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7 Liberté + Egalité + Fraternité REPUBLIQUE FRANGAISE Bate livro, publicado no ambito do Ano da Franga no Brasil ¢ do programs de iuaxilio A publicagio Carlos Drummond de Andrade, contou com 0 apoio do Ministério Francés das Relagies Exteriores e Enropeias. i Ano ch Franga no Brasil 21 de abril 15 de over Te: bo) € organizado, na Francs, pelo Comissariado N Geral Francés, pelo Ministério das Relagdes‘Exte- riores e Europeas, pelo Ministerio da Caltora e da Comunieago por Cale yelo Comissariado Geral Brasileiro, pelo Ministério da Cultura e pelo Ministério das Relagdes Exteriores & Branenis, le Ministdve des Affaires Etrangeres et Euro~ JEAN DELUMEAU HISTORIA DO MEDO NO OCIDENTE 1300-1800 Uma cidade sitiada Traducao Maria Lucia Machado ‘Tradugio de notas Helofsa Jahn Capitulo 3. 641 Capitulo 4 648 Capitulo § 653 Capitulo 6 656 Capitulo 7 662 Capitulo 8 665 Capitulo 9 669 Capitulo 10 673 Capitulo 11 680 Capitulo 12 685 Conclusio 689 Sobre 0 autor 695 INTRODUGAO O HISTORIADOR EM BUSCA DO MEDO 1, O SILENCIO SOBRE O MEDO. No século XVI, nio é fécil entrar 4 noite em Augsburgo. Montaigne, que visita a cidade em 1580, maravilha-se diante da “porta falsa”, protegida por dois guardas, que controla os viajantes chegados depois do pér do sol. Estes deparam, antes, de tudo, com uma poterna que primeiro guarda abre de seu quarto, situado a mais de cem passos dali, por intermédio de uma corrente de ferro, a qual puxa uma pega também de ferro “por um caminho muito longo e cheio de curvas”, Passado esse obstéculo, a porta volta a fechar-se bruscamente. O visi- tante transpée em seguida uma ponte coberta situada sobre tum fosso da cidade e chega a uma pequena praca onde declara sua identidade e indica o endereco que o alojaré em Augsburgo. O guarda, com um toque de sineta, adverte entio seu compa- nheiro, que aciona uma mola situada numa galeria proxima ao seu aposento, Essa mola abre em primeiro lugar uma barreira ¢ de ferro — e depois, com ausilio de uma grande roda, comanda a ponte levadiga “sem que nada se possa perce: ber de todos esses movimentos, pois siio conduzidos pelos pe- sos do muro e das portas, ¢ subitamente tudo isso volta a fe- — sem char-se com grande ruido”. Para além da ponte levadica bre-se uma grande porta, “muito espessa, que é de madeira e reforcada com varias grandes liminas de ferro”. Através dela 0 estrangeiro tem acesso a uma sala onde se vé encerrado, s6 ¢ sem luz, Mas outra porta semelhante & precedente permite-Lhe entrar numa segunda sala em que, desta vez, “h ele descobre um vaso de bronze que pende de uma corrente. Deposita ai o dinheiro de sua entrada, O (segundo) porteiro puxa a corrente, recolhe 0 vaso, v luz”, e onde rifiea a soma depositada i pelo visitante, Se nio ests de acordo com a tarifa fixada, porteiro 0 deixa “de molho até o dia seguinte”. Mas, se fica satisfeito, “abre-lhe da mesma maneira mais uma grossa porta semelhante as outras, que se fecha logo que passa, ¢ ei-lo na cidade”. Detalhe importante que completa esse dispositivo 20 mesmo tempo pesado ¢ engenhoso: sob as salas ¢ as portas existe “um grande porio para alojar” quinkentos homens de armas com seus cavalos, no caso de qualquer eventualidade. Se for necessirio, sio enviados para a guerra “sem a chancela do povo da cidade”, Precaugdes singularmente reveladoras de um clima de in- seguranca: quatro grossas portas sucessivas, uma ponte sobre um fosso, uma ponte levadica nio parecem excessivas para proteger contra qualquer surpresa uma cidade de 60 mil habi- tantes que é, na época, a mais povoada © a mais rica da ‘Alemanha, Num pais atormentado por querelas religiosas ¢ num império cujas fronteiras so rondadas pelos turcos, todo ngeiro € suspeito, sobretudo 4 noite. Ao mesmo tempo, -se do homem “comum” cujas “emogGes” sio impre- visiveis e perigosas, Assim, dé-se um jeito para que no perce- ba a auséncia dos soldados habitualmente estacionados sob 0 dispositive complicado da “porta falsa”. No interior desta, empregaram-se os tltimos aperfeigoamentos da metalurgia alema da época; gracas a isso, uma cidade particularmente cobicada consegue, se nao afastar completamente 0 medo para fora de seus muros, a0 menos enfraquecé-lo 0 suficient® para que se possa viver com ele, Os complicados mecanismos que outrora protegiam os habitantes de Augsburgo tém valor de simbolo, Pois nao s6 os individuos tomados isoladamente, mas também as coletividades ¢ as proprias civilizagdes estio comprometides mum dilogo permanente com o medo. No entanto, até o momento, a histo- Fiogratia pouco estudou 0 passado sob esse Angulo, a despeito do exemplo preciso — e muito esclarecedor — fornecido por 2 G. Lefebvre e dos votos expressos sucessivamente por ele ¢ por L. Kebvre. O primeiro escrevia, ji em 1932, em sua obra consa- grada ao Grande Medo de 1789: “No decorrer de nossa histéria houve outros medos antes e apés a Revolucio; houve medos também fora da Franca. Nao poderiamos encontrar-lhes um trago comum que langaria alguma luz sobre o de 17892". Fazendo-Ihe eco, L.. Febvre, um quarto de século mais tarde, esforgava-se por sua vez cm engajar 08 historiadores nese ca- minho, balizando-o com grandes tragos: Nao se trata [...] de reconstruir a historia a partir da exclusi- va necessidade de seguranga — como G, Ferrero estava ten- tado a fazer a partir do sentimento do medo (no fundo, de resto, os dois sentimentos, um de ordem positiva, © outro de ordem negativa, nao acabam por encontrar-se?) — trata-se essencialmente de colocar em seu lugar, digamos, de restituir scu quinhao legitimo a um complexo de senti- mentos que, considerando-se as latitudes e as épocas, nfo pode deixar de desempenhar um papel capital na historia das sociedades humanas para nés préximas ¢ familiares." I. a esse apelo que tento responder por meio da presente obra, precisando desde o inicio trés limites de meu trabalho. O primeiro é aquele mesmo tragado por L, Febvre: nao se trata de reconstruir a histéria a partir do “exclusive sentimento de medo”. Tal redugio das perspectivas seria absurda, e é sem diivida demasiadamente simplista afirmar com G. Ferrero que toda civilizagao € 0 produto de uma longa luta contra o medo. Portanto, convido o leitor a lembrar-se de que projetei sobre o passado certo enfogue, mas de que hé outros, possiveis e dese- jiveis, suscetiveis de completar ¢ de corrigir 0 meu. As duas outras fronteiras sio as de tempo ¢ espaco. Busquei meus exemplos, de preferéncia — mas nem sempre — no periodo que vai de 1348 2 1800 no setor geogritico da humanidade ocidencal, a fim de dar coesio ¢ homogeneidade a minha expo- sigao e de nao dispersar a luz do projetor sobre cronologia e 2B periodos desmedidos. Nesse quadro, ficava por ser preenchido tim