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CARACTERIZAÇÃO E CONTAGEM DIFERENCIAL DE CÉLULAS DA SÉRIE

BRANCA EM Astyanax altiparanae

Flávia Regina Moraes da Silva; Alessandra Paim Berti*;


Maria Aparecida Martins Alves e Yzel Rondon Súarez

*Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Dourados, MS.


E-mail: alessandrabiologa@hotmail.com

Resumo

Este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de obter definições relacionadas à


contagem diferencial da série branca como instrumento de análise das condições fisiológicas e
indicativo das condições ambientais, através do estudo hematológico em Astyanax
altiparanae. Foram coletadas 75 amostras de sangue em dois períodos (verão e inverno) de
dois locais distintos, considerando as possíveis influências das condições climáticas. As
mesmas foram fixadas em lâminas, coradas e analisadas através de microscopia óptica, com
objetiva de imersão. No ambiente natural, verificou-se uma elevação no número de
monócitos, seguido por basófilos, indicando condição de estresse ambiental, devido a
variações climáticas, dentre outros fatores ambientais, o que estimula respostas fisiológicas no
animal. O baixo valor das células da série branca para a maioria dos indivíduos sob cultivo
principalmente no período do verão, demonstrou uma boa condição de sanidade dos
organismos, tendo em vista que não houve queda de temperatura. Entretanto, os resultados
apresentaram o componente celular da série branca que geralmente é encontrado em Astyanax
altiparanae, tanto em condições de cultivo, como em condições naturais nos dois períodos
analisados.
Introdução

Segundo Godinho (1999), na década de 70 houve uma grande preocupação quanto à


ampliação dos conhecimentos sobre os ambientes aquáticos e as espécies que neles vivem,
direcionando as pesquisas para esta área de conhecimento, principalmente aos voltados á
criação de organismos aquáticos considerando sua importância socioeconômica.

Para se verificar quais as condições mais propícias para o cultivo da espécie que se
pretende criar, torna-se necessária a ampliação dos conhecimentos relacionados à biologia
destes animais e como estes respondem a diversas alterações ambientais e métodos de manejo
(Baldisseroto, 2002).

No setor de produção aqüícola nacional, a produção de peixes de água doce é a única


atualmente presente em quase todo o território nacional, representando quase 80% do total da
produção em aqüicultura. A principal preocupação do setor está relacionada à qualidade da
água dos ambientes de cultivo, cujas condições apresentam relações diretas com as
características fisiológicas e sanitárias desses animais, portanto, o foco atual da produção é o
cultivo das espécies em condições de manejo economicamente sustentável que garanta
melhores condições sanitárias para as espécies cultivadas, sendo também preocupação do
setor os impactos ambientais em função do uso do solo, dos recursos hídricos bem como dos
efluentes gerados na produção (Roubach et al. 2003).

Nos últimos anos observou-se o aumento do interesse econômico sobre a espécie


Astyanax altiparanae, a qual é bastante comum nos cursos d’água no entorno do Município
de Dourados, MS (Oliveira & Duarte, 2003). Sendo assim, apresenta-se a necessidade de
obtenção de informações sobre a biologia básica da mesma.

Desta forma, o conhecimento das características hematológicas é de fundamental


importância como critério de avaliação das condições fisiológicas e das relações das mesmas
com o ambiente, em qualquer grupo animal, portanto, faz-se necessário um estudo
hematológico para obtenção de definições relacionadas à contagem diferencial da série branca
como instrumento de análise das condições fisiológico e indicativo das condições ambientais.
Este trabalho teve como objetivo a determinação dos valores de referência para a série branca
em Astyanax altiparanae.

Material e Métodos:

Foram coletadas 75 amostras de sangue dos animais Astyanax altiparanae em dois


períodos, sendo 25 coletadas nos tanques da UEMS, sob condição de cultivo no verão, 25 no
ambiente natural, no córrego Curral de Arame do Município de Dourados, realizada no
inverno e 25 novamente no tanque sob cultivo, no inverno, considerando as possíveis
influências das condições climáticas.
As amostras sanguíneas foram coletadas através de punção da veia caudal,
empregando-se seringas e agulhas para insulina previamente heparinizadas. Foram coletadas
amostras de cerca de 0,5 ml de sangue por animal (Grassi, 1996).

