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Carlos Alberto Machado

Os Nomes Que Faltam


Carlos Alberto Machado

Os Nomes Que Faltam


Peça para 7 vozes

2000-2002

2
Esta peça foi concebida no âmbito do Simpósio de Escrita Teatral organizado pelo
DRAMAT(Centro de Dramaturgias Contemporâneas) do Teatro Nacional S. João,
coordenado pelo professor brasileiro Antonio Mercado (Porto, Outubro de 1999-
Maio de 2000).

Foi objecto de um exercício de leitura pública, com apontamentos de encenação, no


Teatro Helena Sá e Costa, Porto, em 28 de Maio de 2000, integrada na apresentação
das peças criadas no referido Simpósio. O exercício esteve a cargo de Alunos da
Escola de Formação Teatral do Centro Dramático de Évora: Rui Fernandes, Carlos
Custódio, Celino Santos, Ana Margarida Videira, Lurdes Marrafa, Ana Ademar e
Hugo Caroça. Coordenação de Antonio Mercado.

Foi encenada e produzida por Joana Fartaria com o nome A Mortos e Vivos – Os
Nomes que Faltam. Estreou em 15 de Fevereiro de 2001 (Café-Restaurante Divina
Comida, Lisboa). O espectáculo foi apresentado como uma “Trilogia Teatral”,
realizado em 3 espaços e dias distintos. Elenco: Cátia Ribeiro, Joana Fartaria,
Martim Pedroso e Sérgio Calvinho.

Foi produzida pelo GATUÉ – Grupo Académico de Teatro da Universidade de


Évora. Estreou em Beja, na Casa da Cultura, em 14 de Maio de 2002. Reposta em
segunda versão, no Teatro Garcia de Rezende, Évora, em 3 de Julho do mesmo ano.
Encenação de Tiago de Faria. Elenco: Joana Grilo, Nuno Rendeiro, Paula Caixeiro,
Paula Rodrigues, Rita Capela, Sónia Alves e Vera Soares.

Foi editada no Nº 6 dos Cadernos Dramat – Volume 2 das Dramaturgias


Emergentes, Porto/Lisboa, Dramat-Teatro Nacional S. João/Livros Cotovia, 2001.

Revista em Agosto de 2002.

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Um..................................................................................................................8
Dois...............................................................................................................11
Três ..............................................................................................................14
Quatro...........................................................................................................16
Cinco.............................................................................................................19
Seis...............................................................................................................21
Sete...............................................................................................................23
Oito...............................................................................................................24
Nove.............................................................................................................26
Dez................................................................................................................28

4
Personagens

Blur

Camu

Laer

Meli

Nora

Nube

Rote
Para o Virgílio Martinho, em sua memória.
«O nosso Mundo é um grande espaço na Terra: o
Mundo e a Casa. Um Mundo antigo, marcado
pela errância do Tempo. Neste Mundo não há
Noite, a Luz é forte e imensa.
Desejo de Lua.
Sofremos com o Frio, com o Calor, com as suas
ausências ou os seus excessos.
Desejo de Harmonia.
Temos Caminhos que não sabemos percorrer e
voltamos sempre a este Mundo.
Desejo de Paz.
Temos Sede, temos Fome.
Desejo de Água e de Frutos maduros.
Somos Vozes e contamos Histórias.
Somos poucos e sonhamos com uma Terra sem
Mal.»
UM

Nora está sentada. Os outros deambulam pelo espaço de terra batida.


Camu (Para Nora) Qual é o teu nome?
Nora Charlotte.
Camu Esse já foi ontem.
Nora Ontem? O que é ontem?
Camu Um novo estremecer desta luz…
Blur … outro pão que não veio.
Camu Gosto de Ofélia.
Rote Gosto de Jocasta.
Laer Gosto de Julieta.
Meli Gosto de Irina e...
Nora … Olga. Ontem. A chuva caía com força e nevava.
Nube Para quê lembrarmo-nos disso agora?
Nora Tenho fome. Hoje. Ontem.
Nube Ontem. Hoje. Agora.
Blur Quando a luz estremece lembro-me do sol nas minhas mãos.
Nube Porque estremece a luz?
Rote É o peso do tempo.
Laer Que sabes tu do tempo…
Blur (Para Rote) ... uma vez contaste-nos uma história sobre o tempo.
Rote O tempo empurrou as memórias para fora do meu cérebro. E com elas as palavras.
Camu Eu lembro-me.
Rote Sim…?
Camu … do cheiro do pão fresco…
Rote … não é isso…
Blur … o tempo é isso, é.
Rote Não.
Camu Eu lembro-me.
Blur Não sabes, não te lembras.
Rote Sei… não… lembro… não… sei… sei…
Nora Ontem sonhei que o tempo tinha cores e o longe se via.
Meli Isso é um arco-íris.
Nora E isso não é o tempo?
Meli Talvez. O tempo comido pelo sol.
Nora Mas eu não vi as cores, só sonhei que as podia ver…
Rote A fome não tem cor.
Meli A fome dá mais marradas do que um touro tresmalhado…
Nube Não é a fome que mata, ou não saber quando virá o alimento. O que mata é a
certeza desta luz. Não sabermos já quem somos aqui…
Camu … tu também prometeste… não fales assim… não fales...
Nube … o tempo…
Laer … não, não fales do tempo, do pão, de nós, da luz. (pausa) Já lutámos o que tínhamos
de lutar, já discutimos tudo até ao esgotamento.
Rote O conflito agora é com cada um de nós, dentro de cada um de nós.
Camu O espectáculo acabou?
Nube As personagens ficaram lá fora.
Laer (Para Nube) Como te chamas?
Nube Bianca, Eurídice, Macha… já não sei, meu Deus.
Rote Deus tirou-nos tudo.
Laer Tens que ter um nome, hoje, amanhã, ontem: diz qual é.
Nube Está bem, está bem… Jocasta.
Laer Jocasta… está bem.
Blur Jocasta… porquê Jocasta?
Nube É necessário olhar agora para o passado?
Blur Foi uma inquietação que se apoderou de mim.
Laer Gostava de dormir agora.
Rote Deus sabe quantas vezes me deito com o desejo e até com a esperança de não
voltar a acordar.
Camu Já ouvi essas palavras, já disse essas palavras.
Rote Se calhar o tempo é isso.
Nube Repetições, roubos.
Camu (Para Nube) Onde estavas antes?
Nube Em casa, a dormir. A ouvir o canto do noitibó. À espera da chuva. E tu?
Camu Sentado.
Nube Só?
Camu A escolha é sempre o mais doloroso, a pergunta certa…
Nube … por que estamos aqui?.
Camu Uma escolha, uma decisão, um acaso, as margens…
Rote Houve um momento, um momento único e especial em que cada um de nós estava
especialmente desprotegido…
Laer … e quem nos juntou, como adivinhou esse momento?
Rote Foi a vontade de Deus, ou o acaso, ou…
Camu … ou a vontade de nos perdermos.
Meli Ou de nos encontrarmos.
Nube Eu não me quero perder… não queria… não sei se quero, se queria…
Nora Preciso de vomitar.
Camu O quê? Agora só te resta a alma... e mesmo assim…
Blur Cala-te.
Camu Porquê?
Nora A piedade também já não é do nosso universo.
Blur Talvez.
Meli Incerteza, isso temos.
Nube Pouco, demasiado pouco…
Rote Incertezas dos alimentos, da água, do controlo do tempo…
Nora Não baralhes mais.
Rote Também tu já passaste pelos caminhos com horizonte e voltaste a este sítio de
ninguém.
Nora Como todos nós.
Laer (Para Nora) Hoje qual é o teu nome?
Nora Estou cansada deste teatro.
Laer Não é teatro, é a nossa vida.
Nora Às vezes não sei.
Meli Multiplicamo-nos.
Nora Cada vez mais confusos.
Camu Se ainda soubesse o que é um amanhecer falava-te da claridade de um pensamento
que amanhece.
Rote Palavras inúteis.
Nora Esta claridade, esta inundação de luz é pior do que a pior das trevas.
Nube Que sabes tu disso?
Nora Hoje parece que nos afundamos mais depressa.
Laer (Para Nora) Ainda não disseste o nome que falta.
Nora Já sei, é isso, e gosto: Ofélia. Ter visto o que vi e ver agora o que vejo.
Rote Amor…
Camu Andamos em círculos.
Rote É este tempo que nos enrola.
Nube Alguém lhe pegou pela ponta e agora é só puxar.
Meli O tempo não é um pião.
Nora Não?
Meli Não. É uma teia esquisita, cada um de nós a puxar uma ponta e a aranha a sufocar, a
expelir veneno, devagarinho.
Laer É tudo tão estranho, tão difícil…
Nora Estamos enterrados vivos.
Blur Qual foi o Sacrilégio que cometemos?
Rote Qual foi o desafio que lançámos à Cidade?
Camu São apenas perguntas. E inúteis. Nenhum deus, nenhum tirano nos pode
responder.
Nora É por isso que nos calamos sempre.

