lecida, Nao serve assim de meio para solucionar dificuldades financeiras sim- 90, ST), REsp 1.087.783/RJ, 3.*T.j, 01.09.2009, rel. Min. Nancy Andright 72 Resta 005 Tan's + RT'940 « Fovneno oF 2014 Pl do de devedores imprevidentes”.*" Noutro julgamento, 0 mesmo Tribunal entendeu que ~ contrato nao pode servir de suporte para que p representadas e no livre ¢ pleno exercicio de sua de responder por obrigagses expressamente assumidas e venham a frustrar a Jegitima expectativa da outra contratante™,” Do mesmo modo, entendeu-se que o pedido de revisto contratual formulado por promit prador em mora prolongada afronta a fungio social do contrato em face da consteutora promitente-vendedora” Tampouco se tem vislumbrado violagdes a fungao social do contrato em se tratando de alienacio fiducidria em garantia, Nesse ponto, houve maior rigor do legislador para com o devedor fiducidrio, porque, na redacao original do Dec.-lei 911/1969, era facultada a purgagio da mora a quem ja tivesse pago 40% do valor financiado, Porém, a Lei 10.931/2004 extinguiu a possibilidade para impor 0 pagamento integral da divida, Com isso, esse assunto passout a ser discutido segundo a fungdo social do contrato. Por maioria de votos, o ST] entendeu que nao viola a fungao social do contrato a impossibilidade de pur sgagio da mora nesses contratos desde 2004, porque ser seguranga ao credor para continuar a celebrar novos contratos dessa natureza, proporcionando crédito a populacao. O voto-vencido entendeu que o ina plemento nao poderia ser analisado isoladamente, mas sim em conso com 0 dever de cooperacao baseado na boa-fé e na fungao soc Os Tribunais de Justica dos Estados seguem 0 voto-vencedor na ‘taior parte dos casos,” como se depreende abaixo . lenagao fiduciiria. Agio de busca e apreensio. Devedora fiduciante que 1.05 principios da dignidade da pessoa humana eda fungao social do con 0 com 0 objetivo de anular cldusulas contratuais, Desacolhimento. mente pessoais, aliviando 0 10 0 que dai rato.” 91. TJSP, Ap 003037305 2009.8.26.0000, 11.* Cam, de Direito Privado, j. 24.09.2009, rel. Des. Gilberto dos Santos. 2, 1493-20.2007-8.26 0000, 24.* Cim. de Direito Privado, j 27.10.2011, Jorge Junior. 93. TJMG, ApCiv 1.0701 09.260089-2/002, 15.* Cam. Civ, }. 29.08.2013, rel. Des. Tiago Pinto 94. ST), REsp 1.287.402/PR, 4.'T. }. 03.05.2012, rel. Min, Marco Buzzi Min. Antonio Carlos Ferreira 95, 0 TR) iu ® purgacto da mora nesse caso. CI, TJRJ, ApCiv 0000830. 66.2012.8.19.0025. 4° Cam. Civ. {, 12.06.2013. rel. Des. Myriam Medeiros, ciamento, inc pagar, sem qualquer correcio, nao podendo destarte, apés pagar algumas das parcelas ajustadas, queixar-se de ofensa a di 0.0 conirato qu ten: cia de con 0 social do contrato e o prineipio pacta sunt servanda, O} fungao social do contrato nao impede que 6 contratantes livremente pactuem. Preceito que funciona como um instru- mento colocado a disposi¢ao do magistrado, a fim de coibir a manifestagao de idade, o qual devera examinar se nio houve a intencao de lesar 0 preceito maior da socialidade e operativida- sta, combinando o individual comn o social fo, assim, efetiva validade e eficacia aos ncontroversa, Mora nao descaracterizada, -mento informador de previsto no atual sistema ci de maneira complementar, assegura negocios j Sentenca mantida. Recurso desprovido. “O contrato, no direito bra prido nao apenas em homenagem eticidade das relagdes juridicas, mas tam- bem da boa-fé e do proprio Estado d westidor estrangeiro ou empresério nacional ha de verter recursos num pats em que a lei ¢ os con: ra10s nao so respeitados. O