vazio historiogrfico que em certa medida vou esforgar-me em completar, bem ciente de que tal tentativa, sem modelo a ser imitado, constitui uma aventura intelectual, Mas uma aventura excitante, Por que esse siléncio prolongado sobre o papel do medo na histéria? Sem diivida, devido a uma confusio mental ampla- mente difundida entre medo ¢ covardia, coragem e temeridade, Por uma verdadeira hipocrisia, o discurso escrito e a lingua falada — o primeiro influenciando a segunda — tiveram por muito tempo a tendéncia de camuflar as reagées naturais que acompanham a tomada de consciéncia de um perigo por tras das falsas aparéncias de atitudes ruidosamente herdicas. “A palavra medo esti carregada de tanta vergonha’, escreve G. Delpierre, “que a escondemos, Enterramos no mais profundo de nés 0 medo que nos domina as entranhas” [ no momento — séculos XIV-XVI — em que comecam a avangar na sociedade ocidental o elemento burgués ¢ seus valores prosaicos que uma literatura épica € narrativa, encora- jada pela nobreza ameagada, reforca a exaltaedo sem nuanga da audacia, “Como a lenha nao pode queimar sem fogo”, ensina Froissard, “o fidalgo nfo pode chegar & honra perfeita, nem 4 gloria do mundo, sem proeza.”" ‘Trés quartos de século mais tarde, o mesmo ideal inspira o autor de Jehan de Saintré (por volta de 1456). Para ele, 0 cavaleiro digno desse titulo deve desafiar os perigd’ por amor da gléria ¢ de sua dama, B. “aque- Te que [4] faz tiinto que, entre os outros, ha noticias dele” — por faganhas guerreiras, entende-se.* Conquista-se tanto mais honra quanto mais se arrisca a vida nos combates desiguais. io esses 0 pio cotidiano de Amadis de Gaula, um herdi saido lo do romance bretio, que chega a fazer “tremer as mais feras selvagens”,’ Publicado na Espanha em 1508, tradu- zido para o francés a pedido de Francisco t, o Amadis de Gaula ¢ seus suplementos dio lugar, no século XVI, a mais de sessen- 4 ta edigdes espanholas ¢ grande quantidade de edligdes france- sas e italianas. Mais impressionante ainda € a fortuna de Orlando furioso, de Axiosto: cerca de 180 edigdes de 1516 a 1600. Orlando, “paladino insensivel a0 medo”, despreza naturalmente “o vil bando dos sarracenos” que 0 ataca em Roncevaux. Com a ajuda de Durandal, “os bragos, as cabecas, os ombros (dos inimigos) voam por todos os lados” (cap. XIt!). Quanto aos cavaleiros cristios que Tasso coloca em cena na Jerusalém libertada (1581), a0 chegar diante da cidade santa, agitam-se de impaciéncia, “antecipam-se ao sinal das trombe- s e dos tambores, e saem a campo com altos gritos de alegria” (cap. 11). A literatura das crdnicas é igualmente inesgoravel no que diz respeito a0 heroismo da nobreza e dos principes, sendo esses a flor de toda nobreza. Apresenta-os como impermed- veis a todo temor. Assim é com Jodo Sem Medo, que ganhou lcunha significativa em luta contra Liége, em 1408? Sobre Carlos, o Temerrio — outro apelido a destacar —, os elogios sio hiperbélicos. “Era altivo e de grande coragem; seguro no perigo, sem medo e sem pavor; e se um dia Heitor foi valente diante de’Troia, este o era outro tanto.” Assim fala Chastellain." B Molinet vai ainda mais longe depois da morte do duque: “Bra [..] a planta de honra inestimavel, o tronco de graca bem-aventurada, ¢ a drvore de virtude colorida, perfumada, frutuosa e de grande altitude”** Reveladora, por sua vez, a gloria que cerca Bayard durante sua vida, E 0 cavaleiro “sem temor ¢ irrepreensivel”. A morte do famoso fidalgo do Dau- phiné, em 1524, também deixa “toda nobreza de luto”. Pois, assegura o Leal Servidor, “em audicia pouca gente a ele se comparou. Em conduta, era um Fabio Maximo; em empresas sutis, um Coriolano, e em forga e magnanimidade, um segun- lo Heitor”. Esse arquétipo do cavaleiro sem medo, perfeito, € constan- temente realcado pelo contraste com uma massa considerada sem coragem. Virgilio jf escrevera: “O medo é a prova de um hascimento baixo” (Eneida, tv, 13). Tal afirmagio restou incon 1s teste por muito tempo. Commynes reconhece que os arqusiros se tornaram “a soberana coisa do mundo para as batalhas”. M . 6 preciso tranquiliz-los com a presenca de “grande quantidade de nobres e de cavaleiros”, ¢ dar-lhes vinho antes do combate a fim de cegé-los diante do perigo.” No cerco de Padua em 1509, Bayard se insurge contra a opinido do imperador Max iano, que pretendia colocar a gendarmaria francesa a pé © favé-la setae ao lado dos lansquenetes, “gente maquinal que nfo tem s honta em tio grande recomendagio quantos os fidalgos”: Montaigne atribui aos humildes, como uma caracteristica TP ca, a propensio ao pavor, mesmo quando sio soldados: pert bem couraceiros onde hé apenas um reba nho de ovelhi tomam canigos por lanceiros.” Associando, além disso, covar- Tine erueldade, ele assegura que uma e outra sio mais especial- mente proprias dessa “canalha de vulgo”." No século xv, ia Bruyére por sua vez. toma por certa a ideia de que a massa de camponeses, artestios ¢ crindos ndo é corajosa porque nao busea « enio pode buscar — a fama: “O soldado nfo sence que sea conhecido; morre obscuro € na multidio; vivia do mesmo fnodo, na verdade, mas vivia, ¢ essa é uma das origens da falta tHe coragem nas condigdes baixas e servis’. Romance e teatro ddestacaram por seu turno 2 incompatibilidade entre esses dois luniversos a0 mesmo tempo sociais € morais: © da valentia — ndwidual —- dos nobres, ¢ 0 do medo — coletive — dos pobres. Preparando-se dom Quixote para intervir pelo exéretto te Pentapolin contra 0 de Alifanfaron, Sancho Panga timida- mente Ihe faz ngtar que se trata simplesmente de dois rel anhos de carneiros. Merece esta resposta: “F. o medo que tens, Sancho, que te faz ver e entender tudo mal, Mas se teu pavor € to grande, afasta-te [.}. Sozinho, darei a vitria a0 exéreto 2 que levarel 0 socorro de meu brago”’* Faganhas individuals sempre, mas desta ver sacrilégios de dom Juan, “o enganadar de Sevilha”, que desafia 0 espectro do comendador, Deus ¢ jaferno, Naturalmente, seu criado vai de pavor em pavor e dom Juan 0 censura: “Que medo tens de um morto? Que farias tu se fosse um vivo? Tolo e plebeu temor”.” 