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TRÊS MOMENTOS DO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO (1822-1929):

RAÇA, CULTURA E NAÇÃO

Mauro José do Nascimento Pitanga

Resumo:
Este trabalho se propôs a analisar a evolução do pensamento brasileiro em três momentos
importantes da história do país. Quando o futuro do povo brasileiro como nação estava sendo
discutido na passagem da monarquia para a república. A sua cor estava sendo colocada à
prova, seus traços físicos, sua estatura, sua localização geográfica, sua origem. Essas
características nesse período histórico foram determinantes para o nosso futuro como nação.
Nos primeiros anos após a Primeira Guerra Mundial, o povo brasileiro parece que surgiu das
cinzas, através da escrita dos novos intelectuais, e também de suas próprias manifestações na
medida em que ocorreu uma politização das massas, devido ao crescimento urbano e a
industrialização. Na década de 20 os intelectuais e artistas acirraram os debates no sentido de
se reproduzir cultura nacional: a literatura, a música, a dança, a comida, a alegria, a cultura, as
festas, o folclore, a linguagem. Essa irradiação nacionalista, partindo principalmente da
capital e também de São Paulo foi decisiva para a formação da nossa identidade nacional até a
década de 20 do século passado.

Palavras-chaves: Racismo; Discussões Étnicas; Cultura Brasileira, Nacionalismo;


Construção da identidade nacional.

Abstract:

This work intended to analyze the evolution of the Brazilian thought in three important
moments of the history of the country. When the future of the Brazilian people as nation was
being discussed. In the passage of the monarchy to republishes, your color was being placed
to the proof, your physical lines, your stature, your geographical location, your origin. Those
characteristics in that historical period went decisive for our future as nation. The first years
after First World War, the Brazilian people seem that it appeared of the ashes, through the
new intellectuals' writing, and also of your own manifestations in the measure in that
happened one it politicizes of the masses, mainly due to the urban growth and the
industrialization. In the decade of 20th the intellectuals and artists went fundamental for the
incentive of the discussions in the sense of reproducing national culture. Valuing what had of
better: the literature, the music, the dance, the food, the happiness, the culture, the parties, the
folklore, the language, etc. that nationalist irradiation, leaving mainly of the capital and also
of São Paulo, it was decisive for the formation of our national identity to the decade of 20th.
Even Brazil being of such extensive continental dimensions and your such varied and rich
cultural wealth.

Keys-word: Racism; Ethnic discussions; Brazilian culture, Nationalism; Construction of


the national identity.


Professor de História em Manaus / AM
Cinco anos após a independência do Brasil – 1827 -, já se aventavam discussões
sobre o fim da escravidão ou sobre o fim do tráfico de escravo. De 1827 a 1888 tivemos cinco
importantes iniciativas e leis coibindo ou proibindo o tráfico negreiro no país: 1827 - a
postura de José Bonifácio sobre o fim do tráfego negreiro no processo de reconhecimento de
nossa independência em acordo com a Inglaterra; 1831 – o decreto regencial do Pe. Diogo
Antônio Feijó; 1850 – a lei Eusébio de Queirós do ministro Eusébio de Queirós; 1854 – lei
Nabuco de Araújo. Enfim, do decreto regencial de 1831 a lei Áurea de 1888, Foram
necessários mais de 50 anos, para que de fato, colocassem essas idéias em prática. Idéias essas
que estão intimamente ligadas aos interesses políticos e econômicos que se seguiram por esse
mesmo período - até 13 de maio de 1888.

As motivações, como se sabe, que levaram o país para a libertação dos escravos,
vão, naturalmente, do próprio negro, passando por simpatizantes, como os conjurados
baianos, contribuindo os ingleses por motivos econômicos e os republicanos por motivos
políticos. Esses últimos, no final do Segundo Reinado, se aproveitaram da imagem desgastada
da monarquia afetada pela guerra do Paraguai, para galgarem lugar de destaque no cenário
político brasileiro. Não menos importantes alguns monarcas como Joaquim Nabuco a, que
viria a ser o grande abolicionista, ao lado de colaboradores como, Castro Alves b, José do
Patrocínioc e tantos outros, também foram decisivos nesse processo de transição do trabalho
escravo para o livre. Somando-se a tudo isso, a influência liberal, como se sabe, influenciou
categoricamente esse novo raciocínio, no qual voltaremos mais adiante.

Nesse momento – do final do XIX -, o negro é livre, e a discussão se desenvolve


em torno dessa nação multiétnica.

A passagem da história brasileira entre a Monarquia e a Republica foi marcada


por discussões a respeito da abolição do trabalho escravo e do fim do trafico negreiro. A
inclusão dos negros, dos índios e dos mestiços na vida social, política e econômica do país.
Este trabalho em forma de artigo busca entender como o pensamento social brasileiro evoluiu
nesse período com relação a esses temas. Como ele se apresentava através da intelectualidade
brasileira da época e nas discussões da nova formação social do Estado brasileiro.

a
Abolicionista e diplomata do segundo império. Considerado um político mais apaixonado pelas reformas, do
que pela rotina partidária. Enciclopédia Britânica do Brasil.
b
Um dos mais populares poetas brasileiros. Da geração dos românticos. Enciclopédia Britânica do Brasil.
c
Filho de uma escrava e de um cônego. Devido as suas origens enfrentou grandes dificuldades sociais para se
ascender. Jornalista, escritor e abolicionista. Enciclopédia Britânica do Brasil.
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Percebemos na análise, que as discussões nesse período semi-republicano eram
pautadas em torno de debates étnicos. Concluímos que esses intelectuais menosprezavam a
formação étnica do povo brasileiro devido a sua mestiçagem e negritude. Posição essa, que
estava em conformidade com as teorias européias de inviabilidade do Brasil devido aos traços
físicos e as misturas éticas do povo.

Este trabalho está atualizado com as novas descobertas teórico-científicas, haja


vista, que na recente república, ainda se utilizava o termo raça ao invés de etnia.
Praticamente, em torno de todo o primeiro capítulo, quando utilizamos o termo etnia,
queremos muitas vezes dizer raça (porque era assim que pensavam à época).

A nossa hipótese é de que esses conceitos, e o próprio pensar brasileiro sofreram


ajustes. Tentamos marcar essa evolução no pensar da intelectualidade brasileira no período
pós Primeira Guerra Mundial (1914-1918), devido às transformações que o próprio mundo
sofreu com ênfase as ideologias nacionalistas, as descobertas científicas e tecnológicas. A
urbanização, as novas classes sociais que surgem, os partidos políticos, a politização das
massas e as produções literárias. Qualificou-se melhor a intelectualidade brasileira, mas foi
sobretudo, por um retorno às nossas bases culturais, que criamos um juízo de procedência. A
partir daí, não discutíamos mais sobre a nossa etnia, nem sobre o branqueamento da pele, mas
sobre nossa cultura e nossa gente. Aquilo que nos une e nos torna cidadãos. Que nos torna
uma nação e um povo.

O terceiro momento que pesquisamos, foi no desenvolver da década de 20,


quando novos intérpretes se juntaram na discussão dos temas de interesses nacionais, como
poderá ser verificado no terceiro capítulo, contribuindo de forma singular para a formação de
nossas peculiaridades.

