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2000-2002
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Esta peça foi concebida no âmbito do Simpósio de Escrita Teatral organizado pelo
DRAMAT(Centro de Dramaturgias Contemporâneas) do Teatro Nacional S. João,
coordenado pelo professor brasileiro Antonio Mercado (Porto, Outubro de 1999-
Maio de 2000).
Foi encenada e produzida por Joana Fartaria com o nome A Mortos e Vivos – Os
Nomes que Faltam. Estreou em 15 de Fevereiro de 2001 (Café-Restaurante Divina
Comida, Lisboa). O espectáculo foi apresentado como uma “Trilogia Teatral”,
realizado em 3 espaços e dias distintos. Elenco: Cátia Ribeiro, Joana Fartaria,
Martim Pedroso e Sérgio Calvinho.
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Um..................................................................................................................8
Dois...............................................................................................................11
Três ..............................................................................................................14
Quatro...........................................................................................................16
Cinco.............................................................................................................19
Seis...............................................................................................................21
Sete...............................................................................................................23
Oito...............................................................................................................24
Nove.............................................................................................................26
Dez................................................................................................................28
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Personagens
Blur
Camu
Laer
Meli
Nora
Nube
Rote
Para o Virgílio Martinho, em sua memória.
«O nosso Mundo é um grande espaço na Terra: o
Mundo e a Casa. Um Mundo antigo, marcado
pela errância do Tempo. Neste Mundo não há
Noite, a Luz é forte e imensa.
Desejo de Lua.
Sofremos com o Frio, com o Calor, com as suas
ausências ou os seus excessos.
Desejo de Harmonia.
Temos Caminhos que não sabemos percorrer e
voltamos sempre a este Mundo.
Desejo de Paz.
Temos Sede, temos Fome.
Desejo de Água e de Frutos maduros.
Somos Vozes e contamos Histórias.
Somos poucos e sonhamos com uma Terra sem
Mal.»
UM
Silêncio.
Meli A temperatura subiu um pouco. Talvez seja melhor descansarmos.
DOIS
Ninguém responde.
Nora (Para Rote) Queres fazer amor comigo?
Rote Não sei o teu nome.
Nora Nunca soubeste.
Rote Nem nunca hei-de saber.
Nora Um dia...
Rote … sim, um dia.
Nora Talvez o tempo se possa agarrar, como uma pedra.
Rote Como uma pedra, sim, talvez uma pedra nos salve.
Nora De nós, do tempo?
Rote Não estamos sós.
Nora (Para Camu) Gostas de borboletas?
Camu De borboletas, de comboios, de chá fumegante...
Nube … não fales de comida...
Camu … de árvores antigas, de cruzes nos caminhos…
Nora … água, ali há água.
TRÊS
Silêncio.
Laer Eu. Eu… (pausa) Quando o meu filho morreu, com apenas 29 dias, tinha uma
linha arterial colocada no pulso direito e um sistema de monitorização da oxigenação
preso no pé. Um sensor no peito e outro no pescoço mediam-lhe as pulsações. Fios gémeos de
um pacemaker por baixo de ligaduras finas e entre buracos no peito do rapaz, até ao coração.
Um par de tubos drenava a incisão no esterno. Uma linha intravenosa no seu braço esquerdo,
apertada com uma braçadeira almofadada, ia até um recipiente plástico onde dez bombas
eléctricas e três conta-gotas racionavam um cocktail de drogas e nutrientes: dopamina para
alargar o arco aórtico, epinefrina para elevar a pressão arterial, norepinefrina para fazer a
mesma coisa e heparina para liquidificar o sangue de forma a fluir sem coagular no shunt de
Gortex, que os cirurgiões introduziram entre as artérias pulmonares e as carótidas. Neste
cocktail, um antibiótico de largo espectro minava constantemente qualquer infecção que
florescesse na cavidade do peito, onde foram feitas as operações. Uma emulsão de 20% de
lipídos e dextrose resolvia a questão alimentar, enquanto as gotas salinas satisfaziam a
necessidade de fluidos. A metadona mantinha-o adormecido e desintoxicava-o da morfina que
anteriormente o tinha sedado. Um depressor para o sistema nervoso central evitava que se
mexesse e recordasse o que estava a viver - caso algum dia acordasse. Um ventilador oscilante
perto dele, como um robô barulhento de cinema, mantinha os seus pulmões inchados,
enquanto pressionava uma mistura de oxigénio e de ácido nítrico em frequências definidas. E
um cateter de diálise peritoneal inserido mesmo à direita do umbigo enchia a sua parede
abdominal com uma solução de grande densidade que drenava para um saco de celofane. Mas
nada disto resultava. Às 7 horas da manhã do dia 31 de Maio pedi que desligassem as
máquinas.
QUATRO
SEIS
SETE
NOVE
DEZ