16 Esse lugar-comum — os humildes sie medrosos — pode ser bem exemplificado na época da Renascenga por duas obser- vagoes, contraditorias em suas intengdes mas convergentes quanto ao ponto de vista que empregam e que se pode assim umir: os homens no poder fazem de modo a que 0 povo — essencialmente 0s camponeses — tenha medo. Symphorien Champier, médico ¢ humanista mas turiferirio da nobreza, escreve em 1510: “O senhor deve tirar prazer ¢ delicia das coi sas em que seus homens tém sofrimento ¢ trabalho”, Seu papel 60 de “manter terra, pois pelo pavor que os homens do povo tém dos cavaleiros eles trabalham e cultivam as terras por pavor ¢ medo de serem destruidos”.” Quanto a Thomas More, que contesta a sociedade de seu tempo situando-se, contudo, em uma imaginaria “Utopia”, afirma que “a pobreza do povo é a dlefesa da monarquia [..J. A indigéncia ea miséria eliminam toda coragem, embrutecem as almas, acomodam-nas a0 sofri inento ¢ 4 escravidio e as oprimem a ponto de tirar-Ihes toda energia para sacudir 0 jugo”! Essas poucas evocagdes — que teriamos podido multiplicar ndefinidamente — ressaltam as razdes ideolégicas do longo ‘ncio sobre o papel e a importéncia do medo na histéria dos homens. Da Antiguidade até data recente, mas com énfase no tempo da Renascenga, o discurso literrio apoiado pela icono- fprafia (retratos em pé, estatuas equestres, gestos e drapeados sjloriosos) exaltou a valentin — individual — dos herdis que yovernaram a sociedade. Era necessério que fossem assim, ou 0 menos apresentados sob essa perspectiva, a fim de justificar aos seus proprios olhos e aos do pova o poder de que estavam reves- tilos. Inversamente, 0 medo era o quinhdo vergonhoso — ¢ mum — ea razio da sujeigio dos plebeus. Com a Revolugio ancesa, estes conquistaram pela forca o direito 4 coragem. Mas 0 novo discurso ideoldgico copiou amplamente o antigo ¢ seguiu a tendéncia de camuflar o medo para exaltar 0 herofsmo dos humildes. Portanto, é 6 lentamente, a despeito das marchas Inilitares e dos monumentos aos mortos, que uma deserigio ¢ uma aproximagio objetivas do medo des: sil mbaracado de sua ve gonha comegaram mostrar-se, De maneira significativa, as primeiras grandes evocagées de panico foram equilibradas em contraponto por elementos grandiosos que proporcionavam como que desculpas para uma degringolada. Para Victor Hugo, foi a“Debandada, gigante de face assustada”, que venceu a cor: gem dos soldados de Napoleio em Ws campo faterloo; € “esse combinou tantas fraquezas/ Treme ainda de ‘No quadro de Goya intitulado 0 io um sinistro onde Deus ter visto a fuga dos gigantes”.* ‘panico (Prado), um colosso cujos punhos gotpeiam em va ‘céu carregado de nuvens parece justificar 0 amedrontamento de uma multidio que se dispersa precipitadamente em todas as diregdes. Depois, pouco a pouco, 2 precupacio com a verdade psicoligica prevaleceu. Dos Contos de Maupassant aos Diilogos das carmelitas de Bernanos, passando por La débacle de Zola, a literatura progressivamente restituin ao medo seu verdadeiro ugar, ao passo que a psiquiatria agora se inelina cada ver. mais sobre cle. Em nossos dias, sio incontiveis as obras cientificas, 08 romances, as autobiografias, os filmes que trazem no titulo o mnedo, Curiosamente, a historiografia, que em nosso tempo deslindou tantos novos dominios, o negligenciou Em qualquer época, a exaltacio do heroismo é enganadora: discurso apologético, deixa na sombra um vasto campo da rea lidade, O que havia por trés do cenério montado pela litefatura cavalheiresea que gabava incansavelmente 2 bravura dos cava~ |eiros ¢ zombava da covardia dos plebeus? A propria Renascenga encarregou-se, ém obras maiores que transcendem todo con- formismo, de corrigit a imagem idealizada da valentia nobilié- ria, Ser que nos damos conta de que Panurgo ¢ Falstaff sio fidalzos, companheiros preferidos de futuros reis? O primeito declara, no navio desorientado pela tempestade, que daria uma renda de “180 mil escudos [.. a quem o colocasse em terra todo frouxo e defecado” como esti.” O segundo, coerente consigo mesmo, resigna-se em ser desprovido de honra: 18 Que necessidade tenho de ir [..] ao encontro do que nto se dirige a mim [trata-se da morte}? (...] Pode a honra devol- ver uma perna? Nao. Um brago? No. Eliminar a dor de um ferimento? Nao. A honra nao entende nada de cirur- gia? Nao. O que é a honra? Uma palavra. O que hi palavra honra? Um sopro [..] Desse modo, niio quero saber dela, A honra é uma simples insignia, e assim termina meu catecismo." nessa Aspero desmentido a todos os “diflogos de honra” do sécu- Jo xvi! Existem outros, no periodo da Renascenga, em obras que de modo algum eram de fiega0, Commynes & uma teste- munha preciosa a esse respeito, pois ousou dizer 0 que os demais cronistas calavam sobre a covardia de certos grandes. Relatando a batalha de Montlhéry, em 1465, entre Luis x1 e Carlos, 0 ‘Temerério, declara: “Jamais houve fuga maior dos dois lados”. Um nobre francés se foi numa s6 Lusignan; um senhor do conde de Charolais, partindo em sen- tido contririo, s6 parou no Quesnoy. “Esses dois nfo tinham preocupacio de atingir um a0 outro.” No capitulo que consa- gra a0 “medo” ¢ 3 “punicao da covardia’, também Montaigne menciona a conduta pouco gloriosa de certos nobres: caminhada até (No cerco de Roma, 1527,] foi memorsvel o medo que aper- tou, tomou e gelou tio fortemente o coracio de um fidalgo que ele caiu duro morto em combate, sem nenhum ferimen- to.” No tempo de nossos pais, lembra ele ainda, o senhor de Franget [..., governador de Fontarabie [..J, tendo-a entre- gue aos espanhdis, foi condenado a ser destituido de no~ breza, e ranto ele quanto sua posteridade foram declarados plebeus sujeitos a impostos, e incapazes de usar as armas; ¢ foi essa rude sentenca executada em Lyon. Depois sofre- ram semelhante punicio todos os fidalgos que se encontra- vam em Guise, quando 0 conde de Nassau ali penetrou [em 1536); depois: y Medo ¢ covardia nao sio sindnimos. Mas € preciso se per- guntar se a Renascenca nao foi marcada por uma tomada de consciéncia mais nitida das maltiplas ameagas que pesam sobre os homens no combate ¢ em outras situages, neste mundo € no outro. Dai, por virias vezes perceptivel nas crénicas da época, a coabitagio em una mesma personalidade de comportamen- tos corajosos e de atitudes temerosas. Filippo-Maria Visconti (1392-1447) empreendeu guerras longas ¢ diffceis. Mas manda~ ya revistar todas as pessoas que entravam no castelo de Milo ¢ proibia que se parasse perto das janelas. Acreditava nos astros € na fatalidade e invocava ao mesmo tempo a protecio de uma iio de santos. Esse grande leitor dos romances de cavalaria, esse fervoroso admirador de seus herdis, no queria ouvir falar zendo até expulsar do castelo seus favoritos quando Ise pare- da morte, fa: agonizavam. Morreu, todavia, com dignidade.” Luis ce com ele em mais de um aspecto. Esse rei inteligente, pruden- Jo careceu de coragem em graves circuns- ndo o advertiram we ¢ desconfiado, 1 tAneias, como na batalha de Montlhéry ou qu: de seu fim préximo — noticia, escreve Commynes, que “supor- tou virtuosamente, ¢ todas as outras coisas, até a morte, e mais que qualquer homem que eu jamais tenha visto morrer”. Contudo, esse soberano que criou uma ordem de cavalaria foi desprezado por virios de seus contemporineos que o julgaram um “homem amedrontado” e “era verdade que o era”, precisa Commynes. Seus temores