dirigismo contratual autorizado pelo Codigo de Defesa do Consumidor e pelo proprio Cédigo Civil nao justifica que juizes € tribunais simplesmente tornem ineficazes contratos licitos ¢ firmados por livre tade de partes maiores e capazes. A sentenca alude a uma inexistente one- rosidade excessiva, desconsiderando que agpuincipal fustcao social do contrato a que alude o art. 421 do CC/2002 ¢ a promogio do desenvolvimento do bem comum. A fungao social do contrato nao é a de proteger inadimplentes ou devedores contumazes. ainda ¢ lei entre as partes e deve ser cum- Nao se admitiu, com base na fungao social do contrato, a eliminacao de risco em contratos cuja prestagio esta sujeita a risco, como nos casos de con- ratos agrérios, O Tribunal de Justica do Estado de Sao Paulo entendeu que ‘stiagem, adversidade climatica, pragas e variacao dos precos dos graos nao fatotes imprevisiveis. A fungio social do contrato nao justifica inadim- plemento contratual, em contrato em que nao haja prestacao excessivamente i a recusa de entrega de safra vendida onerosa”.%* Noutro caso, nao se ad 96. TSR, Ap 0016162-96.2009.8.26 0344/Marilia, 28° Cam, de Diteto Privado, j 97, 98. TJSR Ap of Rev 9157982-80,2007.8.26.0000, 20.* Cam. de Direito Privado, j 25.06.2007, rel, Des. Paulo Sergio 74 Resta oos Taisunass « RT940 « Fevenino 0€ 2014 antecipadamente, porque, na data da venda, a saca custava 11 délares e, na data da enttega, custava 20 délares Casos similares foram julgados pelo ST Decidiu-se que “a fun¢ao social infligida no contrato nao pode desconsiderar seu papel primério e natural, que é o econdmico. Ao assegurar a venda da sua colheita futura, ¢ de se esperar que o produtor inclua nos seus calculos todos (5 custos em que poderd incorrer tanto os decorrentes dos proprios termos do contrato, como aqueles derivados das condi¢des da lavoura”."® Nao se entendeu ter ocorrido violacao a fungao social do contrato, quando este fosse de natureza empresarial e uma delas nao pretendesse mais renova-lo 20 seu final, © que reafirma mais uma vez a distingao entee contratos empre- sariais € contratos existenciais no que concerne a aplicacdo da fungao social do contrato, E 0 caso em que se considerou licita a res 0 de prestagao de servicos de eletricidade executado durante cinco anos, porque esse principio nao poderia ser usado para manter as partes “ligadas por vinculo contratual durante um longo e indefinido periodo”."* Do mesmo modo, nao se admitiu a violagao de regra de ordem piiblica proibitiva de sociedade entre ‘Onjuges casados com fundamento na fungao so 5. TENDENCIAS ACERCA DA FUNCAO SOCIAL DO CONTRATO ‘Apos a analise de julgados dos tribunais brasileiros sobre a fungio social do contrato, surge a tentacao de estabelecer desdobramentos ou tendé de aplicacao desse principio, 0 que, evidentemente, pode vir aenao se con- firmar ante a auséncia de leis da historia. De qualquer modo, a primeita tendéncia da-se em matéria de seguro, contrato este sobre o qual ja esta pa- Cificado 0 entendimento quanto a sua funcao social. De natureza juridica similar a do contrato de plano de satide, aplica-se esse principio para garantir © pagamento da indenizagao aos beneficiarios. Sao frequentes as decisées em que nao se admitiu a ruptura ou ndo renovacio de contrato de seguro de vida quando o segurado ja tinha relacionamento por varios anos com a seguradora, O TJSP reiteradamente decidiu que “o cancelamento unilateral € injustificado de longeva apélice de seguro de vida, por deixar 0 segurado 99. TJSR, Agin 0036641-51.2004.8.26.0000, 6.