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[2009]
[ J A I M E . C R E S P O . 2 01 1 1 @ G M A I L . C O M ]
Na palheta com… Joaquim castanho –
1ª parte
Digamos que este país não é para velhos nem para novos, porque tem
medo da sua língua, e prefere calá-la, a arriscar, dizendo-se a si e ao
mundo. À sua verdade perante a verdade absoluta e geral. Ontem como
agora, nas bandeirinhas de cá-cará-cá-cá, do invejoso pestanejar ofuscado
pelos impérios da balofa ostentação. E que nos põe a pensar, na sua
História e nos melhores momentos dela, em que só fomos
verdadeiramente grandes e ousados, edificantes, quando fugimos, por
exemplo, dos franceses "revolucionários" e imperiais, nomeadamente
para o Brasil, com rei, corte e restante bagagem aristocrática, para depois
daí nascer um país, esse sim grandioso, multicultural, vanguarda da
globalização, ou quando nos escapulimos do familiar seio da Europa
monárquica, e implantámos a república, incontestável vereda para a
Democracia e Estado Constitucional, que permitiu essa outra fenomenal
fuga, das colónias, favorecendo o aparecimento daqueles que hoje são
países com povos fenomenais, os PALOP.
fongsoi: Perante a concentração da atividade editorial basicamente em
dois grandes grupos, cujo interesse principal e lógico são os lucros dos
seus acionistas, resta aos novos pretendentes a escritor um reduzido
nicho de editoras que obviamente nunca poderão dar vazão ao número
de candidatos que lhes aparecerão a bater à porta. Por outro lado, esta
concentração leva ao aparecimento de gestores de ativos em detrimento
dos editores de génio, que sabiam distinguir uma boa obra e um autor
com potencialidades dos outros. Estou-me a recordar entre eles do
Pacheco e do Nelson Matos, por exemplo. Que apreciação te merece
toda esta situação?
Joaquim Castanho: Não é só a concentração da atividade editorial que
está inoperativa, que não funciona em termos de responder às
necessidades de publicação daquilo que é a produção inédita e literária
portuguesa – é o conceito de escritor. É a atitude do escritor português
face à língua, face à ficção, como igualmente ao seu relacionamento com a
sua obra e aqueles a quem ela é dirigida, os utilizadores finais dela, o
leitor. As editoras, deixaram de poder sustentar através do seu produto
um sem-número de profissionais, desde os intermediários de papel,
livrarias e quiosques, tipógrafos, impressores, compositores, paginadores,
designers de capas, ilustradores, revisores, publicitários, técnicos de
imagem e marketing, gestores de produto, redatores e diretores de
coleção, críticos e colaborados jornalísticos, tradutores e promotores,
mais ou menos anexos à sua atividade, não somente por dificuldades de
mercado e elevados preços que praticavam, mas também porque a ideia
que o público fazia de um escritor, se veio diluir na vulgaridade de uma
mensagem inútil e, a maior parte das vezes, empobrecida, fracassada,
quer no plano financeiro, quer no dos conteúdos.
