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Diccionario de Bolso do Almanaque Philosophico Zero à Esquerda

Fascículo de Natal
Ano II da Era FHC
PAULO ARANTES
especial para a Folha
''Fenum habet in cornu.'' Horácio, ''Sátiras'', I, 4, 33
Filósofo - Antes de tudo, um Funcionário da Humanidade (v. Funcionário).
Definição atribuída a Edmund Husserl pelo renomado pedagogo Dr. Aristarco
Argolo de Ramos. O corporativista Platão achava que a filosofia era uma
carreira de Estado.

Funcionário - De um ponto de vista lógico (v. ''From a logical point of


view''), ora Empregado (''Bedeutung'', referência), ora Mordomo (''Sinn'',
sentido). Exemplo: "Há uns dois anos, meu jovem empregado (agora ele se diz
funcionário), logo que chegou da Bahia, fazia muito frio, saí com ele para
comprar um agasalho". J.A. Giannotti, Folha, 19/11/95. Contra-exemplo: "Pois
imaginei ter um criado só pra mim. Achava gostoso esses pedaços de cinema: o
dono vai saindo, vem o criado com chapéu e bengala na mão, 'Prudêncio, hoje
não bóio em casa, querendo sair pode. Té logo' ". Mário de Andrade, "Os
Contos de Belazarte".

O Patriarca e o Bacharel - "O Professor Giannotti é um filósofo que finge


detestar o capitalismo." Antonio Carlos Magalhães (v. ACM), "Os Pecados do
Filósofo", Folha, 13/9/95. Exemplo: "Meus dois lindos netos, Alexandre e
Tiago, estão em Orlando fazendo o aprendizado de meninos ricos. E eles são
muito ricos. Seus quartos competem com qualquer loja de brinquedos de São
Paulo. Eles não possuem apenas um exemplar do último boneco importado, fazem
questão de ter todas as modalidades da série. O fluxo de novidades é tão
grande, que minha casa vai se tornando o depósito dos brinquedos rejeitados.
Eles brincam com brinquedos novos como as mulheres de sociedade tratam de
não repetir vestidos de festa. No último telefonema lhes perguntei: 'De que
estão mais gostando?', e a resposta veio unânime: 'Compramos um monte de
brinquedos novos'. (...) Tudo parece indicar assim que o mundo contemporâneo
do consumo deixou de produzir idiotas robotizados". J.A. Giannotti, Folha,
19/11/95.

Sacadura Cabral e Gago Coutinho - "O universo do consumo está passando por
um processo de diversificação de tal modo inesperado e fantástico, que
destrói por completo todos os prognósticos a respeito de sua função e de seu
papel alienador (...). Ao invés da homogeneização ocorre uma diversificação
capaz de servir a todos os gostos (...). As casas se tornam discotecas,
videotecas, acervos de cultura para todos os gostos (...). O menino mais
pobre da periferia de São Paulo sabe perfeitamente que roupa vestir, que
música quer ouvir, a que programa assistir (...). A favelada pobre não quer
apenas leite para seus filhos, mas também danoninhos." J.A. Giannotti,
Folha, 19/11/95. "Não acredito na estandardização (...). Não acredito nisso
(...). Esse pessimismo não se sustenta, a não ser como visão subjetiva
(...). Você se lembra que todo mundo imaginava que, por causa da comunicação
de massa, haveria estandardização. Mas considere a televisão. Veja o número
de canais que você pode escolher. Portanto ocorre justamente o contrário."
Fernando Henrique Cardoso, em entrevista ao Mais!, Folha, 13/10/96.

Bem estar na civilização - "Realmente acho que esse tipo de avaliação da


cultura contemporânea é uma espécie de acesso romântico. Não é isso? Assim:
estou com 'malaise' (imita alguém com 'malaise', mal-estar). Não existe base
para um pensamento desse tipo. Alguns intelectuais ficam em casa, com
'malaise' (faz uma voz de pessoa babona, imita alguém meio desfalecido).
Eles olham para o mundo e dizem: 'Ah! o mundo está indo para o diabo. Vamos
para a rua, minha gente!'±" (v. "Militante imaginário"). Fernando Henrique
Cardoso, em entrevista ao Mais!, Folha, 13/10/96.

"Militante imaginário" - Militante privado. Quase não sai de casa, salvo


para ir a uma pizzaria (v. Pizzaria; Mirex - Militante realmente existente).