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Um Brasil Mestiço: a questão da raça na passagem da monarquia a república

Na passagem do Brasil da monarquia à republica, escritores, políticos e cientistas


repensaram a identidade cultural e política do país em meio às novidades e transformações
que se avizinhavam – como a Liberdade prometida pela abolição; a Igualdade oferecida pela
nova constituição – que prometia transformar todos em cidadãos; a adoção do trabalho
assalariado; a queda da monarquia; os conflitos da nascente república; dúvidas sobre o futuro
do país; o futuro da agricultura; a necessidade de substituir a mão-de-obra escrava; o africano
e os seus descendentes; a tentativa da democratização do voto. Conforme depoimento abaixo
de um pesquisador estrangeiro, patrocinado pela Unesco d, já se percebe que os direitos
estendidos aos negros, mulatos, índios e mestiços, seriam no campo jurídico, não da inclusão
social e econômica de fato. Assim como demonstra também que a partir da abolição haveria
uma tendência à valorização do mestiço – do menos negro – em detrimento dos mais pretos:

“No Brasil, desde que o negro e o mulato tiveram acesso à


liberdade eles gozaram dos direitos cívicos e participaram da
vida pública. Grande número de indivíduos descendentes,
parcial ou totalmente de africanos exerceram um papel
importante na vida cultural e política do Brasil”. (...) ”no
momento da abolição da escravatura a classe livre
intermediária, formada de representantes dos grupos raciais
negros, índio e branco e um grande numero de mestiços, era
numericamente mais importantes do que a elite branca, de um
lado, e do que a classe dos escravos negros, de outra
parte”(Charles Wagley, races et classes dans le brésil rural,
drukkeij, wormerveer et amsterdam, unesco, 1951, p. 7. apud
Cônego José Geraldo Vidigal de Carvalho. A Escravidão:
Convergências e Divergências. 1988. p. 40).

Embora os temas para discussão estivessem definidos com muita clareza, esses
pensadores se depararam com o próprio entrave do preconceito, aliado às suas próprias
covardias perante às campanhas de inviabilidade do Brasil como nação - devido ao
cruzamento das etnias - disseminadas na Europa, EUA e em boa parte do Mundo. Portanto, ao

d
Unesco: Organização Educacional Científica e Cultural das Nações Unidas
4
invés de se discutir temas políticos, sociais e econômicos; discutia-se a respeito do
branqueamento da pele, e da cultura européia como um padrão de perfeição a ser seguido a
todo custo. Os atrasos eram atribuídos à grande diversidade étnica de sua população e não a
empáfia de seus mandatários, ou seja, novas exigências estrangeiras conduziriam o pensar
brasileiro para essa direção, como veremos em momento oportuno. Esta colocação de
Ventura, já pode dar uma introdução ao problema: “Os letrados se mostravam divididos entre
a valorização dos aspectos originais do povo brasileiro e a meta de se construir uma
sociedade branca de molde europeu”. (Ventura. S.d. 331).

Consideravam o Brasil como uma nação multiétnica ou sociedade de etnias


cruzadas. Miscigenação extremada; desvantagem evolutiva; ameaça à civilização – riscos de
degeneração ou esterilidade. A partir dessa perspectiva, José de Alencar; Joaquim Nabuco;
Silvio Romero; Nina Rodrigues e Euclides da Cunha, como grandes pensadores da época se
debruçaram sobre o assunto:

“Adotavam teorias sobre a inferioridade das raças não-


brancas e das culturas não-européias, ao mesmo tempo que
buscavam as raízes da identidade brasileira em manifestações
compósitas e mestiças”.(Ventura, s.d., 331).

a) Diferenciação das posições de Alencar e Nabuco

José de Alencar era um romântico que via o índio como símbolo de autonomia
frente à metrópole. Deputado do Império e escritor com uma visão literária pró-escravo.
Embora suas obras tentassem exaltar os índios, mestiços e negros, na verdade, exaltavam a
própria cultura branca – concebendo a arte como expressão idealizadora da sociedade branca
e cosmopolita, cujo domínio político e cultural seria a pré-condição para a civilização
moderna. (Ventura. s.d.).
Como deputado, Alencar era favorável a manutenção da escravatura, votou contra
a lei Visconde do Rio Branco ou do ventre livre (1871) e não aceitava a intervenção estatal no
círculo familiar dos patriarcas. Como escritor, colocava o índio, o mestiço e o negro no
“centro” das atenções. Um pensamento dúbio e de difícil entendimento.

5
O professor e escritor Flávio Aguiar, em seu livro Panorama da Literatura, afirma
que Alencar exaltou o índio através do personagem Peri porque estava imbuído de um
sentimento nacionalista e entregue ao desejo de criar uma literatura brasileira autônoma: “De
Peri em diante (...) a História portuguesa voa pelos ares...” (Aguiar, op cit p. 30). Mas em
Cartas de Erasmo (1865) Alencar afirma que a escravidão era um “fato social necessário”.
Que só poderia ser abolido com a evolução da sociedade brasileira, pois a emancipação
prematura traria ameaças à estabilidade da monarquia e da agricultura. (José de Alencar,
Cartas de Erasmo (1865) obras completas Rio de Janeiro 1959-60 vol 1 p. 1.059 apud Ventura
s.d. p. 335).

Joaquim Nabuco era um crítico ferrenho dessa “contradição”. Mas se como


escritor, Alencar só queria exaltar a raça branca, onde está a contradição? E se Nabuco, estava
preocupado com a “linha negra” onde estava a sua preocupação com o negro? “O cativeiro
era para Nabuco, uma “linha negra” que limitava e comprometia não apenas o teatro do
país, como sua própria civilização” (Ventura, op cit p. 335) - Talvez fosse até uma forma de
Nabuco proteger a imagem do negro, tão desgastada e atacada – o grifo é nosso. Não
sabemos com precisão, se Nabuco era contra a existência do negro, mais com certeza
demonstrou ser contra o cativeiro. O fato é que devemos fazer justiça a Joaquim Nabuco –
seus discursos foram de grande coragem e importância – dizia que a escravidão impediria o
influxo de novas idéias e de uma formação de uma opinião pública, ao corromper as
instituições políticas: “as senzalas não podem ter representantes, e a população assalariada e
empobrecida não ousa tê-los” (Ventura, s.d.).

Deve-se concordar com Nabuco também, quando afirma que a campanha


abolicionista coincidiu com a aparição de uma opinião pública, e com uma imprensa mais
atuante. Aliada ao discurso dessas novas tensões que surgiam, pregava-se o estímulo a
indústria, ao trabalho livre e a introdução de eleições diretas.

Agora estamos no final do Segundo Reinado. Eram imperativas essas idéias


abolicionistas. Nabuco também defendeu imposto territorial antilatifundiário; reforma agrária;
queria instituir a pequena propriedade e fixar o ex-escravo a terra; pregava a emancipação dos
escravos e a democratização do solo. E conclui no abolicionista: “acabar com a escravidão
não nos basta; é preciso destruir a obra da escravidão”. Segundo ele, “a abolição não foi
causa da República”, (talvez nem da monarquia, mais de um monarca) – o grifo é nosso.
Dizia que o Partido Republicano nunca se mostrou partidário da abolição: “a mim, me sobra

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consciência de que estou com o povo defendendo a Monarquia, porque não há, na república,
lugar para os analfabetos, para os pequenos, para os pobres”.e

b) Pensamento de Silvio Romero

Defendia o naturalismo f e o evolucionismo – critérios científicos para a análise da


cultura e da literatura – escravos e libertos de máquinas econômicas para objeto de ciência.
Combateu o romantismo e propagandeou o evolucionismo. Para ele um romantismo com o
indígena e a questão da escravidão eram valorizados em detrimento de estudos afro-
brasileiros. Abordava o papel das etnias e da mestiçagem na criação do folclore. Apelava pela
abolição dos escravos: “desafortunados que nos ajudaram a ter fortuna e cativos que nos
auxiliaram na conquista da liberdade”. Combateu o romantismo e fez propaganda do
abolicionismo, porém de forma lenta e gradual, o que demonstra certa contradição.

