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OBRAS CASEIRAS PRODUÇÕES

Na palheta com Joaquim


Castanho
Entrevistas com teúdo dentro
Jaime crespo e Joaquim Castanho

[2009]

[ J A I M E . C R E S P O . 2 01 1 1 @ G M A I L . C O M ]
Na palheta com… Joaquim castanho –
1ª parte

fongsoi: Dado que praticamente foste o autor pioneiro a publicar


naeditonweb, passado este tempo que balanço fazes da iniciativa?
Joaquim Castanho: O balanço, essa coisa propriamente dita de análise de
contas e resultados, é nulo. Brancas (cãs) sobre branco. O saldo é zero, ou
quase, um zero redondo e cheio, tal e qual como o da rã que sonhou ser
boi, ou da montanha que pariu um rato (mouse). E rato é totalmente
verdade, uma vez que a única coisa colhida, realmente, foi a perícia em
operar com o computador... Exceto, é claro, aquela mariquice de poder
dizer que está ali um livro, um livro de contos com ilustrações, cujo
conjunto desconheço, pois não foi dada a ver nada dele, nem as provas
para revisão, e se o quisesse ver, digamos ler, como produto final, tê-lo-ia
que o adquirir como qualquer outra pessoa, ou seja, pagar do meu bolso
aquilo que eu mesmo criei, mais as ilustrações, essas sim de outrem, que
provavelmente lhe darão outro visual e aspeto... Um livro que não é
conforme o formato tradicional, em papel, embora cada um o possa
imprimir, se para tanto achar conveniente, mas um e-livro, ou e-book,
como dirão aqueles para quem o melhor da nossa língua são os tais
termos que lhe não pertencem, e do seu linguajar, o linguajar que lhe é
alheio e, caso inaudito, se opõem tenazmente contra o Acordo
Ortográfico por o considerarem eivado de colonialismos de segunda
geração, quer nas estruturas moleculares da língua, quer no vocabulário,
pejados de influências das línguas filhas da língua pátria, como o brasileiro
e os diversos crioulos.Portanto, à parte o trabalho, aliás meritório, de
divulgação, da Filipa Ribeiro, sobretudo da entrevista que acompanhou a
edição, o que é certo, é que ainda não lucrei um tostão sequer com a
obradura, e suponho que nem mais leitores do que aqueles que já tinha,
ou ainda tinha, depois de ter queimado todo o meu "fôlego literário" com
as peças de cariz jornalístico, que eram notoriamente muito f®iccionais e
opiniosas para os gostos do establishement, mas que agora, quer nas
preocupações ambientais, como económicas e políticas, não há gato nem
cão que não seja obrigado a subscrevê-las, se pretenderem acompanhar a
evolução europeia e globalizada. Bom... Mas adiante!Para o fiasco
editorial, a que tu chamas de pioneiro, se escamoteado, poderia encontrar
diversas razões, mas vou ater-me apenas sobre duas, que considero
fundamentais, e não são só minhas. A primeira, e que vem de muito longe,
porquanto já o Raul Brandão, o Aquilino, o António Sérgio, o Afonso Lopes
Vieira, o Jorge de Sena, o Vergílio Ferreira, etc., etc., a referiram, é que em
Portugal não se lê literatura portuguesa a não ser que venha traduzida de
fora, ou seja impingida por prémios exteriores, ou profissões exteriores às
andanças das letras, por celebrações e aniversários póstumos, que
notabilizam os seus criativos, desde que com isso não os favoreçam
materialmente em nada e as instituições organizadoras (e editoras)
possam ganhar bastante. Foram imensos os que leram oRobinson
Crusoé mas raros os que o fizeram aos textos do Fernão Mendes Pinto a
onde o autor, Daniel Defoe, foi colher, beber, os relatos para a sua
narrativa... Depois, além da preguiça mental, muito bem servida pelas
televisões, jornais e rádios nacionais, não temos crítica literária, mas
apontadores de gosto, que desconhecem em absoluto a interpretação,
análise e valorização do texto literário, fazendo tão-só apontamentos, tipo
fichas de leitura, sobre as obras (romances, novelas, contos, poesia,
teatro, diários) que lhe vão parar, de borla, às mãos, e para satisfazer as
necessidades publicitárias das editoras afetas ao seu lobby de
marketing.Ora, tanto a ausência de leitores como a carência de crítica, de
crítica séria, formativa e não deformativa, fazem das pedradas no charco
que alguns autores portugueses ainda vão atirando, autênticas quedas na
lama incapazes de produzirem as ondas sociais que a denúncia, porque
publicar é sempre processar, literária cria, ou aplica, ao status quo. E isso
tem um preço, que é o do capelismo, que faz com que cada pregador seja
mais reconhecido pela capela que representa do que pelo conteúdo dos
sermões que dá, coisa tão antiga como a retórica do Padre
António!Portanto o balanço não é balanço, porque não tem que contar,
ou, contas feitas, o saldo é zero, e eu continuo a ver ir o Diabo a cavalo
num burro a galope, com a agravante, de eu nem ter recebido, como no
tempo da albarda e da "gorpelha" editorial, em formato de papel, alguns