Silêncio.
Meli A temperatura subiu um pouco. Talvez seja melhor descansarmos.

Começam a procuram um lugar para dormir. Nora permanece sentada.

DOIS

Blur levanta-se e aproxima-se de Nora.


Blur (Para Nora) Antígona, Eurídice, o teu nome de hoje: não te deitas?
Nora Jocasta. Sabes que o meu nome é Jocasta. E não me deito.
Blur Esse teu nome não me é estranho mas não sei quem é… Não te deitas, está bem.
(pausa) Mas podes ao menos levantar-te, por favor?
Nora O meu nome não te é estranho…. o que é que isso quer dizer?
Blur Por favor, não brinques. Quer dizer que já o ouvi antes… talvez…
Nora … se querias dizer isso por que é que não o disseste?
Blur Porque… há muitas maneiras de dizer as mesmas coisas…
Nora ... não, não, cada maneira é uma coisa, um nome para cada coisa… quando falta um
nome…
Blur … está bem, desculpa Eurídi… Jocasta, só te queria dizer… só te queria pedir que
te levantasses daí.
Nora Sim. Porquê?
Blur Porque… porra mais as palavras.
Nora Vês como são importantes?
Blur Pois são, eu sei, pois são, mas não são importantes agora, quero dizer, as palavras
agora não são importantes, não são o mais importante, só te pedi que te levantasses
daí, estás aí há tanto tempo, há tanto tempo do nosso tempo, da nossa falta de tempo, do
tempo que não sabemos, não conhecemos, não contamos, muito tempo, mesmo assim, tenho a
certeza, tu também sabes, quero dizer, não sabes quanto tempo já passou mas o que isso
significa…
Nora … o tempo que passou? Quanto?
Blur Não, por amor de Deus. Já passou muito tempo do tempo que não sabemos, que
não podemos contar, não podemos saber…
Nora … talvez.
Blur Seja pelo que for, sai daí, levanta-te.
Nora Não é o lugar que tu queres, pois não?
Blur O lugar?!
Nora Já vi que não. Então o que é?
Blur Já todos dormimos e tu não sais daí, esse tem… tudo isso… aí sentada… meu
Deus.
Nora Estou sentada…
Blur … pois estás…
Nora … como se estivesse a ver televisão.
Blur Claro. Como?!
Nora Como se estivesse a ver televisão.
Blur Quer dizer… estás sentada porque é normal uma pessoa estar sentada quando vê
televisão, ou… mas tu não estás a ver televisão. (pausa) Pois não?
Nora Claro que não. Vês aqui alguma televisão?
Blur Não… não… então… por que é que… que estás aí sentada há… há tanto tempo
como… como... se estivesses a ver televisão?
Nora O tempo? A televisão? Não sei. Estamos aqui. Para fazer o quê?
Blur Nada… quero dizer, nada em especial, não sei Eurídice.
Nora Eurídice não, Jocasta, não é?
Blur Pois, Jocasta, tantos nomes na memória. (pausa) Então, a bem dizer, só estás aí
sentada, como…
Nora … pois. (pausa) É assim que estamos todos. Não é?

A pouco e pouco todos se aproximam de Nora e Blur.


Rote Já não se pode suportar tantas perguntas sem resposta.
Nube Isso também já se sabe.
Nora É reconfortante ter a televisão à nossa frente.
Laer É por isso que não temos imagens.
Meli O quê?
Laer Não temos imagens.
Nube Porque são reconfortantes, não ouviste?
Laer Ouvi, sim. Só não percebo por que é que são reconfortantes. Depende das imagens,
não?
Blur Ela falou de televisão, não falou de imagens.
Camu Os nossos corpos vão envelhecer aqui.
Rote Aqui ou em qualquer lugar, tanto faz.
Nora Só dizes isso porque estamos aqui.
Camu O corpo envelhece porque é feito de tempo, como tudo o que existe sobre a
terra.
Meli É só em nós que há tempo…
Camu … somos tempo, não podemos fugir dele.
Nube Como o amor, que também é feito de tempo e por isso sucumbe.
Blur O amor resiste ao tempo.
Nube Um corpo onde não se sofra a passagem do tempo?
Blur O amor tem consciência da morte e faz a eternidade nos seus instantes de fulgor.
Meli Nada resiste à sucessão do tempo que é morte, um nada que passa…
Blur … mas no amor esse tempo é o tempo que se dilata, instantes que duram séculos.
Camu Aqui não há amor, nem borboletas. A eternidade pára aqui.
Nora Ouço o ruído de água perto de nós.
Rote Não… É só uma ilusão.
Nora Como sempre. Só aparece quando não sentimos que vem.
Rote Talvez.
Camu E se tentássemos de novo dormir?

Ninguém responde.
Nora (Para Rote) Queres fazer amor comigo?
Rote Não sei o teu nome.
Nora Nunca soubeste.
Rote Nem nunca hei-de saber.
Nora Um dia...
Rote … sim, um dia.
Nora Talvez o tempo se possa agarrar, como uma pedra.
Rote Como uma pedra, sim, talvez uma pedra nos salve.
Nora De nós, do tempo?
Rote Não estamos sós.
Nora (Para Camu) Gostas de borboletas?
Camu De borboletas, de comboios, de chá fumegante...
Nube … não fales de comida...
Camu … de árvores antigas, de cruzes nos caminhos…
Nora … água, ali há água.

Afastam-se todos, menos Camu.


Camu (Para si) Perdemos o sentido da medida, da contenção, de nós, dos outros. (Para
os outros) Guardem um pouco de água para mim.

TRÊS

Regressam todos. Meli dá água a Camu.