Para ele o folclore brasileiro teria sido criado graças à atuação do mestiço, o
“agente transformador por excelência”, formado a partir de cinco fatores: o português, o
negro, o índio, o meio físico e a influência estrangeira. Para ele a literatura deveria ser a
expressão da etnia e do povo.

Romero investigava a contribuição da cultura das etnias na sociedade. Valeu-se de


uma teoria que valorizava o negro para combatê-la e inverter o resultado contra o negro. Onde
os germanos, eslavos e saxões caminhavam para o progresso; os celtas e latinos mostrariam
decadência e os portugueses seriam um povo inferior. Estando atrás somente os negros e
índios. A partir daí, ratificou a teoria do servilismo do negro, a preguiça do índio e o gênio
autoritário e tacanho do português; Que produziria uma dependência cultural e psicológica,
devido à mistura de “raças”. Donde foi produzida uma nação uniforme e sem qualidades
fecundas e originaisg. Conclui que houve uma “falta de seriação nas idéias” e a “ausência de
uma genética” – portando, pregava o branqueamento a partir da lei do evolucionismo –
sobrevivência do mais forte. A miscigenação seria uma fase de transição que serviria para
adaptação. E o elemento branco teria sido o vencedor. Previa o branqueamento da população
brasileira em três ou quatro séculos.

e
(discurso num meeting popular na praça de S J do Riba-Mar – 05/11/1884)

f
Doutrina religiosa e filosófica dos que atribuem tudo à natureza como primeiro princípio, sem recorrer a causas
ou intervenções transcendentais. (BUENO, Silveira. Dicionário Escolar).
g
Silvio Romero, Estudos sobre a poesia popular no brasil - RJ Laemmert 1888 p. 355.
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c) Pensamento de Nina Rodrigues

Nina Rodrigues era médico e etnólogo, escreveu Os Africanos no Brasil – 1932 e


As Coletividades Anormais – 1939. Seu objeto de estudo era sempre o negro ou o afro-
brasileiro. De início se preocupou com a cultura e os fenômenos de sincretismo desses povos.
Nina Rodrigues utilizou-se de dois métodos de estudos: frenologiah e antropometriai, que
determinavam a capacidade humana a partir do tamanho e da proporção do cérebro dos
diferentes povos. Portanto, chegava a afirmar que a loucura, a criminalidade j e a degeneração
poderiam ser determinantes previstas e entendidas a partir dos cruzamentos étnicos. E
chamava essa população de fraca e doente.

O seu discurso seguia um certo antagonismo, ao mesmo tempo em que afirmava


que a campanha abolicionista deveria continuar, e que os escravistas erraram por subjugar os
negros, também afirmava que eles, os negros, eram inferiores. E que os dois discursos
poderiam seguir juntos sem problemas. Aí, muito se aproximava a Francisco Adolfo de
Varnhagen, historiador do século XIX.

Voltando a questão liberal, conforme prometido na introdução, a maioria dos


homens formados na época imperial, o eram em advogados, conhecidos como: “homens da
lei”. Rodrigues foi o fundador da medicina legal no país. Estava pronto a dar sua colaboração
“científica” à causa branca. Ao contrário dos juristas, e que tendo um caráter liberal, pregava
a liberdade, a igualdade, e a fraternidade. Tendo que promover uma lei universal que tratasse
do homem, independente de sua classe social ou de um gordo quinhão. Sem o saberem,
estavam travando uma batalha, que perduraria ad infinitum.

Para Rodrigues, os não-brancos do sertão representavam uma ameaça aos brancos


do litoral. Já o negro devido a um atraso evolutivo e os mestiços pela degeneração psíquica

h
Frenologia: Estudo do caráter e das funções intelectuais humanas com base na conformação do crânio.
(BUENO, Silveira. Dicionário Escolar, p. 406).
i
Antropometria: Técnica de tomada e confronto sistemático das medidas do corpo humano. Surgida no século
XIX, tornou-se indispensável na paleoantropologia. Antropometria. Inicialmente utilizada em teses duvidosas
sobre a superioridade racial ou individual, a antropometria no século XX tornou-se técnica indispensável à
paleoantropologia, contribuindo para o conhecimento efetivo da evolução dos hominídeos (Família de
mamíferos da ordem dos primatas, cuja única espécie atual é o homem (Homo sapiens sapiens). Encyclopaedia
Britannica do Brasil.
j
Esses estudos foram desenvolvidos por André Retzius, Cesare Lombroso e Paul Broca, que determinavam a
capacidade humana a partir do tamanho e da proporção do cérebro dos diferentes povos. A loucura, a
criminalidade e a degeneração poderiam ser previstas e entendidas a partir dos cruzamentos raciais, que
produziam uma população fraca e doente.
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não poderiam contaminar os brancos. Ou seja, os brancos não poderiam ser contaminados por
costumes e superstições africanas. Ao contrário de uma lei universal, conforme queria os
juristas, propôs critérios diferenciados de cidadania e a divisão da legislação penal em vários
códigos, adaptados às condições climáticas e raciais de cada uma das regiões do país. Logo, o
negro como um ser num estágio infantil e mais propenso ao erro, deveria ter sua pena
atenuada. O antagonismo disso tudo, é que os direitos de cidadania seriam cerceados na
mesma proporção. Quando a coerência seria dar mais a quem menos tem. O grifo é nosso.

d) Pensamento de Euclides da Cunha

Euclides da Cunha também adotou formas sincréticas de literatura, religião e


cultura como forma de analisar a sociedade e se comunicar intelectualmente. Quando
observado Os Sertões, percebe-se o enfoque médico etnológico de Nina Rodrigues. Apriori
julgava o líder da Revolta dos Canudos – Antônio Conselheiro – como um doente que sofria
de uma “psicosek progressiva” ou de “delírio sistematizado” e que o mesmo teria, através de
seus atos, sintetizado e incorporado às superstições das raças populares sertanejas, que
reviveram as tendências impulsivas das raças inferiores, condensadas no seu “misticismo
feroz e extravagante”. Não acrescentava nada de novo quando afirmava que a mistura de
brancos e negros, geraria neurastênicosl e desequilibrados. O diferencial é que valorizava o
mestiço (do sertão) que apresentaria vantagens sobre o mulato (do litoral), devido ao
isolamento histórico e a ausência de componentes africanos. Isto é verificado quando
afirmava que “o sertanejo é sobre tudo um forte”. Somente isso, um forte capaz de sobreviver
por longo tempo às condições adversas da região do sertão nordestino. Em Os Sertões,
Euclides da Cunha, define os sertanejos como: “desconhecidos singulares, abandonados há
três séculos”, ao tempo em que os reconhecia como exemplos de brasilidade. Também não
acrescentou nada de novo quando construiu uma teoria fatalista para o Brasil, devido aos
choques entre etnias. Euclides passa uma idéia de que o problema do nosso país é geográfico,
quando fala da proeminência sertaneja sobre a litorânea, baseado na teoria de que o homem
do sertão seria autóctone, isolado geograficamente. Os problemas não eram colocados como

k
Psicose: Designação genérica de diversos processos mórbidos de desintegração da personalidade, acompanhada
de grave desajustamento do indivíduo ao meio social. Também chamada de Esquizofrenia: Distúrbio psíquico
caracterizado por dissociação mental, que provoca perda de contato com a realidade. Pode ser simples,
hebefrênica, catatônica ou paranóide. Encyclopaedia Britannica do Brasil.
l
Neurastenia: neurose caracterizada por astenia, cefaléia, irritabilidade, grande preocupação com a saúde e
alteração do sono. (BUENO, Silveira. Dicionário Escolar, p. 652).
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conseqüência de desigualdade social ou econômica. Nina desdenhava o Sertanejo, porque
esse foi dominado, e Euclides o valorizava porque este resistiu com bravura. E ambos não
davam valor ao mulato e nem ao negro. O grifo é nosso.