* Cam. de Diteito Privado, j. 10.08.2004, tel, Des, Candido Alem, ‘STJ, REsp 803 481/GO. 3. j. 28.06.2007, rel. Min. Nancy Andrighi; REsp 783.404/ GO, 34 T, j, 28.06.2007, rel. Min. Nancy Andrighi. 101. ST), REsp 972.436/BA, 3.*T, j, 17.03.2009, rl. Min, Nancy Andeighi ST), REsp 1.058.165/RS, 3 T., 14.06.2009, rel. Min. Nancy Andrighi. cm 75 ‘aos sinisttos, encontra dbice nos principios da boa-fé objetiva e da fungéo social do contrato”."® No mesmo sentido, o STJ ao mencionar como leading case 0 REsp 1.255.315/SR, referente a rescisio imotivada do contrato, acima transcrito, quando as partes do contrato a ser renovado jé eram idosos."™ En como violagao da funcao social do contrato ~¢ também da boa- fe —a recusa de pagamento de seguro de vida coletivo em que o segurado era € morreu no estrito cumprimento do dever legal, pois nao era icita a discricionariedade entre policiais nao policiais."” De forma idén- tica, julgou-se violadora a clausula do contrato de seguro que estabelecia 0 pagamento de indenizacdo de acordo com o niimero de pessoas que @ veiculo comporta e nao, pelo numero de vitimas,' assim como a recusa’ao paga- mento de indenizacao portador de doenca preexistente, quando a seguradora nao fez exames prévios no segurado. Destacam-se 05 casos em que terceiros propoem a ago de reparagio de da- nos diretamente contra a seguradora, em vez de propor contra o segurado. Em princtpio, tal situacao nao seria possivel, porque nao ha relagao juridica entre a seguradora e terceiro, No entanto, o entendimento tem sido o de que a fungao social do contrato afastaria a preliminar de ilegitimidade passiva, de modo a facilitar a reparacdo dos danos softidos por terceiros.'* Ainda que nao restem daividas de que o contrato de seguro tem importante fungao social, poder-se-ia indagar sobre o possivel desclobramento de uma fungao social da tesponsabi lidade civil, ao se procurar, de um lado, a¥megurar qtreas indenizacoes serdo pagas em caso de sinistro e, de outro lado, facilitar a defesa dos interesses em jutzo para que se solucionem mais rapidamente os problemas advindos dos danos sofridos pelas pessoas. 103. TSP, Ap 0122977-20.20007 8.26.0011, 35.* Cam. de Dieito Privado, j. 13.12.2010, rel, Des, Mendes Gomes; TSR, Ap 1259718001, 35. de Direito Privade, j. 15.06.2009, rel. Des. Artur Marques, TJSP, Ap 1209951008, 35.* Cam. de el. Des. Artur Marques. 104. ST), AgRE no REsp 1.230.665/SR, 3, j, 05.03.2013, rel. Min. Paulo de Tarso San 105. ST), REsp 1.192,609/SR, 3, j07-10.2010, rel. Min. Massami Uyeda 106, TSR Ap 90855542-B6.2007 8.26.0000/Boituva, 35.* Cam, de Dire (05.05.2010, rel. Des. José Malerbi 107. TJSB, Ap 0000382-10,2004 8.26.0242/Igarapava, 31.* Cam. de Diteito Privado, j 02.07.2013, rel Des. Francisco Casconi ST), REsp 1.245.618/RS, 3.°T. j. 22.11.2011, rel Min, Nancy Andrighi, Privado, j 76 Resin vos Triounass + RT 940 + Fevencino o¢ 2014 Merece reflexao a cobranca de taxas de juros remuneratorios fixadas nos contratos, porque o crédito ¢ importante para a satisfacao das necessidades das pessoas, a0 proporcionar o acesso aos bens e servi¢os por quem nao tem recur- 508 para a aquisicdo dos mesmos a vista, Por outro lado, este ¢ importante para o do funcionamento da economia capitalista, porque se requer sejam adquiridos ininterruptamente os produtos das atividades econdmicas, como os bens ¢ servicos para a sobrevivencia do sistema. Como os emprésti- ‘mos bancarios sto, por sua vez, geradores de riquezas, advindas da cobranca da taxa de juros, a realizacao dessas operacdes de crédito também ¢ importante para 0 funcionamento da economia, tanto do