exemplares para oferecer aos amigos ou à comunicação social, a fim de
esta se pronunciar sobre a palimpsestura em causa. Acrescentando-lhe,
obviamente, as dificuldades de natureza técnica que advém da resistência
– eu diria, antes, sabotagem – à comercialização dos leitores (e-book),
feita quer pelos setores (clusters) económicos-e-financeiros da indústria
do papel e petrolífera, quer dos fabricantes desses leitores, que os
oneram com o multifuncionalismo, tornando-os inapetecíveis como
suporte para a leitura e/ou apontamentos de margem, acoplando-lhe
sempre as funções de agenda eletrónica, áudio-musicais, GPS's, acessos
net, messenger e telemóveis. Isto é, tornando-os caros, propositadamente
caros para evitar a sua proliferação, com que apenas ganhariam muito se
também vendessem muitos. Falta dar o salto entre o "produto cultural
livro" objeto digitalizado e o "produto cultural e-livro" objeto digital.
Coisas tão diferentes que parecem a mesma, quando se pretende anular a
ambas!
fongsoi: Parafraseando o título do filme dos irmãos cohen "este país não
é para velhos", adaptando-a ao nosso panorama literário podemos dizer
que "este mister não é para novos"?
Joaquim Castanho: Nem para os novos, nem para os veteranos... Não é
para ninguém! Exceto para os escritores "alinhados", ou que estão ligados
a algum grupo económico, da família (às vezes, apenas política) dos
grandes acionistas, com tentáculos e interesses diretos na atividade
editorial ou agências de informação, como sonaes e quejandos,
detentores de grandes superfícies de comércio a retalho e comunicação
social – igualmente manta de trapos. Os editores "carolas" da coisa
literária, mataram a galinha que lhes punha os ovitos prà açorda, que era
o único conduto que a sua vidinha quotidiana lhes ia acompanhando as
letras pró carro e vivenda nos subúrbios. Eram as gasolineiras intelectuais
do velho paradigma, e contentaram-se em morrer com ele, lamentando-
se da sua fraca receita nos certames livreiros, conferências de casinos
envergonhados e enfermiços, nos programas da RPT 2, nas prédicas dos
lançamentos de obra, sobretudo se esperavam que a movimentação
política, ou da comunicação social, lhes zunisse e besourasse alguns
benefícios aos ouvidos. Algumas casas editoras até publicaram livros para
ajudarem a vender jornais, como alguns jornais de referência chegaram a
vender livros para manterem as tiragens, mas nunca de novos escritores
nem velhos escritores, mas sim dos escritores antigos, falecidos há muito
tempo, e que por não terem que lhes pagar quaisquer direitos autorais,
que os mais deles, à custa de tantas e repetidas edições, se tornaram
clássicos da literatura, embora ninguém os leia, desde que não seja
obrigado pelos programas da unidades curriculares do ensino oficial, se
deles não houver ainda resumo ou sebenta acessível, e os que o fazem, os
considerem uns pincéis custosos de engolir, ou, quando dizem terem
apreciado, é para se vingarem, tentando obrigar os mais novos a passar
pelo mesmo. Porque a literatura não interessa a ninguém, posto que ela
sarrazina as consciências, é uma espécie de gralha (em checo, Kafka) aos
poderes e às gerações, processando-as, denunciando-as, daquilo que
fizeram à vida, e ao planeta, que nos últimos 40 anos, conseguiram
fragilizá-los de tal maneira, destruí-los, mais do que a humanidade o fez,
em 50 000 000 de anos anteriores; porque ela, tem a capacidade, de
alertar sobre o futuro, e desinquietar o presente. Mesmo quando se
debruça (e reflete) em épocas, sucedâncias e relacionamentos do
passado... Põe a nu, logo, sujeito ao ridículo, o homem "português"
através dos tempos. E ele, tal como a língua, ainda não está
suficientemente seguro da sua mais-valia universal. Em 800 anos de
História a melhor história que tem para contar é das descobertas,
azedadas essas pelos efeitos colonizadores, dos quais sente remorsos, e o
impedem de degustar a língua de torna-viagem, tal e qual como faziam ao
vinho que ia mas voltava nas naus. Mostrar ao saloio como é saloio, ao
alentejano como é alentejano, ao alfacinha como é alfacinha, ao tripeiro
como é tripeiro, enfim, ao português como é português, trouxa da
expansão da fé de um Deus que nunca foi dele, é coisa que ele próprio
não quer arriscar ver, preferindo iludir-se na constatação de observar
como os outros povos são e se veem a si mesmos. Porque supõe, talvez
acertadamente, que debaixo dessa lama em que a arte o iria obrigar a
chafurdar, pode realmente haver alguma pepita aurífera, mas traria muita
merda com ela... Muita violação, muito roubo, muita morte, muita
condenação de inocentes. Pelo menos, se atendermos e tirarmos
conclusões, acerca das que existem atualmente, e que todos os dias
preenchem os nossos (tele)jornais.