agravaram-se no fim da vida. Gomo o tiltimo dos Visconti, caiu “em extraordinaria suspeita de todo ‘0 mundo”, s6 querendo perto dele os “criados” ¢ quatrocentos arqueiros que o protegiam com uma guarda continua. Ao redor do Plessis, “mandou fazer uma grade de grossas barras de fer~ ro”, Mandou também “fixar” nas muralhas do castelo “espetos de ferro de varias pontas’." Alabardeiros tinham ordem de atirar em qualquer um que se aproximasse & noite da re real, Medo das conjuracées? Mais amplamente, temor da mor- te. Doente, enviaram-lhe de Reims, Roma ¢ Constantinopla das quais esperava a cura, Tendo mandado reliquias preciosa 20 buscar © santo eremita Francisco de Paula nos confins da Calabria, langou-se a seus pés quando ele chegou ao Plessis “a fim de que Ihe concedesse prolongar sua vida”, Commynes jerescenta este outro trago que aproxima mais uma vez. Luis Xt de Filippo-Maria Visconti J Jamais um homem temeu tanto a morte, nem fez tantas coisas para encontrar-Ihe remédio: ¢ todo o tempo de sua vida, pedira a seus servidores ¢ a mim, como a outros, que, se 0 vissemos nessa afligio de morte, que nao Ihe dissésse~ mos, a nao ser tao somente: “falai pouco” € que o inci semos apenas a confessar-se sem Ihe pronunciar essa cruel palavra da morte, pois Ihe parecia jamais ter coragio para ouvir tio cruel sentenga." is De fato, ele a suportou “virtuosamente”, embora © culo nao tenha respeitado a instrugio real. O mais nobre dos nobres, 0 chefe de uma ordem de cavalaria, confessa portanto que tem medo, como logo o fario Panurgo e Falstaff. Mas, a0 contririo destes, cle o faz sem cinismo e, chegado o momento temido, nao se conduz como covarde. A psicologia do soberano hilo pode ser separada de um contexto histérico onde abundam dangas macabras, artes moriendi, sermdes apocalipticos ¢ ima- gens do Juizo Final. Os temores de Luis sao os de um homem {jue se sabe pecador e teme o inferno. Ele faz peregrinacées, vontessa-se com frequéncia, homenageia a Virgem ¢ os santos, feline reliquias, faz largas doagdes as igrejas ¢ as abadias.” Assim, a atitude do rei é reveladora, para além de um caso indi vidual, da escalada do medo no Ocidente na aurora dos tempos iste uma relagio entre consciéneia dos perigos ¢ hivel de cultura? E 0 que sugere Montaigne em uma passagem {Jos Ensaios onde, com. humor, estabelece uma relago entre a Jo intelectual dos povos do Ocidente, de um lado, ¢ seus Comportamentos na guerra, do outro: 21 ‘Um senhor italiano, relata ele sorrindo, sustentou uma vez cata afirmagio em minha presenga, em detrimento de sua hago: que a sutilera dos italianos ¢ a vivacidade de suas concepgées era tio grande, previam de to longe os peri wos e acidentes que Thes pudessem advir que nao se devia char estranho se eram vistos frequentemente, na guerra, prover sua segruranga, até mesmo antes de ter reconhecido 6 perigo; que nds e os espanhéis, que nao éramos to finos, famaos mais além, € que nos era necessirio fazer ver 20 olho de nos amedrontarmos € ¢ tocar com a mio 0 perigo ant {que envio nfo tinhamos mais firmeza; mas que 0s alemies a pe euicos, mais grosseiros e mais pesaddes, no tinkam © Senso de se precaver, quando muito no momento mesma m abatidos sob os golpes."* em que estav: Generalizagdes irdnicas ¢ talvez, sumérias, que tém no entanto o mérito de ressaltar o elo entre medo € lucider. tal como ele se estabelece na Renascenga — uma lucider solidaria de um progresso do equipamento mental - Refinadlos que somos por um longo passado cultural, nio somos hoje mais frageis diante dos perigos € mais permeivels do medo do que nossos ancestrais? F. provavel que os cavaleiros deoutrora, impulsivos, habituados 's guerras € aos duelos ¢ que lade nas disputas, fossem menos ge lancavam com impetuosid: ; venseientes dos perigos do combate do que os soldados do séeulo XX, portanto menos sensiveis ao mnedo. Em nossa époci, tim todo caso, o medo diante do inimigo tornou-se a regra. De las no exército americano na Tunisia e no sondagens eferyad: 2 Pacifico no decorrer da Segunda Guerra Mundial, resulta que apenas 1% dos homens declarou jamais ter tido medo.* Outras sondagens realizadas entre os aviadores americanos durante 0 r nteriormente, entre os voluntirios da A. {vil Espanhola colheram mesmo conflito e, Lincoln Brigade quando da Guerra Ci resultados andlogos.’ 2.0 MEDO E NATURAL Quer haja ou nfo em nosso tempo mais sensibilidade a0 inedo, este € um componente maior da experiéncia humana, a despeito dos esforgos para supers-lo.” “Nio hi homem acima do medo”, escreve um militar, “e que possa gabar ” Um guia de montanha a quem se faz a pergunta eu-lhe sentir medo2” responde: “Sempre se tem medo da tempestade quando a ouvimos crepitar nas rochas. Isso artepia os cabelos debaixo da boina”.” O titulo da obra de Jakov Lind, La peur est ma racine, no se aplica s6 ao caso de uma cianca judia de Viena que descobre o antissemitismo. Pois 0 medo “nasceu com o homem na mais obscura das eras”.”” “Ele esté em nés [..] Acompanha-nos por toda a nossa existéneia.”™ Gitando Vercors, que dé esta curiosa definigdo da natureza huma- ha — os homens usam amuletos, os animais no os usam —, Mare Oraison conclui que o homem é por exceléncia “o ser que tem medo”.” No mesmo sentido, Sartre escreve: “Todos os homens tém medo. ‘Todos. Aquele que nfo tem medo no € normal, isso nada tem a ver com a coragem”.” A necessidade de seguranga € portanto fundamental; esta na base da afetividade ¢ da moral humanas. A inseguranga é simbolo de morte, ¢ a seguranca simbolo da vida. O companheiro, o anjo da guarda, 0 amigo, o ser benéfico é sempre aquele que difunde a seguran- gas Assim, € um erro de Freud “no ter levado a andlise da nguistia ¢ de suas formas patogénicas até o enraizamento na necessidade de conservagao ameagada pela previsio da morte”. O animal ndo tem ciéneia de sua finitude. © homem, ao con~ inirio, sabe — muito cedo — que morrers. F, pois, 0 “iinico no {nundoa conhecer o medo num grau to temivel ¢ duradouro”." Além disso, nota R. Caillois, 0 medo das espécies animais \inico, idéntico a si mesmo, imutavel: o de ser devorado. “Eo inedo humano, filho de nossa imaginagao, nao é uno mas mul liplo, nio fixo mas perpetuamente cambiante."” Dai a jecessidade de escrever sua histéria, No entanto, o medo é ambiguo. Inerente 4 nossa natureza, se de a ele uma defesa essencial, uma garantia contra os perigos, um reflexo indispensivel que permite a0 organismo escapar provi- soriamente 3 morte, “Sem o medo nenhuma espécie teria sobrevivido."