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Bicho é o que não falta à filosofia. Os filósofos adoram usar animais para metáforas
e exemplos. Não sei quando isso começou. Deve ter sido com Sócrates, que contou
que antes de conhecer Platão, sonhou com um cisne. E não podemos nos esquecer
que Hegel comparou a própria filosofia à coruja de Minerva. Além disso, sabemos
que Marx falou da toupeira como metáfora para a revolução. Quine pegou para
serviçal de sua clássica experiência imaginária o coelho. Wittgenstein tem lá a sua
figura pato-coelho. E Nietzsche, como não poderia deixar de ser, usou de um
zoológico inteiro: ovelhas, ursos, leões e daí por diante. Adorno também: tigres,
cachorros e até mesmo caramujos estiveram na sua mira filosófica.
Bem, para não ficar por baixo dessa onda, um dos fundadores do pragmatismo,
William James, pegou o esquilo. A história é a seguinte, como James mesmo a
relata:
Diante de uma contradição (ou aparente contradição), faça uma distinção: eis aí o
adágio medieval reensinado a James e a nós pelo esquilo. Distinguir, discernir e
perspectivar – quando utilizamos esses três verbos na nossa prática de lidar com a
linguagem, fazemos quase tudo que é necessário fazer para resolver problemas de
filosofia.
“Quando os filósofo usam uma palavra – ‘saber’, ‘ser’, ‘objeto’, ‘eu’, ‘proposição’,
‘nome’ – e procuram apreender a essência da coisa, deve-se sempre perguntar:
essa palavra é usada de fato desse modo na língua em que ela existe?” – E
Wittgenstein complementa, com uma frase que diz o que é sua terapia: “Nós
reconduzimos as palavras dos seu emprego metafísico para seu emprego
cotidiano”.(2)
Para que fique claro como é que a distinção de James é, de certo modo, a terapia
Wittgenstein, vou citar um filósofo que gosta tanto de James quanto de
Wittgenstein. Esse filósofo é Richard Rorty. E, para não fugir da regra, também
aqui vamos falar de animais.
O que Rorty diz aqui é simples. Tudo é descrição ou, de certo modo, uma
perspectiva. O que temos de fazer é seguir Wittgenstein e tirarmos isso do contexto
da linguagem filosófica e trazer isso para a linguagem comum. Uma vez na
linguagem comum, seguimos James e fazemos as distinções necessárias. Uma
coisa é uma descrição que mostra as relações causais entre os dinossauros e seus
ovos, e outra coisa é uma outra descrição das relações (também) causais entre os
dinossauros e nós.
Usamos aqui de dinossauros, mas a inspiração era a do esquilo. Mais que isso é
procurar chifre na cabeça de cavalo – e eis que terminamos, então, citando mais
um bicho.
(1) James, W. O que significa o pragmatismo. In: James e Bergson. Os pensadores. São
Paulo: Nova Cultural, 1989, p. 17.
(2) Wittgenstein, L. Investigações filosóficas. In: Wittgenstein. Os pensadores. São Paulo:
Nova Cultural, 1991, p. 55.
(3) Rorty, R. Truth and progress. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, pp. 77-88.
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