Pizzaria - Nome grego original da academia fundada por Platão. Indivíduos


que não separam estética de política costumam se agrupar em pizzarias.
Formam então minorias aguerridas (v. praga).

praga - V. Sarna.

Militante realmente existente (Mirex) - Lobista de si próprio. Aceita ajuste


pré-datado (v. Ajuste). Vítima inocente de um processo mal-intencionado (v.
Processo de intenção), também conhecido como dialética do engajamento:
"Pensando melhor, veremos que a intelectualidade nunca esteve tão engajada.
Rara mesmo, em nossos dias, é a torre de marfim. Acredito aliás que a
crítica independente, sem patrocinador nem interesse direto à vista, é o que
mais está nos fazendo falta. Quase todos estamos empenhados, suponhamos, na
administração pública, nalgum partido, num departamento da universidade,
numa firma de pesquisa, num sindicato, numa associação de profissionais
liberais, num setor de relações públicas, numa redação de jornal etc., com o
objetivo nem sempre muito crível de usar os nossos conhecimentos em favor de
alguma espécie de aperfeiçoamento e modernização. Assim, um dos impulsos
essenciais à idéia de engajamento, que mandava trazer a cultura dita
desinteressada ao comércio dos interesses comuns, se realizou plenamente. O
que não ocorreu foi a esperada diferença democrática que esta descida à
terra faria. Na falta dela, o compromisso social dos especialistas, incluída
aí a dose normal de progressismo, é o mesmo que ir tocando o serviço, e a
combatividade do engajamento pode ter algo de um lobby de si próprio".
Roberto Schwarz, "Nunca fomos tão engajados", Folha, 26/6/94.

A ética protestante e o espírito do capitalismo - ''Que o presidente da


República (dr. Fernando Affonso Collor de Mello _v. Collor) venha a público,
como chefe de Estado, clamar pela moralidade pública, ao mesmo tempo que
trata de defender seus interesses particulares, tudo isso está nas regras do
jogo (v. La règle du jeu). Ninguém é movido por interesses universais e não
se pode pedir aos políticos que abdiquem do esforço pessoal de buscar o
poder (Nota: ''Não se pode honestamente atribuir à índole original de um
homem o que é puro efeito de relações sociais''. Machado de Assis,
''Memórias Póstumas de Brás Cubas'', cap. ''O Verdadeiro Cotrim''.) (...) A
mulher de César não basta ser honesta; e, se cometer alguma falta, mais vale
manter as aparências do que se confessar em público. Acontece que essas
aparências são institucionalizadas, formam o arcabouço jurídico, o sistema
de regras que invoca a idéia de justiça (...). Daí a regra política de que
todo político que for pilhado (v. Pilhar) agindo em interesse próprio deve
ser punido. Isto vale para Beria ou para aquele assessor do prefeito Koch
que, pilhado (v. Pilhar) por corrupção, suicida-se diante das câmeras de TV
para salvar o chefe (v. O tipo ideal dos Grupos de Alto Nível) (...) Em vez
do discurso moralista (v. ''Moralista politicante''), cabe aceitar que os
políticos agem por interesse privado (v. Escolher a audácia na finitude),
mas como só o podem fazer em nome do bem comum, que ele calcule (sic) seus
riscos de ser pilhado (v. Pilhar) em público (v. Sistema e mundo de vida)
toda vez que atuar exclusivamente em nome de seu bem particular (...). Desse
modo, constitui-se uma moralidade pública que comporta a infração nos seus
interstícios (v. ''Infração intersticial'').'' J.A. Giannotti, Folha, 7/6/92
(v. Corrupção).

A ética do capitalismo e o espírito protestante - ''Ainda tem quem recuse


que é preciso fazer política, não se prender apenas aos princípios éticos.
Frequentemente se ouve gente dizendo: Ah! Não ponho as minhas mãos nisso.
(...) Mas são setores que ainda recusam a política, se refugiam. É uma
regressão.'' Fernando Henrique Cardoso, Mais!, Folha, 13/10/96.

Jacobinistas (sic) xiitas - Gente sem noção de país (v. Gente com noção de
país). Exemplo: ''Derrubada a monarquia pela Revolução Francesa, a
Assembléia Nacional Constituinte, dominada por jacobinistas (sic) xiitas,
sem noção de país, ameaçava naufragar''. Luís Nassif, Folha, 16/11/96 (v.
''Mirabô de Mello e outros estudos sobre a Revolução Francesa'').

