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HOMICIDIO PRIVILEGIADO EXIGIBILIDADE DIMINUIDA CULPA COMPREENSIVEL EMOGAO VIOLENTA. DESESPERO PROVOCACAO ATENUAGAO ESPECIAL DA PENA RECURSO PENAL NEGADO PROVIMENTO I - © homictdio privilegiado assenta, como acentua Figueiredo Dias (Comentirio Conimbricense do Cédigo Penal, vol. I, pag. 47), numa cliusula de exigibilidade diminuida, concrctizada em cortos “estados de afecto”, vividos pelo agente, que diminuam sensivelmente a sua culpa II - Constituem esses elementos privilegiadores a compreensivel emogfio violenta, a compaixio, 0 desespero, ou 0 motivo de relevante valor social ou moral. IIL- A comipreensivel emogiio violenta é um estado de afecto provocado por uma situagio pela qual o agente no é responsivel. Bla , de certo modo, a resposta a uma provocagio @, nessa medida, ela pode diminuir de forma sensfvel a culpa do agente, Mas teri de ser compreensivel, exigéncia adicional de pendor objective nio oxtensivel aos outros elementos privilegiadores. TV-- Quanto ac desespero, ele abrangerd os estados de afecto asténicos, como a angtistia © a depressiio. V -Resultande da matéria de facto apurada que: - o arguido agrediu mortalmente a vitima, sua mulher, apés uma discusstio resultante da recusa desta tltima em manter com cle relagdes sexuais; = cerca de uma hora apés a agressfo (apés ter lavado e guardado © punkal com que golpeara a vitima), ¢ depois de constatar a morte da muther, tentou suicidar-se na Ponte 25 de Abril, sendo impedido disso por agentes policiais; ~ o arguido suspeitava que a mulher tinha um envolvimento amoroso com outro homem, suspeitas que aumentaram, no dia dos factos, com a recepeo de mensagens constantes no telemével daquela e apés ela Ihe ter comuniéado que tinha intengéo de se divoreiar, hipétese que era para ele inaceitivel; - o arguido amava a mulher e sente muito a sua falta; fais factos dastam decisivamente a possbilidhde de integragio no elemento Ak we “compreensivel emoggo violenta”, uma vez que o estado de afecto vivido pelo arguido nffo resultou de uma “provocagio” da vitima, j4 que assim néio pode ser considerada a intengio por ela anunciada de se divorciar, por ser um direito seu. ‘VI- Os factos descritos poderdio considerar-se como integrando elemento “desespero”, pois que configuram um “crime passional”, em que o agente mata o objecto da sua paixio por nfo poder conservé-lo s6 para si, quadro tipico completado pela tentativa de subsidio subsequente (que, pela leitura da matéria de facto, deve ser entendida como auténtica, no simulada ou encenada). VII - Contudo, a verificago do elemento privilegiador no basta para permitir a integragato do crime no art, 133.° do CP. «Os estados ou motivos assinalados pela lei nfo funcionam por sie em si mesmos (hoc sensu, automaticamente), mas s6 quando conexionados com uma concreta situago de exigibilidade diminuida por cles deterninada; neste sentido 6 expressa a lei ao exigir que 0 agente actue ‘dominado’ por aqueles estados ou motivos” (cf. Figueiredo Dias, Comentario Conimbricense do Codigo Penal, vol. I, pig. 48). ‘VIII - A ponderagio da diminuigio sensivel de culpa, da diminuigéo da exigibilidade de conduta diferente, é indispensdvel para subsungéio dos factos ao art. 133,° do CP: s6 se 0 “estado de afecto” que determina o crime for de molde a atenuar sensivelmente a exigibilidade de conformidade com o direito, mitigando notavelmente a culpa, homicidio pode ser privilegiado. IX - Tal ponderagio teri de sor realizada A luz do que seria exigivel a alguém colocado naquelas circunstincias coneretas; doutra forma, poderia dar-se relevincia atenuativa a reacgSes violentas desproporcionadas e extravagantes, ou a condutas completamente reprovaveis, com o Alibi de serem desencadeadas por “estados de alma” fostemente emativos. X - Nao se verifica, i cast, uma sitmagio de exigibilidade diminuida, de diminuigio sensivel da culpa, pois que ao arguido era exigivel comportamento diferente. A reacgfio Violenta do arguido, ainda que eventualmente desencadeada por desespero, néio pode receber a cobertura do art. 133.