Camu (Para Meli) Obrigado. (Para todos) Alguém juntou água?
Blur Não, ( interroga os outros com o olhar) acho que não.
Rote Vou tratar disso. (afasta-se)
Camu E eu vou lavar-me, se ainda restar água. (afasta-se)
Meli Parece que a temperatura começou a diminuir.
Nora Um bem vem sempre acompanhado de um castigo.
Nube Acho que era bom que dormíssemos, mas se a temperatura baixa muito…
Blur Não me incomoda o frio, mas precisamos de comida mais vezes.
Meli Já sabes que nunca é assim.
Laer Silêncio. Era tão bom que conseguíssemos ter silêncio. Mas estamos sempre a
falar, a falar. E já nem sabemos de quê, porquê…
Nube Alimentamo-nos de palavras.
Meli Falamos, e mesmo assim não nos conhecemos melhor.
Nube Vamos ficando como balões que a pouco e pouco perdem o ar, muito lentamente,
encarquilhados.
Nora Somos mais parecidos com as bactérias em colheita de laboratório que se
multiplicam infinitamente sem nunca se conhecerem.
Blur Nunca nos conhecemos realmente e mesmo assim vamos dando origem a outros
seres iguais a nós.
Nora Ou diferentes, não sabemos como realmente somos...
Blur …apetece fazer perguntas.
Meli Perguntas? Que perguntas? E a quem?
Blur Não sei. Fazer perguntas, nomear coisas, gritar, fazer o pino.
Rote (Voltando para junto dos outros) Está um frio impossível. Acho que temos
mesmo de nos juntar todos para nos aquecermos.
Nube Sim. E tentar dormir.
Rote Está bem para todos?

Ninguém responde, como se anuíssem. Vão buscar cobertores e deitam-se no chão,


muito juntos. Rote é o último a deitar-se, depois de cobrir os outros. Ficam em
silêncio.
Camu Alguém quer contar uma história?

Silêncio.
Laer Eu. Eu… (pausa) Quando o meu filho morreu, com apenas 29 dias, tinha uma
linha arterial colocada no pulso direito e um sistema de monitorização da oxigenação
preso no pé. Um sensor no peito e outro no pescoço mediam-lhe as pulsações. Fios gémeos de
um pacemaker por baixo de ligaduras finas e entre buracos no peito do rapaz, até ao coração.
Um par de tubos drenava a incisão no esterno. Uma linha intravenosa no seu braço esquerdo,
apertada com uma braçadeira almofadada, ia até um recipiente plástico onde dez bombas
eléctricas e três conta-gotas racionavam um cocktail de drogas e nutrientes: dopamina para
alargar o arco aórtico, epinefrina para elevar a pressão arterial, norepinefrina para fazer a
mesma coisa e heparina para liquidificar o sangue de forma a fluir sem coagular no shunt de
Gortex, que os cirurgiões introduziram entre as artérias pulmonares e as carótidas. Neste
cocktail, um antibiótico de largo espectro minava constantemente qualquer infecção que
florescesse na cavidade do peito, onde foram feitas as operações. Uma emulsão de 20% de
lipídos e dextrose resolvia a questão alimentar, enquanto as gotas salinas satisfaziam a
necessidade de fluidos. A metadona mantinha-o adormecido e desintoxicava-o da morfina que
anteriormente o tinha sedado. Um depressor para o sistema nervoso central evitava que se
mexesse e recordasse o que estava a viver - caso algum dia acordasse. Um ventilador oscilante
perto dele, como um robô barulhento de cinema, mantinha os seus pulmões inchados,
enquanto pressionava uma mistura de oxigénio e de ácido nítrico em frequências definidas. E
um cateter de diálise peritoneal inserido mesmo à direita do umbigo enchia a sua parede
abdominal com uma solução de grande densidade que drenava para um saco de celofane. Mas
nada disto resultava. Às 7 horas da manhã do dia 31 de Maio pedi que desligassem as
máquinas.

Silêncio. Como se dormissem.

QUATRO

No chão, sob as roupas, notam-se pequenos movimentos, ouve-se uma ou outra


palavra sussurrada, incompreensível
Meli O meu filho mais velho morreu no Inverno. Choveu intensamente, durante 24
horas, no dia que se seguiu à sua morte. Mas só serviu para me secar a alma. Como
uma neve fora de tempo.
Nora O meu bebé moribundo iria precisar de muito leite, se sobrevivesse iria precisar de
muito leite, de todo o meu leite, do leite da sua mãe que nunca conheceu. Durante
quatro semanas tirei do peito o leite necessário com uma bomba eléctrica e congelava-o logo
de seguida. Atulhei o congelador com sacos de plástico cheios de leite para um bebé
moribundo. A dificuldade física de tirar o leite com a bomba de quatro em quatro ou de oito
em oito horas, mais a resistência emocional necessária para tirar o leite, sabendo que o meu
filho estava a ser alimentado por tubos e ventilado por máquinas e que poderia nunca viver
para provar o leite que eu produzia a tanto custo, transformou-me de tal maneira que ao fim de
uns dias eu era espectadora de um ritual sem sentido, uma espectadora da morte do meu filho
e da indústria de produzir simulacros de vida. O leite arrefeceu no meu peito antes de cair
como sangue coagulado na minha memória.
Nube O meu pijama novo continua por estrear: a minha casa estava sempre tão
quentinha! Aquilo que eu adorava quando estava num hotel era agora possível ter em
casa, com o gás natural: com o aquecimento a funcionar o dia inteiro, podia tomar banho
durante horas e horas e sem pagar mais por isso. E sempre que me apetecesse podia cozinhar
imenso, com grande economia e segurança. Em minha casa era feliz e não precisava de
pijamas. O meu pijama novo continua por estrear.
Laer Ah, o motor primeiro não pegava. É sempre assim quando se está atrasado para
uma reunião decisiva, um encontro importante, e... desculpe?... a senhora Gertrudes?
O que é que eu tenho a ver com a senhora Gertrudes? Não me responderam. Ficaram ali a
deitar ao ar migalhas de pão com manteiga, as bocas escancaradas para cima, e acertavam
sempre, sempre, às vezes engasgavam-se, mas sempre a perguntarem-me pela senhora
Gertrudes, que Gertrudes?, perguntei eu, quando me ocorreu que há muitas Gertrudes no
mundo, é sempre assim quando temos um encontro importante, uma reunião decisiva, num
banco da categoria do meu tudo pode acontecer, uma secretária que sobe pela parede às
arrecuas como uma gata com o cio, sei lá, italiana, a secretária, não sei, talvez, já não sabia se
falavam da Gertrudes ou de mim ou da secretária italiana, ou lituana, não sei, às vezes era
difícil perceber o que diziam quando se engasgavam com as migalhas de pão ou quando se
riam ou as duas coisas. Depois o motor não pegava, disso tenho a certeza, pelo ruído, depois
parece que pegou, não sei, talvez, não me lembro, quem sabe, quem se lembra…
Blur Também já não se pode fazer nada, não é verdade? Entre… entre. O capitalismo,
sim, claro, o capitalismo. Não, não vi. Olhe, deixe que lhe conte uma história. É
claro que não é sobre o capitalismo. É sobre aquele terrível acidente, bom, não é assim que se
diz, talvez catástrofe, sei lá, pois, pois, natural, as terras, lamas, águas, rochas, tudo muito
quente, pois é, isso tudo. Eu estava lá. Uma viagem barata, tudo incluído, até essa coisa da
catástrofe, natural, é isso, como a outra que metia os dragões de Comodo, sim, naquele sítio
também não sei como é que se pode chamar natural seja ao que for, enfim, lá que foi útil, foi.
Foi… natural! Os direitos, claro, os direitos, aquela pobre gente tinha de ganhar alguma coisa
da nossa descoberta do… da… riqueza, digamos…natural. Não sei, não sei, para si, o mundo
não pára, é uma catástrofe natural… os filhos, bom, os filhos, é tudo tão natural, não é…?
Rote …não é bem assim, as ondas são demasiado altas e poderosas e submergem-nos,
para quê gritar? Lá ao longe vejo um jardim, é verdade. Com um ar muito reles, o
barco também não tinha melhor aspecto… não, foi o que me disseram, é o que me dizem,
quem sabe já o que foi verdade ou mentira. O tal Instituto? Talvez, depois da primeira
desgraça inventou-se tanta história, e antes, e depois, um cigarro, ninguém tem um cigarro?,
desaparecer assim sem mais nem menos, ainda me lembro de um som do Archie Shepp, ou
talvez não fosse dele, talvez fosse do Cole Porter, talvez a memória de uma rapariga, há uns
anos, num bar perdido, em fuga de uma tempestade quente, de qualquer modo sabe bem
perdermo-nos assim, num sopro profundo, na escarpa de uma ilha, perdidos…
Camu …o que nos falta é um ser sensível, uma alma perturbada em busca de uma fenda
mais escura que a mais escura treva e que nos perceba a todos. Falamos como
escapatórias. Falamos como comboios condenados a embater no fundo de um túnel sem saída,
a despenharem-se de uma ravina. Falávamos até nos roubarem tudo, e depois, como todos
dissemos, falhámos, ou não dissemos, ou não falhámos, eram muitos e muito poderosos, ou
não, como dizia a minha amiga Pipas, ou não, como eu dizia, como digo, ela, eu, nós,
embatemos num fundo qualquer, quem precisávamos que nos entendesse já tinha partido, já
tínhamos partido todos, era bom pensar assim, não sabíamos que alguém nos iria aproveitar
assim esmagados entre restos de naufrágios, frágeis, esqueletados, sem aquecimento central,
tu também ouvias, eu sei, o ruído sibilino do gás natural, central, sem pijama e sem televisão,
soprou, sobrou-nos uma nota perdida de jazz numa tempestade quente no meio do Atlântico,
frágeis todos nós, sem terra onde acostar, um seio que nos sugasse… hoje vamos todos morrer
de novo, com a cor esquálida dos anjos.
Meli À noite, o chão do meu quarto deslizava continuamente. Adormecia a Sul e
acordava a Norte. Mexia-se como os vidrinhos de um caleidoscópio de modo que
tudo no quarto se encontrava sempre em diferentes disposições mas também sempre tudo
organizado na sua relatividade precária. Estes movimentos de caleidoscópio eram vistos
apenas por mim, para os outros estava sempre tudo na mesma. A pouco e pouco o meu
cérebro começou a auto-organizar-se do mesmo modo. Os meus pensamentos, afectos,
memórias alinhavam-se nesse rodopio ao mesmo tempo caótico e ordenado. Cada amanhecer
nascia-me uma nova identidade, um novo puzzle de mim mesma. Uma noite, sem mais, o
chão do quarto imobilizou-se a meio de um movimento.
CINCO