O escritor, aquele que criava, deixou de ser a locomotiva de uma indústria
próspera, que fomentava e gerava uma série de outros ganha-pão, e
passou a ser criador, redator, compositor, fixador, ilustrador e de capa
pronta, editor e, em alguns casos, até tradutor e divulgador do seu
produto cultural, fazendo com que as editoras preferissem publicar as
suas obras, deveras imperfeitas, quanto à narrativa como quanto ao leque
temático e dos valores veiculados, uma vez que lhe baixariam muito o
preço de custo, logo, aumentando-lhe a margem de lucro. Todavia, o
escritor português, embriagado pela imagem romântica da escrita, deixou-
se ficar para trás, entrando num processo compulsivo de criação,
entregando o fruto da sua desova aos editores e esperando dela, aquele
sucesso e rendimento, que nunca a atividade literária em Portugal deu, e
que apenas as línguas com bastantes prémios Nobel, cujos países fizeram
delas estratégias de desenvolvimento e expansão, tiveram, como o inglês,
o espanhol, o francês e o alemão, e este, ao caso, graças à forte
criatividade judia, que maioritariamente, neste idioma se expressou. O
escritor português nunca levou a sério a sua atividade e tratou sempre de
arranjar maneira de ganhar dinheiro fora dela, isto é, formando-se ou
doutorando-se numa profissão qualquer, fora da sua vocação, por
exemplo medicina (Torga, Namora, Antunes), para depois se dedicar,
quase como hobby, à ficção, passando por meandros políticos, educativos,
tradutivos e jornalísticos nos "entretantos". O escritor português, caiu
naquela apatia típica do não publicam mas também não faz mal, que eu
tenho onde ganhar a vidinha, e o mundo empresarial da edição e mercado
do livro, porque isso lhe facilitava uma maior margem de lucro e manobra,
na angariação de públicos, alimentou o desquilate, na esperança de que o
ambiente literário português se mantivesse assim por largos e bons anos
mais. Porém, esse ambiente foi estrangulado por novas formas e
formatos, outras exigências mercantis e fiduciárias, novas imperiosiodades
globais e cognitivas, enterrando todos os agentes do setor. Os velhos se
publicam não vendem, e os novos nem chegam a publicar-se. E quando o
fazem, se retiradas à sua percentagem dos direito de autor, quando lhe
são pagos, os 5% para a Sociedade Portuguesa de Autores, mais as
parcelas do IRC, IRS e contribuição prà Segurança Social, ficam é com a
ponta de um corno para comerem que, como sabemos, se não tiverem
dentes nunca o roerão, por tão duro ser. Que é exatamente por isso que é
corno, senão até lhe poderíamos chamar toucinho!...
Escritor novo que é português, se quiser vingar terá que fazer como os
velhos, e esses jamais vingaram, e se alguma coisa ganharam com a sua
obra, pouco desfrutaram dela, exceto os seus herdeiros, alguns dos quais,
em vida os escorraçaram e maltrataram, para que "agora" recebam aquela
rendinha contínua dos direitos de autor, pequena é certo, mas é toda só
lucro, visto por ela nada terem feito, nem sequer nela nada terem
investido.
fongsoi: E sobre a proliferação de livros de, ou sobre, figuras mediáticas
em detrimento do aparecimento de novos escritores com real talento?
Joaquim Castanho: As figuras mediáticas são um talento à parte no
capítulo da escrita ficcional. E faz parte da traficância de oportunidades –
que poderei fazer com esta imagem e fama? Se tenho um capital inerente
à minha atividade pública, porque não hei de pô-lo a render? – e
competências, tradicional nos meandros literários portugueses, em que
todos os escritores foram, e são, sempre pessoas que fizeram outras
coisas que não a escrita, mas ficaram, ou estão, tão insatisfeitos com elas
que assim que puderam, tiveram o dinheiro suficiente para se lhe
poderem dedicar, então escreveram sem terem aprendido a fazê-lo, sem
terem passado pelo peneirar do seu estilo, nem lido o suficiente para o
fazerem sem repetir aquilo que outros já terão feito, alguns deles, não
obstante as carências técnicas dos seus tempos, com grande e notável
competência, e meritórios resultados. Enfim, armaram-se em cowboys das
letras disparando para o ar numa ferra de gado, desconhecendo como isso
iria espantá-lo, pô-lo em correria desenfreada, para a qual o pessoal
ganadeiro se veria depois numa fona a sossegar, pôr fim à agitação ou
voltar a reunir, e continuar a marcá-lo como o estipulado ferro para que
fora reunido. Aqueles que gostavam de literatura e tinha já o gosto
apurado, por leitura de muitas obras de qualidade, sentiram-se
defraudados depois de terem lido algumas obras dos suseranos da fama,
por quanto não viram refletidas nelas, a qualidade narrativa suficiente e
necessária para reconhecerem alguém como escritor, salvo o João Aguiar,
e esse, embora jornalista, nunca foi deveras famoso! Ou o Manuel Alegre,
que já seria poeta – ou melhor dizendo, já escrevia poesia – antes de ser
político!