Digamos que este país não é para velhos nem para novos, porque tem
medo da sua língua, e prefere calá-la, a arriscar, dizendo-se a si e ao
mundo. À sua verdade perante a verdade absoluta e geral. Ontem como
agora, nas bandeirinhas de cá-cará-cá-cá, do invejoso pestanejar ofuscado
pelos impérios da balofa ostentação. E que nos põe a pensar, na sua
História e nos melhores momentos dela, em que só fomos
verdadeiramente grandes e ousados, edificantes, quando fugimos, por
exemplo, dos franceses "revolucionários" e imperiais, nomeadamente
para o Brasil, com rei, corte e restante bagagem aristocrática, para depois
daí nascer um país, esse sim grandioso, multicultural, vanguarda da
globalização, ou quando nos escapulimos do familiar seio da Europa
monárquica, e implantámos a república, incontestável vereda para a
Democracia e Estado Constitucional, que permitiu essa outra fenomenal
fuga, das colónias, favorecendo o aparecimento daqueles que hoje são
países com povos fenomenais, os PALOP.
fongsoi: Perante a concentração da atividade editorial basicamente em
dois grandes grupos, cujo interesse principal e lógico são os lucros dos
seus acionistas, resta aos novos pretendentes a escritor um reduzido
nicho de editoras que obviamente nunca poderão dar vazão ao número
de candidatos que lhes aparecerão a bater à porta. Por outro lado, esta
concentração leva ao aparecimento de gestores de ativos em detrimento
dos editores de génio, que sabiam distinguir uma boa obra e um autor
com potencialidades dos outros. Estou-me a recordar entre eles do
Pacheco e do Nelson Matos, por exemplo. Que apreciação te merece
toda esta situação?
Joaquim Castanho: Não é só a concentração da atividade editorial que
está inoperativa, que não funciona em termos de responder às
necessidades de publicação daquilo que é a produção inédita e literária
portuguesa – é o conceito de escritor. É a atitude do escritor português
face à língua, face à ficção, como igualmente ao seu relacionamento com a
sua obra e aqueles a quem ela é dirigida, os utilizadores finais dela, o
leitor. As editoras, deixaram de poder sustentar através do seu produto
um sem-número de profissionais, desde os intermediários de papel,
livrarias e quiosques, tipógrafos, impressores, compositores, paginadores,
designers de capas, ilustradores, revisores, publicitários, técnicos de
imagem e marketing, gestores de produto, redatores e diretores de
coleção, críticos e colaborados jornalísticos, tradutores e promotores,
mais ou menos anexos à sua atividade, não somente por dificuldades de
mercado e elevados preços que praticavam, mas também porque a ideia
que o público fazia de um escritor, se veio diluir na vulgaridade de uma
mensagem inútil e, a maior parte das vezes, empobrecida, fracassada,
quer no plano financeiro, quer no dos conteúdos.
O escritor, aquele que criava, deixou de ser a locomotiva de uma indústria
próspera, que fomentava e gerava uma série de outros ganha-pão, e
passou a ser criador, redator, compositor, fixador, ilustrador e de capa
pronta, editor e, em alguns casos, até tradutor e divulgador do seu
produto cultural, fazendo com que as editoras preferissem publicar as
suas obras, deveras imperfeitas, quanto à narrativa como quanto ao leque
temático e dos valores veiculados, uma vez que lhe baixariam muito o
preço de custo, logo, aumentando-lhe a margem de lucro. Todavia, o
escritor português, embriagado pela imagem romântica da escrita, deixou-
se ficar para trás, entrando num processo compulsivo de criação,
entregando o fruto da sua desova aos editores e esperando dela, aquele
sucesso e rendimento, que nunca a atividade literária em Portugal deu, e
que apenas as línguas com bastantes prémios Nobel, cujos países fizeram
delas estratégias de desenvolvimento e expansão, tiveram, como o inglês,
o espanhol, o francês e o alemão, e este, ao caso, graças à forte
criatividade judia, que maioritariamente, neste idioma se expressou. O
escritor português nunca levou a sério a sua atividade e tratou sempre de
arranjar maneira de ganhar dinheiro fora dela, isto é, formando-se ou
doutorando-se numa profissão qualquer, fora da sua vocação, por
exemplo medicina (Torga, Namora, Antunes), para depois se dedicar,
quase como hobby, à ficção, passando por meandros políticos, educativos,
tradutivos e jornalísticos nos "entretantos". O escritor português, caiu
naquela apatia típica do não publicam mas também não faz mal, que eu
tenho onde ganhar a vidinha, e o mundo empresarial da edição e mercado
do livro, porque isso lhe facilitava uma maior margem de lucro e manobra,
na angariação de públicos, alimentou o desquilate, na esperança de que o
ambiente literário português se mantivesse assim por largos e bons anos
mais. Porém, esse ambiente foi estrangulado por novas formas e