A pouco e pouco todos se levantam. Caminham.


Rote Estamos mortos. Mas da nossa tumba não sai sangue nem outros líquidos
indesejáveis. Secámos.
Nora (Para Camu) É a minha vez de perguntar: qual é o teu nome hoje?
Camu Já fui Édipo de olhos vazados e a fúria homicida de Macbeth. Será que o meu
destino é o de matar e de ter as perguntas sem resposta?
Nora Não me respondeste.
Camu Gostava de ser pastor e inquietar-me com as nuvens.
Nora É preciso ter um nome.
Camu E se eu me recusar a ter um nome?
Nora Sabes que não é possível.
Camu Porquê?
Nora É preciso renascer.
Camu Aqui?
Nora Só aqui isso é possível.
Camu Necessário.
Nora Pois.
Camu Cama. Sono. Neve. Frio.
Nora Chamamos-lhe assim, nomes.
Camu Mas porquê mudar?
Nora Para nos renovarmos, sabes bem.
Camu Para resistir, não é?
Nora Sim. Para resistirmos.
Camu Pinóquio é o meu nome. E vou portar-me bem.
Nora Até passar a primeira raposa.
Nube Pinóquio…
Camu Sim, Pinóquio, mas sempre com as pernas queimadas no fogo da lareira e sem
Gepeto para me fabricar umas novas.
Nora Talvez apareça um Gepeto.
Camu Talvez.
Nora (Para os outros, apontando para Camu) Ele hoje chama-se Pinóquio.
Laer Talvez devêssemos arranjar protecções contra a neve…
Nora Já não neva.
Laer Pois não. Mas pode voltar a nevar.
Nube E pode não nevar nunca mais.
Laer Pois é.
Rote Virá de novo a água…?
Nora Esta luz é tão fria…
Camu … podemos cavar nichos, ninhos.
Laer Cobrirmo-nos de lama e endurecermos como estátuas.
Nube Mas não há pássaros.
Nora Nomeamos-te pássaro.
Nube Está bem.
Nora (Para Nube) Vá, cobre-nos de lama.
Nube É melhor esperarmos.
Camu Por um mundo melhor?
Laer Diferente.
Rote Outro. Como se acreditássemos.
Laer (Para Nora) O meu olhar descia como um íman para o centro mais ardente do teu
corpo.
Nora Mas depois desapareceste, desapareci.
Laer Percorremos uma floresta enegrecida.
Nora Recitávamos fórmulas mágicas: Obedece-me, meu coração. Eu sou o teu senhor.
Enquanto estiveres no meu corpo, não me serás hostil.
Rote Um osso atravessado na garganta obrigava-nos a sangrar certas palavras, mais
duras, densas.
Nube Gritávamos anúncios de colchões.
Laer Orçamentos de Estado.
Camu Caminhávamos por estradas de tolerância zero.
Nube O carro seguiu em frente e ignorou a curva da estrada.
Nora Tomou o caminho para Oriente em busca do ópio.
Laer Gritaram-nos.
Nora Não respondemos. Não ouvimos.
Nube Somos lama que seca e se transforma em pó.
Meli Lentamente.
Nube Quero ser pássaro.
Laer Ninguém te impede…
Nube … sonhei com pássaros que navegavam nas nossas artérias. Depois furavam-nas
cuspindo nozes e avelãs.
Nora Tenho fome.
Blur Tenho fome.
Rote Tenho fome.
Camu Tenho fome.
Meli Tenho fome.
Laer Tenho fome.
Nube Tenho fome.