Gente com noção de país - Exemplo: ''Mas o que você quer, rapaz? Se o
capitalismo for pro buraco, o Brasil vai junto. Se não, podemos tomar uma
carona''. Chico Alvim, Poeta dos Outros (v. Contradição performativa;
Partido Intelectual, ala esclarecida (majoritária) e ajustada).

''Deu a Lógica no Ajuste'' - ''Mas o presidente não é corrupto, tem uma puta
noção de país e conhece como ninguém a dinâmica do capitalismo'' (Grande
Otelo). ''Então tudo bem'' (Oscarito).

Corrupção - Há corrupção de dois tipos. Tipo B, inferior: corrupção


atrasada, segundo o paradigma desenvolvimentista da produção. Tipo A,
superior: dita de acumulação flexível, que se exprime na forma
gramaticalmente correta do conflito de valores (v. La règle du jeu).

La règle du jeu - ''É preciso saber conviver com a infração contra valores
alheios para que tenhamos política.'' J.A. Giannotti, Folha, 7/6/92. (v.
Wanderley Luxemburgo, ''Contravenção ou Revolução'').

Collor - 1) Mudou a agenda (v. Agenda). ''Os passos iniciais do governo


obedeciam a uma fria determinação, prejudicada, é verdade, por auxiliares
medíocres a quem se confiaram tarefas claramente acima de suas
possibilidades (Nota: falha técnica sanada pela introdução de ministros
éticos na máquina _v. Ministro ético, Minet). Mas era tão clara a lógica
que, bastaram alguns meses de governo Collor, para uma realidade política e
econômica que se arrastava há anos (v. Era Vargas; Geisel) ficar
irremediavelmente velha da noite para o dia, obrigando a uma reformulação em
todo pensamento nacional (v. O que é pensar).'' Luís Nassif, Folha, 7/6/94;
2) Pilhado (v. Pilhar) executando manobra radical (v. Manobra radical); 3)
Introduziu o discurso filosófico da modernidade no Brasil. ''Vou prestigiar
os deputados que estão comigo. Com a bandeira da modernidade, vou
prestigiá-los nas suas bases, para que tenham a certeza de que 35 milhões de
votos não foram em vão.'' Discurso de 2/9/92 na abertura do Colóquio ''A
Ética na Ética'', Folha, 4/9/92, págs. 1-5; 4) Inventor do Ministério Ético
(v. Ministro ético, Minet). Forma de governo baseada na Ética do Discurso.
Caracteriza-se por fechar-se estrategicamente em copas nos momentos de
turbulência. Efeito paradoxal justamente enaltecido pelos bons observadores
da cena brasileira (cf. ''O silêncio dos inteligentes'', Folha, 20/9/92,
págs. 6-3). Sem similar no Primeiro Mundo, este jogo político de linguagem
não-verbal foi exportado com sucesso para a Itália; 5) Quando se preparava
para, num segundo mandato, remodelar e retificar o país pela adoção de
formas mais contemporâneas de vida e organização social, foi atropelado pelo
arcaísmo moral (v. Moralista politicante) herdado do período anterior (v.
Era Vargas). Nas palavras do então ministro para questões de Ética nas
Finanças, S. Exa. estava sendo vítima da contemporaneidade dos não-coetâneos
(v. ''Ungleichzeitigkeit''), característica estrutural típica de uma
sociedade como a nossa, que ''se adiantou bastante, se industrializou, se
urbanizou, mas não apresentou até agora o mesmo impulso (v. ''Empuxe
individual'') na construção de uma cultura ética consentânea com as reformas
orientadas para a modernidade''. Marcílio Marques Moreira, ''Dialética e
Dualidade na Experiência Cultural Brasileira'', palestra de encerramento do
colóquio ''A Ética na Ética'', Folha, 26/9/92; 6) Na hora grave e solene da
Abdicação, deixou Carta Testamento, na verdade um fragmento de Discurso
recolhido e divulgado em primeira mão pelo correspondente do ''Frankfurter
Allgemeine Zeitung'', em matéria de 10/1/93: ''Minha gente! Minha gente com
noção de país e dinheiro vivo! Não me deixem só! Pátria e capital, latejo em
vós! Mercê de Deus, nenhum de nós três irá para o buraco!'', ''Ein
Hõllensturtz der Neuzeit'' (''Um mergulho da modernidade no quinto dos
infernos'') (v. Gente com noção de país; contradição performativa). (Nota:
vive atualmente em Miami, onde acaba de publicar, pelo MIT, ''The Net and
the Self'', um estudo em que recolhe sua experiência pessoal _v.
''Erinnerung''_ sobre o novo paradigma epistêmico _v. ''Linguistic Turn''_,
que sua têmpera colossal _v. Collosso informe_ ajudou a forjar e agora, com
justiça, está levando à pia batismal sob o nome de ''global criminal
economy''.)

