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Palavras escorregam pelos dedos como pedacinhos de gelo no copo quente

e caem, frenéticas, em sua busca ensandecida de respostas, que


nunca vou ter, porque outras palavras não sairão da cova profunda
que é sua mente, guardando segredos, que só você conhece.
Descortino emoções antes não percebidas e espanto-me ao descobrir
que nada mais são diante de um frasco de toxina botulínica ou diante da
impassível e esquizofrênica máscara da realidade que recuso e rejeito
com o desespero silencioso dos que vão morrer.
Um copo de vinho talvez fosse melhor que o sangue que sirvo na taça
cheia de esperança e, é amarelo, claro, tão claro quanto a água que corre no regato que nasce
dentre as árvores, onde plantadas estão suas vísceras, seu corpo, sua alma.
Mas não sei que lugar tão inédito é esse, onde tudo se fundamenta em ritos sombrios de vida e
de morte, onde gargalha a foice, ceifando o milharal, onde não existem máquinas ou
ceifadoras, e trabalha, apenas um agricultor, em sua labuta perene de colher grãos amarelos,
como o sol.
Não serão sacrificadas virgens ao deus da terra, nem do sol, nem da lua, nem do vento, não
mais serão despojados pais de seus filhos, nem do guerreiro, a força, nem do cantor, a canção.
Trilha clara em noite de estrelas onde se perde meu olhar, onde vagueia meu pensamento,
buscando, buscando e buscando, sem nunca encontrar.
Paz, não a quero, não a desejo.
Dá-me um cálice de água, dá-me uma grande gamela de fatos sacrificados, dá-me um maldito
código binário que possa ser implantado, dá-me uma simples e inocente razão para continuar
a ser aquilo que já não mais sou.
Razão busca um destino, forja sua próxima vida, ainda que ela seja nesta mesma vida, dá-me
um simples lampejo de existência que não esbarre nem por um segundo na mais vil das
intenções.
Brancos, brancos, são sempre brancos e não tive nunca sangue em minhas mãos, nem suor,
nem qualquer outra matéria que não fosse meu próprio sangue, minha própria linfa ou se
muito a semente reprodutora de outrem.

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