* Mas, se ultrapassa uma dose suportivel, ele se torna patoldgico ¢ cria bloqueios. Pode-se morrer de medo, ou a0 menos ficar paralisado por cle. Maupassant, nos Contos da galinbola, descreve-0 como uma “sensacio atroz, uma decom- posicio da alma, um espasmo horrivel do pensamento © do coragfo de que s6 a lembranga dé arrepios de angiistia”.”" Por causa de seus efeitos por vezes desastrosos, Descartes o identi= fica com a covardia, contra a qual nio se poderia muito prote- ger-se com antecedén [.J O medo ou 0 pavor, que é contrério 3 audécia, nao é ape- nas uma frieza, mas também uma perturbacio ¢ um espanto da alma que lhe tiram o poder de resistir aos males que cla pensa estarem préximos [..] Desse modo, niio é uma paixio particular; € apenas um excesso de covardia, de assombro ¢ de temor, 0 qual é sempre ® porque a principal causa do medo é a surpresa, ndo ha nada melhor para dele isentar-se do que usar de premeditagio e preparar-se para todos os acontecimentos cujo temor pode causi-lo.* Simenon declara da mesma maneira que o medo é um “{nimigo mais perigoso do que todos os outros”. Ainda hoje, indigenas — e até mestigos — de aldeias afastadas do México conservam entre seus conceitos o de doenga do pavor (espanto ou susto): um dotnte perdeu a alma em razio de um pavor. Espantar-se “deixar a alma em outra parte”. Pensa-se nto que ela é retida pela terra, ou por pequenos seres maléficos chamados chanegues. Daf a urgéncia de ir a uma “curandeira de terror”, que, gracas a. uma terapéutica apropriada, permitira & alma reintegrar-se a0 corpo de que escapou." Esse comporta- mento no deve ser comparado ao dos camponeses do Perche, cujas priticas “supersticiosas” foram descritas pelo padre J.-B. mu no século XVU? Para precaver-se contra o medo, carre fiavam com eles olhos ou dentes de lobo, ou ainda, se a poss hilidade se apresentava, montavam num urso ¢ davam virias Voltas em cima dele. O medo pode com efeito tornar-se causa da involugio dos individuos, e Mare Oraison observa a esse respeito — voltarei jesse tema em um segundo volume — que a regressfio para o medo € o perigo que espreita constantemente o sentimento tcligioso." Mais geralmente, quem quer que seja presa do medo corre o tisco de desagregar-se, Sua personalidade se fende, “a Impressio de conforto dada pela adesio 20 mundo” desaparece; o ser se torna separado, outro, estranho. O tempo para, 0 espaco encolhe”." F 0 que acontece a Renée, a esquizofrénica estudada pela sra. Sachehaye: num dia de janeiro, experimenta pela primeira vez o medo que lhe é provocado, acredita ela, por {um forte vento anunciador de higubres mensagens. Logo esse mnedo, crescendo, aumenta a distancia entre Renée e 0 mundo exterior, cujos elementos perdem progressivamente sua realida- de.” A doente confessou mais tarde: “O medo, que antes era ¢pisédico, nio me abandonava mais. Sentia-o todos os dias, linha certeza. E depois também os estados de irrealidade jumentavam”.” Coletivo, 0 medo pode ainda conduzir a comportamentos therrantes e suicidas, nos quais a apreensio correta da realida- le desaparece: como esses pinicos que escandiram a histéria tecente da Franga depois de Waterloo até o éxodo de junho de Dp. Zola descreveu fielmente os que resultaram na derrota dle 1870: galopavam no espanto, e tal tempestade de va, arrebatando ao mesmo vempo os vencidos os vencedores, que num instante os dois exércitos estavam perdidos, nessa perseguiggo, em pleno dia, fugindo Mac- -Mahon na diregio de Lunéville, e 0 principe real 0 procu- rava do lado dos Vosgues, Em 7 [de agosto}, 0s restos do l* corpo atravessavam Saverne, assim como um tio limoso € 25 transbordado, carreando destragos. Em 8, em Sarrebourg, © 5 corpo vinha tombar no 1° como uma torrente agitada puma outra, em fuga ele também, vencido sem ter comba- tido, arrastando seu chefe, o general De Failly, desatinado, enlouguecido de que se fizesse remontar A sua inaglo a res- ponsabilidade da derrota. Em 9, em 10, a galopada conti- Poava, um salye-se quem puder furioso que nem sequer olhava para tras. Compreende-se por que os antigos viam no medo uma punigio dos deuses, e por que 0s gregos divinizaram Deimos (0 Temor) ¢ Fobos (0 Medo), esforcando-se em coneiliar-se com eles em tempo de guerra. Os espartanos, nagio militar, con- Sngraram uma pequena edicula 2 Fobos, divindade a quem Alexandre ofereceu um sacrificio solene antes da batalha de “Arbelos. Aos deuses homéricos Deimos e Fobos correspondiam ‘k divindades romanas Pallor ¢ Pavor, 3s quais, segundo Tito Livio, Tulo Hostilio teria decidido consagrar dois santudrios a0 ver seu exército debandar diante dos estrangeiros. Quanto a Pa, nna origem deus nacional da Areidia que, 20 eair do dia, espa hava o tertor entre os rebanhos ¢ 0s pastores, a partir do sécu- Io tornou-se uma espécie de protetor nacional dos gregos. Os arenienses attibuiram-Ihe a derrota dos persas em Maratona € levantaramt-Ihe um santudrio na Acrépole, homenageado toclos oe anos com sacrificios rituais € corridas com tochas. A vor dlisconamte de P3 teria semeado a desordem na frota de Xerxes fim Salamina ¢, mais tarde, detido a marcha dos gauleses sobre Delfos.” Assim os antigos viam no medo um poder mais forte dlo que os homens, cujas gragas contudo podiam ser ganhas por meio de oferendas apropriadas, desviando entio para 0 inimigo sua agao aterrorizante. E haviam compreendido — e em certa media confessado — o papel essencial que ele desempenha nos destinos individuais e coletivos. © historiador, em todo caso, mio precisa procurar muito para identificar a'presenca do medo nos compartamentos de tgrupos. Dos povos ditos “primitives” as sociedades contempo- L r encontra-o quase a cada passo — ¢ nos setores mais 1s da existéncia cotidiana, Como prova, por exemplo, as aras muitas vezes apavorantes que intimeras civilizagdes eee no decorrer das eras em suas liturgias. Escreve R. aillois: Miscara ¢ medo, mascara e pénico esto constantemente presentes juntos, inextricavelmente emparelhados [...] [0 homem] abrigon atrés desse segundo rosto seus éxtases € suas vertigens, ¢ sobretudo o trago que ele tem em comum com tudo 0 que vive e quer viver, o medo, sendo a méscara 20 mesmo tempo tradugao do medo, defesa contra o medo ¢ meio de espalhar o medo.! E cabe a L. Kochnitzky explicitar, a propdsito dos casos Africanos, esse medo que a mascara simualtaneamente camufla ¢ txprime: “Medo dos génios, medo das forgas da natureza, medo los mortos, dos animais selvagens a espreita na selva e de sua Vinganga depois que 0 cagador os matou; medo de seu seme- jhante que mata, viola e até devora suas vitimas; e, acima de {uilo, medo do desconhecido, dle tudo que precede € segue a hyreve existéncia do homem”.” “ Mudemos voluntiria ¢ bruscamente de tempo e de civili- Joio e mergulhemos por um instante na modernidade econd- Iniea, Nesse dominio, escreve A. Sauvy, “onde tudo é incerto, onde o interesse esti constantemente em jogo, o medo (ontinuo”.Os exemplos que o provam sio inimeros, das desor- lens da rua Quincampoix no tempo de