Ora, o que esse fenómeno da evidência narrativa das figuras mediáticas
detonou, não foi só a inviabilização do aparecimento de novos escritores
com real talento, mas igualmente o descrédito sobre toda a literatura, já
de si pelas ruas da amargura, estrafegada e degolada pelas circunstâncias
naturais da língua portuguesa, que nunca foi vista como uma estratégia de
desenvolvimento, pelos políticos e comerciantes da lusofonia, exceção
feita a D. Dinis e alguns príncipes da ínclita geração, uma vez que quando
ao público é dado constatar que ela pode servir tanto para vender penicos
como para reconverter loiras burras em intelectuais, papagaios de génio
em pensadores geniais, então essa arte, que continuo a defender como
suprema entre as maiores, não passa de mais uma chiva charlatã, ou
mentira cuja intenção depende de quem a diz e do contexto histórico em
que se expressa, tal como a definem e interpretam os povos ameríndios.
E se alguns escrevem bem, são esforçados e honestos talentos das letras,
correm o risco de passar por parvos, pois para vender não precisavam de
o fazer com tamanho esmero e primor, ou mesmo fazendo-o ninguém
acredita que tenham sido eles, se calhar talvez os conjugues que lhe
habitam a sombra e cuidam da logística familiar, que não se importam, ou
até preferem, de abdicar do seu tempo, realização e liberdade, desde que
isso seja benéfico para a sua prole. Digamos que os afamados são mais
prejudicados do que prejudicam, quando em vez de comunicar, publicam.
Porque ninguém sério os leva a "sério", e quem os leria, lê qualquer coisa,
pois não o faz para perceber o quer que seja, mas para poder dizer que já
tem e leu. E não dificultam só a ascensão dos novos escritores, matam a
inclusivé a moribunda literatura portuguesa que, trôpega e gasta, vai
vadiando nas valetas da malta europeia...
fongsoi: O que dizes quando ouves o partido ser acusado de não ser
mais que um satélite do PCP?
Muita gente me tem dito que pensa verde, que defende a conservação
da natureza e da biodiversidade, a qualidade de vida e do ambiente, a
sustentabilidade e gestão consciente dos recursos não renováveis, as
energias alternativas e a reciclagem dos resíduos, a agricultura
biológica, a cidadania participativa e a cidade para todos, em
condições de transportes públicos e mobilidade geral, contesta a
arrogância institucional, os organismos geneticamente modificados, a
poluição atmosférica, sonora, fluvial, oceânica, as culturas intensivas, a
dependência energética petrolífera, a desigualdade e as assimetrias
económicas, sociais, regionais, cognitivas e culturais, que têm sido
alimentadas e reforçadas pelo establishement, e que estão dispostas a
contribuir politicamente para a melhoria das condições de vida nas
suas localidades como no planeta, mas que o não podem fazer, porque
lhes é exigido que se prostituam e se traiam, votando igualmente
numa estirpe ideológica que se pauta em não olhar os meios para
atingir os fins, ou que quer usar o seu voto como arma de arremesso
contra inimigos que não são seus, mas dessa corporação de interesses
pessoais congregados como partido. Logo, se as pessoas dizem que o
PEV é um satélite do PCP, é porque o PEV nunca marcou nas urnas
essa diferença e se deixou comodamente andar a reboque, abdicando
da sua responsabilidade política, maturidade e consciência cívica, o
que lhes dá, embora muito eufemisticamente, toda a razão, pois em
democracia o algodão não engana. E a esse algodão, chamam-se urnas
eleitorais! (Ainda...)
fongsoi: Sabendo que não tens papas na língua, como a Beatriz Costa,
permite-me esta provocação: nas reuniões e congressos não há umas
pessoas que levam a papinha feita e depois é levantar o braço,
aprovar e vamos andando?