° do CP, porque sobre o arguido recaia-o dever de reapeitar as decisées da mulher, como pessoa dotada de autonomia plena, © consequentemente tinha 0 dever de autocontrolar as suas emogbes, XI- A valorizagao do citime ou da desconfianga sobre a fidelidade do cénjuge como ‘lemento mitigador da responsabilidade criminal é absolutamente de rejeitar no ‘ordenamento juridico de um Estado de direito democritico, assente na dignidade da pessoa humana ¢ no direito de todos ao livre desenvolvimento da sua personalidade, ‘Alis, nem se provaram quaisquer circunstincias que tivessem desencadeado, naquela ocasifio, uma emogio de sibita violéncia por parte do arguido, pois nem a intenglo do divércio nem a recusa de relagdes sexuais eram factos novos (0 casal j& dormia em {quartos separados), nem se provou qual 0 contetido das mensagens recebidas pela vitima no telemével. XIL- Sendo elevado o grau de ilicitude, quer pelo resultado, quer pelo modo de execusto do crime, e grande a exigtncia de prevengio geral, conhecida como € a extensfio do fendmeno do homicidio conjugal no nosso pais, a circunsténcia de 0 arguido se mostrar profindamente arrependido nfo se apresenta como particularmente relevante, nfo existindo fundamento para a atenuagdo especial da pena, ‘Acordam no Supremo Tribunal de Justiga: No Tribunal Colectivo do 1° Juizo Criminal da comarca do Seixal foi o arguido AA, filho de... de .., natural de... Pombal, nascido a 21 de Novembro de 1956, vitivo, residente na Rua... n° 0, 0° direito, na Cruz de Pau, actualmente preso preventivamente 4 ordem dos presentes autos condenado pela pritica de um crime de homicidio p. ¢ p. pelo artigo 131° do Cédigo Penal, na pena de 9 anos de prisfio; e pela pratica de um rime de ofensa a integridade fisica p. e p. pelo artigo 143°, n° 1 do Cédigo Penal, na pena de 80 dias de multa, a taxa didria de € 4,00, o que perfz.0 montante de € 320,00 (tendo um dos jnizes adjuntos do tribunal colectivo fieado vencido quanto & medida da pena relativa 20 homicidio, que pretendia ver fixada em 12 anos de pristio). Deste acérdiio recorreu o arguido, concluindo assim a sua motivagéio: 1) Vem o arguido recorrer do douto acbrdéo que 0 condenou pela pritica de um crime de homicidio p. e p. nos termos do artigo 131.° do Cédigo Penal, na pena de 9 (nove) anos de prisfo e 0 condenou pela prética de um crime de ofensa a integridade fisica p. ¢ p. nos termos do artigo 143.° n.°1 do Cédigo Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de mutta, & taxa dikria de € 4,00 (quatro euros). 2) O presente recurso versa matéria de facto e de direito. 3) Resulta do texto do acérdio recorrido que o arguido é surdo-mudo. Que amava muito a sua mulher o sente muito a sua falta, Cresceu num contexto familiar e social carenciado, a varios niveis, Confessou parcialmente os factos de que era acusado © mostrou um profundo arrependimento. 4) O arguido néo adquiriu as normais bases sociais, néio podendo ser comparado ao “homem médio”. 