Law & “quinta-feira Hegra” de 24 de outubro de 1929, em Wall Street, passando jrla depreciasio dos asignats* e a degringolada do marco em 1023, Em todos esses casos, houve pinico irrefletido por con- {iio de um verdadeiro medo do vazio. O elemento psicolégi- 0, isto é, a louca inquictacio, ultrapassou a s ‘d anélise da * Papel-moeda emitido no periodo d Revolugio Francesa. (N.E) conjuntura. Mais lucidez e sangne-frio, assim como menos apreensio excessiva com o futuro por parte dos detentores de promissérias ¢ de ages, teriam sem diivida permitido conti- nuar a experiéncia de Law, conter em limites razodveis as desvalorizagées respectivas do assignat revolucionario, mais tarde do marco de Weimar, ¢ sobretudo permitido controlar melhor, em consequéncia do craque de 1929, a queda da pro- ducio € 6 crescimento do desemprego. Os movimentos da o conhe- Bolsa, de que dependem tantos destinos humanos, cem afinal seno uma regra: a alternancia de esperancas imo- deradas e de medos irrefletidos. Atento a essas evidéncias, o pesquisador descobre, mesmo no decorrer de um sobrevoo rapido do espago e do tempo, 0 niimero ea importancia das reagdes coletivas de temor. A cons- tituicio de Esparta era fundada sobre ele, sistematizando a organizagao dos “iguais” em casta militar. Mobilizados perma- nentemente, aguerridos desde a infancia, viviam sob a constan- te ameaga de uma revolta dos hilotas. A fim de os paralisar pelo medo, Esparta precisou modificar-se ela propria cada vez mais radicalmente. As medidas “aloplisticas” iniciais dirigidas con- tra os hilotas logo acarretaram medidas “autoplisticas” ainda mais rigorosas “que transformaram Esparta em um campo fortificado”.® Mais tarde, a Inquisicio foi semelhantemente motivada e mantida pelo medo desse inimigo sem cessar ren cente: a heresia que parecia perseguir incansavelmente a Igreja. Em nosso tempo, 6 fascismo ¢ o nazismo beneficiaram-se dos alarmes dos detentores de rendas e dos pequenos burgueses que temiam as perturbacées sociais, a ruina da moeda ¢ 0 comunis- mo. As tensdes raciais na Africa do Sul ¢ nos Estados Unidos, a mentalidade obsidional que reina em Israel, 0 “equilibrio do terror” mantido pelas superpoténcias, a hostilidade que opde a China ¢ a Unido Soviética sio umas tantas manifestagdes dos medos que atravessam e dilaceram nosso mundo. Ss Talvez seja por nossa época ter inventado 0 neologismo urisar que esta mais apta— ou menos mal armada — do que outras para langar sobre o passado esse olhar novo que busca descobrir 0 medo. Tal pesquisa visa, no quadro espaco-tempo- ral preciso estipulado aqui, a penetrar nos méveis ocultos de uma civilizagio, descobrir-Ihe os comportamentos vividos mas por vezes inconfessados, apreendé-la em sua intimidade e em seus pesadelos para além dos discursos que cla pronunciava sobre si mesma, 3. DO SINGULAR AO COLETIVO: POSSIBILIDADES F DIFICULDADES DA ‘TRANSPOSIGAO* Nada é mais dificil de analisar do que o medo, € a dificul- dade aumenta ainda mais quando se trata de passar do indivi. (ual ao coletivo. As civilizagdes podem morrer de medo como As pessoas isoladas? Assim formulada, essa pergunta poe em \cia as ambiguidades veiculadas pela linguagem corren- {o, que muitas vezes no hesita diante dessa passagem do sin= ular ao geral. Péde-se ler recentemente nos jornais: “Depois th guerra do Kippur, Israel esté em depressio”, Semelhantes tunsposigdes no sio novas. Na Franga, na Idade Média, thamavam-se “pavores” as “rebelides” as “loucas comogdes” this populagdes revoltadas, querendo com isso expressar o ter- For que espalhavam mas que também sentiam."' Mais tarde, os {ranceses de 1789 chamaram de Grande Medo o conjunto dos {ulsos alertas, paradas militares, saques de castelos e destrui- ges de es os provocados pelo temor de um “complo Anistoc © povo com a ajuda dos bandidos e das poténcias estrangeiras. No entanto, é arriscado aplicar pura e Aiplesmente a todo um grupo humano anslises vilidas para * Agradeco fortemente 8 sta. dra. Denise Pawlorsky-Mondange, dizetora ile Win centro médico-psicopedagégico em Rennes, por ter acetal ler esta slo de minha introdueZo e fornecer-me suas observagies. 29 J) sob 0 efeito das agressdes repetidas de nossa época, nem emprega com discernimento. w utilizar esse quadro clinico no nivel coletivo? poryunta prévia — o que se entende por coletivo? Pois esse \slivo tem dois significados. Pode designar uma multidio untebatada em debandada, ou sufocada de apreensio em I\yequéncia de um sermao sobre o inferno, ou ainda liberada iiedo de morrer de fome por meio do ataque a comboios toreal, Mas significa cambém um homem qualquer na wilidade de amostra anénima de um grupo, para além da jucificidade das reagdes pessoais de tal ou tal membro do po. ‘Tratando-se do primeiro significado de coletiva, é provavel um individuo tomado em particular. Os mesopotimicos acre ditavam na realidad de homens-escorpides, cuja visio bastava para causar a morte. Os gregos estavam igualmente conven cides de que toda pessoa que encarasse uma das gérgonas ficava instantaneamente petrificada. Nos dois casos, tratava- se da versio mitica da experiéncia: a possibilidade de qualquer uum morrer de medo. Certamente € dificil generalizar essa constatacio que, no plano individual, ¢ indiscutivel; mas como no partir assim mesmo, para tentar a passagem do singular a0 plural, do estudo dos medos pessoais cujo quadro ganha cada dia em precisio (jé que agora se sabe desencadear reagdes de medo, de fuga, de agressio ou de defesa em macacos, gatos ou ratos, provocando lesdes nervosas no Ambit do sistema limbico}? Wp 4» reagdes de uma multido tomada de pinico ou que libera No sentido estrito e estreito do termo, o medo (individual) ihiiumente sua agressividade resulvem em grande parte da 6 uma emogio-choque, frequentemente precedida de surpresa, igo dle emogSes-choques pessoais tais como a medicina psi provocada pela tomada de consciéncia de um perigo presente wiomitica nos faz conhecé-las. Mas isso s6 é verdade em urgente que ameaga, cremos nés, nossa conservagao. Colocado {4 medida. Pois, como o pressentira Gustave Lebon,” os em estado de alerta, o hipotalamo reage mediante mobilizagio |portamentos de multidao exageram, complicam e transfor- global do organismo, que desencadeia diversos tipos de com- iNiti 08 excessos individuais. Com efeito, entram em jogo portamentos somiiticos e provoca sobretudo modificagbes en- ores de agravamento. O pinico que se apodera de um exér- décrinas. Como toda emogio, 0 medo pode provocar efeitos ily) vitorioso (como o de Napoledo na noite de Wagram)" ou dos segundo os individuos € as circunstancias, ou até Hssa dos clientes de um bazar em chamas ser tanto mais 30 dos movi- 1 quanto for mais fraca a coesio psicolgica entre as pessoas juidas de medo. Nas sedigées de outrora, muito frequente~ contr: reagdes alternadas em uma mesma pessoa: celera mentos do coracio ou sua diminuigio; respirago demasiada- mente ripida ou lenta; contragio ou dilatagio dos vasoS san- Wile, as mulheres davam o sinal da agitagio, e depois da rebe- guincos; hiper ou hipossecregio das glandulas; constipacdo ou ip," arrastando atrés de si homens que, em casa, nfo gostavam diarreia, politira ‘ou antiria, comportamento de imobilizacao Hii im pouco de deixar-se levar pela esposa. Além disso, os ou exteriorizagio violenta. Nos casos-limite, a inibigio pode sintamentos humanos so mais sensiveis & ado dos chefes do chegara uma pseudoparalisia diante do perigo (estados catalép- {iil 0 seriam as unidades isoladas que os compoem. ticos), ¢ 2 exteriorizagio resultart numa tempestade de movi Mais geralmente, os caracteres fundamentais da psicologia mentos desatinados ¢ inadaptados, caracteristicos do pinico.