formatos, outras exigências mercantis e fiduciárias, novas imperiosiodades
globais e cognitivas, enterrando todos os agentes do setor. Os velhos se
publicam não vendem, e os novos nem chegam a publicar-se. E quando o
fazem, se retiradas à sua percentagem dos direito de autor, quando lhe
são pagos, os 5% para a Sociedade Portuguesa de Autores, mais as
parcelas do IRC, IRS e contribuição prà Segurança Social, ficam é com a
ponta de um corno para comerem que, como sabemos, se não tiverem
dentes nunca o roerão, por tão duro ser. Que é exatamente por isso que é
corno, senão até lhe poderíamos chamar toucinho!...
Escritor novo que é português, se quiser vingar terá que fazer como os
velhos, e esses jamais vingaram, e se alguma coisa ganharam com a sua
obra, pouco desfrutaram dela, exceto os seus herdeiros, alguns dos quais,
em vida os escorraçaram e maltrataram, para que "agora" recebam aquela
rendinha contínua dos direitos de autor, pequena é certo, mas é toda só
lucro, visto por ela nada terem feito, nem sequer nela nada terem
investido.
fongsoi: E sobre a proliferação de livros de, ou sobre, figuras mediáticas
em detrimento do aparecimento de novos escritores com real talento?
Joaquim Castanho: As figuras mediáticas são um talento à parte no
capítulo da escrita ficcional. E faz parte da traficância de oportunidades –
que poderei fazer com esta imagem e fama? Se tenho um capital inerente
à minha atividade pública, porque não hei de pô-lo a render? – e
competências, tradicional nos meandros literários portugueses, em que
todos os escritores foram, e são, sempre pessoas que fizeram outras
coisas que não a escrita, mas ficaram, ou estão, tão insatisfeitos com elas
que assim que puderam, tiveram o dinheiro suficiente para se lhe
poderem dedicar, então escreveram sem terem aprendido a fazê-lo, sem
terem passado pelo peneirar do seu estilo, nem lido o suficiente para o
fazerem sem repetir aquilo que outros já terão feito, alguns deles, não
obstante as carências técnicas dos seus tempos, com grande e notável
competência, e meritórios resultados. Enfim, armaram-se em cowboys das
letras disparando para o ar numa ferra de gado, desconhecendo como isso
iria espantá-lo, pô-lo em correria desenfreada, para a qual o pessoal
ganadeiro se veria depois numa fona a sossegar, pôr fim à agitação ou
voltar a reunir, e continuar a marcá-lo como o estipulado ferro para que
fora reunido. Aqueles que gostavam de literatura e tinha já o gosto
apurado, por leitura de muitas obras de qualidade, sentiram-se
defraudados depois de terem lido algumas obras dos suseranos da fama,
por quanto não viram refletidas nelas, a qualidade narrativa suficiente e
necessária para reconhecerem alguém como escritor, salvo o João Aguiar,
e esse, embora jornalista, nunca foi deveras famoso! Ou o Manuel Alegre,
que já seria poeta – ou melhor dizendo, já escrevia poesia – antes de ser
político!
Ora, o que esse fenómeno da evidência narrativa das figuras mediáticas
detonou, não foi só a inviabilização do aparecimento de novos escritores
com real talento, mas igualmente o descrédito sobre toda a literatura, já
de si pelas ruas da amargura, estrafegada e degolada pelas circunstâncias
naturais da língua portuguesa, que nunca foi vista como uma estratégia de
desenvolvimento, pelos políticos e comerciantes da lusofonia, exceção
feita a D. Dinis e alguns príncipes da ínclita geração, uma vez que quando
ao público é dado constatar que ela pode servir tanto para vender penicos
como para reconverter loiras burras em intelectuais, papagaios de génio
em pensadores geniais, então essa arte, que continuo a defender como
suprema entre as maiores, não passa de mais uma chiva charlatã, ou
mentira cuja intenção depende de quem a diz e do contexto histórico em
que se expressa, tal como a definem e interpretam os povos ameríndios.
E se alguns escrevem bem, são esforçados e honestos talentos das letras,
correm o risco de passar por parvos, pois para vender não precisavam de
o fazer com tamanho esmero e primor, ou mesmo fazendo-o ninguém
acredita que tenham sido eles, se calhar talvez os conjugues que lhe
habitam a sombra e cuidam da logística familiar, que não se importam, ou
até preferem, de abdicar do seu tempo, realização e liberdade, desde que
isso seja benéfico para a sua prole. Digamos que os afamados são mais
prejudicados do que prejudicam, quando em vez de comunicar, publicam.
Porque ninguém sério os leva a "sério", e quem os leria, lê qualquer coisa,
pois não o faz para perceber o quer que seja, mas para poder dizer que já
tem e leu. E não dificultam só a ascensão dos novos escritores, matam a
inclusivé a moribunda literatura portuguesa que, trôpega e gasta, vai
vadiando nas valetas da malta europeia...