5) Quem melhor o entendia, a nivel de comunicagio, era a sua mulher. Os dois eram o8 Ginicos surdos da familia, 6) O arguido nfo aceitava a ideia de perder a sua mulher com quem partilhava a vida hé 25 (vinte-e cinco) anos. Este amor “ocupava a sua vida” c f8-lo “perder a cabega”, uma vez. que para ele estava fora de hipétese perder a sua mulher, 7) O douto acérdio considerou ter sido a desconfianga, 0 citme, amor ¢ falta de relacionamento sexual, que 0 colocou num estado nervoso e 0 levou a prossecugto dos actos ilicitos. NXo se consubstanciando, este fiervosismo, num estado de compreensivel emogfo violenta ou desespero, 8) O Tribunal a quo niio feve em conta as caracteristioas especiais do arguido, tais como: a sua falta de regras sociais bisicas, a sua pouca instrugio © as suas ineapacidades auditivas, na avaliagio da existéncia ou nfo de uma eventual compreensivel emogio violenta. 9) © Arguido perden o seu auto dominio, deixou de ter controlo nele, movido pela sua emogdo, motivo finico pela qual cometen tio censurdvel ilfcito. Devendo ter sido condenado pelo crime p. ¢ p. nos termos do artigo 133° do Cédigo Penal. 10) No se considerando a emogfio compreensivel, deveria ter sido condenado pelo crime p. ep. nos termos do artigo 131° do Cédigo Penal, mas com a especial atenuagio de pena . nos termos dos artigos 72° e 73° do Cédigo Penal. 11) Nos termos do artigo 72° pode haver atenuago especial da pena, em caso de diminuigio de culpa do agente. A emogo do arguido, mesmo que no soja considerada compreensivel, parece ser apta a atribuir uma menor culpa ao arguido, mais juntando a sua incapacidade ¢ bases educativas limitadas. 12) O crime em causa tem natureza passional, havendo muito poucas possibilidades de reincidéncia, O arguido é surdo-mudo, no tem como comunicar no estabelecimento com outro preso qualquer, som esta limitagio. Estas circunstincias parecem ser adequadas a prencher a diminuigio de necessidade da pena,, p. como requisito do artigo 72° 13) O arguido mostrou-se sinceramente arrependido, sofrendo com o acto que praticou. Este sentimento também é apto a que o arguido veja a sua pena ser especialmente atcnuada, nos termos do artige 72° n°2 alinea ¢).. TERMOS EM QUE REVOGANDO-SE 0 ACORDAO RECORRIDO, ABSOLVENDO © ARGULDO DO CRIME DE HOMICIDIO P. EP. NOS TERMOS DO ARTIGO 131° DO CODIGO PENAL E EM ALTERNATIVA CONDENANDO-O PELO CRIME DE HOMIC{DIO P. E P. NOS TERMOS DO 133° DO CODIGO PENAL, OU, CONDENANDO-O PELO CRIME DE HOMICIDIO P. 8 P. NOS TERMOS DO ARTIGO 131° DO CODIGO PENAL, MAS COM A ESPECIAL ATENUACAO PREVISTA NOS ARTIGOS 72° E 73° DO CODIGO PENAL, SE FARA JUSTICA! ‘Assra. Procuradora-adjunta respondeu a esta motivayiio, sustentando 0 no provimento do recurso, ¢ concluindo da seguinte forma: 1" ~ Tendo resultado provado que o Recorrente, na sequéncia de discussio com a sua mulher, motivada por citimes, pelo propésito por esta manifestado de se divorciar e pela recusa em manter relagdes sexuais — situagéo que perdurava hé cerca de um ano -, lhe desferiu em varias zonas do corpo treze golpes com um punhal de que previamente se munira, que, depois de a golpear, lavou guardou o instrumento utilizado, e s6 decorrida uma hora e depois de se certificar de que aquela se encontrava sem vida abandonou a residéncia, nfio é de coneluir que agiu dominado por “compreensivel emogiio violenta” ou “desespero"; 2 Também nfo é sustentivel qualquer jutzo de diminuigéo sensivel de culpa, considerando a gritante desproporgio entre 0 facto ilicito perpetrado © 0 circunstancialismo que © antecedeu e a exigibilidade de comportamento diverso a0 Recorrente, como a qualquer homem médio colocado nas suas condigées, com as suas caracteristicas, grau de cultura e formagiio; 3° - Nada nos