“ iy ima multiddo sao sua capacidade de ser influenciavel, o Ao mesmo tempo manifestagio externa e experiéncia interior, ‘iniler absoluto de seus julgamentos, a rapidez dos contdgios ‘o de medo libera, portanto, uma energia desusada e a liv) atravessam, o enfraquecimento ou a perda do espirito difunde por todo o organ Essa descarga é em si uma rea- ‘itico, a diminuigao ou o desaparecimento do senso da respon- cdo utilitéria de legitima defesa, mas que 0 individuo, sobre- ilidade pessoal, a subestimacio da forga do adversario, sua a 31 30 capacidade de passar subitamente do horror ao entusiasino ¢ das aclamagoes As ameagas de morte! Mas, quando evocamos 0 medo atual de entrar no carro para uma longa viagem (trata-se na realidade de uma fobia cuja origem reside na experiéncia do sujeito) ou quando lem- bramos que nossos ancestrais temiam 0 mar, os Jobos ¢ os fantasmas, ndo nos remetemos a comportamentos de multi- dio, e fazemos menos alusio 4 reagio psicossomitica de uma pessoa petrificada no lugar por um perigo repentino ou que foge as pressas para dele escapar do que a uma atitude bas- tante habitual que subentende e totaliza muitos pavores indi- viduais em contextos determinados e faz prever outros em casos semelhantes. O termo medo ganha ento um significado menos rigoroso mais amplo do que nas experiéncias indi- viduais, ¢ esse singular coletivo recobre uma gama de emo- «Bes que vai do temor ¢ da apreensio aos mais vivos terrores. O mmedo é aqui o hibito que se tem, em um grupo humano, de temer tal ou tal ameaca (real ou imaginéria). Pode-se entio legitimamente levantar a questio de saber se certas civilizagdes foram — ou so — mais temerosas que outras; ou formular esta outra interrogacio a que © presente ensaio tenta responder: sera que, em certo estigio de seu desenvol- vimento, nossa civilizagao europeia nfo foi assaltada por uma perigosa conjungio de medos diante dos quais precisou rea- gir? FE. essa conjungio de medos, nao se pode chamé-la globalmente de “o Medo"? Essa generalizagio explica 0 titulo de meu livro, que retoma de maneira mais ampla ¢ sistematica formulas empregadas aqui ou ali por iminentes hhistoriadores que falaram de “escalada” ou de “recuo” do medo.” ‘Tratando-se de nossa época, a expressio “doengas da civilizagio” se tornon familiar ¢ com ela denotamos 0 impor- tante papel desempenhado pelo modo de vida contempori- neo. De outra maneira, seré que um actimulo de agressOes € de medos, portanto de estresses emocionais, nao provocou no Ocidente, da peste negra as guerras religiosas, uma doenca 32 \ 40 ocidental da qual ela finalmente saiu vitoriosa? 0s cabe, por uma espécie de andlise espectral, individu | ox medos particulares que entio se adicionaram para #Meclos particulares’, ou seja, “medos nomeados”. Aqui po- {ornar-se operatéria ‘no plano coletivo a distingso que a iiviatria agora estabeleceu no plano individual entre medo e yilstia, outrora confundidos pela psicologia classica. Pois se Miiie dois polos em torno dos quais gravitam palavras e fatos Ivico8 ao mesmo tempo semelhantes e diferentes. O temor BiMiinito, © pavor, o terror dizem mais respeito a0 medo; a IWlelugio, a ansiedade, a melancolia, & angdstia. O primeiro ¥eK6 20 conheciclo; a segunda, a0 desconhecido.* O medo umn objeto determinado 20 qual se pode fazer frente. A yfistin nio 0 tem e é vivida como uma espera dolorosa diante Win perigo tanto mais temivel quanto menos claramente iflendo: ¢ um sentimento global de inseguranga. Desse ilo, cla & mais dificil de suportar que o medo. Estado ao Wino tempo organico ¢ afetivo, manifesta-se de modo corri- Hto (0 ansiedade) por “uma sensagdo discreta de aperto da yaa, de enfraquecimento das pernas, de tremor”, acres- ili'N apreensio com o futuro; e, em sua forma mais aguda, {iii crise violenta: , Pruscamente, a noite ou de dia, o doente é tomado por \ijna sensagio de constrigao tordcica com opressio respira- (Orla e impressio de morte iminente. Da primeira vez, ele Uwe com razdo um ataque cardiaco, a tal ponto a sensigio ile angistia assemelha-se ao angor*, com o qual a lingua- on aponta a semelhanga. Se os episGdios se repetem, 0 Wtdprio doente reconhece seu carter psicogénico. Isso nob paaaesimar nem sss sensagtes nem seu edo Ada mvore *Volives latina que significa “angiistia” e “angina”. (NT) Nos obsedados a angiistia torna-se neurose, ¢ nos melancé~ licos uma forma de psicose. Porque a imaginagio desempenha ‘um papel importante na angéstia, esta tem sua causa mais no individuo do que na realidade que o cerca, e sua duragio nao esta, como a do medo, limitada ao desaparecimento das amea- gas. Assim, ela é mais propria do homem do que do animal. Distinguir entre medo e angiistia nio significa, porém, ignorar seus ]agos nos comportamentos humanos. Medos repetidos podem eriar uma inadaptagao severa em um sujeito ¢ conduzi- ‘lo a um estado de inquietagio profunda gerador de crises de anguistia. Reciprocamente, um temperamento ansioso corre 0 isco de estar mais sujeito aos medos do que um outro. Além disso, o homem dispoe de uma experiéncia tio rica ¢ de memoria tio grande que sem diivida s6 raramente experimenta medos que nio estejam em algum grau penetrados de angiistia. ‘Ainda mais do que o animal, ele reage a uma situagio desenca- deadora em fungio de sua experiéncia anterior ¢ de suas “Jem brangas”. Assim, nfo é sem razdo que a linguagem corrente confunde medo ¢ angustia,* o que desse modo inconsciente- mente leva 4 compenetracio dessas duas experiéncias, ainda que os casos-limites permitam diferencii-las com nitidez Como o medo, a angistia ¢ ambivalente, & pressentimento do insdlito e espera da novidade; vertigem do nada e esperanga de plenitude. E a0 mesmo tempo temor e desejo, Kierkegaard, Dostoiévski e Nietzsche colocaram-na no coracao das reflexdes filosoficas. Para