e) A Solução Do Branqueamento

O próprio termo é claro e já diz muito. As teorias de mestiçagem ganharam


ímpeto e daí para a do branqueamento foi um salto. Foi elaborada para diminuir ou eliminar a
“contradição” entre a realidade étnica, o racismo científico e o liberalismo progressista.
Portanto, aceitando a superioridade da raça branca. Para Romero e Euclides essa foi uma
forma também de escapar à armadilha determinista de autores europeus e norte-americanos,
que condenavam o Brasil ao atraso, devido a sua mestiçagem.

Romero propôs o “branqueamento” como saída para reabilitar as etnias


consideradas inferiores, (sem contestar os fundamentos do racismo). Fundir para extinguir as
etnias tidas como inferiores. Na teoria produziria uma população cada vez mais “clara”, pois
os brancos enquanto “grupo superior” predominariam na mistura. Romero arriscou de três a
quatro séculos para a mudança, segundo ele as leis evolutivas tornariam “inevitável” a vitória
do branco. O antropólogo João Batista, diretor do MNRJ m, dava apenas um século para o
desfecho. Para tanto, precisavam de brancos europeus, os quais se prestariam muito bem ao
serviço de branquear a sociedade brasileira. Os imigrantes asiáticos e africanos não serviam
por razões obvias já relatadas anteriormente. Mais tarde, Sílvio Romero, recuou e concluiu
que a mistura, na verdade, seria uma desvantagem. Porque a partir daí, os povos resultantes
seriam sempre inferiores.

Com um atraso de 40 anos, novos elementos somam-se à discussão do tema e


agora ela tomaria um novo rumo. A partir dos anos 20 do século passado, a ênfase foi dada ao
social, ao cultural e ao econômico.

m
Museu Nacional Histórico do Rio de Janeiro.
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O Brasil do pós-guerra: Anos de Transformações

Vendo por uma ótica otimista, podemos dizer que a 1ª Guerra Mundial fez muito
bem ao Brasil. Essa declaração não é xenófoba não, evidente que nós pesamos pelo horror e
destruição que toda guerra traz. E temos certeza de que os problemas trazidos pela Primeira
Guerra Mundial (1914-1918) foram muitos. O que queremos dizer agora, é que momentos
difíceis como aquele podem fazer uma nação inteira refletir sobre sua história. Se não uma
nação inteira, pelo menos um grupo dela: intelectuais, políticos, médicos, militares,
empresários, educadores e artistas. Vale a pena dizer, que na Europa pós-guerra, o
nacionalismo continuou sendo fomentado e ganhou milhares de adeptos. No Brasil não seria
muito diferente, todos estavam preocupados com sua história e tentavam unir o passado ao
futuro para tomarem novos rumos pós 1ª Guerra Mundial. Cada grupo estava preocupado em
analisar o cenário brasileiro de acordo com sua capacidade e seu campo de interesse. Olavo
Bilac se preocupava em fechar as fronteiras, obrigar os civis ao alistamento militar
obrigatório, preparar, treinar e armar os militares mais do que já havia sido preparados até
aquele momento, dentre outras propostas. Outros iriam ensejar algumas transformações nas
instituições nacionais. Exigiriam uma modernização nas nossas leis, começando pela nossa
Constituição, que era de 1891, considerada por boa parte dos intelectuais, como obsoleta. E
isso por três motivos principais: “A Constituição de 1891 estava (...) ultrapassada, (...)
possuía inspiração externa e assegurava grande poder aos estados em detrimento do poder
central”. (CPDOC/FGV).

O Brasil como qualquer outra parte do mundo estava passando por


transformações. Seja de ordem política, seja de ordem social. O Partido Comunista havia sido
criado em 1922. Eclodiram grandes greves nas principais cidades do país a partir do final da
década da segunda década do século XX. Como nas outras partes do mundo, aqui o
movimento operário também ganhava força e reivindicava melhores condições de vida e de
trabalho e não apenas aumento de salário. Este tema mobilizava e opunha diferentes
seguimentos da sociedade. No campo arquitetônico, a Capital estava passando por uma
transformação para receber os ilustres convidados para as comemorações do Centenário de
Independência. No campo cultural, a Semana de Arte Moderna acontecia em São Paulo em
1922. No campo político, o Movimento Tenentista foi outro acontecimento importante,
merecendo destaque a Marcha dos 18 do Forte em 1922. Algumas dessas questões iriam
incomodar muitos intelectuais brasileiros, como por exemplo, o escritor Lima Barreto, que

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criticou o governo republicano por estimular a separação de dois mundos que não podiam
viver separados, pois um dependia do outro: o mundo dos privilegiados e o mundo dos
deserdados, ou a cidade européia e a cidade indígena (Recordações do Escrivão Isaías
Caminha).

O nosso passado sempre esteve por um fio. Se no Brasil, o ditado popular: “o


Brasil é um país sem memória” vem se sustentando por muitas gerações, devemos suspeitar
de que deve haver um fundo de verdade. Eric Hobsbawm em seu livro Sobre história
trabalhou o passado por quatro aspectos interessantes: o passado como padrão; o passado
como modelo; o passado como rejeição; e o passado com genealogia e cronologia.

Sobre o “passado como padrão”, o presente seria uma reprodução dos principais
aspectos da sociedade estudada. O aspecto da moral, o político e o religioso estariam
praticamente intactos. Essa sociedade estaria quase que fechada às novidades externas. Sobre
o “passado como modelo” haveria um contato maior entre uma sociedade e outra, onde certos
padrões culturais teriam sido assimilados e inovações incorporadas. Nesse caso, o passado
não formularia mais conceitos, o que era padrão em alguns casos deixou de ser, e em outros,
passou a ser apenas um modelo. O outro aspecto que nos interessa, é o “passado como
rejeição”, neste caso Hobsbawm afirma que o problema maior é legitimar a mudança, a
inovação e apresenta dois problemas: como identificar a “inovação” e o “progresso”? E o
segundo: como formular um modelo de sociedade, sem as prerrogativas do passado?
(Hobsbawm, op cit, 1998).

Hobsbawm inicialmente deixa claro que não haveria nenhum problema em rejeitar
o passado. Desde que não fosse às vésperas de grandes mudanças. E também propõe que é
possível rejeitá-lo, desde que não se perca o “alicerce do passado”. Sem querermos devagar
muito com esses problemas, para caracterizar o nosso tema dentro dessa base teórica colocada
por Eric Hobsbawm, devemos fazer a seguinte pergunta, qual tem sido a relação do Brasil
com o seu passado até o inicio da década de 20 do século passado?