autos se provou que permita concluir que a condigao de surdo-mudo do Recorrente contribuiu para a decisto de matar ou seja passivel de influir na medida da sua culpa, provando-se, ao invés, que o Recorrente, como qualquer cidadio nfo portador de semethante limitagao, desenvolveu uma vida dentro’ dé parfimetros de normalidade, constituindo familia ¢ exercendo uma actividade profissional; 4 - Do mesmo modo, a possibilidade de infidelidade conjugal ou de divércio indesejado constitui um dado inelutével da vida de qualquer cidadio casado, pelo que a punigto do crime de homicidio que, em maior ou menor medida, a tenha como subjacente, nio imp8e nem legitima especial tolerancia ético-juridica; 5 ~ Assim, e face aos fuctos dados como provados, nunca poderia o Recorrente ter sido condenado, como pretende agora, pela pritica de um crime de homicidio privilegiado, p. ep. pelo art. 133° do CP; 6 - As circunstincias previstas no n° 2 do art, 72° do C.P. nfio sfio de aplicagdo automética, apenas revestindo efeito atenuante especial da pena quando, nos termos do n® 1 do mesmo artigo, diminuam, ¢ de forma acentuada, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. 7 - Ora, ainda quo o tribunal a quo tenha dado como provado que o Recorrente se mostrou “profundamente arrependido”, 0 grau de ilicitude do facto é elevado (niio s6 pola importineia do bem juridico violado, mas também pela notéria superioridade conferida pela posse do punhal utifizado e consequente reduzida possibilidade de defesa da vitima), nfio podendo defender-se, face 20 que anteriormente se expés, que a culpa do agente se encontra acentuadamente diminuida; 8. Também nifo se vislumbra a acentuada diminuigéo da necessidade da pena, pois, se & certo que as exigéncias de prevengio especial nfo assumem especial relevo, sto clevadissimas as exigéncias de prevengtio geral, com a consequente necessidade de reforgar a confianga da comunidade nas normas que tutelam o bem juridico mais valioso; 9 Assim, bem andou o tribunal a quo ao nifo atenuar especialmente a pena aplicivel a0 crime de homicidio simples, p. ¢ p. pelo art. 131° do C.P., pelo qual o Recorrente foi condenado; 10* - De resto, todas as circunstincias que o Recorrente agora invoca em seu beneficio foram adequadamente ponderadas ¢ valoradas pelo tribunal a quo na determinag&o da pena conereta — aliés reveladora de acentuada benevoléncia, porquanto situada em medida significativamente préxima do limite inferior da respectiva moldura abstracta; 11*- Pelo exposto, quer na qualificago juridica dos factos, quer na determinagio da medida da pena, o acérdtio recorsido aplicou adequadamente o dircito & factualidade dada como provada, néo violando qualquer disposisfo legal. recorrente dirigiu 0 recurso & Relagiio de Lisboa, mas este tribunal deciarou-se incompetente para 0 conhecer, por o mesmo se reportar unicamente a matéria de direito. ‘Tendo em conta que o atguido nfo impugna a matéria de facto nem argui qualquer nulidade da mesma, considera-se correcta tal decisfo. Neste STI, ealizouse a audiéncia de julgamento, nos termos _legais. Ba seguinte a matéria de facto apurada: O arguido AA casou com BB no dia 16 de Janeiro de 1981 ‘Ap6s 0 casamento, o casal foi residir para a Rua. na Cruz de Pau. ‘A partir do infeio do ano de 2005, comegaram a ser frequentes as discusses entre o casal ifestagdes de cilime por parte do arguido, as quais aumentaram apés BB ter ividade profissional. Inclusive, desde essa altura que BB se recusava a manter relagles sexuais com o arguido, dormindo cada um deles num quarto. Devido a deterioragio da relagtio do