Você está na página 1de 2

Como o Matheus, que ia ver “A Órfã”, mas não conseguiu, meu objetivo

inicial em Botafogo era ver “Aarraste-me Para o Inferno”. O problema é que,


como a maioria dos cariocas sabe, o Cinemark de Botafogo sempre tem
filas. Filas grandes...

Como já estava atrasado pra sessão, desisti do filme e fui parar no


Arteplex, o cinema da praia, onde misteriosamente nunca há filas, para
então assistir a “Anticristo”, o mais novo filme do diretor Lars Von Trier
(Dogville, Dançando no Escuro). Esse já era um filme que eu queria assistir
há um tempão, Desde que criou polêmica em Cannes, dividindo críticos, a
maioria horrorizada com as cenas chocantes e a história um tanto doentia...
O filme, aqui no Brasil, foi bem cotado n’ Oglobo (o bonequinho aplaude
sentado) e na Veja (quatro estrelas), mas não muito bem recebido pelo JB
(uma estrela). Com a crítica dividida, eu tinha que ir ver pra poder tomar
partido de um dos lados. E o que vi me chocou bastante. Literalmente.

O filme, dividido em prólogo, capítulos e epílogo, conta a história de um


casal que tenta superar a morte acidental do filho pequeno. O marido,
psicólogo, decide tratar da própria esposa (os nomes não são citados
durante todo o filme, mas, sinceramente, ninguém se importou com isso)
que, aparentemente, está tendo uma super reação ao trágico
acontecimento. Numa das sessões de terapia, o homem (interpretado pelo
sempre estranho Willem Dafoe) descobre que o maior medo da mulher (a
genial Charlotte Gainsbourg, melhor atriz em Cannes – 2009) é a natureza,
melhor representada pela floresta em volta da isolada casa de campo do
casal. Eles então partem pra lá, esperando enfrentar os seus medos para,
novamente, ter uma vida normal. Mas não é o que acontece.

O interessante do filme é o tipo de terror abordado, que não se parece com


o terror com o qual estamos acostumados. Em verdade, é o fantasma da
própria natureza humana o responsável pelo desenrolar da trama, que de
normal não tem nada. Fora isso, os 104 minutos chocam do começo ao fim.
As cenas vão desde sexo explícito até mutilação genital, passando por
diversas situações tensas e desconfortáveis ao espectador. A idéia por trás
do filme merece bem o adjetivo “misógino”, dado ainda em Cannes, por
alguns que o assistiram em primeira mão, e o filme em si, por vezes, se
mostra naturalmente perturbador.

Talvez quem tenha visto a “Um Cão Andaluz” (Salvador Dalí, Luis Buñuel -
1929) se lembre da cena na qual uma mulher tem o olho cortado por uma
navalha. Até hoje essa cena causa impacto. Há 80 anos ela abalou as bases
do cinema por sua crueza. Hoje, então, é difícil não fazer o paralelo entre os
dois filmes. Não que os dois sejam parecidos. Não o são. Mas “Anticristo”
com certeza chocou tanto o público quanto o filme de Dalí, em 29.

No mais, com certeza, o filme, dentro do que pretende, é bom. Embora,


pessoalmente, não tenha gostado muito, tenho que admitir que a direção é
impecável. A fotografia, belíssima, ajuda a dar o tom macabro necessário ao
longa. A câmera é essencial, e no prólogo, por exemplo, filmando em um
alto número de frames por segundo (câmera lenta), unida à imagem em
P&B e à trilha sonora, cria um efeito dramático que raramente se vê no
cinema atual. Mas tudo isso, de certa forma, fica em segundo plano, pois o
que se sobressai à vista da maioria é que esse, com certeza, foi um dos
filmes mais chocantes, controversos e misteriosos já feitos nos últimos cem
anos.

Em resumo, veja, se estiver disposto. Mas veja avisado das cenas chocantes
e de todo o resto. E, dependendo da situação, prefira ir sozinho(a).

ASS.: Pedro Amorim*

*que ficou até o final do filme, diferentemente do velhinho


que estava do lado dele.

Você também pode gostar