SEIS

Comportam-se como roedores à procura de raízes e frutos caídos. Encontram


coisas inúteis que jogam fora: sapatos, bocados de papel, copos, pratos e talheres
de plástico, pequenas peças de roupa… Durante um tempo, falam enquanto
rastejam. Finalmente desistem da busca e deitam-se no chão.
Blur Desenterramos os nossos próprios despojos, voltamos a enterrá-los e sobre eles
desenhamos labirintos.
Camu Arranhamos labirintos na terra mas é neles que nos perdemos.
Meli O impulso é irresistível. Desenhamos na terra o nosso destino.
Rote O que me perturba é esta ansiedade arqueológica. O que é que procuramos?
Nora Somos exploradores caídos de repente no meio de um deserto e a nossa função é
explorar, compulsivamente, não importa o quê.
Laer Arqueólogos de desertos, exploradores de labirintos que não sabem o que
procuram nem porquê. Arqueólogos de almas e destinos.
Nube Um dia fui para uma rua numa terra desconhecida, escolhi uma esquina, é verdade,
escolhi uma esquina de duas ruas da cidade que desconhecia, e fiquei à espera.
Esperei sem saber por quem nem porquê. Mais tarde, quando a cidade já não existia para mim,
soube que esperava por uns olhos azuis.
Meli Somos arqueólogos e exploradores, especialistas em procurar o que nunca se
poderá encontrar, enrolamos a história nos circuitos dos nossos cérebros e
enlouquecemos.
Nora Se as pessoas não fizessem por vezes coisas disparatadas nunca se faria nada de
inteligente.
Camu Sei de uma mulher que um dia foi comprar pão quente ao sítio do costume e viu a
vida dela do dia seguinte numa fotografia bem antiga, numa moldura crestada como
um pão cosido num forno de lenha. Sabia que aquele era o dia que se seguiria na sua vida e
chorou, silenciosamente. A senhora da padaria chorou com ela e ofereceu-lhe pão.
Nube Eu também chorei naquela esquina mas ninguém me estendeu a mão.
Nora Este crânio de frango, tem um sorriso triste.
Meli Se o limpares, sorrirá de outro modo…
Nube Não se pode mudar a alma a um cadáver…
Meli Um cadáver que tinha um sorriso triste.
Rote Aqui os sorrisos são esgares de moribundos. Esse frango não chegou a morrer, se
morresse tinha o bico escancarado numa gargalhada muda.
Camu Delírios. Desejos perdidos em labirintos.
Meli Já quase não vejo, sombras…
Rote Que sombras?
Meli Seres de dentes crispados, de músculos enrolados aos nervos como um ninho de
víboras bebés sem mãe…
Rote Estou cansado de metáforas, de labirintos, de procuras…
Meli Não deves zangar-te. A raiva destrói os homens fortes.
Rote Enfraquecem-me os aforismos, as metáforas…
Meli Mas tu já foste… um poeta… não…?
Rote Sim… é verdade… talvez por isso mesmo…
Nube Um pouco mais de calor, água de uma fonte, leite, pão fresco – dêem-me estas
“metáforas” e eu faço um poema.
Nora Pão fresco e… manteiga…
Nube … uma luz que não nos cegasse noite e dia, mais suave, com um pouco de cor, de
calor…
Camu … um rosto com olhos azuis e um corpo para ter esse rosto, uma noite num hotel
perdido da Toscânia com lençóis a cheirarem a madressilvas… é bom sonhar.
Nube Como é que sabes isso?
Camu Como é que sei?
Nube A última vez que dormi sonhei com uma cena assim.
Camu Eu entrei no teu sonho.
Nube Não brinques.
Camu É verdade. Sonhavas em inglês e eu disse-te para falares a nossa língua, mas tu
continuaste e então resolvi entrar no teu sonho, vi tudo isso, mas…
Nube … mas… acaba.
Camu Quando no teu corpo e no outro nasceu o desejo de se unirem apressei-me a sair.
Nube Mas eu só me lembro do que contaste, de mais nada.
Camu Se calhar, por pudor, roubei-te o resto do sonho.
Nube Sim, mas como era?
Camu Já te disse que saí, não sei. Ou se calhar sei mas perdi-o nalgum labirinto.
Meli Aproveita o que de bom ainda restar na tua cabeça. Mesmo que seja tudo forjado
por outro.
Nora Sim. Sonhar.

SETE

Nube e Rote afastam-se dos companheiros.


Nube Se alguma vez anoitecer, os nossos pés delicados não hão-de deixar marcas junto
à sonolenta chama de água, não haverá caminhos emplumados por onde vagueiem as
nossas sombras ao morrermos.
Rote Eu, se soubesse, oferecia-te um poema de luz e ficava nas trevas à espera de
sorrires.
Nube Dizemos coisas disparatadas…
Rote Não são disparatadas, alguma vez há-de acontecer aqui alguma coisa diferente,
não somos animais.
Nube Não? Talvez fosse melhor aceitar essa condição e acabarmos os nossos dias a
amarmo-nos loucamente.
Rote Sim, mas parece que só nos restam as palavras.
Nube E podemos amarmo-nos assim?
Rote Se só as palavras nos têm mantido vivos, talvez amar através delas não seja
impossível… um dia… não sei… também não sei porque te disse aquilo, aliás nem
sei o que te disse, disse-to como se as palavras fossem de outro, apenas ecoassem através do
meu corpo…
Nube Sim, talvez.
OITO

Camu O meu Gepeto nunca virá…


Nora Não sonhes alto, não alteres as regras.
Laer Para que queres tu o Gepeto?
Camu Só ele pode saber se o meu nariz já cresceu até ficar uma árvore, larga e frondosa.
Nora Mentes assim tanto?
Camu Se não minto para que serve a verdade?
Nube Mentes sempre, sistematicamente?
Camu É difícil não mentir, para alguém que sabe muito.
Meli Deixem-no com as suas mentiras e com as suas verdades.
Nube Foi ele que começou.
Camu Onde está a mentira para que a verdade floresça?
Meli Há momentos em que é melhor deixar um homem só com a sua dor.
Camu O fogo consome a mentira, só o Gepeto poderá ajudar-me.
Meli Não digas mais nada, deixa o silêncio ajudar à cura.
Camu O Gepeto tem a sabedoria do saber fazer, o poder de criar vida.
Meli Tens o coração ferido e a cabeça desfeita por imagens cruéis e perturbadoras…
Camu … como sabes que não inventei tudo?
Meli Talvez tenha o poder de adivinhar...
Camu Por que é que me olham assim?
Rote Fazemos o teatro que ajudaste a inventar.
Camu Teatro ou não, coisa inventada ou não, o certo é que a vida precisa de um momento
qualquer que nos faça renascer, que nos faça de novo encontrar sentido dentro de nós.
Rote Fomos nós que a bem dizer escolhemos este caminho…
Camu Quando tudo parece perdido qualquer solução de reencontro é bem vinda.
Nora Mas esta parece que nos suga a pouco e pouco, nos vai esvaziando das poucas
forças que ainda nos restam.
Camu Talvez seja preciso criar uma mentira tão grande, uma ficção tão desmesurada que
de repente tudo expluda, uma espécie de big bang nas nossas vidas. Criar as nossas
existências a partir do nada, de material inerte, como o Gepeto com o seu Pinóquio.
Laer Já não nos resta nada que não valha a pena tentar.
Nube Um destes dias a morte poderá ser a única solução.
Meli Já todos nós a quisemos, não foi? Todos achamos que mesmo o desespero mais
torturante era preferível ao desaparecimento. Pela morte ou pela fuga todos
perdemos filhos, esposos, amantes, entes queridos. A morte, real ou apenas sentida, é a única
ferida no mundo que não se pode curar em contacto com outra ferida.
Nube Nós aqui já criámos um pouco a morte: este teatro, esta vida que aqui fingimos só
se alimenta de palavras, não temos nada que fazer, não agimos, ficamos contentes a
inventar jogos, irrealidades, memórias, ainda por cima é tudo passado, não há nenhum futuro
inventado nas nossas bocas. Ou nos matamos ou acabamos a uivar delírios, cada um incapaz
de sair da sua própria cabeça, com as suas memórias misturadas com as dos outros, a cabeça
igual a um cadinho de sons insuportáveis.
Nora Inventamos vocabulários de dor e desesperança, afinal é por isso que os nossos
corpos já não têm acção…
Laer Aceitámos regras de abstinência e de inconstância para tudo: do tempo, da noite e
do dia, da água e dos alimentos, das coisas mais simples da vida. É isto que mais nos
mata, mais do que o teatro de palavras que inventamos, mais do que estes labirintos
ilusórios…
Blur Quanto tempo mais durará esta peça?
Rote O tempo da nossa morte.
Blur Isso pode ser a eternidade.
Rote Não, a morte já ronda por aí.
Nube Ou a loucura.
Blur Tanto faz.
Meli Querem ouvir uma história? (ninguém responde) Eu conto na mesma. Pausa. Era
uma vez um país muito grande, imenso país. Em qualquer sentido que se quisesse
atravessá-lo eram necessárias várias semanas. Um certo dia, um habitante desse país resolveu
estabelecer um país só para ele dentro do seu próprio e imenso país. Fez uns cálculos muito
complexos para determinar o centro geográfico exacto e quando teve essa certeza comprou lá
vinte metros quadrados de terreno. O seu país não tinha nome, ou tinha o nome que os outros
lhe davam. Esse homem, no momento em que fundou o seu pequeno país, estava a meio da
vida de um homem comum. Dedicou a segunda metade da sua vida a percorrer continuamente
o espaço do seu país em todas as direcções. Quem o procurava nunca o encontrava, estava
sempre num ponto cardeal diferente. Quando morreu, na idade natural de um homem comum,
estava quase a atingir mais uma vez o extremo Sul do seu pequeno país. Depois da sua morte,
o país deste homem ficou conhecido como o País a Caminho do Extremo Sul. Ainda hoje
existe esse pequeno país bem no centro do outro imenso país. Depois da morte do seu
fundador nunca ninguém mais o habitou.