A confecção das lâminas foi efetuada através do processo de esfregaço de sangue,


sendo preparado imediatamente após a colheita, secos a temperatura ambiente. Para a
coloração utilizou-se o corante de Leishman.

A contagem diferencial de leucócitos segue a metodologia descrita em Ranzani &


Paiva (1981), realizada através de microscopia óptica, com objetiva de imersão. Foram
contados todos os elementos da série branca. O termo diferencial neste contexto refere-se a
diferenças percentuais por tipo de célula.

Resultados e Discussão:

Em relação às células da série branca de Astyanax altiperanae, foi possível a


identificação de diferentes tipos como: monócitos, neutrófilos, basófilos, trombócitos,
linfócitos, eosinófilos e macrófagos. A nomenclatura aplicada baseia-se nos aspectos
morfológicos do núcleo e da disposição granular do citoplasma de acordo com Tavares Dias
et al. (2002) & Roberts (1981).

Os valores médios dos componentes da série branca encontrada em Astyanax


altiparanae estão representados na Figura 1. Já a tabela 1 apresenta os resultados da análise
de variância dos componentes celulares para esta espécie.
60

50

40 Sob cultivo (verão)


30 Ambiente natural(inverno)

20 Sob cultivo (inverno)

10

0
s

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Figura 1. Representação dos valores médios dos componentes da série branca encontrada em
Astyanax altiparanae, levando em conta a condição de cultivo (verão), natural (inverno) e cultivo
(inverno), 2006.

Tabela 1. Representação dos resultados da análise de variância dos componentes celulares de


Astyanax altiparanae, levando em conta a condição de cultivo (verão), natural (inverno) e
cultivo (inverno), 2006.

Ambiente natural Sob cultivo


Tipos celulares Sob cultivo (verão)
(inverno) (inverno)
Monócitos 30,76 49,88 31,76
Neutrófilos 8 12,07 10,31
Basófilos 13,68 19,3 10,18
Trombócitros 2,75 3,5 2
Linfócitos 4,66 3,8 3,2
Eosinófilos 9 10,5 12
Macrófagos 1 2,5 2,5
Desvio Padrão 10,09616169 16,71416038 10,35674406

A descrição das características das células da série branca em peixes de água doce
pode fornecer subsídios importantes para o diagnóstico e prognóstico das condições mórbidas
em populações de peixes e, contribuir para a compreensão da fisiologia comparativa, relação
filogenética, condições alimentares e outros parâmetros ecológicos. Apesar de muitos dos
resultados obtidos apresentarem dados conflitantes á nomenclatura dos componentes da série
branca, considerando as espécies nativas do Brasil, em peixes parece haver grande dificuldade
na aplicação da classificação usual dos leucócitos aplicada á mamíferos (Tavares-Dias &
Mataqueiro, 2004; Dhutie, 1939 apud Ranzani-Paiva, 1981).

Neste estudo observou-se baixa quantidade de macrófagos, trombócitos e linfócitos


em relação aos demais tipos celulares, tanto em condições de cultivo como em ambiente
natural nos dois períodos verão e inverno. Pode-se sugerir que boa parte dos peixes não está
sujeita a quadros infecciosos e nem de hemorragia, considerando baixos valores para
macrófagos linfócitos e trombócitos.

Segundo Ranzani-Paiva (2003) os monócitos são precursores dos macrófagos nas


ações fagocitárias, agindo diretamente na fagocitose de bactérias e vírus, correntes na
circulação, e apresenta grande velocidade de migração para regiões inflamadas. Sendo assim
o número de macrófagos neste estudo deveria ser ao menos similar ao de monócitos, portanto
isso não ocorre considerando a presença de macrófagos individualizada da presença de
monócitos.

Os linfócitos ou células imunocompetentes conforme Ueda et al. (2003) e Roberts


(1981) são responsáveis pela resposta imunitária em peixes, bem como nos demais
vertebrados. Já os trombócitos em peixes teleósteos são células multifuncionais que estão
envolvidas na liberação de eicosanoides no processo de coagulação sanguínea, argumento
relatado por Lloyd-Evans et al. (1994), contudo Tavares-Dias et al. (2002) descreve que os
trombócitos participam na defesa orgânica, pois embora não sejam células consideradas de
linhagem leucocitária, também realizam fagocitose.