ponto de vista do investimento quanto do ponto de vista do consumo. E fato notorio de que as taxas de juros no Brasil sio excessivamente elevadas, nao apenas por causa da dificuldade de recuperacao do crédito inadimplido pelas deficiéncias do Poder Judiciario € da legislacao processual, mas também por duas razdes de ordem macroe- condmica, que resultam em menor disponibilidade de crédito no mercado: 0 descontrole dos gastos publicos, que obriga o Estado a expandir a divida pt- ica ea administré-la mediante elevadas taxas de juros pagas aos credores dos titulos da divida publica e a necessidade do controle da inflacao, reduzindo o consumo ante a incapacidade de atendimento da demanda, Dessa maneira, a clevacio das taxas de juros pagas pelo Estado sio acompanhadas pela elevacao dos juros cobrados em contratos de empréstimo e de financiamento. Apesar do entendimento de que a funcao social do contrato nga pode servit de escusa para o inadimplemento contratual, € necessério indagar os valores cobrados a titulo de juros remuneratorios no Brasil e, com base na fungao s0- cial do contrato, reduzir 0 montante cobrado dos clientes, quando estes forem excessivos. Observa-se que as decisdes nessa materia ainda sio divergentes. Por exemplo, de um lado, ha decisio referente a contrato de conta garantida - espé- cie de “cheque especial” para pessoa juridica ~ em que o banco cobrou a impor- tancia devida e 0 tomador desse empréstimo invocou a funcao social do contra to para evitar 0 pagamento, Em determinado caso, nao aceitou esse argument: “Por tiltimo, nao ha que se falar em ofensa a funcao social do contrato, visto que, enquanto 0 crédito concedido pelo banco serviu aos propésitos dos recor- rentes nenhum questionamento foi feito, Ali, tivessem eles efetivamente discor- dado dos termos da avenca, deveriam entao ter se dirigido a outra casa de crédito, jf que o ora recorrido nao detém 0 monopolio da concessto daquele servigo 109, T}SP, Ap 0005042-61.2009.8.26.0019/Americana, j.25,06.2013, rel. Des. Jovino de Sylos, Cm 77 De outro lado, admitiu-se como violagao da fungao social do contrato a cobranga de juros remuneratorios acima da média cobrada pelo mercado em operacdes da mesma natureza: ito embora inexista a pretendida limitagao legal [de cobranca de ta- as de juros remuneratorios), extrai-se dos mais recentes julgados do Supe- rior Tribunal de Justica que as instituicdes financeiras nao podem impor a cobranga de juros em qualquer percentual, a0 seu puro alvedirio, onerando excessivamente 0 consumidor com percentuais que chegam a atingir 200% ao ano e tornam o débito impagivel, sendo perfeitamente vidvel a limitacdo dos jjuros as taxas médias do mercado apuradas pelo Banco Central do Brasil para operagdes da mesma natureza. Tal providéncia se mostra imperiosa-ém obser- vvancia aos principios da razoabilidade, da onerosidade excessiva, di vedagao do enriquecimento ilicito, da lesdo enorme e da fungao social do contrato, Im- perativo determinar 0 recalculo do débito, uma vez que, conforme se infere do instrumento acostado aos autos, a taxa de juros remuneratorios contratada era de 12,90% 20 més, caracterizando, portanto, abusividade, nos termos do art 51 do Cédigo de Defesa do Consumidor, que permite a revisao dos calculos e, consequentemente, a limitaca0 dos juros a taxa média de mercado vigente a ‘epoca do negécio juridico.”"" Tentou-se aumentar o limite de endividamento de pessoas tomadoras de crédito de pagamento consignado em folha de pagamento. Trata-se de finan- ciamento sem risco, porque o pagamento do empréstjmo € retido