NOVE

Em silêncio lutam por um pouco de comida.


Meli Estou a ficar demasiado velha para estas lutas.
Camu Nem a comer somos capazes de descansar.
Blur Esgotamo-nos.
Rote Sempre as mesmas palavras repetidas…
Blur Também tu te repetes.
Meli Já só nos resta inventar histórias e mesmo estas vão ficando cada vez mais raras.
Nora Eu não invento, é, foi, a minha vida.
Meli Como quiseres.
Camu Calem-se, por favor.
Rote Já não vale a pena quereres mandar. (Camu esboça um gesto para o interromper
mas Rote prossegue) Já não há nada para mudar em nós, no que fazemos.
Nora O tempo pior é o da comida. É uma coisa ancestral. Matamos por um pedaço de
pão.
Blur Ou por um pouco de poder.
Laer Quem tem o pão tem o poder.
Camu O problema não é esse. Em cada um de nós é que tudo se resolve.
Nora Como se soubéssemos qual é o problema.
Nube As causas. Confundimos causas e efeitos, realidades e imagens fabricadas…
Talvez, por vivermos assim… Os caminhos por descobrir…
Laer … para onde? Fazer o quê?
Meli E se tudo não passasse de um grande teatro?
Nora Como se alguém exterior a nós construísse coisas, nos induzisse por falsos
caminhos, entrasse nas nossas cabeças e fabricasse coisas?
Laer Chafurdamos na terra como animais…
Rote Às vezes penso que se esta luz que nos prende 24 horas por dia, de repente deixasse
de nos iluminar, de repente tudo ficasse nas trevas, nos tornaríamos predadores uns dos
outros.
Camu Sentes isso?
Rote Não é o que todos sentimos?
Camu Só estou a perguntar-te se é isso que sentes, tu e mais ninguém.
Laer Queres saber a resposta? Pergunta-lhes.

Camu olha para todos, um a um. Silêncio.


Camu Se isso acontecer... E isso é assim tão importante? Depois de tanta luz não nos
fará bem um pouco de escuridão? Talvez assim seja mais fácil cada um de nós olhar
bem o seu interior. Às vezes parece que os nossos pensamentos se soltaram de nós e já não
nos pertencem, como se fossem personagens de teatro a saltar de peça em peça. Talvez com a
escuridão tudo volte a aninhar-se dentro de nós, tudo se torne de novo pequeno e
recomecemos a crescer, cuidadosamente agora.
Nube É bom ouvir-te.
Camu Se calhar não passa tudo de um embalo de palavras, já nem sei se o que digo é
sentido.
Meli Não digas isso.
Camu Não sei o que dizer.
Meli Tu sentes ainda as coisas que dizes, queres a salvação de todos, não apenas a tua
salvação. Até penso muitas vezes que não queres salvar-te.
Laer Ele neste momento chama-se Brutus.
Nube Mau agoiro. A nossa sorte é que não há poder para usurpar.
Meli Nós somos o seu povo.
Camu Quem é aqui tão vil que deseje ser escravo?
Laer Ninguém, Brutus, ninguém.
Rote Se a luz desaparecer, quem matará quem?
Nora Ninguém sabe.
Meli Ninguém mata ninguém.
Laer É tão importante, a escuridão?
Nube É.
Rote Seremos predadores, sou eu que vos digo.
Nube Ou simplesmente enlouqueceremos.
Meli Tudo o que disserem é inútil. Ninguém tem as respostas certas.