Ministro ético (Minet) - Militante realmente existente em estado de graça


(v. Mirex).

Ministros éticos entre si - Três Ministros Éticos (v. Ministro Ético, Minet)
conversando sobre Kant no elevador privativo de Fernando Affonso Collor de
Mello, A Coisa-em-si (v. Sujeito automático; Collosso informe).

Manobra radical - Termo técnico do surfe. Operação coreográfica de alto


risco. Em caso de redundância, morte certa na praia. Exemplo: ''Antes de
tudo, a esquerda deixou de compreender que a excelência da jogada de
Fernando Henrique Cardoso consistia em fazer um desvio pela direita,
cortando-a ao meio, para, aglutinando o centro, lançar o jogo político (v.
La règle du jeu) brasileiro em outro patamar (v. Patamar)''. J.A. Giannotti,
''O Estado de S. Paulo'', 11/10/96.

Era Vargas - Modo de produção asiático. Vigorou durante meio século no


Brasil. Com o início da Era FHC, o país pôde enfim retomar o processo de
ocidentalização interrompido em 1930.

Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade - ''Tieta vai fazer sucesso


lá fora, aquelas paisagens, a Sônia Braga e as outras atrizes estão ótimas.
Poderia ser um terço mais curto.'' Fernando Henrique Cardoso, em entrevista
ao Mais!, Folha, 13/10/96. ''Durante séculos a humanidade preparou-se para
Victor Mature e Mickey Rooney.'' T.W. Adorno.

O conteúdo normativo da Modernidade - ''Eu me sinto à vontade para executar


o programa de centro-esquerda, social-democrata, que é o horizonte do
Governo Collor''. Sérgio Paulo Rouanet, Folha, 19/7/92.

O testamento socrático de Hannah Arendt - ''Sirvo a República ao participar


do Governo Collor, pois tenho a convicção de que seu projeto de reconstrução
e modernização do país, dentro do respeito às leis, às liberdades e às
garantias individuais é o que nos levará tanto ao desenvolvimento e à
justiça social, quanto à plena consolidação das instituições democráticas.''
Celso Lafer, Folha, 19/7/92.

"Maluco dedutivista" - Qualquer indivíduo que chegar à conclusão insana de


que o capitalismo não tem mais nada a oferecer à humanidade (v. Militante
imaginário). Sujeito mal intencionado (v. Processo de intenção).

Revolução Copernicana - 1) "o desenvolvimento econômico é o outro nome do


aumento da produtividade" (Kant); 2) "comércio que por mar se faz, marítimo
se lhe o chama" (Farias Brito).

Cultura da culpa 1 - Calúnia e difamação contra os ricos, maquinadas por


solertes militantes imaginários (v. Militantes imaginários) mancomunados (v.
Mancomunados) com malucos dedutivistas (v. "Malucos dedutivistas") e
moralistas politicantes (v. "Moralistas politicantes"). Estudos recentes
encomendados pela Área Externa do Banco Central demonstraram que a situação
miserável de grande parte da população brasileira se deve à baixíssima
produtividade dos pobres, cabendo logicamente (v. Lógica) a maior parte da
renda nacional aos setores cujos indicadores de produtividade atestam a
racionalidade econômica do empuxe individual (v. "Empuxe individual") de
seus integrantes com melhor inserção na utopia possível. Idéia antecipada em
artigo pioneiro pelo real autor do conceito: "Está definitivamente superada
a 'cultura da culpa' (...) como se houvesse uma relação de causa e efeito
entre a riqueza de uns e a pobreza de outros". Folha, 25/10/92. Daí o
axioma: "Os pobres são os principais inimigos de si mesmos", destinado a
conhecer um glorioso futuro científico.

Cultura da culpa 2 - "Eu não sou daquela turma que considera que nós somos
apenas vítimas dos países que se deram bem. Não. Acho que nós somos um povo
que não conseguiu criar uma nação saudável, robusta e afirmada. Eu não quero
pôr a culpa nos outros por inveja, porque eles se desenvolveram bem. Não. Eu
adoro os americanos, os EUA. Admiro muito. Mas acho que nós somos diferentes
e podemos fazer uma coisa melhor do que os americanos fizeram." Caetano
Veloso, Folha, 7/10/94.