na fonte pagadora do tomador. Esse fato, por si s6, Tmporia taxa de juros muito baixas, ‘© que nao ocorre na realidade. Por isso, entende-se como violagao da fungao ‘cial do contrato a situacdo em que o valor total das parcelas excede 30% dos rendimentos mensais, para que o minimo de tenda seja assegurado Outra situacao que pode ensejar a discussio da fungao social do contrato de crédito & quanto aos titulos de capitalizagao. E contrato celebrado com ins- i¢do financeira, por meio do qual a pessoa paga mensalmente determinada importancia em dinheiro, concorrendo a sorteios mensais de prémios. Com 0 advento do seu termo final ~ em geral, quatro anos ~ a pessoa recebe de volta mesma importancia paga sem juros. Caso a pessoa resolva desistir da opera- 10. T)SR, Ap 0100145-56.2008.8.26,0011/Si0 Paulo, 20.* Cam. de Direito Privado, j 01.07.2013, rel, Des. Maria Lucia Pizzo ST), AgRg no REsp 1.206.956/RS, 3.*T,,j, 18.10.2012, rel. Min, Paulo de Tarso San- severino: 19.0000, 16.* Cam. Civ, }.14.05,2013, rel 7 78 Revsra vos Tasunass + RT'940 + Fevensgo 0€ 2014 ‘Ao, isto é, pretenda “resilir” o contrato, recebera apenas parte da quantia paga mensalmente, Esse assunto pouco chegou aos tribunais para que se conside- rem nulos por clamorosa violagao a fungao social do contrato, mas basta obser: var que o tomador do empréstimo é um banco ¢ o concedente do empréstimo €0 cliente, em geral, pessoa simples, que sucumbe a praticas abusivas, como a venda casada, ou € iludido pela esperanca de ganhos em sorteios, para em- prestar dinheiro aos bancos sem juros. Ademais, caso esse mesmo cliente, que adquiriu titulo de capitalizagao, solicite empréstimo bancario pré-aprovado, pagard taxas de juros de, no minimo, 4% ao més. Em materia de educagio, na qual se reconhece a fungao social do contrato de prestacio desses servicos, a Lei 9.870/1999, resultante da conversao da MedProv 1,890, admite a autonomia privada das partes na definigao do valor da anuidade ou semestralidade escolar nos niveis pré-escolar, fundamental, ‘médio e superior. Originalmente, havia a previsto do art, 1, § 2°, com a seguinte redacdo: “Ao valor anual ou semestal base, reerido no paragrafo an- terior, podera ser acrescido, anualmente, valor proporcional correspondent entre outros, a dispéndios previstes para o aprimoramento do projeto didatico- -pedagégico do estabelecimento de ensino, assim como os relativos & atual zagdo de seus custos a titulo de pessoal, custelo, tributes ¢ encargos sociais’ Este dispositivo foi vetado na ocasido da conversao da medida provisoria em lei, porque os termos “entre outros” retiraria 0 cariter taxativo das possbili- dades de reajuste das mensalidades, afetando, inclusive, a eficicig pretendida pela regulagao da matéria, Posteriormente, em 2001, inseriu-se, por meio da MedProv 2.173, dispositivo similar e mais restritivo por meio do art. 1.°, § 3." “Podera ser actescido ao valor total anual de que trata 0 8 1.° montante pro- porcional a variagdo de custos a titulo de pessoal e de custeio, comprovado me- diante apresentacao de planilha de custo, mesmo quando esta variagao resulte da introdugio de aprimoramentos no processo didatico-pedagogico”. Com isso, a unica possibilidade de aumento de mensalidades escolares da-se apenas para aprimoramento do processo didatico-pedagdgico, De um lado, assegura- sea fungao social do contrato em face do aluno, mas, de outro, restringem-se a5 opcdes dos empresarios do setor, o que ocasiona distorcdes na elaboracao dessas planilhas ou até mesmo a sua recusa de exibigdo para quem a solicita Assim, € possivel