DEZ

Uma penumbra começa a dominar a terra. É tempo de cada um deixar o seu


“testamento”: como um desafio, uma praga, um lamento, uma memória
emprestada, uma saudade…
Nora Parti a chave na fechadura e fechei-me em casa, com planos para uma semana.
Eu e os planos. Furados, claro. Desliguei os telefones, calafetei portas e janelas.
Enchi-me de ansiolíticos, anti-depressivos e afins. Nem assim. Não consegui resistir. Ao fim
de um dia parecia que tinha a casa cheia de gente. Voltava tudo ao mesmo. Repetiu-se tudo
como das outras vezes. O plano desta vez era melhor, mas nem assim. A minha cabeça. A
minha cabeça é uma televisão. Por cabo, por satélite, ligada a mil leitores de vídeo. Imagens.
Imagens a mais. Imagens de que não gosto. As pessoas das imagens. Os bichos das imagens.
Os discursos das imagens. As imagens das imagens. Sento-me. Estou sentada. Quietinha. E
vêm perguntar-me por que é que estou sentada. Sem imagens. Não. Por que é que não sou
uma imagem. A imagem deles. Também não. A minha imagem de mim. Sim. Parece que é
isso. De qualquer modo, o plano voltou a falhar. Isso é que é verdade. As imagens
espalharam-se. Investiram no chão e nas paredes. Isso. Como algas. Como trepadeiras.
Verdes. Agora são mais verdes. Poucas púrpuras, umas quantas amarelas. Da última vez o HI-
FI estava aos berros. Agora silenciei-o Mas é igual. Igualzinho. Nova estratégia: organizar as
imagens – não dá. Baralhá-las, fingir que lhes dou importância - idem. Odiá-las. Amá-las.
Ignorá-las. Ofendê-las. Lançar-lhes redemoinhos de palavras. Tufões de ideias. Não.
Provavelmente já tudo é imagem em mim. Sou uma imagem holográfica. Se calhar é isso.
Venceram. Pronto. Ou não. Ainda é possível fazer novo plano. Sem que ninguém saiba.
Aqueles métodos dos tibetanos. Dos tibetanos? Uma coisa assim. Estamos cá mas não
estamos cá. Ninguém sabe onde estamos. Nem nós. E assim ninguém saberá o que estou a
planear. Mesmo que já haja muitas imagens cá dentro. Não vão saber. Olaré. Um método.
Além do plano preciso de um método. Dos budistas... ou hindus... tanto faz. Merda. Não devia
estar a pensar nisto agora. Ou as imagens pensam, ou… um plano… um método… estadia
prolongada na China…na Índia… a chave na fechadura…
Blur A minha filha está só no recreio da escola, está só e grita que lhe devolvam as
unhas, grita que lhe devolvam o sangue que a mãe perdeu, um irmão, volteia deitada
no infinito de um oito e grita pelas palavras exactas que não aprendeu, pela aritmética dos
abismos, pelas geografias dos afastamentos e das dores que sentiu e que não eram de saudade,
a minha filha perde-se nas manchas coloridas do chão, nos seus traços indecisos, nas
inclinações demasiado perigosas, nos aparelhos de tortura, nas redes electrificadas, nas
sugadoras árvores artificiais, a minha filha está no recreio da escola no meio de uma multidão
e eu passo alheado pela cerca carcomida por vermes e por cobardias, a minha filha está
sozinha no recreio da escola e eu emudeço um grito, volto-me para a multidão que nos cerca e
nos faz perguntas e também eu não sei responder, nunca soube, desculpa filhota, disseram-me
que bastava amor e que era só até uma certa idade, depois somos todos iguais, não é?,
desenrascamo-nos, atiramos pedras, fisgadas, mentiras, fingimos que somos tímidos,
corajosos, sábios e ladrões, estamos sós nos recreios das escolas, percebem, é aí que estamos
sempre, escorregamos por oitos raivosos, sílabas ásperas, cacafonias, enredados em pompons,
em mergulhos na piscina, em pas-de-deux entontecedores, perdidos a meio do amor que já
não há ou nunca houve, ainda aí estás?, ouve, o chão do recreio está pintado mais de
mansinho e eu vou buscar-te mais cedo, não?, já percebeste como é o infinito?, uma vigilante
a rolar pelas escadas abaixo, a escorregar no próprio sangue?, o som de uma ambulância?,
estás baralhada minha filha, deixa, depois o papá explica-te, agora é tarde demais.
Rote Suicidei-me aos 17 anos. E depois? Não é normal? Há quem leve uma vida inteira
a pensar nisso, lá isso é verdade, há quem não faça outra coisa, eu sei. O que estou a
dizer é que não é um problema de idade, percebem? Já esgotaram os argumentos, meus
senhores, não vale a pena insistir, não vale a pena, pois. As razões, ah, as razões. Pouco vos
importa, na verdade, o problema do suicídio, do suicídio juvenil, claro, o que vos importa, o
que vos faz babar são as razões, o motivo, no fundo: a culpa. Ah, que merdosas vossas
excelências me saíram. Descobrem a culpazinha cristã que assola cada um e têm o assunto
despachado. Psicanálise de trazer por casa sem a coragem do papá vienense. Ou então a
causasinha sociológica, também não joga mal com a culpa do papá Cristo, pois não, pois não.
Há modelos para tudo, claro. Uns remorsos epistemológicos é o pior que vos pode suceder.
Doem, não pensem os ignorantes que não doem, puxa se doem. As causas?, ah, as causas,
mesmo que estejam demasiado longínquas e baralhadas, não importa, uma boa matriz, uma
razoável base conceptual e lá se resolve tudo. Não é? OK. Mas fodi-vos. Não estavam à
espera, isso sei eu. Um suicídiozinho aos 17 anos, como foi?, como coisa normal, normal,
normal. Yes. Como tudo é normal na vida, meus senhores, ainda não perceberam? É normal a
vossa idiotice, a vossa mesquinhez, a vossa hipocrisia, etc., tudo o que se queira. Discurso
moralista, pois é, já estava à espera dessa. Que se lixem, já não estou para vos aturar, vou-me,
perceberam?, vou-me e não vos torno a ver, sobretudo a ouvir. Já está. Juízo final? Pois, lá
nos encontraremos: claro que eu estou um bocadinho mais novo que vossas excelências talvez
apodrecidas demais nessa vossa busca das causas…
Nube Gostei de ser a mulher azul cuspida para a valeta, gostei de ouvir a miúda
perguntar Oh mãe, os carros cospem?, a sério que gostei, claro que tinha gostado
mais de te dizer que sim que a tua mãe não soube o que te dizer, coitada, eu azul e ela do
branco dos fantasmas, depois vieram vozes demasiado desorganizadas, nunca gostei de malta
desorganizada, então resolvi azular mais, reduzir as pulsações ao mínimo, cerrar os olhos,
cravar as unhas nas palmas das mãos, suar até o cabelo não descolar dos olhos e da cabeça,
insensibilizar-me, desculpa lá miúda, ah, a tua avó leva-te para o carro, está bem, se calhar
gostas mais de amarelo, pois, se calhar é, mas eu agora desculpa lá mas tenho que azular-me o
mais possível, acomodar-me à valeta, está quentinha, um pouco áspera mas não faz mal,
aconchego-me, ainda consigo tirar o sapato que me resta, merda de sapatos, tão caros e não
valem um caracol, também para ir para a praia qualquer chanata serve, era o que o Luís me
dizia, onde é que ele se meteu, não me digas que ainda está a curtir o pó, OK, fica bem, não
me chateies, olha, a mãe da miúda das cuspidelas parece que tem a mania que sabe de
enfermaria, larga-me, putéfia, és fufa ou quê?, tira daí as mãos, não te aproveites, quê?, agora
é um camone?, com agulhas?, estou feita, quem me mandou azular tanto, agora não consigo
voltar a ligar, até parece que a coisa é a sério, isto está bonito, borrachinha apertada no braço,
oh, meu, isso também eu sei fazer, e a agulha, claro, o que é que julgas?, o que é essa coisa
que estou a sentir na veia?, porra, deu-me cá um valente coice por dentro, essa não conhecia,
quando isto voltar a rosear um coche hás-de dizer-me que produto é esse, onde é que se
compra, lá prós states, não?, deve ser, aqueles sacanas estão sempre a arranjar produtos fixes,
OK, agora estás a falar-me espanhol?, que barulho é este?, ei, onde é que está a miúda?, onde
é que está…?, está tudo tão azul, tão azul, azul…
Laer Não falas? Por que é que não falas? As tuas palavras não me largam um instante.
Não, o discurso para o velhote, à beira da sua campa aberta, não. O meu velhote, um
ilustre desconhecido, a única coisa singular que fez na vida foi cair de 10 metros de altura e
bater com os costados no asfalto. É, grande feito, pois é. Mas lembro-me sempre das tuas
palavras e não consigo deixar de te dar razão, mas não posso, não posso e agora também é
demasiado tarde, aliás é por isso que afinal não posso dar-te razão, que não pude dar-te razão,
a razão que posso dar-te agora, muito intimamente, não vale um chavo. Merecia, claro que
merecia. Merecia todas as palavras do mundo, de livros inteiros escritos só para ele, tudo,
sinfonias, discursos de presidentes, 10 metros é muito metro. Calou-se e foi para casa como de
costume, ninguém percebeu. 10 metros e 15 anos de braço a fingir de bom até que quase lhe
caiu de podre sem ninguém se aperceber. Com muito saber lá se conseguiu safar daquela vida
de sobe e desce dos paus que só apontam na direcção do inferno, raios partam a pobreza. Não
falei, já sei que não falei, que não disse isto aos coveiros e aos mirones dos cemitérios, isto e
muito mais mas os dotes oratórios não são a minha especialidade. Mas eu sabia e podia… sei
lá se podia… Os grandes homens já têm o discurso da morte feito antes de nascerem, quero
dizer, o elogio fúnebre, os pobres quando nascem é logo com a morte, mas limpinha, sem
discursos programados para a história, pequenina ou grande, tanto faz. Vou rezingando e não
resolvo merda nenhuma, não falei, pronto…
Meli Viste os meus olhos a boiarem na água, não foi? Olhos cegos com desejos de
bombons… Isso foi mais tarde. Agora está frio. Está sempre tanto frio… O borralho
espanta os ratos e o medo. O frio… Custa-me pensar. É muito tempo para não me sentir
esmagada debaixo de tanta tropelia de coisas, de pessoas, de… tudo. A minha cabeça
esmagou-se a pouco e pouco com aquelas vozes de actores de feira e depois a minha cabeça
começou a balançar, primeiro pensei que eram as brasas do borralho que me faziam balançar,
ou o barulho dos bichos naquele de lá para cá debaixo das tábuas, depois comecei a pensar
que era das ausências, das falhas das pessoas, de ti, dela, não a nomearás, eu sei, não me
martirizes, do meu homem, deste é da primeira falha que me lembro, a que dói mais e que
nunca mais se remedeia, já me perdi, é o frio?, ou os meus olhos?, quê? já não sei, não me
fales, não me grites, deixa-me em paz meu labrego, desculpa, filho, desculpa, pois, comecei a
balançar, e não sei porquê, pois, as vozes dos actores de feira, o borralho, o frio, os ratos, que
raio de combinação, e os bombons?, isso foi mais tarde, já te disse, sim, quando o balançar era
de mais e os olhos deixaram de te ver, a cabeça esmagou-se por dentro, não é assim que se diz
mas eu sei muito bem como é, o pensamento vai buscar carne aos olhos para poder pensar, o
que é que tu julgas?, eu sei destas coisas, quer dizer, no princípio não sabia, fazia-me esquisita
aquele balançar, mas depois percebi, pois, na noite dos bombons, os olhos, filho, para que é
que eu queria os olhos?, já não havia mais carne para tirar, os meus olhos eram pequeninos,
lembras-te?, pois, e choravam muito, só me fazia bem aquela aguazinha de malvas, com
chichi de cão, como tu dizias, meu malandro, e pronto, quando me trouxeste os bombons já os
meus olhos estavam no laguito do jardim, claro que pensei que era melhor que os visses
primeiro e assim já não choravas tanto, nem acreditavas que estavam na água, eu sei, só te
lembras que esborrachei os bombons nas mãos, está bem, agora que o pensamento já se foi
para que quero eu os olhos, fora d’água ou dentro dela, hem?
Camu Lembras-te de Pontedera? Nunca acreditei em premonições mas eu soube que
aquela cidade seria a chave do problema. Lembras-te? Um dia disse-te: vou procurar
e sei que não encontrarei o lugar do desejo - em Pontedera. Disse-te que aí havia de me
perder, estrela a estrela, aí veria o que está em vez de mim, ou o que por certas escadas acima
me pareceria ver e não conseguiria distinguir: umas sombras amarelas que esconderiam um
rosto e outro rosto e depois outro, tudo ainda mais confundido. Sonhava que virias ao meu
encontro, mas depois tudo no meu sonho se tornou mais negro. Soube então, e disse-te, que já
não te encontraria em Pontedera, ou não seria nesse lugar que se encontrariam as tuas e as
minhas mãos, e eu e tu nelas, nunca saberíamos, trocados pela deslocação das sombras nos
rostos e nos ombros. Julgaríamos ver nesta cidade a nossa cidade, mas o que veríamos em
lugar de nós seria a cidade que recusa ser o ponto de encontro de todos os amantes que nunca
se perderam em Pontedera, desconhecida, disse-te. Agora, vou desaparecendo lentamente. A
minha mãe ficará bem em qualquer hospício. Não jogues fora o que escrevi, talvez um dia o
meu filho possa perceber o que fui. Um certo “desjeito” de viver, não é? Não tenho jeito nem
para pai nem para marido, não é o que dizias? Podes ficar com tudo, nunca tive nada, não é
agora que vou reivindicar seja o que for. Diz sempre ao meu filho que o amei muito, à minha
maneira desajeitada, nunca soube fazer melhor… Parto, sim, é melhor, não tenho coragem
para ficar aqui a cair… Há uns sítios onde pessoas como eu podem ficar até ao fim das suas
vidas. Não é bem um hospício, nem um hospital, nem uma prisão, não sei como lhes chamam.
Só sei que são bons locais para pessoas com o fim marcado. Doenças, propriamente, não,
agora pensando bem, é mais como… É melhor não tentar classificar. Aliás, esse foi, ou é, um
dos meus males. Mas isto não é uma confissão, enfim… Bom: é um sítio para pessoas
falarem. Apenas. Para pessoas. Ponto final.