Pelo que vimos até agora, tem sido de rejeição, e num grau muito pequeno, de
modelo. Esses novos elementos culturais é que vão tentar reconciliar o Brasil com seu
passado. Oswald de Andrade, por exemplo, iria responder: "O passado é lição para se
meditar, não para reproduzir" (Andrade, Mário de Encyclopaedia Britânnica do Brasil), ou
seja, iria preferir um passado como modelo.

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Esse dualismo está presente, sobretudo, porque nas primeiras décadas do século
XX entrecruzam dinâmicas diferentes: industrialização, urbanização, crescimento do
proletariado e do empresariado de um lado. E do outro, tradição colonialista, latifúndios,
sistema oligárquico e o desenvolvimento desigual das regiões. Sobre essa dicotomia, Lima
Barreto ainda afirmou: “Nós não nos conhecemos uns aos outros dentro do nosso próprio
país”. (Lima Barreto, Apud CPDOC/FGV).

Fica patete então que a década de 20 do século passado foi uma década de
contrastes e confrontos, continuidade e mudanças. Contrastes esses que foram o epicentro das
discussões: Qual imagem que o Brasil deveria ter? Qual a cara do Brasil? Eram os tempos
modernos. O tempo das Kodaks, do Cinema, das Revistas, era natural que quiséssemos criar a
nossa imagem, ou melhor, criar e resgatar simultaneamente. A mesma discussão que
acompanhamos anteriormente, e agora ela continuava, só que numa outra dinâmica. Aquele
passado que os intelectuais do final do Império e do começo da Republica repudiaram,
renascia com mais força.

“A tarefa que se impunha era a de construir a nação, e isso


significava também repensar a cultura, resgatar as tradições,
costumes e etnias que haviam permanecido praticamente ignorados
pelas elites, A questão da identidade nacional estava agora em
primeiro plano: que cara tem o Brasil? (CPDOC/FGV).

Nós não nos conhecemos uns aos outros dentro do nosso próprio
país”. (LIMA BARRETO, Apud CPDOC/FGV).
Para responder a essa pergunta, muitos se dispuseram, inclusive o próprio governo
federal, no sentido de estimular e financiar a Exposição Universal do Rio de Janeiro de 1922 e
a Semana de Arte Moderna de 1922.

13
O Brasil dos anos 20: Novos elementos somam-se a discussão

Dando continuidade a linha de pensamento das colocações anteriores, o grupo que


nos interessa agora nessa parte é o grupo daqueles que se preocuparam em compreender a
cultura brasileira, vivê-la e irradiá-la. Não só a cultura, mais aqueles escritores que de alguma
forma somaram esforços para a compreensão do nosso tema de monografia, que é a evolução
do pensamento social brasileiro, focando a questão de etnia, da cultura e da nação. Vimos, no
1º capítulo que na passagem da Monarquia à República, os principais intelectuais ainda
tinham um conceito de cultura um tanto desatualizado, presos ao conceito de reça e a certas
teorias discriminatórias. Faziam uma análise superficial do assunto e até geográfico, bem
como, ficou constatado que muitos deles estavam presos a dogmas políticos e até a uma
posição social pouco independente que não lhes permitia serem mais progressistas em seus
ideais. No segundo capítulo vimos que devido a 1ª Guerra Mundial e às transformações que o
Brasil sofreu a sociedade repensou sua história.

Iremos agora analisar alguns movimentos culturais que colaboraram com


subsídios para a formação da identidade nacional até os anos 20. Elementos que permitiram
que os excluídos saíssem do anonimato e ganhassem um rosto e uma voz. Elementos que
permitiram que o Brasil tivesse ingredientes aglutinadores para a formação da sua identidade.
O intelectual dos anos 20 era intimado a não se calar:

“Tomados deste sentimento de orgulho e resignação, os


intelectuais brasileiros se auto-elegem executores de uma missão:
encontrar a identidade nacional, rompendo com um passado de
dependência cultural. Verifica-se, portanto, uma mudança
radical na forma de conceber o papel do intelectual e da
literatura. A idéia corrente é a de que o intelectual deve
forçosamente direcionar suas reflexões para os destinos do país,
pois o momento é de luta e de engajamento, não se admitindo
mais o escapismo e o intimismo; (...) ele deve deixar de falar de si
mesmo e falar da nação brasileira. (Vellosso, 1993:90 apud
Cadernos da Comunicação Série Estudos: Um olhar bem-
Humorado sobre o Rio nos anos 20: p. 14).

14
O grupo dos verde-amarelos

Esse grupo não representou um dos mais importantes, mais vale a pena citá-lo
porque sua bandeira tinha algo de nobre: propunha um “retorno ao passado”. Não aquele que
representava o atraso, mas a valorização do que tínhamos de melhor: o nosso povo, a nossa
gente. Pregava um protecionismo cultural, via popular, com sua índole pacífica, a alma da
nacionalidade a ser guiada pelas elites político-intelectuais do país.

No manifesto “Nhengaçu verde-amarelo” (1929), defendia as fronteiras nacionais


contra as influências culturais estrangeiras. Era uma tendência artística, de ideologia
integralista, surgida no Brasil após a Semana de Arte Moderna n idealizada por Menotti Del
Picchia, Cassiano Ricardo e Plínio Salgado. Caracterizava-se pelas preocupações políticas e
enfatizava a importância social das obras artísticas. Infelizmente, suas idéias de “poeta-
soldado” seriam mais tarde incorporadas pelo regime autoritário do Estado Novo (1937-
1945). O grupo ainda falava em “Originalidade ou Morte”.

n
Enciclopédia Britânica do Brasil

15
À Margem da história da República

Alguns intelectuais dos anos 20 escreveram importantes ensaios que visavam


definir novos rumos para o país. Esses ensaios foram coletados e reunidos em um livro que
ganhou o título citado acima. Dentre os intelectuais incluíam-se Oliveira Vianao, Gilberto
Amado, Pontes Miranda dentre outros. Na base de seu ideário estava o pensamento de Alberto
Torres. Creditavam na nossa constituição os nossos maiores problemas. Afirmavam que a
Carta de 1891 estava ultrapassada e isso debilitava o governo. Reivindicavam que o país
construísse seu próprio modelo e criasse instituições adequadas à realidade cultural de seu
povo. Essa obra representou os esforços comuns de análise que visava, sobretudo:

“... reformular a sociedade, respeitando as tradições. A


sociedade era vista como um organismo, no qual era
fundamental o papel do cérebro. Esse lugar era ocupado pela
elite cultural e política, e a ela caberia a tarefa de apresentar
o processo de evolução natural que rege as sociedades.
”civilizar por cima””. (CPDOC/FGV).

Nós não nos conhecemos uns aos outros dentro do nosso


próprio país”. (LIMA BARRETO, Apud CPDOC/FGV).

o
Deixou outras colaborações escritas, como Populações Meridionais do Brasil (1920); Evolução do Povo
Brasileiro (1924); O Idealismo da Constituição (1927), etc. (Dicionário Internacional de Biografias, s.d., Rio de
Janeiro, editora formar, V. 1, p. 1.118).
16
A Semana de Arte Moderna

“Com as greves operárias de 1917, 1918 e 1919, inicia-se uma


eclosão de movimentos sociais, culturais, e militares. Essa
verdadeira ebulição política e cultural atinge o seu ápice com a
rebelião tenentista de 1922, com a Semana de Arte Moderna,
enfim, com a busca de um modelo pelo qual fosse possível
reinventar o país e a sua República” (Cadernos da Comunicação
Série Memórias: Diário Carioca. O máximo de jornal no mínimo
de espaço: p. 10).