casal, BB comegou a manifestar 0 seu desejo em se divorciar do arguido, facto que este Ultimo nfio aceitava, recusando a separagio. No dia 9 de Janeiro de 2006, cerca das 14h30m, 0 arguido e BB, dirigiram-se para estabelecimento comercial denominado pastelaria «...», situado na Cruz de Pau. Jé4 no local, o arguide iniciou uma discusstio com BB, a qual procurava manter-se calma € sem qualquer tipo de manifestagao. A dada altura, ambos abandonaram o referido estabelecimento e dirigiram-se para 0 exterior. ‘Ai, o arguido, de forma inesperada, ditigiu-se a BB e comegou a desferir-lhe murros e puxdes que a atingiram em varias partes do corpo. Tais agressdes cessaram com a intervengaio de CC que saiu do estabelecimento e foi em socosro daquela. Em consequéncia desias agressdes, BB softeu traumatismo da mio esquerda ¢ equimose interna do brago esquerdo. Tais lesdes determinaram-Ihe um periodo de 2 dias de doenga, sem incapacidade para o trabalho. Agiu 0 arguido com 0 propésito de a ofender no seu compo e sate, facto que logrou conseguir, agindo livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida ¢ punida por lei No dia 24 de Janeiro de 2006, cerca das 9h, apés os filhos do casal terem abandonado a residéncia acima identificada, o arguido abordou BB, quando esta lavava a loiga na cozinha. “Nessa altura, o arguido mais uma vez manifestou o sou desagrado quanto a separagio do casal ¢ pediu-lhe que mantivesse relagdes sexuais consigo. BB recusou, facto que determinou 0 inicio de mais uma discussio entre ambos. No decurso da referida discussio, o arguido dirigiu-ge ao quarto de um dos seus filhos, pegou numa faca com uma lamina de 17 om de comprimento ¢ 4 om de largura, tipo «punhal», que ali se encontrava em exposigdo e, de posse da mesma, dirigiu-se & co, onde BB ainda permanecia, Ai, o arguido agarrou-a e arrastou-a até ao quarto do casal. ‘No interior do quarto, o arguido, fazendo uso do referido «punhal», desferiu, consecutivamente, sobre BB, varios golpes ¢ pancadas, a saber: Um golpe que a atingiu na regio pré-auricular direita e que the provocou uma ferida incisa com 2 era; § Um golpe que. atingiu na face direita (regitio maxilar superior) e que The provocou uma contusdo linear com 3 om; § Um golpe que atingiu na face esquerda ¢ que Ihe provocou uma ferida incisa com 1,2 om; § Um golpe quea atingiu na zona perilabial esquerda e que the provocou uma ferida incisa com 2 cua; § Um golpe que a atingiu na face péstero-lateral esquerda do pescogo e que Ihe provocou uma ferida incisa com 2 cm, § Um golpe que. atingiu na face lateral esquerda anterior do pescogo e que Ihe provocou uma frida incisa com 8 cm; § Uma pancada que a atingiu no couro cabeludo e que Ihe provocou uma equimose; § Um golpe quea atingiu na face anterior do térax, paraestemal esquerda, ao nivel da regio précordial, e que lhe provocou uma ferida inciso-perilirante intravital com 4 em de comprimento, dirigida de cima para baixo e da esquerda para a direita, com atingimento dos planos profundos — caixa toricica, perichrdio, coragdo, grandes vasos e pulmo § Um golpe que a atingiu na face anterior do térax, regio précordial esquerda ¢ que the provocou uma ferida incisa com 3,2 em; § Um golpe que a atingiu na face anterior do torax, regifio paraestemal direita ¢ que Ihe provocou uma ferida incisa com 3,2 cm; § Um golpe qe a atingiu na face lateral externa do artebrago esquerdo e que se inicia com um sulco de 1mm de profundidade terminando em contusto linear avermelhada, ¢ que Ihe provocou uma ferida incisa com 4 cm; § Um golpe que a atingiu na face dorsal do antebrago esquerdo ¢ que Ihe provocou uma ferida incisa com 3 om, § Um golpe que a atingiu na face lateral extema da perna dircita e que Ihe provocou uma ferida incisa com 3 om; § Um golpe que a atingiu na face plantar do pé esquerdo © que the provocou uma ferida incisa com 0,7 cm Fm consequéncia da conduta do arguido, BB soficu ferida incisa cardiaca (aurienla ita), aorta ascendente vilvula aértica, e perfuragiio do obo superior do pulmiio esquerdo, ‘Tais lesdes foram causa directa © necessdria da sua morte. Apés agredir repetidamente a sua mulher BB, o arguido lavou a faca, colocou-a na respectiva bainha, ¢ guardou-a numa das gavetas do quarto do seu filho .. Cerca de um hora apos as agressBes, 0 arguido, gepois de se certificar que BB jf se encontrava sein vida, abandonou a residéncia e, por volta das 14h, 0 arguido dirigindo 0 seu veiculo automével ¢ dirigiv-se para o tabuleiro da Ponte 25 de Abril, a fim de se snicidar, tendo sido impedido pelos elementos policiais que ali compareceram. 0 arguido agiu da forma descrita, com 0 propésito de tirar a vida a BB, facto que logrou conseguir. Sabia o arguido que a utilizagio repetida da faca, e as zonas do corpo atingidas, importavam a ocorréncia de lesbes susceptiveis de provocar a morte daquela, a qual, efectivamente, veio a ocorrer. Mais se provou que: © arguido suspeitava que a sua mulher tinha um envolvimento amoroso com a pessoa para quem esta prestava servigos. No dia 24, tendo as suspeitas do arguido aumentado em virtude das mensagens constantes do telemével da esposa ¢ apés a mulher lhe ter dito que mantinha o propésito de se divorciat e ainda de ter recusado ter relagdes sexuais com o arguido, este ficou enervado com a possibilidade de a perder. arguido nfo aceitava a hipéteso da sua mulher poder ter outro homem ou dela se divorciar, O arguido é surdo-mudo. arguido amava a sua mulher e sente muito a sua falta. 0 arguido mostrou-se profundamente arrependido. arguido admitin parte dos factos cuja pritica the é imputada. arguido 6 delinquente primario. Do relatério social efectuado pelo IRS, junto a folhas 380 a 382, e cujo teor se da aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta como conclusiio que «O processo de sociatizagto do arguido foi vivenciado num cantexto familiar ¢ social ‘earenciado, a virios nlveis, que néio favoreceu o seu desenvolvimento de competéncias basicas, Regisiam-se lacunas no seu proceso educative, que afectaram negativamente a ‘estabtlidade emocional do arguido, nomeadamente 0 afastamento da familia numa fase importante do seu desenvolvimento. AA retine condigBes, no exterior, para manter um modo de vida soctalmente adaptado & dispBe de apoio familiar e enquadramento profissional.» 0 arguido habita em casa propria, pagando pela sua aquisig#o a quantia mensal de 100,00 euros & instituiggio bancéria, O arguido, antes de detido, exercia profissto de serralheiro, Como habilitagées literdrias o arguido possui a 4" classe. Il, 2— Facios Nao Provados: Discutida a causa nflo sesultaram provados os seguintes factos: Cerea de wma hora apés as agressGes, 0 arguido quando abandonou a residéncia deslocou-se para junto de alguns amigos com quem conversou. I. FUNDAMENTACAO Duas sfio as questdes colocadas pelo recorrente: a da subsungéo dos factos a0 crime de homic{dio privilegiado, p.p. pelo art. 133° do CP; © a da atenuagiio especial da pena, esta subsidiariamente, Q crime do art, 133° do CP © homicfdio privilegiado assenta, como acentua Figueiredo Dias, no Comentirio Conimbricense do Cédigo Penal (vol. I, p. 47), numa eléusula de exigibilidade diminuida, coneretizada em certos “estados