O mundo sem culpa - "Eu ontem, lá onde eu estava, assisti um filme sobre o
Caetano Veloso _e ao falar do Caetano, eu falo de todo o mundo cultural, dos
que me prestigiaram votando em mim, e dos que não votaram, mas que eu devo
prestigiá-los, se aqui posso. O prestígio deles, às vezes, é muito maior do
que o meu, e que o Caetano afinal dizia coisas bastante tocantes, dizendo
que ele sentia, embora fosse ele pessoalmente cético como pessoa, que ele
achava que o Brasil tinha algo importante a oferecer como diferença no
mundo. Diferença não quer dizer antagonismo, quer dizer peculiaridade, coisa
própria. Nós temos um jeito próprio." Fernando Henrique Cardoso, Folha,
7/10/94.

Vitória do realismo - "A pergunta não é retórica: o que é, o que significa


uma cultura nacional que já não articula nenhum projeto coletivo de vida
material, e que tenha passado a flutuar publicitariamente no mercado por sua
vez, agora como casca vistosa, como um estilo de vida simpático a consumir
entre outros? Essa estetização consumista das aspirações à comunidade
nacional não deixa de ser um índice da nova situação também da... estética.
Enfim, o capitalismo continua empilhando vitórias." Roberto Schwarz, "Fim de
século", Folha, 4/12/94.

Metacrítica da Razão Instrumental - ''A cegueira que se atribui ao


capitalismo me parece ter raízes mais profundas. O capitalismo é apenas a
face exposta do triunfo da razão instrumental que está na essência da
modernidade (...). Não é à toa que temos grandes dificuldades em definir o
papel do Estado. Como fazê-lo, se a grande vítima da razão iluminista foi a
compaixão e o espírito comunitário?'' ''A Bolha Financeira e o Pêndulo
Acaciano'', co-edição Matrix/Opportunity.

Welforstate - Estado de Compromisso (v. Era Vargas). Em extinção na Europa.


Em estado de euforia no Brasil.

Sociedade transparente - Um mito, denunciar (v. Paris, anos 70). Exemplo:


''A nova postura implica abandonar velhos conhecidos. Em primeiro lugar, a
idéia, tão cara às esquerdas, de que se pode reformar a sociedade de cabo a
rabo''. J.A. Giannotti, ''O Estado de S. Paulo'', 2/11/96 (v. De cabo a
rabo).

De cabo a rabo - Diz-se da espiral ascendente de um tête-à-tête de gigantes,


como a polêmica Alencar-Nabuco. Exemplo: ''De rabo para o leitor'', J.A.
Giannotti, Folha, 5/3/96; ''De rabo para o poder'', Otavio Frias Filho,
Folha, 7/3/96 (v. Ricos entre si).

Ricos entre si - A Cena Primitiva do Ajuste. Costuma ser representada ora às


costas, ora na cara, mas sempre às custas do elo mais fraco. Exemplo: ''E
que discussão pode haver agora que o antigo professor (Giannotti), outrora
ensaísta independente e crítico, atribui-se papel de papagaio de pirata do
candidato a Fujimori local? (...) Um intelectual que apóia o governo,
qualquer governo, virou propagandista, acólito, bajulador, tudo menos
intelectual (...) Quanto a Giannotti, que encene a 'trabalheira' do novo
cargo, agora que está confirmado no posto que realmente sempre almejou, o de
Chalaça de Sua Majestade, o presidente perpétuo do Brasil''. Otavio Frias
Filho, Folha, 7/3/96. ''O que importa salientar na resposta que a Folha de
S. Paulo (sic) me deu é que toda ela visou anular minha legitimidade como
intelectual (v. Processo de intenção), como se eu não passasse de um sabujo
do poder. Não estou pretendendo, ao citar esse caso antigo, reviver
polêmicas e ressentimentos já superados, mas tão só salientar a continuidade
na forma da crítica. No fundo (v. Forma) não é a mesma coisa que me faz
Paulo Arantes?'' J.A. Giannotti, ''O Estado de S. Paulo'', 2/11/96. (Nota: O
saudoso Vicente Matheus enviou na ocasião carta ao ''Painel do Leitor'',
explicando ao filósofo que ''papagaio de pirata'', ''Fujimori local'',
''acólito'', ''bajulador'', ''chalaça'' e assemelhados deveriam ser
entendidos num sentido eminentemente figurado.)

