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Maldito escocês!

Por: Dalton L. C. de Almeida


Selecionado para FC do B ­ Panorama da Ficção Científica Brasileira 2008/2009

Q uinze homens joga-


vam futebol a um can-
to , era um jogo sem
regras, violento, com os mais
Um grupo de aleijados observa-
va com intensa curiosidade a rá-
pida troca de passes visando um
gol único e imaginário, riscado
A luz falhava ritmicamente, co-
mo se embalada pela gaita desa-
finada a curta distância da
ex-poça de urina. As meninas
fortes tendo mais posse de bola na parede de concreto nu com em movimentos coordenados
e os mais fracos escapulindo de algum metal afiado há muito cercavam, palmo a palmo, a ga-
cutucões, cabeçadas, empur- perdido. rota um palmo mais alto, que
rões, entre outros. Mas ainda Quatro ou cinco meninas passa- corria, pulava corpos, zigueza-
que em desvantagem, os ho- ram em perseguição rápida a ou- gueava por entre colunas e grita-
mens fracos não abandonavam tra garota, maior que elas não va pelo pai, que com respiração
o jogo e, em uma contrapartida mais que um palmo, que carre- descompassada, começava asfi-
quase respeitosa, os mais fortes gava uma boneca e entre lágri- xiar-se lentamente em uma es-
não os machucavam demasiada- mas gritava chamando o pai, que puma branca de sua própria
mente. bêbado e distante demais do autoria.
Não muito longe, em uma área mundo para ouvir, respirava pe- O bebê calou-se abruptamente,
mais escura e úmida, era possí- sadamente de bruços sobre uma os jogadores continuaram as
vel ouvir o choro de um bebê, poça, já seca, de sua própria uri- passadas com ainda mais inten-
gritos de meninos lutando pela na. sidade, as meninas menores der-
posse de algum brinquedo ou O jogo continuava e palmas po- rubaram a maior e começaram a
biscoito e um burburinho arras- diam ser ouvidas, ainda que es- espancá-la com canos, sapatos,
tado, cansado, quase parando, parsas, toda vez que o gol mãos, dentes e tudo que tinham
de fofocas femininas. defendido pelo homem de ape- a seu dispor.
Um largo e raso regato, esbran- nas um braço era acertado pela A gaita continuava a tocar im-
quiçado e mal cheiroso, atraves- imunda bola. Os aleijados grita- parcial, a espuma terminará seu
sava o imenso átrio e por vezes vam e xingavam com raiva, trabalho e ninguém em toda a
era invadido pela bola, rapida- mesmo que não pudessem se le- volta se preocupou com mais
mente seguida por diversos pés vantar para fazer melhor, sendo um corpo, que silencioso, so-
descalços e ativos, que joga- todos de opinião unânime quan- mou-se as dezenas e dezenas
vam, jogavam e jogavam, como to ao aleijado do gol ser um in- que por todos os lados, sem
se suas vidas dependessem dis- competente, sem talento e pressa, expeliam podridão.
so. imigrante.
Uma mulher começou a chorar tentavam cravar seus canivetes ternos, falecidos pela falta de
baixinho, abraçada a algo imó- um no outro, por um pedaço de água, comida e exposição à
vel, pequeno e que pingava um chocolate encontrado, ao acaso, radiação.
líquido rubro. A bola acertou um mergulhado no pútrido regato. O jogo voltou, mas pós-para-
aleijado, que não mais tentou se Um grande silêncio se fez e o pó da, com seis baixas irreversí-
sentar. Um dos “fracos”, pisando que se soltava do alto teto de veis, sendo os times
outros “ex-aleijados” espalhados concreto, parou de ceder em sua re-divididos.
por ali, devolveu a bola ao rin- costumeira leve nuvem. Uma rápida sucessão de es-
gue de disputa. Os jogadores diminuíram o rit- tampidos ecoou e percorreu
As meninas tomaram a boneca, mo, pararam e olharam para ci- todo o átrio, muito menor do
cuspiram na maior, agora en- ma. Silêncio. Por todo o imenso que o maciço rugir de uma se-
sangüentada, jogando-a em um átrio pessoas levantaram-se, al- mana antes, mas ainda sim efi-
dos muitos montes de corpos, gumas de sob corpos assustan- ciente.
donde esta pode observar a boa do as mais próximas, enquanto A bola voou para o regato no-