Embora os livros de História, de uma forma geral, dediquem pouco espaço a


Semana de Arte Moderna, principalmente os didáticos, é salutar dizer que esse movimento
vem sendo colocado pelos veículos mais sérios de análise mais pormenorizada, como sendo
um dos movimentos mais importantes da década de 20, sobretudo pela sua tentativa de
valorizar a cultura brasileira e com isso fortalecer a identidade nacional e cultural. Isso não
quer dizer que houve homogeneidade no movimento, de fato isso não ocorreu. Mas mesmo as
disparidades de idéias só somaram num objetivo maior e último: a valorização da nossa gente
e da nossa produção cultural. A Semana de Arte Moderna não revolucionou apenas a arte,
mas também os costumes, as instituições e a vida social como um todo.
Embora o movimento fosse voltado para dentro, isso não significou que não fosse
absorvido idéias européias. O movimento já fora preparado pelo contato de escritores e
pintores brasileiros com as vanguardas européias. O movimento modernista viria descobrir
um novo sentido para a literatura e um novo Brasil. As características principais do
modernismo foi o confronto do primitivo (liberdade) com a rima e a simetria (imobilidade) as
técnicas atuais.

“... o movimento (...) usava do verso livre, da escrita automática, do


lirismo paródico e buscavam no culto do primitivismo uma expressão
autêntica para o homem progressivamente envolto em técnica e
sofisticação...”. (Aguiar, 1988:59).

17
Interessante também observar, que o movimento de 22 foi um manifesto regional.
Vários observadores têm a Semana de 22 como uma manifestação que priorizava chamar a
atenção não apenas para o nacional, mas, sobretudo para o regional, nesse caso São Paulo.
Essa crítica geralmente partia de pesquisadores também considerados
regionalistas:

“Que me desculpem a caturrice o escritor Graça Aranha, os outros


”modernistas do Rio e de São Paulo e seus correspondentes nos Estados
menores: da minha parte considero a arte de cozinha a mais brasileira das
nossas artes.(...). (Freyre, Gilberto. Região e Tradição. Apud . Seyferth, G. O
Regionalismo da tradição na perspectiva nacionalista: a identidade regional
segundo Gilberto Freyre. In: Fátima Quincas (org..) in: Seminário Internacional
Novo Mundo nos Trópicos, Recife. Fundação Gilberto Freyre, 2002. v.1. p. 180-
186.

Não existe contradição nenhuma na exaltação do regional, como afirma Seyferth


(op cit):

“Diversidade cultural presente dentro de cada segmento constitutivo da formação


nacional, daí insistência com que fala em índios e não num índio singular. (...) a
representação dos diferentes tipos está longe de ser apenas cultural – é, também, racial e de
classe; e a três condições, tomadas em conjunto, caracterizam a formação brasileira”.

A soma desse regionalismo é que gerava a nação, com seus contrastes e que se
completavam e se configuravam na cara do Brasil que temos hoje. A única região que
significava ameaça à unidade nacional, no entendimento de Freyre, era o Sul (Seyferth, op
cit). Hardman, também propõe que a semana de 22, redescobriria o Brasil:

“Entre projeções futuristas e revalorizações do passado, escritos do Brasil na


passagem do século tentavam fazer o que modernismos, depois, adotaria como
programa: redescobri o país” (Hardma, 1992 apud Duarte, Rodrigo Aldeia.
Modernidade e Tradição nos Mordenismos Brasileiros. Morpheus – Revista Eletrônica
em Ciências Humanas. Rio de Janeiro: s.vt., s.f., resgatado em
http:/www.unirio.br/cead/morpheus/N%C3%BAmero%2003%20-
%20especial%20mem%C3%B3ria/Rodrigo%20Duarte.htm -, Acesso 09/06/05.

18
Considerado por muitos o iconoclasta do Movimento de 1922, Oswald de
Andrade sintetizava o lado irreverente do modernismo. Com seu Manifesto Antropofágico, de
1928, recria o índio como expressão da pátria brasileira, mas, dessa vez, elogiando tudo o que
os românticos idealizadores haviam desprezado: a preguiça, o canibalismo, a disposição de
devorar tudo o que os colonizadores traziam para recriar das sobras, organicamente, uma nova
cultura brasileira.

“Oswald foi homem de manifestos – verdadeiros gritos em que


expressava de roldão seus sentimentos e idéias, usando a
estética do choque contra a burguesia e inventariando toda a beleza
selvagem e bárbara do Brasil, de sua cultura, em face da decadente
e anêmica cultura européia importada”, (Revista Problemas
Brasileiros SESC-SENAC / SP Nº 366 Ano XLII Novembro /
Dezembro 2004. p. 45).

Isso também representou uma revolução para a época, sugerir que continuássemos
a comer o que vinha de fora o era quase um insulto. Mas, dessa vez, amadurecidos o
suficiente para sorver somente aquilo que iria acrescentar à nossa cultura, e não subtrair dela,
embora nas palavras de Amaral: O nacionalismo nesta primeira fase foi a mola do
movimento, não sendo de forma alguma o objetivo. (Amaral, Aracy op cit).

“Os modernistas, além de instaurarem a idéia de arte como


contínua experimentação entre nós, descobriram um “novo”
Brasil, valorizando a linguagem cotidiana, os costumes
populares, o folclore...” (Aguiar, 1988:60).

Segundo Décio Pignatari, Oswald de Andrade, junto com Machado de Assis, e


Euclides da Cunha, são os raros escritores-pensadores que tivemos e diz que ele “rebelaisou,
carnavalizou o não-pensamento brasileiro”. (Revista Problemas Brasileiros, 2004:45).

Essa afirmação é importantíssima. Até a década de 20 do século passado, o maior


pensador-escritor que tivemos foi Euclides da Cunha e Machado da Assis; e Oswald de
Andrade foi colocado ao lado deles. Se existe equiparação entre eles é difícil dizer. Mas, pelo
19
menos, uma idéia fica fácil afirmar: a preocupação com o social, com o cultural e com a
questão da identidade nacional, basta verificar seus manifestos:

O Pau-Brasil:

“A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da


Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos. O carnaval no Rio é o
acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os
cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza
vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança. (...)”( Manifesto
da Poesia Pau Brasil de Oswald de Andrade Correio da Manhã, Rio de
Janeiro, 18/03/1924 apud Revista Problemas Brasileiros op cit p. 45).

E também no Manifesto Antropófago:

“Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente.


Filosoficamente.Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os
individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos
os tratados de paz. Tupi or not tupi that is the question”. e termina assim:
“contra a realidade social, vestida e opressora...”. ( Manifesto da
Antropófago de Oswald de Andrade lançado em 1925, Rio de Janeiro,
apud Revista Problemas Brasileiros op cit p. 45).