Amálgama - Método lógico-jurídico aperfeiçoado pelo promotor Vischinski nos


processos de Moscou. Exemplo: ''Mas para que rigor (v. ''Uma certa tendência
ao insulto''), quando o interesse é desqualificar o meu ou qualquer trabalho
filosófico, na base de processos de intenção? (v. Síndrome de
deslegitimação; neo-parvenu). Valem o esquema abstrato e a intuição
profunda, apresentados numa simples conversa, em que o autor, como se
estivesse numa pizzaria, dialoga com suas próprias imagens no espelho (...).
O exemplo mais teratológico, entretanto, vem de Ruy de Fausto, cuja mania há
mais de 30 anos consiste em me acusar de ter plagiado suas idéias''. J.A.
Giannotti, ''A beca chifruda'' (siiic!), ''O Estado de S. Paulo'', 2/11/96.

Dez mil metros acima do Brasil - ''No avião leio uma entrevista com Ruy
Fausto (v. Ruy Fausto), imensa, na Folha, descrito como marxista insigne.
Deve ser um bom sujeito. Depois de dar 'n' voltas em cima do muro, Fausto
aconselha a companheiros marxistas de São Paulo a não aceitar empregos no
governo Fernando Henrique. Sabe o que está pedindo? Que um brasileiro recuse
convite a cargo público? Fausto cita um certo Arantes, em que dá leve puxão
de orelhas, por ter caído em tentação de ser funcionário público. É outro
marxista ilustre.'' Paulo Francis, ''O Estado de S. Paulo'', 17/10/96 (v. Um
certo Arantes).

Um certo Arantes - 1) Reducionista da Escola Mecanicista. Frequentou os


maiores espíritos do seu tempo. Completamente ultrapassado e decadente. O
mesmo autor que nos deu quando jovem um Hegel promissor, não se peja hoje de
publicar um livro de diálogos no qual se transcreve até uma ida ao banheiro.
''Silêncio no Butantã'', chegou a pedir um pró-reitor sinceramente
consternado. (''O Estado de S. Paulo'', 23/11/96). Vive atualmente de
pizzaria em pizzaria (v. Pizzaria); 2) ''O Paulo Francis da filosofia
brasileira'' (Giannotti) (v. Dez mil metros acima do Brasil); 3) ''Pior que
ACM'' (Giannotti) (v. Ricos entre si); 4) Autor deste modesto ''baedeker''
do Ajuste Intelectual.

Painel do Leitor
Buemba! Buemba! - ''Querem anular a minha legitimidade.'' (Tucano Simão, São
Paulo, SP)

Bicho solto - ''A dialética está solta nas ruas.'' (Coronel Erasmo Dias, São
Paulo, SP)

Minidialética, sim senhor! - ''Total impaciência do conceito. A dialética da


brecha e do buraco ainda não está resolvida. De qualquer forma, dando buraco
ou brecha, alguém entrará pelo cano.'' (Ferdinando Fernandes, Rancharia, GO)

Almanaque Zero à Esquerda ou Almanaque FSP? - ''Constato com desprezo que o


rancor está de volta. Recaída insidiosa desta Folha em sua antiga linha
editorial, niilista, antropofágica, cínica? Confio firmemente que não. Num
país bem ajustado, o jornalismo de deslize não tem vez. No que depender de
mim, continuará sendo apenas uma estrelinha no céu. Pelo que vejo,
horrorizado, os caçadores de tropeços agora são outros. (...) Comete o
dicionarista anão _só pode ser de bolso a infeliz obra de um pigmeu_ um
duplo e mortal erro, de lógica e de classe. Não é novidade: à esquerda,
chafurdar no bas-fond das pequenas causas é prática sistemática e trivial;
enquanto, do nosso lado, o cochilo pode até ser homérico (''et pour
cause''), mas será sempre um deslize da própria Razão, fatigada de tanto
deblaterar com os encalacrados de um exercício histórico findo. (...)
Acresce que os desvios dos seres racionáveis só parecem tais ao olhar
subalterno dos catões. (...) Em boa lógica, vale menos a pureza sublime da
imarcescível regra, que a ninguém é dado seguir, do que o erro na sua
carnação ebúrnea. (...) Só o deslize apresenta o mundo e solda a rede social
pressuposta. (...) O ajuste veio nos humanizar.'' (Brigadeiro E. Gomes
Freire de Andrade, idealizador da Esquadrilhada Fumaça, São Paulo, SP)

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