fongsoi: Em Inglaterra um crítico literário terá enviado uma das obras,


salvo erro, de Emily Bronte, às cinco maiores editoras e todas elas
devolveram as cópias considerando que não possuía valor literário
suficiente, apenas um referiu que a obra lhe recordava vagamente outra
e não a considerava original. Era possível neste panorama, acontecer a
mesma coisa em Portugal? Seria possível enviar à leya ou à porto editora
por exemplo "os meus amores" de trindade coelho e o mesmo não ser
reconhecido?
Joaquim Castanho: É que nem ginjas! Os livros do Trindade Coelho, mas
também de um Carvalhão Duarte, António Patrício, Raul Brandão, Jorge
de Sena, José Rodrigues Migueis, António Sardinha, Mário Beirão; isso
eram tiro e queda. Não há, em Portugal, e provavelmente nem no Brasil
ou nos PALOP, editores que não sejam principalmente empresários, e a
estes, se são exímios no conhecimento tácito nenhum deles o é no
conhecimento explícito. Não lhe reconhecem sequer valor. Além de que
não conhecem outros valores com que os possam comparar. Alguns,
digamos que os mais sensatos de entre eles, seriam capazes de admitir
que não percebem patavina da coisa e endossariam o manuscrito a alguns
"colaboradores", que integram aquilo que substitui o denominado
Conselho Editorial, onde é suposto haver raros, ao caso, que tenham lido
mais que a Bíblia, O Capital, Os Maias e O Equador. Não são propriamente
editores, e ainda bem, mas gestores de informação, capazes de valorizar e
comercializar qualquer documento da mesma forma, incluindo os livros de
ficção. E digo "ainda bem", porque se há muitos livros fabulosos de
escritores talentosos, a quem foi amputada a revelação, bem como uma
carreira nas letras, quem ficou a perder foi Portugal e os seus donos, os
políticos e empresários, a quem a língua e a literatura, podia ser uma
escora de sustentabilidade e rendimento. Ou dito doutra forma: o
desemprego e a iletracia aumentam, a economia enfraquece, e a maior
parte das empresas do setor editorial vão prò penico, o que é muito bem-
feita e só têm aquilo que merecem, pois pela forma e empenho que
manifestaram em destruir a literatura portuguesa e a sua língua, não
merecem outra coisa e, mesmo o pouquinho que têm, usufruem-no sem
qualquer direito a ele. Continuem a beber JB salomónico, a mandar postas
de pescada acerca da falta de interesse e entusiasmo dos novos por isto e
aquilo, mas principalmente pelos vossos obsoletos valores, a blasfemar
que no vosso tempo é que os intelectuais eram criativos, inteligentes e
trabalhasdores, que quem anda na literatura já aprendeu a viver sem vós,
em toda a parte e qualquer recanto da lusofonia. E que a humanidade só
tem a ganhar com aquilo por que se lamentam: a vossa derradeira queda
financeira e de "audiências"
Na palheta com… Joaquim castanho –
2ª parte