Noite. Nasce uma lua vermelha.


AGRADECIMENTOS A MORTOS E VIVOS

Alberto de Lacerda Jorge Luís Borges


Alexandra Lencastre José Alberto Ferreira
Álvaro de Campos José Amaro Dionísio
Ana Ademar José Gil
Ana Margarida Videira José Mora Ramos
André Almeida e Sousa José Wallenstein
Anton Tchekov Laer
Antonio Mercado Livro dos Mortos do Antigo Egipto
António Rento Lúcia Sigalho
Avó Ludwig Wittgenstein
Avô Luís Varela
Bárbara Assis Pacheco Lurdes Marrafa
Blur Mãe
Camu Marcela Costa
Carlos Custódio Marília Miranda Lopes
Carlos Ramos Martim Pedroso
Catarina Fartaria Meli
Cátia Ribeiro Natália de Matos
Celino Santos Nora
Cristina Bizarro Nube
Dante Alighieri Nuno Cardoso
Dilma Oliveira Nuno Rendeiro
Dylan Thomas Octavio Paz
Eimuntas Necrošius Paula Caixeiro
Eugénia Vasques Paula Rodrigues
Fedor Dostoievski Paulo da Costa Domingos
Fernando Mora Ramos Ricardo Pais
Filipa Costa Rita Capela
Filomena Ricardo Rote
Franz Joseph Kafka Rui Fernandes
GATUÉ Sérgio Calvinho
George Michelson Foy Sófocles
Giorgio Barberio Corsetti Sónia Anes
Hugo Caroça T. S. Eliot
Inês de Matos Machado Tiago de Faria
Isabel Lopes Vera Soares
Joana Fartaria W. B. Yeats
Joana Grilo William Shakespeare
Joaquim Paulo Nogueira

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