distância, entre suas próprias lá- outras surgiam de cantos escu- vamente, apenas um aleijado
grimas, o pai de bruços no chão ros e esquecidos. ainda assistia à partida, en-
de concreto, imóvel, sendo sa- Mas a luz voltou a piscar e o pó quanto murmurava lentamente
queado por dois garotos de não
mais do que oito anos. E que tão
logo encontraram algo, atraca-
ram-se em ferrenha briga, sendo
o prêmio um maravilhoso e duro
pedaço de pão.
A garota maior tentou se levan-
tar, ia atrás do que era seu, quan-
do rapidamente, saída do grupo
de meninas que partia, uma das
garotas contornou-a e fincou-lhe
um afiado cano nas costas. Falou
algo com ódio em sua orelha, ar-
rancou-lhe um dos laços azuis
que prendiam seu longo cabelo
loiro e empurrou-a de volta ao
monte de corpos, donde não
mais sairia. a cair não mais que um instante uma “Ave Maria”. A bola gru-
O jogo continuava, um dos ho- depois, nada terminara, tudo se dou-se no pedaço de chocolate
mens tropeçou, caiu, se levantou, mantinha, os garotos que haviam sob disputa, a menos de um
tropeçou novamente, mais uma parado sua luta por comida vol- passo dos gêmeos atracados e
vez, mais outra e se sentou pró- taram a mirar a jugular do com- molhados em pleno regato. Os
ximo ao grupo de aleijados. Dei- panheiro de todas as horas, para garotos gritaram de raiva e
tou, vomitou, gemeu, sorriu e assim poder silenciar, ainda que partiram, fraternal e novamen-
suspirou no fim. momentaneamente, o rugir in- te, unidos para sobre o homem
Com treze homens o jogo conti- cansável de fome. esquelético que vinha em dire-
nuava, as meninas dividiram a As meninas a um canto começa- ção a ela.
boneca em pedaços, a cabeça ge- ram a conversar sobre uma garo- Um único chute derrubou-os
rou uma briga, que “a do cano” ta adolescente que mantinha um com violência. E o que não le-
logo resolveu a seu favor. lindo e meigo gatinho no nível vantaria mais foi rapidamente
Um a um os aleijados foram se inferior do abrigo. E rápidas, revistado pelo que conseguia
deitando. Os meninos do pão es- saíram em pesadas passadas, se arrastar, mal sabendo este
ganavam-se a um canto, identi- com seus canos e tacos, a pisar último de seu destino, dali um
camente vestidos, gêmeos, sobre os corpos maternos e pa- par de horas, nas mãos do gru-
po de meninas.
O goleiro continuava a “fran- Publicação: Dados Técnicos:
gar”. A luz falhou de vez, um úl-
timo estampido foi ouvido, O conto "Maldito escocês!" foi
seguido da derradeira frase do selecionado via concurso e
aleijado: - Maldito escocês! publicado no livro e coletânea: Data de produção:
Na superfície vários aerotrans- 29/01/2009
portes de emergência parados, FC do B - Ficção Científica
tombados e em pedaços apresen- Brasileira - Panorama
tavam grandes cruzes vermelhas 2008/2009 Escrito e revisado ouvindo:
chamuscadas em suas latarias
brancas, sob um céu inglês re- Dados do livro: Brigada Victor Java ­ Oh
volto de nuvens negras. Não Bento siroso.mp3
muito distante do comboio, um Título: FCdoB
militar bem vestido e armado, de Ficção Científica Brasileira
bruços na lama, jazia segurando Autoria: Diversos autores Créditos Imagens:
um controle remoto, a poucos Editora: Tarja Editorial
metros da grande porta de polí- ISBN: 978-85-61541-21-7 Página 1 ­
mero e fibra de carbono reforça- Edição: 1ª edição
dos trancada eletronicamente. E Páginas: 208 http://google.com/
se pudesse ser questionado, fala- Formato: 14x21cm
ria de mal grado de sua missão Ano: 2009 Página 2 ­
de evacuação de civis sob fogo Organização: BHB Eventos
chinês. http://google.com/
No interior, nas dezenas de sa- Outros dados:
lões, não se ouvia nenhum som, Página 3 ­
fora as abafadas e seguidas ex- O concurso FC do B recebeu
plosões no exterior e uma gaita quase 300 trabalhos em língua http://google.com/
que continuava triste e insisten- portuguesa enviados de diversos
temente nas, agora, escuras pro- países. Destes 26 foram selecio-
fundezas. nados e compõem o livro.

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