fongsoi: Pela minha leitura, obviamente pessoal e polémica, vejo a


tua obra "a carta esquecida e outros contos" como inserindo-se numa
tradição irónica e burlesca, surreal, que apesar de tudo se inscreve
nas vivências populares, num burilar das frases que me faz recordar
mais os trabalhos literários de trindade coelho, branquinho da
Fonseca ou aquilino, do que nas mais modernas tendências
introspetivas e existenciais de uma psicologia mais ligada às elites
intelectuais. Como reages a esta minha observação crítica?

Joaquim Castanho: Aceito, reconheço e subscrevo. É totalmente certa.


Não há nada nos meus textos de ficção, como de poesia, que esteja
(diretamente) relacionado com a verve dos escritores e intelectuais
modernos e contemporâneos portugueses. Fui-lhes sempre alheio por
uma questão de berço e de preço. A minha literatura nasceu da
oralidade popular, quer por via familiar, da minha avó, quer por
observância de linhagem desse escritores que sempre lhe fizeram jus,
como Aquilino, sim, como Branquinho da Fonseca, sim, como Manuel
da Fonseca, pois, como Trindade Coelho, exatamente, cujos contos
minha avó sabia de cor e me contou nos serões das noites frias e longas
de inverno, como de Raul Brandão, obviamente, como Ferreira de
Castro, com a devida vénia, até de Vergílio Ferreira, sem remorsos
nenhuns, mas nunca de Saramago, de Lobo Antunes, de Lídia Jorge, de
Olga Gonçalves, de Vasco Graça Moura, de Agustina Bessa-Luís ou Clara
Pinto Correia. A minha praça está mais perto de Torga do que de Régio,
onde arde o madeiro coletivo da fala ancestral. Está mais prenhe da
mentira lúdica que foi arrancada com o arado do verbo à charneca da
verdade, em que as mangas arregaçadas alqueivaram as leiras de
contrariar os destinos, do que essa pintaiíce de aves do galinheiro
académico e maçónico que engrossam o aviário da intelectualidade
(elitista) portuguesa. E continuo a trazer nos bolsos, tal como um
homem do campo, o relógio, a navalha, o isqueiro, o papel e a caneta,
para assentar a terra e mais tudo aquilo que me vai na alma. E o não
esqueça!

fongsoi: Além da escrita, desenvolves também intensa atividade


política, no Partido "Os Verdes", de Portalegre. Queres esclareceres-
nos sobre as tuas motivações e objetivos dessa prática política?

Joaquim Castanho: Os motivos que sustentam, e justificam, o meu


ativismo político são simples e sucintos: defendo um projeto de
sociedade assente nos postulados da ecologia, das relações dos seres
vivos com ambiente e destes entre si, consciente, responsável e
emancipada, isto é, que seja responsável pelos seus dependentes,
crianças, velhos, fracos, pobres, doentes, espécies em risco e recursos
naturais; consciente do seu papel nas condições de vida local, regional,
nacional e planetária, e forma como pode contribuir para a
estabilização das condições de vida na Terra ; e emancipada, porque
capaz de gerir, criar e distribuir todo o rendimento, conhecimento e
riqueza suficientes e necessárias à sua sustentabilidade, bem como à
satisfação plena das necessidades sociais, entendidas como educação,
ensino superior, saúde, investigação e inovação, habitação, ambiente,
trabalho, justiça, segurança social, cultura, desporto, soberania,
território, segurança ou ordem pública e administração. E a militância
no PEV pareceu-me ser um passo importante nesse sentido, embora
reconheça que é uma corrente ecologista mas devagarinho, que não se
incomoda nada em sacrificar os seus ideais ao agendamento dos
interesses maquiavélicos de outras forças políticas, desde que possa
manter a ilusão que pugna por esse paradigma de sociedade, e por cujo
andamento, nessa direção nunca a ela se chegará (minimamente) nesta,
nem na próxima, nem na seguinte geração.

fongsoi: O que dizes quando ouves o partido ser acusado de não ser
mais que um satélite do PCP?