de afecto” vividos pelo agente que diminuam sensivelmente a sua culpa, Constituem esses elementos privilegindores a compreensivel emogio violenta, a compaixio, 0 desespero, ou 0 motivo de relevante valor social ou moral Tmporta aqui analisar apenas a compreensivel emogo violenta ¢ o desespero, 0s tinicos apliciveis a0 caso dos autos A compreensivel emogo violenta & um estado de afecto provocado por uma situagao pela qual o agente niio & responsavel. Ela 6, de certo modo, a resposta a uma provocagiio ¢, nessa medida, ela pode diminuir de forma sensivel a culpa do agente, Mas toré de ser compreensivel, exigéncia adicional de pendor objective no extensivel aos outros elementos privilegiadores. Quanto a0 desespero, ele abrangerd os estados de afecto asténicos, como a angastia e a depressao. © acérdio recorride abordou a eventual integragio dos factos no art, 133° do CP, afastando essa possibilidade de forma algo apréssada, Analisemos se assiste razio ao recomrente. Da matéria de facto apurada consta que o arguido agrediu mortalmente a vitima, sua mulher, apés uma discusséo resultante da recusa desta tiltima em manter com ele relagées sexuais. Mais consta que 0 arguido, cerca de uma hora apés a agrossio (apés ter lavado e guardado o punhal com que golpeara a vitina), e depois de constatar a morte da mulher, tentou suicidar-se na Ponte 25 de Abril, sendo impedido disso por agentes policiais. E provou-se ainda que 0 arguido suspeitava que a mulher tinha um envolvimento amoroso com outro homem, que essas suspeitas aumentaram, no dia dos factos, com a recepgio de mensagens constantes no telemvel daquela c apés cla lhe ter comunicado que tinha intengo de se divorciar, hipStese que era para ele inaceitavel. Apurou-se também que 0 arguido amava a mulher e que sente muito asua falta, z Estes factos afastam decisivamente a possibilidade de integragfo no elemento “compreensivel emoggo violenta”, uma vez que 0 estado de afecto vivide pelo arguido no resultou de uma “provocagio” da vitima, ja que assim nfo pode evidentemente ser considerada a intengio anunciada por ela de se divorciar, por ser um direito seu, mas jé podertio considerar-se como integrando 0 elemento “desespero”. Na verdade, os factos configuram, tal como estiio desoritos, um “orime passional”, em que 0 agente mata 0 objecto da sua paixtio por nfo poder conservé-lo s6 para si, A. tentativa de suictdio subsequente, ¢ que, pela leitura da matéria de facto, deve ser entendida como auténtica (isto é, nfo simulada ou encenada), completa 0 quadro tipico do crime passional. ‘A verificagto do elemento privilegiador niio basta, porém, pam privilegiar 0 crime, Figueiredo Dias é muito claro a este propésito: “Os estados ou motivos assinalados pela {ei nffo fancionam por si ¢ em si mesmos (hoc sensu, automaticamente), mas s quando conexionados com uma conoreia situagéo de exigibilidade diminuida por eles determinada; neste sentido 6 expressa a lei ao exigir que 0 agente actue ‘dominado’ por aqueles estados ou motivos.” (ob. cit.,p. 48) ‘A ponderagio da diminuigio sensivel de culpa, da diminuigio da exigibilidade de conduta diferente, 6 indispensdvel para subsungiio dos factos ao art. 133° do CP. S6 se 0 “estado de afecto” que determina 0 crime for d> molde a atenuar sensivelmente a exigibilidade de conformidade com o dircito, mitigando notaveimente a culpa, 0 homicidio pode ser privilegiado. “Uma tal ponderacato tera de ser realizada & luz, do que seria exigivel a alguém colocado naquelas circunstincias coneretas. Doutta forma, sem a anilise do grau de exigibilidade imposto pelo direito nas circunstincias