Kierkegaard, que publicou em 1844 s\fa obra sobre o conceito de angtistia, ela é 0 simbolo do destino huma: no, a expressio de sua inquietacao metafisica. Para nds, homens do século Xx, eft tornou-se a contrapartida da liberdade, a emo- cio do possivel. Pois liberar-se € abandonar a seguranga, enfren tar um risco. A angiistia ¢ entio a caracteristica da condi¢io humana eo peculiar de um ser que se cria incessantemente. Reduzida ao plano psiquico, a angtistia, fendmeno natural a0 homem, motor de sua evolucio, € positiva quando prev ameacas que, por serem ainda imprecisas, nem por isso sio menos reais. Fstimula entio a mobilizagio do ser. Mas uma 34 jnulio demasiadamente prolongada pode também criar um ul de desorientagzo e de inadaptagao, uma cegueira afetiva, I) proliferagio perigosa do imaginsrio, deseneadeando um hiimo involutive pela instalagio de um clima interior de juninga. F especialmente perigosa sob a forma de angdstia Aljjaili, Pois o sujeito vira entio contra si as forcas que deve- sor mobilizadas contra agressGes externas € torna-se para /jhipano seu principal objeto de temor. Porque é impossivel conservar o equilibrio interno afron- ilo por muito tempo uma angistia incerta, infinita ¢ indefi- 1, € necessirio ao homem transformé-la e fragmenté- Joy precisos de alguma coisa ou de alguém. “O espirito ypistia mérbida que resultaria na aboligao do eu 4) «jue reencontraremos no estgio de uma civilizagio. Em Hi) sequéncia longa de traumatismo coletivo, o Ocidente ven {i anpiistia “nomeando”, isto é, identificando, ow até “fabri i He" inedos particulares. distingao fundamental entre medo e angiistia, que forne- portanto uma das chaves do presente livro, convém acres- Wir, sem pretender esgotar a questio, outras abordagens uplementares gragas As qua dos casos individuais il 0 compreender as atitudes coletivas. Desde 1958 a teoria Mixagio”,* ultrapassando a psicandlise freudiana, colocou ovidéneia que o laco entre o filho ¢ a mie nfo é 0 resultado {Winn satisfagio ao mesmo tempo nutritiva ¢ sexual, nem a Hiequéncia de uma dependéncia emocional do bebé em rela- Winie. Essa “fixacio” € anterior, primdria. E também a Jy mais segura de uma tendéncia original e permanente de ar a relagio com outrem. A natureza social do homem Jue desde entio como um fato biolégico, e & nesse subsolo ilinvlo que estariam mergulhadas as raizes de sua afetivida- Vina crianga a quem terao faltado © amor materno e/ou \\9) Hormais com o grupo de que faz parte corre o risco de ser Hjiuliptida c vivers, no fundo de si mesma, com um sentimento WWolundo de inseguranga, nao tendo podido realizar sua voca- cio de “ser de relacio”. Ora, observa G. Bouthoul, 0 sentimen- to de inseguranga — “o complexo de Damocles” — € causa de agressividade.” ‘Essa constatagio oferece a oportunidade de uma nova pas- sagem do singular 20 plural. As coletividades mal-amadas da histéria sio compariveis a criangas privadas de amor materno @, de qualquer modo, situadas em falso na sociedade; desse jhodo, tornam-se as classes perigosas. A prazo mais ou menos longo, & portanto, uma atitude suicida da parte de um grupo dominante encurralar uma categoria de dominados no descon- forto material e psiquico. Recusar amor € “relagio” s6 pode ‘ar medo ¢ dio. Os vagabundos do Antigo Regime, que is, provoca- engendr: ‘cram os “deslocados” rejeitados dos quadros soci tam em 1789 0 “Grande Medo” dos proprietérios, mesmo modestos, ¢, por consequéncia inesperada, a ruina dos privilé= ios juridicos sobre os quais ¢stava fundada a monarquia. politica do apartheid, cujo proprio nome exprime a rect consciente e sistematica do amor € da “relagao”, criou na Africa ‘lo Sul verdadeiros paidis cuja explosio corre o risco de ser terrivel. E.o drama palestino nfo reside no fato de que cada um dos dois parceiros quer excluir 0 outro de uma terra e de um enraizamento que sio comuns a ambos? 'A partir da‘ se verifiea no plano coletivo o que é evidente no ‘dual: a saber, 0 elo entre medo ¢ angistin de wm lado, ¢ agressividade do outro. Mas o historiador encontra aqut ‘uma imensa pergunta: as causas da violéncia humana poldgicas on sogiol6gicas? Freud ja tinha $9 anos quando, em 1015, escreveu,pela primeira vez sobre a agressividade, distin guindo-a da sexualidade. Apresentou em seguida (em 1920) sua {eoria do “instinto de morte” em Além do principio do prazer. \ agressividade, que encontra em eros seu eterno antagonista, e cntdo descrita como um desvio da energia do instinto de morte, afastada do cu, contra 0 qual era inicialmente dirigida. Freud redescobria assim as antigas mitologias ¢ metaffsicas orientais que sitvavam a luta entre 0 amor ¢ 0 édio nas origens do un! Yerso, Sua nova teoria s6 podia conduzi-lo a visdes pessimists plano in 36 futuro da humanidade, a despeito de algumas palavras tiga expressas no final de Mal-estar na civilizagio, Bois, ivi cle fundamentalmente, ou a agressividade nao é ry nie # envio se dirige para outros grupos ou pessoas ena HAip0— dai as guerras eas perseguigGes-—ouentioé repri, lj vs em sew lugar aparece uma culpabilidade eset WW Individuos. Essa concepgao 6 muitas vezes considerada lanvio do pensamento de Freud, € muitos psicdlogos jamais Haram, Mas, seguindo um outro caminho, K. Lorenz ilseipulos também foram levados a propor a existéncia c sressividade inata em todo 0 reino animal.® Para cles, lin instinto de combate no cérebro, ai compreendido o Moin, que assegura o progresso das espécies ¢ a vitéria dos, fonts sobre os mais fracos. Tal instinto daria conta do for life darwiniano; seria necessirio a essas “grandes, ipniloras” do mundo vivo que sao a selego ¢ a mutacio. Ii) sentido contrario, W. Reich, distinguindo a agressivi- BPG espontines a servigo da vida daquela produrid Inibigdes — essencialmente sexuais —, negou a esistencia I instinto destrutivo primério e transferin todo o tanatos Hressividade por inibigGo.” Mais amplamente, J. Dollard tolaboradores procuraram mostrar que toda agressivida- contra sua origem em uma frustracio: seria um meio para isos obsticalos que se opGem &sutsfagio de uma neces. instintiva." Nesse segundo tipo de hipdtese, a agressivi Winona nao seria um instinto como o apetite sexual. BREE 30 resultaria de uma programacio genética do Io, mas apenas de aquisigdes ¢ aberragdes corrigiveis. A Hijou sucessio das guerras que escandiram a. histdria IN) parece dar raza Aqueles que ereem em um instinto de | Tintretanto, objerou-se a K. Lorenz que a agressividade é, se nao ausente, 20 menos pouco frequente s. Os combates entre machos no momento do i pelt posse de um territério raramente terminam com a ilo vencido. Essas violéncias moderadas tém por fungo ilocor hierarquias ¢ a sobrevivéncia do grupo no meio.

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