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educação, ciência e tecnologia

A RESOLUÇÃO DE EQUAÇÕES

HÉLIO BERNARDO LOPES*

INTRODUÇÃO

As primeiras noções do que é uma equação surgem logo nos primeiros anos do
ensino secundário, onde se estudam as equações algébricas dos primeiro e segundo
graus. Para lá do carácter formativo de tais conceitos, a verdade é que a grande maioria
dos alunos que prosseguem estudos superiores onde a Matemática continua a ser
estudada, não mais voltam a abordar o aperfeiçoamento do que vem já de trás, muito em
especial as equações do tipo algébrico, completas e de grau superior ao segundo.
É certo que, mesmo ao nível do ensino secundário, são ainda estudados alguns
tipos simples de equações trigonométricas, embora os últimos anos venham mostrando
uma lamentável tendência para uma redução perigosa da extensão do estudo da
Trigonometria.
Ora, de um modo extremamente geral, quando se prosseguem estudos
superiores, se se exceptuar o caso do Curso de Licenciatura em Matemática, jamais se
volta a tocar nesta problemática, mau grado chegarem mesmo a tratar-se outros tipos de
equações, como são os casos das equações diferenciais, das equações integrais, ou das
equações às diferenças, mas sem que se consiga deixar no aluno uma visão geral e
abrangente da noção de equação.
Em certos casos, infelizmente também hoje em vias de grande minimização,
nem mesmo se vêm a frequentar disciplinas de Métodos Numéricos, onde era
tradicional abordar o problema da resolução de uma equação algébrica de grau inteiro e
positivo qualquer. E a consequência desta situação é a criação de um lastro de
desconhecimento e de ignorância e, concomitantemente, uma insensibilidade profunda e
perigosa perante a compreensão do comportamento fenomenológico e, logo, da
capacidade para modelar e parametrizar fenómenos correntes.
A presença, no mercado e na vida profissional, de instrumentos de trabalho
com elevada capacidade para a resolução veloz e com um grau de exactidão
extremamente elevado deste tipo de equações, faz com que a tendência que se refere

* Jornalista.
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acima se acentue, deixando como espólio, contudo, uma ignorância grande e uma
insensibilidade profunda dos profissionais desses instrumentos perante o que estão a
tratar e, muitas vezes, perante os próprios resultados que esses meios potentes vão
fornecendo.
É para contornar esta tendência, que se escreve este texto simples, mas que visa
fornecer uma visão abrangente e despistante da problemática em jogo.

A NOÇÃO DE EQUAÇÃO

As equações mais simples que podem encontrar-se são as equações algébricas


dos primeiro e segundo graus, redutíveis, respectivamente, aos formatos:

ax + b = 0 ∧ ax 2 + bx + c = 0

onde a , b, c ∈R, a ≠ 0 .

Nestes casos, os coeficientes das equações são números reais, mas poderiam
não o ser. E nelas, para lá dos coeficientes, encontra-se a incógnita, x , ligada àqueles
através das operações de multiplicação e adição, bem como as suas inversas, por sua vez
englobadas numa expressão igualada a zero.
Para estas equações é possível encontrar os valores das incógnitas à custa de
operações elementares - adição, subtracção, multiplicação, divisão e extracção de raiz
de índice inteiro - sobre os coeficientes das equações, usando o que se designa por
fórmulas resolventes, que são, respectivamente:

.
b − b ± b 2 − 4ac
x=− ∧ x=
a 2a

As equações algébricas dos terceiro e quarto graus são, respectivamente, as


redutíveis às formas:

ax 3 + bx 2 + cx + d = 0 ∧ ax 4 + bx 3 + cx 2 + dx + e = 0

com a , b, c, d , e ∈R, a ≠ 0 , para cada uma das quais existe também uma fórmula
resolvente. Em qualquer dos casos, essa fórmula resolvente é já muito mais complicada,
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levando a que as mesmas, quando aparecem, acabem por ser resolvidas por outros
meios, que não essas fórmulas.
Um sonho natural, hoje claramente ultrapassado no plano científico, mas que a
tal ignorância inicialmente referida pode levar a tomar-se, junto de quem estuda, como
uma realidade possível, é o de que, para cada tipo de equação algébrica haverá uma
fórmula resolvente. Ou seja, para a equação algébrica de grau n , n ∈N:

a0 x n + a1 x n −1 + ⋅ ⋅ ⋅ + a n −1 x + a n = 0

onde a i ∈ R, (i = 0,⋅⋅ ⋅, n) , a 0 ≠ 0 , haveria uma fórmula resolvente. Infelizmente -


ou não...- a verdade é que não é assim.
Os matemáticos Evaristo Galois e Henrique Abel demonstraram esta
proposição simples, verdadeira e dolorosa.