Joaquim Castanho: Bom... Quando se diz de uma parede que é branca


por estar caiada ou pintada de branco, não se está a acusá-la de
brancura. Está-se a enunciar um facto constatável. Ora, aquilo que as
pessoas dizem acerca do PEV ser um satélite do PCP é por demais
evidente, para se poder contornar a questão com desculpas e paninhos
quentes. Sobretudo porque o PEV não fez ainda nada para minorizar
essa confusão, e tem andado embalado pela fabulação do valem mais
dois deputados na Assembleia do que um grupo parlamentar a "voar". A
CDU foi um mau negócio para o PEV, como anteriormente o foi para o
MDP/CDE, que eram muito melhores, individualmente, como no
projeto de sociedade e linhas gerais, incluindo os planos discursivo,
estratégico e sensatez racional, e o PCP enquanto não lhes acabou com
o pio não descansou, através dos mecanismos, cópia e exercício,
daquilo que era, sobejamente conhecido, como o corporativismo
salazarista em versão marxista/revisionista. Quando fui convocado pelo
PEV para integrar, aqui, em Portalegre, a lista da CDU para as eleições
autárquicas, fui abordado pelo cabeça de lista, Luís Pargana, que me
disse sentir-se congratulado por fazer eu pertencer à sua lista. Por eu
fazer parte da sua corporação. A lista não era da CDU, era dele. E a
título nacional, aquilo que acontece, é o mesmo. A CDU não é o PEV
mais o PCP: é uma artimanha do PCP para ir buscar os votos dos
ecologistas. E quando os ecologistas protagonizam alguma ação política,
rendosa, gratificante, então ela passa a ser identificada como uma ação
da CDU; mas se essa ação é iniciativa da CDU, então ela passa a ser
automaticamente identificada como sendo (apenas) do PCP. É o 1+1=1
dos casamentos antigos, apadrinhados pela igreja e esclavagismo, em
que um dos cônjuges perdia o nome, identidade, dignidade,
personalidade, autonomia e autodeterminação, em função do outro,
não por qualquer razão especial, mas apenas pelo "porque sim" da
tradição. E, enquanto continuar ligado ao PCP, quem vai lucrar com isso
é o Bloco de Esquerda, o movimento do Manuel (Alegre), o PS e o PCP,
não só porque permite que eles lhe ocupem o espaço político, como
exige de qualquer eleitor, com preocupações ambientais, cívicas,
sociais, conservação da natureza, biodiversidade, culturais e de
sustentabilidade económica, territorial, urbana e paisagística, que
votem num partido que sempre fez letra morta dessas preocupações;
ou seja, que engula quem muito contribuiu para a degradação do
ecossistema e do planeta, a fim de se poder pronunciar ou fazer alguma
coisa por eles – digo, planeta e ambiente.

Dito de outra forma: se o PEV é acusado de ser um satélite do PCP, isso


é um exagero muito grande, pois para que o PEV possa girar à volta de
outro partido, é preciso que esse partido tenha movimento, energia e
atividade (luz) própria, suficiente para garantir uma força centrípeta
que o mantenha dentro da órbita, o que não é o caso de um partido
obsoleto, envelhecido, viciado, corporativista, primário, em que as
pessoas têm que comprar os seus lugares nas listas, se querem ser
colocadas nelas em lugares elegíveis, como é o caso do PCP, sobretudo
desde que perdeu o benefício da dúvida que lhe emprestava a guerra
fria, declaradamente finda com a queda do Muro de Berlim. Quanto
muito pode ser acusado, isso sim, de side car de uma mota de museu,
ou estátua de mota, modelo pós-guerra, cesto de mão de um partido
sem soluções para o presente, sem estratégias para o futuro, com
desvantagens do passado e a quem, por único alimento ideológico, lhe
basta a saudade da resistência antifascista, da luta clandestina e
algumas manifestações bem organizadas ou mobilizadoras de massas.