Mário de Andrade, também foi um ícone na Semana de Arte Moderna. Inovou


com a Paulicéia Desvairada e se analisada corretamente, verificar-se-á que pretendoa fazer
uma análise de dois mundos que conviviam juntos na Cidade de São Paulo. A cidade de São
Paulo é sua musa que tanto merece elogios como crítica. Segundo muitos autores, ela se
configura num protesto por si só ao desafiar as correntes então dominantes. Nesse sentido,
também representa uma ruptura com a passividade da elite paulista. Se fizermos um esforço,
não será difícil entender que toda essa dinâmica por um novo pensar nacional, de fato nos
empurra para frente, rompendo com a forma arcaizante de olharmos para nossa brasilidade.

20
Podemos concluir que a Semana de Arte Moderna contribui para a formação de
uma identidade nacional.

“Os arroubos dos bandeirantes, sua ambição de enriquecer os levaram a


desbravar a terra selvagem, enfrentando todo tipo de hostilidade”.
“Lutavam com os índios na posse da terra e de riquezas naturais, e estes por
fim acabavam ou apresados ou chacinados”( Paulicéia Desvairada de Mário
de Andrade, Rio de Janeiro).

Na Paulicéia Desvairada havia uma preocupação com o Brasil como um todo. Foi
o grito de independência cultural da metrópole contra o atraso do resto do país. A metrópole
industrial que abrigava burgueses e proletários, caipiras e estrangeiros, palacetes tradicionais e
arranha-céus que começavam a despontar. Mario de Andrade se deu conta do processo de
modernização por que passava a cidade.

Em Macunaíma, Mário de Andrade freqüentemente mistura elementos de


diversas regiões do país, ao buscar desregionalizar sua obra, procurando “conceder
literalmente o Brasil como sociedade homogênea – um conceito étnico nacional e
geográfico”. A grande estudiosa da obra de Mário, Telê Porto Ancora Lopez p, resume bem o
problema:

“Mário de Andrade realizava em suas leituras, pesquisa de palavras, termos e


expressões características dos diversos recantos do Brasil. Grifava e recolhia.
Depois os empregava, nos conjuntos os mais heterogêneos, procurando anular
as especificações do regional, e dar uma visão geral de Brasil (...).É pois,
graças à coleta de palavras que Mário de Andrade desenvolve, que Macunaíma
pode apresentar tão freqüentes enumerações de aves, de peixes. Insetos ou
frutas. Essas enumerações, além de válidas para a quebra do regionalismo,
(...).(Macunaíma. O herói sem nenhum caráter. Mario de Andrade.
www.angelfire.com/mm/macunaima/ Acesso em 14/06/05).

Fica claro, que a contribuição de Mário de Andrade para a quebra de um


regionalismo é pertinente. O que nos permite declarar que Mário assim como Oswald

p
www.angelfire.com/mm/macunaima/ Acesso em 14/06/05
21
contribuiu para o acirramento de um debate em torno das questões nacionais. Ainda sobre
Macunaíma, observe na página seguinte:

“Foi inovando com audácia e rebelando-se contra a mesmice das normas que ele
chegou a Macunaíma, texto que escreveu em 1926 e chamou de rapsódia ao
publicá-lo em 1928. Com enorme sucesso, a obra repercutiu em todo o país por
seus enfoques inéditos. Sob um fundo romanesco e satírico, aí se mesclavam numa
narrativa exemplar a epopéia e o lirismo, a mitologia e o folclore, a história e o
linguajar popular. O personagem-título, um "herói sem nenhum caráter", viria a
ser uma síntese, o resumo das virtudes e defeitos do brasileiro comum. Nascido em
plena selva amazônica, e daí transplantado para o coração febril de São Paulo,
Macunaíma recorre à esperteza e à macumba a fim de derrotar o opressor
estrangeiro: o nacionalismo proposto em 1922, e inseparável da formação do
modernismo, havia encontrado nele sua expressão mais legítima”. Encyclopaedia
Britannica do Brasil.

A contribuição da Semana de Arte Moderna pode ser vista ainda nos dias de hoje.
Como bem afirmou a professora de Literatura da USP Maria Augusta Fonseca em artigo no
jornal O Mundo:

“Das sementes deixadas pela semana, muitas vingaram, deram frutos, se


transformaram, direcionadas pelas necessidades e armadilhas dos tempos.
(FONSECA, 2000) cita as mudanças que tiveram a música popular
brasileira, nos anos 70; os temas sociais e prosaicos nas letras de Chico
Buarque de Holanda.

22
f) A Boemia Carioca
Conforme a citação de Velloso no capítulo anterior, a intelectualidade no pós-
guerra foi chamada a se engajar. “A turma da Ouvidor” como era chamada parte da Boemia
carioca, associava retórica e humor para falar de um mesmo assunto: nacionalidade, cultura,
política, dentre outros temas. E estando em dia com os novos conceitos, tinham suas intenções
sociais bem definidas:

“Eram nítidas as intenções sociais por parte dos intelectuais nas duas primeiras
décadas do século XX. O que se pregava eram conceitos éticos bem definidos;
assim, termos como humanidade, nação, bem, verdade e justiça faziam-se
lugares-comuns entre nossos intelectuais”. (Sevcenko, 1989:22 Literatura como
missão apud Cadernos da Comunicação Série Estudos: Um olhar bem-
Humorado sobre o Rio nos anos 20: p. 14)

Entre seus principais integrantes estavam, José do Patrocínio Filho, Raul


Perdeneiras, João do Rio, Lima Barreto, Kalixto, e outros. As revistas e periódicos de humor
serviam como excelentes veículos de comunicação, bem como os jornais convencionais onde
se publicava caricaturas. Esses escritores se manifestavam sempre que o assunto era de
interesse nacional, como por exemplo, na exposição de 1922 em comemoração ao Centenário
da Independência do Brasil, onde afirmava que deveria haver uma “inserção definitiva no
moderno mundo das grandes potências” (Resende, Beatriz. Lima Barreto e o Rio de Janeiro
em fragmentos. 1994:129 apud Cadernos da Comunicação Série Estudos: Um olhar bem-
Humorado sobre o Rio nos anos 20: p. 17.

Praticamente, todos os periódicos eram a favor da exposição, parecendo que o


nacionalismo estava na alma de cada um deles. As revistas O Malho, Careta e D. Quixote se
posicionaram a favor da exposição, vendo-a como uma espécie de marco de nossa inserção no
mundo das grandes potências. (A Exposição de 1922, órgão de propriedade de Comissão
Organizadora. Rio de Janeiro, 1922 apud Cadernos da Comunicação Série Estudos: Um olhar
bem-Humorado sobre o Rio nos anos 20: p. 18.)

Nas charges feitas por Kalixto, Raul J. Carlos, Sorni, Yantok, e outros, o
Centenário da Independência era retratado como um personagem velho, que já deveria ter
chegado a muito tempo, um personagem que estava sempre tentando se aproximar da cidade.

23
Quando perguntado sobre o andamento das obras, respondia com tristeza e preocupação que
elas estavam muito atrasadas.

Percebe-se que a intelectualidade, ainda que por um ufanismo, estava engajada na


reconstrução da cidade, acreditando que essa imagem seria contemplada por todo o território
nacional. Comemorava o Centenário da Independência como se fosse a festa de todos; e não
uma festa regionalizada. Nascia assim, desde a metade da década de 20 do século passado um
espírito nacionalista. A boemia carioca assim contribuía para a formação da identidade
nacional junto com São Paulo, sendo as duas cidades mais importantes da federação.