Foi observada alta quantidade de monócitos, seguidos por basófilos e neutrófilos nos
dois períodos e nos dois ambientes, principalmente no ambiente natural (inverno). Os
monócitos apresentaram-se sempre comum nas lâminas analisadas, podendo inferir que estas
células são predominantes dessa espécie, a elevação desta e das demais células no ambiente
natural (inverno), pode ser conseqüência das diferentes condições ambientais, pois se trata de
localidades distintas, com características de água também distintas, sendo o ambiente natural
heterogêneo e ambiente de cultivo homogêneo, levando em conta a queda da temperatura, no
inverno. Assim os peixes respondem fisiologicamente às alterações ambientais como forma
de adaptação á esse ambiente, considerando que indivíduos de tamanhos diferentes liberam
energia em quantidades também diversa de acordo com seu tamanho corporal, podendo
interferir no seu quadro hematológico (Tavares-Dias & Moraes, 2004).

As variações intra-específicas são influenciadas por características próprias de cada


indivíduo, relacionadas ao caráter migratório dos leucócitos entre a circulação e os órgãos
leucopoéticos (rim e baço), em resposta aos estímulos ambientais que cada indivíduo está
sujeito (Ranzani-Paiva et al., 1998/1999).

Ribeiro (1978) considera que os neutrófilos são responsáveis pela “limpeza” de


regiões afetadas por infecções ou necroses, assim como os macrófagos. Entretanto, Roberts
(1981) indica que a liberação dos neutrófilos seja em função de atividade adeno-hipofisiaria,
refletindo uma série de fatores, apresentando função similar a observada em mamíferos.

Sobre os basófilos e eosinófilos Ueda et al. (2001), não há na literatura a conclusão


para as suas respectivas funções, acredita-se que eosinófilos tenha alto poder fagocitário e
estão geralmente aglomerados em regiões inflamadas ou parasitadas. Roberts (1981)
corrobora com esta afirmação a respeito da função do eosinófilo e, associa o basófilo a
quadros de estresse.

Sugere-se que para A. altiparanae a presença de basófilos pode estar realmente


relacionada ao quadro de estresse, observando que os indivíduos que apresentaram maior
índice deste componente celular, foram coletados no período de inverno e no ambiente
natural, tendo em vista a queda da temperatura, escassez de itens alimentares, dentre outros
fatores que desencadeie quadros de estresse em peixe.

A contagem diferencial da série branca tem sido usada para detecção de grande
quantidade de doenças de peixe, pois em alterações na aparência e freqüência de normal
distribuição de uma determinada células podem, em muitos casos, revelar um quadro
patológico específico (Ranzani-Paiva, 1981).
Contudo há grande dificuldade de comparação dos componentes celulares, pois vários
autores descrevem os mesmos componentes com nomenclaturas distintas, como por exemplo,
o basófilo que autores como Tavares-Dias et al. (2002) e Ranzani-Paiva et al. (2003),
denominam como células granulocíticas especiais.

Pouco se conhece até o presente momento sobre a origem e o desenvolvimento dos


leucócitos nos peixes, embora algumas idéias vêm sendo propostas desde o inicio do século.
Os dados obtidos dos estudos se hematologia e/ou órgãos hematopoéticos são ainda poucos
conclusivos (Tavares-Dias et al., 2002; Tavares-Dias & Moraes, 2004).

Conclusão

Os resultados do presente estudo comprovam em Astyanax altiparanae, o componente


celular da série branca que geralmente sempre é encontrado nas amostras de sangue de peixes,
tanto em condições de cultivo, como em condições naturais nos dois períodos, verão e
inverno.

O monócito, seguido por basófilos, verificando uma elevação no número destas


células em ambiente natural, nos quais indica condição de estresse ambiental, devido a
variações climáticas, dentre outros fatores ambientais que variam muito de forma que
estimula uma resposta fisiológica no animal.

O baixo valor das células da série branca para a maioria dos indivíduos sob cultivo
principalmente no período do verão, indica uma boa condição de saúde dos organismos, pois
não houve queda de temperatura.

As oscilações ambientais no sistema fechado são bem menores, sendo um ambiente


homogêneo e com muitos itens alimentares, proporcionados pelas algas, aguapés e certos
insetos aquáticos presentes no tanque.

Para uma maior compreensão do comportamento dos componentes celulares do


sangue se faz necessário o desenvolvimento de outros estudos, principalmente para maiores
definições dos macrófagos como conseqüência da maturação de monócitos em Astyanax
altiparanae.

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