Não é possível obter fórmulas resolventes para equações algébricas completas


de grau superior a quatro.
Houve, pois, necessidade de encontrar outros meios para atingir o objectivo de
resolver uma equação qualquer deste tipo. E hoje pode dizer-se, à laia de resumo
simples, que são dois os caminhos para atingir este desiderato:

métodos numéricos, essencialmente manuais, embora podendo


socorrer-se de máquinas de fazer contas elementares;

métodos globais de cálculo, quer através de máquinas de calcular


potentes, quer de meios computacionais.

No segundo caso, basta apenas indicar o tipo de equação e os valores dos


coeficientes, que o instrumento de trabalho fornece, de imediato, os valores
aproximados das soluções e com a aproximação quase tão elevada quanto se deseje.

TIPOS DE EQUAÇÕES

Estas equações, que até aqui se trataram, são designadas de algébricas, visto
os seus coeficientes e a incógnita se encontrarem ligados pelas operações elementares
antes referidas. Mas dizem-se também racionais, dado que a incógnita nunca aparece
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no radicando de um qualquer radical, e inteiras, por a mesma nunca aparecer num


qualquer denominador.

Diferente é o caso da equação:

ax 2 + bx + c
=0
dx + e

com a , b, c, d , e ∈R, d ≠ 0 , que será uma equação algébrica racional fraccionária,


dado que a incógnita aparece em denominador.

E do mesmo modo, uma equação do tipo:

ax + b = cx + d

a ≠ 0 , dir-se-á uma equação algébrica irracional, uma vez que a incógnita surge no
radicando de um radical.

Todas são, porém, algébricas, dado que apenas envolvem as operações


elementares que se referem ao início. Pelo contrário, se envolverem também, directa ou
indirectamente, a operação de passagem ao limite, a equação toma o nome de equação
transcendente, como acontece com as equações:

log( x )
sen ( x ) = x ∧ =7
x

uma vez que as funções seno e logarítmica são funções transcendentes, susceptíveis de
se expressar por desenvolvimentos em série de potências de x :

+∞
x 2 n −1 n
x 2 p −1
sen ( x ) = ∑ (−1) n −1
= lim ∑ (−1) p −1

n =1 (2n − 1)! n→ +∞ p =1 ( 2 p − 1)!


.
+∞
( x − 1)
n n
p −1 ( x − 1)
p
log( x ) = ∑ ( −1) n −1
= lim ∑ (−1)
n =1 n n → +∞
p =1 p
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Para estas equações, como se torna evidente, não existem fórmulas resolventes.
Tal boniteza fica-se pelo domínio algébrico e, mesmo aí, foge-se a tal via nos casos dos
terceiro e quarto graus.

Ora, em todas estas equações, a incógnita é a variável x , definida em certo


domínio. Mas pode não ser assim, como acontece com a condição:

f ' ( x) = f ( x)

onde a incógnita é a função f ( x ) : qual é a função que é igual à sua derivada? Trata-
se, pois, de uma equação diferencial, envolvendo certa função - a incógnita - com a sua
primeira derivada. Mas poderiam igualmente considerar-se derivadas de outras ordens.
Da mesma forma, pode também considerar-se uma expressão do tipo:

∫e
1
f (t )dt = 3x + 1

onde f ( x ) é a incógnita. Tal equação toma o nome de equação integral.

E podem ainda considerar-se equações do tipo:

∆2 f ( x ) + ∆f ( x ) + f ( x ) = 3

onde ∆ representa o operador diferença finita, sendo, pois, uma equação às diferenças
finitas. E também aqui a incógnita é a função f ( x ) .

Todas estas equações tomam o nome genérico de equações funcionais,


precisamente porque a incógnita é uma função, definida em certo domínio.