que a discussio dos reajustes de mensalidades escolares ocor- ¥2 com base na fungio social do contrato, em termos da extensio dos benefi- cios que a sociedade deve auferir pela celebragao desses contratos pelas partes, em contraposigao ao interesse dos empresirios do setor na obtencao do lucto. Por fim, considerando que a fungdo social do contrato se refere a situacoes em que ha direitos basicos envolvidos, como os direitos sociais e fundamen- tais, tem-se admitido a alegacao de violagao da fungao social do contrato por meio de acio civil publica proposta pelo Ministério Publico. A principio, n&o ria possivel tal ago, porque envolve direitos disponiveis, como sio os direi- tos de crédito. Porém, 0 TJRJ admitiu que a fungdo social do contrato rege os acordos relativos ao exercicio ao direito & moradia, como, por exemplo, em caso de mora da construtora na entrega de unidades aos consumidores locais, reconhecendo-se a legitimidade do Parquet para a defesa coletiva da funcdo social dos contratos."" }. CoNcLUSAO Em pouco mais de uma década de vigéncia do Cédigo Civil, podé-se chegar a varias conclusdes, A doutrina sustentou a fungao social do contrato como a implantagao do solidarismo ¢ a prevaléncia do interesse social por forga da Constituicdo Fede- ral, 0 que ensejou o debate sobre a extensio dos efeitos dos contratos perante a sociedade e de que maneira esse principio se harmonizaria com a forga obriga- toria dos contratos, porque a aplicacao inadvertida da funcao social do contrato poderia afetar negativamente o funcionamento da economia. A jurisprudéncia, por sua vez, distinguiu em que casos o contrato cumpriti ou nao a sua funcdo social. O advento do Cédigo Civil de 2002 fez com que nao fosse necesséria a ferencia 4 Constituicao Federal para sustentar sua aplicagao no caso concre- to, Embora comum 0 sett uso como figura de retoricg pa fundamentacao dos acordaos, a fungao social do contrato foi associada a outros institutos, sobretu- do a boa-fe, de modo que, se esta ultima nao fosse aplicavel a0 caso concreto, aplicar-se-ia aquela e vice-versa. Manifestou-se como expressio da equidade, porque a forga obrigatéria dos contratos continua sendo a regra geral, atenu- 10 quando necessétio ~ geralmente na correcao de lausulas abusivas — e nao, para liberar o devedor do pagamento ao credor por ficuldades financeiras. Restou provada que a fungao social do contrato esta relacionada, sobretudo, aos contratos existenciais, quando relacionados expres- samente aos dlenominados direitos sociais, como a sate, educagao e habitacao. Assim, nem todo contrato ensejaria violacéo da fungao social ou o fato levadlo a0 conhecimento dos tribunais nao era hipotese de violacao da fungao social do contrato, do mesmo modo que houve muitos casos em que se reconheceu esse principio pela propria manuten¢ao do contrato celebrado pelas partes, .do-se este ultimo princi 112. T)RJ, Ap 0042980-91.2011.8.10.0014, 8 Cam. Civ, }- 18.06.2013, rel. Des. Luiz Felipe Francisco, 80 Resta 005 TaunAs + R940 « Feventno of 2014 7. REFERENCIAS Bibliogréficas ‘A fungio social dos contratos no novo Codigo Civil. Revista Fo- 100, n, 371, p. 51-72. Rio de Janeiro: Forense, jan.-fev. 2004 Azeveo, Antonio Classificagao dos inqueira de. Natureza juridica do contrato de consorcio, icos quanto 20 numero de partes € quanto aos € nos contratos relacionais, Cont incias © onerosidade excessiva, Si ratual. Resolugio parcial do contrato. Fungo soci Ed. RT, few do contrato. Revista dos Tibunais, vol. 832. p. 115. Sao Pat 2005. 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