Entretanto, conforme descreveu muito bem José Murilo de Carvalho, nesse


período até a Capital tinha seus males:

“Na Republica que não era. A cidade não tinha cidadãos. Para a grande maioria dos
fluminenses, o poder, permanecia fora do alcance, do controle e mesmo da compreensão. Os
acontecimentos políticos eram representações em que o povo comum aparecia como
espectador ou, no máximo, como figurante”.“(...)”. “Impedida de ser republica, a cidade
mantinha suas republicas, seus nódulos de participação social, nos bairros, nas associações,
nas irmandades, nos grupos étnicos, nas igrejas, nas festas religiosas e profanas e mesmo nos
cortiços e nas maltas de capoeiras. Estruturas comunitárias não se encaixavam no modelo
contratual do liberalismo dominante na política”. (CARVALHO, 1987: 163).

De qualquer forma a cidade do Rio de Janeiro em 1920, era a maior do país. O


maior centro comercial, além de ser a capital da federação. Contava com 1.147,559
habitantes, destes, 790.823 viviam nas freguesias urbanas (quase 70%). E desde o início do
q
século XIX estava em crescimento acelerado, - afinal de conatas foi nessa cidade que a
família Real Portuguesa se fixou em 1808 - a zona norte vinha sendo ocupada próximas da
linha férrea e as grandes empresas da época estavam se deslocando para o subúrbio. O capital
industrial e imobiliário se desenvolve, o transporte coletivo também se desenvolve, e pretos e
brancos, mulheres e homens, pobres e remediados andavam juntos:

q
Fonte Ministério da Agricultura, Industria e Comercio. Apud Cadernos da Comunicação Série Estudos:
Um olhar bem-Humorado sobre o Rio nos anos 20: p. 22)
24
“Ironicamente, foi da evolução destas repúblicas, algumas inicialmente discriminadas,
se não perseguidas, que se foi construindo a identidade coletiva da cidade. Foi nelas
que se aproximaram povo e classe média, foi nelas que se desenhou o rosto real da
cidade, longe das preocupações com a imagem que se devia apresentar à Europa. Foi
o futebol, o samba e o carnaval que deram ao Rio de Janeiro uma comunidadede
sentimentos, por cima e além das grandes diferenças sociais que sobreviveram e ainda
sobrevivem. Negros livres, ex-escravos, imigrantes, proletários e classe média
encontram aos poucos um terreno comum de auto-reconhecimento que não lhes era
propiciado pela política”. (Carvalho, op cit , p. 163-164).

“Nele se sentavam, lado a lado, homens e mulheres, brancos e pretos, pobres e


remediados, cada qual no rumo de suas respectivas atividades. (...)”(Maul,1965:179 apud
Cadernos da Comunicação Série Estudos: Um olhar bem-Humorado sobre o Rio nos anos 20:
p. 24)

O Rio também contagiava pelas festas. A “festa da sobrinha” em Copacabana, o


Carnaval, a Festa da Penha, dentre outras. Todavia, o Carnaval à festa que o povo carioca
mais se identifica. José Murilo de Carvalho em obra já citada, afirma que a República
brasileira impedida de ser República, mantinha na cidade do Rio de Janeiro, suas repúblicas,
seus nódulos de participação social nos bairros, nas associações, nas irmandades, nos grupos
étnicos, nas igrejas, nas festas religiosas e profanas e mesmo nos cortiços e nas maltas de
capoeiras. (Carvalho, 1989), e ainda faz um relato importante na página seguinte:

“Os boêmios, o “povo do lira”, a gente do samba, e com eles os malandros, os


valentes, os capoeiras, sempre acorriam aos festejos da Penha. Mistutavam-se às
famílias (principalmente portuguesas) que lá iam para seus piqueniques regados ao
farto “verdesco”. (Jota Efegê, 1985: 75 apud apud Cadernos da Comunicação Série
Estudos: Um olhar bem-Humorado sobre o Rio nos anos 20: p. 29).

25
De fato, as festas do Rio de Janeiro dos anos 20 do século passado contagiavam
toda a cidade. A da Penha era a mais popular. Todos iam, até os malandros. A cidade ficava
unida em torno da alegria e a polícia se dirigia até a Penha para tentar prender os procurados
pela justiça. Realmente, nesse sentido, a festa da Penha era a mais popular da cidade do Rio
de Janeiro. No entanto, a que mais o povo gostava era o Carnaval, que provocava na cidade
um maior frenesi.

Os intelectuais da Rua do Ouvidor, onde se localizava a Confeitaria Colombo,


principal ponto de encontro da intelectualidade carioca, retrataram esses episódios com muito
humor. Esse regionalismo, assim como os demais regionalismos, são expressões de uma só
nação, brasileira. Seja Pernambuco de Gilberto Freyre, seja a Semana de 22 de Mário e
Oswald ou as festividades e a praia do Rio de Janeiro. Todo esse conjunto simboliza, ainda
hoje, a expressão da miscigenação brasileira, moldando nossas características mais peculiares.

26
Considerações finais

Ao olharmos pelo retrovisor da história, vemos que houve avanços em nosso país
e não pelo “branqueamento” das "etnias", (o que de fato não ocorreu), mais pelo aclaramento
das mentalidades que vieram nascendo. Quem sabe não é o resultado de uma miscigenação de
almas (consciência), em busca de um ideário comum? É certo que mesmo após a abolição,
tais concepções permaneceram triunfando, basta acompanhar as evoluções que sofreram as
constituições brasileiras ao longo de toda a República. Assim, a passos lentos, uma
democracia representativa e à universalização dos princípios liberais e humanos começavam a
se formar e ainda hoje o processo não está totalmente conquistado.

José Carlos Reis em seu livro, As identidades do Brasil, faz uma análise das
tendências da historiografia brasileira. De 1850 a 1930 é caracterizada por ele como um
período de continuidade e descoberta. Os principais pensadores, segundo ele, desse período
foram Francisco Adolfo de Varnhagem e Gilberto Freire. Reis afirma que os que representam
esse grupo trabalharam na identificação das forças que reproduzem e renovam a dependência.
“Preferem o Brasil português ao Brasil brasileiro”. “O Brasil tradicional ao Brasil moderno”.
Reis afirma que a tese do progresso desse grupo é a tese linear e gradual, ou seja, são
conservadores na interpretação de nossa cultura. E que pelo que tudo indica uma forte
influencia positivista.

A análise que fizemos acima, nos mostra que houve uma ruptura com esse tempo.
Ainda que tímida. O pensamento dos intelectuais citado no primeiro capítulo perdeu a força
diante de novos paradigmas, e diante das transformações que o país atravessou, sobretudo,
após a Primeira Guerra Mundial. (Num momento mais para o futuro pretendemos continuar
esses estudos a partir dos anos 30). A partir desse momento, de forma gradual começa a
nascer uma nação. Estruturada, com suas características e particularidades. A falta de
representatividade das minorias ainda nos dias de hoje, não é fruto da mentalidade política ou
social ou econômica hodierna, (ainda que saibamos que existem entidades e personagens que
representam o passado), mas sim, de um passado que ainda se desconfigura na medida em que
o tempo avança. Também, no embate desse passado com novos pensamentos deste presente,
resultando numa "nova química" não vinculada a esse passado, mais ao contrário, pertence a
uma nova safra de gerações, que dará com certeza, novos elementos sociais; capazes de
mudarem o porvir, não só no campo jurídico mais também no social. Pelo menos é o que a
nosso ver vem despontando.
27
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