OS MÉTODOS NUMÉRICOS

Não é possível estabelecer uma doutrina geral, susceptível de aplicação à


resolução de uma equação qualquer. E por ser assim, tendo em conta o objectivo deste
texto, referem-se neste ponto apenas as equações algébricas racionais inteiras, também
designadas, por vezes, por equações polinomiais.
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A metodologia geral para a resolução de uma equação deste tipo obedece aos
passos seguintes:

determinação das raízes inteiras;

determinação das raízes fraccionárias;

determinação das raízes irracionais;

determinação das raízes imaginárias.

A título de exemplo, considere-se a equação do sexto grau, completa, na


incógnita x :

3x 6 − 7 x 5 − x 4 + 7 x 3 − 8 x 2 + 14 x − 4 = 0.

Em primeiro lugar, há que ter presente que, sendo reais todos os coeficientes
da equação, se existirem raízes imaginárias, elas terão de ser em número par e
conjugadas duas a duas.

Para pesquisar a existência de raízes inteiras, há que ter em conta que, se


existirem, elas terão de ser divisores do termo independente, ou seja, terão de ser do
conjunto:

{− 4,−2,−11, ,2,4} .
Recorrendo à Regra de Ruffini, percebe-se que a única raiz inteira existente é
2, sobrando, pois, a equação do quinto grau:
3x 5 − x 4 − 3x 3 + x 2 − 6 x + 2 = 0
(1)

que já só possui raízes fraccionárias, irracionais ou imaginárias.

Para agora determinar as raízes fraccionárias desta equação, o que se faz é


−1
substituir x por x , obtendo-se a equação:

2 x 5 − 6 x 4 + x 3 − 3x 2 − x + 3
=0
x5
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ou seja:
3 1 3 1 6
5
− 4 − 3 + 2 − +2=0
x x x x x

isto é:
2 x 5 − 6 x 4 + x 3 − 3x 2 − x + 3 = 0 ∧ x ≠ 0.

Ora, as soluções fraccionárias que se pretendem encontrar são os inversos das


soluções inteiras - se existirem - desta última. Dado que as raízes inteiras desta última
terão de ser divisores do termo independente, elas serão do conjunto:

{− 3,−1,1,3}.
Aplicando de novo a Regra de Ruffini, constatar-se-á que a única existente é 3,
pelo que a equação (1) - e, logo, a inicial - apresenta a solução fraccionária 1 / 3 .
Acaba, assim, por chegar-se à equação do quarto grau em x :

3x 4 − 3x 2 − 6 = 0 ⇔ x4 − x2 − 2 = 0

que é uma equação biquadrada: só tem termos dos graus 4, 2 e 0. A sua resolução
2
pode fazer-se, substituindo x por y , obtendo-se a equação em y :

y2 − y − 2 = 0

cujas soluções, muito fáceis de achar, são:

y=2 ∧ y = −1.

Dado que y = x 2 , virá:

x2 = 2 ∨ x 2 = −1 ⇔ x=± 2 ∨ x = ±i

resolvendo, pois, completamente a equação inicialmente dada.

Foi assim possível determinar facilmente as soluções irracionais e imaginárias


pelo facto da equação a que se chegou ser biquadrada. Se assim não fosse, contudo,
haveria, para encontrar as raízes irracionais, que seguir a seguinte metodologia:
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determinar intervalos, em cada um dos quais se sabe estar apenas uma raiz
irracional;

para cada uma delas, deitar mão de um processo recursivo, que permite
sucessivas aproximações à raiz procurada.

Embora simples e muito diversos, não é agora o lugar para abordar uma tal
problemática. Em todo o caso, fica uma ideia da metodologia a seguir, podendo
ampliar-se facilmente a dominância de um tal problema através de algumas obras de
qualidade que o mercado técnico e científico português já inclui.

CONCLUSÃO

Como foi possível mostrar com o presente texto simples, o aluno estudioso e
interessado encontra nesta problemática da resolução de equações um importante e mui
interessante alfobre de motivação para a dominância de um tema que é de permanente
utilização e de grande elegância intelectual. A seu montante encontra-se esse baluarte
do conhecimento matemático, que é a sempre actual Teoria da Resolubilidade
Algébrica, enunciada e tratada por Galois e Abel. Um tema que requer já um nível
intelectual de verdadeira excelência, mas que se constitui num extraordinário passeio do
espírito. Procure você mesmo, aluno interessado e desejoso da excelência, realizar esse
passeio. Só pela extraordinária dificuldade que vai encontrar, vale a pena.

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