Muita gente me tem dito que pensa verde, que defende a conservação
da natureza e da biodiversidade, a qualidade de vida e do ambiente, a
sustentabilidade e gestão consciente dos recursos não renováveis, as
energias alternativas e a reciclagem dos resíduos, a agricultura
biológica, a cidadania participativa e a cidade para todos, em
condições de transportes públicos e mobilidade geral, contesta a
arrogância institucional, os organismos geneticamente modificados, a
poluição atmosférica, sonora, fluvial, oceânica, as culturas intensivas, a
dependência energética petrolífera, a desigualdade e as assimetrias
económicas, sociais, regionais, cognitivas e culturais, que têm sido
alimentadas e reforçadas pelo establishement, e que estão dispostas a
contribuir politicamente para a melhoria das condições de vida nas
suas localidades como no planeta, mas que o não podem fazer, porque
lhes é exigido que se prostituam e se traiam, votando igualmente
numa estirpe ideológica que se pauta em não olhar os meios para
atingir os fins, ou que quer usar o seu voto como arma de arremesso
contra inimigos que não são seus, mas dessa corporação de interesses
pessoais congregados como partido. Logo, se as pessoas dizem que o
PEV é um satélite do PCP, é porque o PEV nunca marcou nas urnas
essa diferença e se deixou comodamente andar a reboque, abdicando
da sua responsabilidade política, maturidade e consciência cívica, o
que lhes dá, embora muito eufemisticamente, toda a razão, pois em
democracia o algodão não engana. E a esse algodão, chamam-se urnas
eleitorais! (Ainda...)

fongsoi: Sabendo que não tens papas na língua, como a Beatriz Costa,
permite-me esta provocação: nas reuniões e congressos não há umas
pessoas que levam a papinha feita e depois é levantar o braço,
aprovar e vamos andando?

Joaquim Castanho: E eu poderia responder com outra provocação do


tipo: "claro, isso fazem-no todos." Todavia, e porque desejo que tal se
altere, pois se não se alterar eu terei que sair fora dele, direi que,
embora a maior parte das reuniões e "congressos", que no caso do PEV
são denominadas de Convenções, se façam na modalidade PC de piscar
para a esquerda e cortar para a direita, onde as moções são sempre
aprovadas por unanimidade e as agendas de trabalhos nunca são
acordadas previamente, e a Comissão Nacional ou a Direção depois de
as fazerem, as modificam, conforme melhor jeito lhes dá, eu creio que
esse procedimento em breve será corrigido, tendo em vista a
consolidação, crescimento e estabilização dos coletivos locais e bases
de militância ecologistas, não só porque as novas tecnologias da
comunicação o permitem, mas também porque há dentro do partido
muita gente disposta a fazer dele um partido, não só de leque temático
e discursivo diferente, mas que marca pela diferença e é deveras
diferente dos demais do espectro político nacional, como na tipologia e
ética dos militantes.

fongsoi: Para não nos alongarmos mais e não aborrecer os


impossíveis leitores, além do que o nº 10 é um número redondo e
que fica sempre bem, gostaria que fizesses uma projeção sobre as
perspetivas para o futuro próximo quer na área literária bem como
na área política.

Joaquim Castanho: O status quo português não pode manter-se tal e


qual como está durante muito mais tempo, pese embora a resistência
e obtusidade de algumas camadas da população, nomeadamente
intelectuais, quadros e gestores da coisa pública, que ainda
concentram as suas atividades na defesa dos interesses particulares e
corporativistas, em vez de pugnar pelo desenvolvimento estratégico
português, com vista a alcançar os níveis económicos e de qualidade de
vida da vanguarda europeia, que são também os países que
demonstram melhor consciência planetária e garantida
sustentabilidade. Neles, a literatura como a língua, há muito que
deixou de ser uma afetada chatice com que se torturam criancinhas e
analfabetos, mas sim uma imprescindível e preciosa maneira de
contribuir para cimentar a identidade nacional, esclarecer as relações
pessoais e interpessoais, definir a pegada cultural de um povo bem
como uma atividade de elevado valor acrescentado para o produto
interno bruto. Elevado e estratégico. E aquilo que nos foi facultativo,
iniciar a mudança por vontade e iniciativa própria, uma vez que não o
quisemos fazer voluntariamente, vamos ter que o levar por diante pela
razão do tem-que-ser, que é única forma de agir para quem gosta de
pagar com o corpinho (nacional) a fatura da modernidade. À
bipolarização política que está de pantanas, por caquética, suceder-se-
á o pluripartidarismo responsável, participado e informado, pois se
assim não for, passaremos a ser o bombo da Europa, como aliás já
somos, sempre que é preciso recorrer pedagogicamente a algum
exemplo do que se não deve fazer para cumprir os critérios de
convergência ou executar as políticas comunitárias. Digamos que só há
duas maneiras eficazes de abrir os olhos, ao jeito ou à força, e como
não há maneira de lhe tomarmos o jeito a vida se encarregará de nos
arrear as cachadas, convictas e suficientes, para entrarmos nos eixos.
Que de berlaitada aqui, berlaitada ali, se constróem os futuros, mesmo
os menos promissores! (E muita cautela com as estranhações...)

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