do facto, poderia dar-se relevancia atenuativa a reacgSes violentas desproporcionadas ¢ extravagantes ou a condutas completamente reprovaveis, com o “Alibi?” de serem desencadeades por “estados de alma” fortemente emotives. No caso em anilise, nfo se verifica em conereto uma situagto de exigibilidade diminuida, de diminuigio senstvel da culpa, Ao arguido era exigivel comportamento diferente, perante a recusa da mulher em ter com ole relagdes sexuais © 0 propésito desta de divércio, propésito esse que o arguido jé conhecia ha algum tempo. O citme no pode constituir um elemento privilegiador do homicidio. A reacgtio violenta do arguido, ainda que eventualmente desencadeada por desesper6, nao pode receber a cobertura do art. 133° do CP, no caso conereto, porque sobre o arguido recaia o dever de respeitar as decisbes da mulher, como pessoa dotada de autonomia plena, e consequentemente tinha o dever de auto-controlar as suas emogdes, A valorizago do cifime ou da dosconfianga sobre a fidelidade do cOnjuge como elemento mitigador da responsabilidade criminal é absolutamente de rejeitar no ordenamento juridico de um Estado de Uireito democratic, assente na dignidade da pessoa humana © no direito de todos ao livre desenvolvimento da sua porsonalidade. Allis, nem se provaram quaisquer circunstincias que tivessem desencadeado, naquela ocasifio, uma emogo de sibita violéncia por parte do arguido, pois nem a intenglo do divércio nem a recusa de relages sexuais eram factos novos (@ casal jf dormia. em quartos separados), nem se provou qual 0 contetido das mensagens recebidas pela vitima no telemével, Por ‘iltimo, refira-se que nfo se compreende qual a relevancia para a questo em anélise do facto de 0 arguido ser surdo-mudo, uma circunstincia que nada contribuiu para a sua decistio homicida, nem aliés afectou decisivamente a sua vida, que decorreu em termos de inteira regularidade familiar, social e profissional, apesar das dificuldades vividas na inffincia e juventude (ver o relatério social de fs. 380-382), até & pratica dos factos destes autos. Nestes termos, considera-se que nfio procede a primeira questo colocada pelo recorrente: a da subsungo dos factos ao crime de homicidio privilegiado. Atenuagio especial da pena Subsidiariamente, pretende o recorrente a atenuagdo especial da pena, © art. 72° do CP admite a atenuagio especial quando existam circunstincias que diminuam acentuadamente a ilicitude, a culpa ou a necessidade da pena, exemplificando, no n° 2, #8 diversas circunstincias relevantes, em que sobressai, no caso, 0 arrependimento. Quanto a este, é um facto que o tribunal recorrido considerou provado que o arguido se mostrou profundamente arrependido. Contudo, essa circunstincia nfo se apresenta especialmente relevante. Alids, tal circunstfincia foi tida em consideragiio expressamente na determinagiio da pena, como aliis todas as demais circunstincias do crime. F de fer em conta que o gran de ilicitude elevado, quer pelo resultado, quer pelo modo de execugiio do crime, e que é grande a exigéncia de prevengio geral, conhecida como éa extensio. do fendmeno do _—_homicidio conjugal no nosso_—Pais. Nesies termos, considera-se nfo existir fundamento para a atenuagio especial da pena. Aliés, a medida concrefa da pena, situada pouco acima do limite minimo, afigura-se ajustada, por contemplar os factores atenuativos acima roferonciados. I, DECISAO Com base no exposto, decide-se negar provimeinto a0 recurso. Vai o recorrente condenado em 4 UC de taxa de justiga. Lisboa, 3 de Outubro de 2007

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